O VALOR DE MERCADO DA TERRA ATRAVÉS DO PRETEXTO RICARDIANO DA RENDA DA TERRA POSTO A COMPETITIVIDADE ESPACIAL E INOVAÇÃO


THE MARKET VALUE OF THE LAND BY THE LAND INCOME RICARDIAN PRETEXT POWERED BY THE SPACE COMPETITION AND INNOVATION


PURL: http://purl.oclc.org/r.ml/v6n2/a3


Gabriel Mota Couto


Resumo. A gênesis do valor de mercado surge por meio da escassez do valor útil. Conforme Ricardo desenvolveu em Princípios da economia política e da tributação (1982), o valor da terra surge da falta de terrenos de primeira qualidade. Contudo, o espaço é mais complexo de que fertilidade e terrenos virgens. O espaço gera vantagens. Tais vantagens nascem e são destruídas constantemente por meio de processos inovadores e interações do próprio espaço. Ademais, o investimento não flui no espaço conforme seria suposto pela teoria geral. O risco e a relação entre o espaço e diferentes espaços distorce a natureza e o desenvolvimento econômico geográfico criando concentrações multifocais.

Palavras-chave: Valor da terra. Risco. Competição.


Abstract The genesis of market value arises through the scarcity of useful value. As Ricardo developed in Principles of political economy and taxation (1982), the value of land arises from the lack of first-rate land. However, space is more complex than fertility and virgin land. Space generates advantages. Such advantages are born and are constantly destroyed through innovative processes and interactions of space itself. Moreover, investment does not flow into space as would be supposed by general theory. The risk and relationship between space and different spaces distort nature and geographic economic development by creating multifocal concentrations.

Key-words: Land value. Risk. Competition.


1 Introdução

A geografia econômica desenvolve-se conjuntamente a economia. Contudo, sobre o desenvolvimento a teoria econômica, como bem lembra Winter & Nelson, a “Compreensão sistemática dos eventos que tomam espaço das firmas individuais nunca tem sido o objetivo de alta prioridade nas pesquisas da maioria dos economistas” (1982, p.51). Conforme isto se aprofundou e a economia se distanciou ainda mais do objetivo de retratar a realidade, outras linhas de pensamento surgiram para confrontar a economia ortodoxa, ao passo em que geografia econômica se ateve a fundamentar-se na falha ortodoxia acadêmica que dominou a economia até o século vinte. Contudo, no âmbito da aplicabilidade nos meios empresariais, as escolas neoschumpteriana, com propostas evolutivas de mercado, e a escola competitiva e estratégica administrativa tomaram as rédeas do desenvolvimento empresarial e passaram a se tornar as leis econômicas do mercado nas grandes corporações. Contudo grande parte dos economistas, principalmente no Brasil, não se renderam as novas tendências e se mantiveram embasados em correntes as quais Henderson (1980) determina como “estéreis”. Sendo assim, não apenas a economia necessitando um novo desenho que possa corresponder a realidade do mercado, mas também grande parte geográfica econômica, esta que se fundamentou durante gerações de pensadores em teorias de fundamentações e, evidentemente, conclusões falhas. Desta forma, o presente trabalho busca apresentar outras formas de análise sobre o impacto do espaço sobre o processo econômico através do retorno ao fundamento da gênesis do valor e da renda da terra ricardiana, para então ser desenvolvida uma nova abordagem competitiva-neoschumpteriana sobre o valor do espaço através da abordagem competitiva pelo recurso escasso do espaço, onde seu valor será reflexo da sua escassez e vantagem competitiva gerada por sua posse.


2 Da teoria do valor

Quando explicado a Renda da Terra, Ricardo (1982, p.65) expressa como “(...) a porção do produto da terra paga ao seu proprietário pelo uso das forças originais e indestrutíveis do solo.”. Evidentemente, já é conhecido o fato que tais forças não são indestrutíveis. Contudo o interessante é observar o decorrer deste parágrafo. Segundo o pretexto ricardiano da renda da terra:

Nenhuma renda seria paga por esta terra (cuja iguais características podem ser encontradas em abundância sem uso) pela razão, já conhecida, de que nada se dá em troca do uso do ar e da água. (...) Se todas as terras tivessem as mesmas características e fossem ilimitadas em quantidade nem uniforme na qualidade, seu uso nada custaria, a não ser que possuíssem particulares vantagens de localização. (RICARDO, 1982, p. 66).


Desta forma, o único fator que dá valor de mercado a terra é a escassez de alguma característica que dela deriva. De igual impacto teremos que quando maior a disparidade das vantagens que um espaço tem sobre o outro maior será seu valor de mercado, uma vez o distanciamento do valor útil agregado de cada porção do espaço.

Segundo Ricardo (1982, p. 66), “Quando, com o desenvolvimento da sociedade, as terras de fertilidade secundária são utilizadas para cultivo, surge imediatamente renda sobre as de primeira qualidade” (Podemos modificar algumas palavras e gerar um novo pretexto sobre o valor da terra, contudo mais aplicável a um mercado mais desenvolvido, esse consistido em:

Quando, com o desenvolvimento da sociedade, os espaços de desiguais vantagens começam a ser utilizados pelos agentes, surge imediatamente uma competição sobre os quais oferecem maiores vantagens.

Desta forma, as melhores localizações vão ser dominadas primeiro por aqueles que o podem fazer. Após isto, os retardatários e aqueles sem a capacidade de conquistarem a região ficarão com os locais periféricos, de menor qualidade, criando uma desigualdade espacial. Portanto, existe a quebra da homogeneidade da localização a partir do momento em que a primeira desigualdade espacial surge, algo que a natureza resolveu por si só logo realizar.

Pode-se dizer que isto gera duas implicações econômicas. Historicamente, a estrutura habitacional humana consistiu em um padrão interessante. No início, estar próximo a rios e lagos fornecia suprimento de água para a humanidade, após a capacidade humana em construir diques e canais temos a possibilidade da expansão destes espaços vantajosos para a sobrevivência. Com o desenvolvimento da navegação, as principais cidades do globo passaram a ser as quais se encontravam no desembocar dos rios no oceano ou em rios navegáveis. A vantagem em se estar próximo ao mar permitia viagens mais rápidas de países europeus para África quando comparadas com adentrar em seu próprio território. Estar próximo ao mar proporcionava a soberania comercial que as nações cobiçavam. A humanidade pode assistir a diversas guerras sendo travadas e rivalidades geradas por localizações. As rivalidades geradas na Europa pelo domínio do mar mediterrâneo e ataques realizados em todo o mundo para dominarem regiões por um simples fator, o que existe no espaço.

Militarmente é possível compreender alguns pressupostos básicos de vantagens de terreno. Seja por Sun Tzu, Karl Von Claushvich ou Miamoto Musashi teremos sempre regras básicas: Mantenha o sol nas suas costas; busque estar na posição mais alta; encontre onde possui a melhor visão em tempos de amplitude; a capacidade de cobrir distâncias mais rapidamente é a capacidade de surpreender o inimigo. Não é estranho militarmente o estudo dos terrenos a importância dos mapas. A localização, contudo, também oferece vantagens de sobrevivência natural e comercial.

Supondo a gênesis simplista da vantagem espacial comercial. Assim que a população decide que o rio é a melhor posição para sobrevivência, quando a primeira pessoa se instala, o leito é homogêneo. Quando a segunda pessoa chega o rio, em termos micro, é simétrico acima e abaixo da primeira pessoa. Quando a terceira pessoa se instala, é impossível a homogeneidade espacial continuar, pois uma das três pessoas estará entre as outras duas e isto o dará vantagens de distância em relação aos demais. Este simples fato cria a primeira distorção do espaço econômico e gera valores assimétricos.

Portanto, a primeira conclusão é que, naturalmente, é impossível para qualquer região econômica, em âmbito micro, ser homogênea em valor caso a simetria seja quebrada em qualquer dos pontos analisados. Assim sendo, segundo o pretexto ricardiano da renda da terra é possível concluir que jamais haverá um sistema econômico, a menos que este seja simétrico, detentor homogeneidade de valor do espaço e, portanto, é impossível o pretexto de um desenvolvimento econômico não centralizado.

Se os clássicos da geografia econômica estivessem certos sobre a tendência da homogeneidade espacial somente estariam certos, em termos simétricos, se existisse apenas um interesse espacial, como estar próximo a igreja. No momento em que um segundo ponto de valor fosse criado por algum agente, como um comércio ou um hospital, o valor se inverteria em dois pontos de concentração, gerando a quebra da simetria radial. Ao mesmo tempo, o crescimento espacial esbarra em barreiras naturais, o que distorce ainda mais a capacidade simétrica radial e impossibilita que qualquer teoria geográfica econômica clássica possa ser realmente aplicável em qualquer cenário macro ou micro.


Figura 1 −A quebra da simetria espacial no âmbito micro

Fonte: Elaborado pelo autor


A segunda conclusão que podemos partir com base na análise do valor do espaço como nascido de vantagens parte de uma simples lógica. Em uma região improdutiva, onde surja um método tecnológico que permita a produção em terra imprópria, haverá, ainda que com um pequeno aumento de custos, o aumento da oferta de terra cultivável. Quando analisamos a escassez de capacidade produtiva da terra, a implementação de agrotóxicos ou surgimento de novos espaços de cultivo teremos um aumento da oferta de terra cultivável, reduzindo a escassez ou a relatividade da vantagem de outro terreno, permitindo uma queda no valor do espaço de mercado do espaço de primeira qualidade. Ou seja, a partir do momento em que algo torna a vantagem relativa entre os espaços menos valiosas temos uma queda dos preços por tais vantagens. Isto se aplica ao desenvolvimento tecnológico competitivo e ao valor do espaço. Quando a terra improdutiva passa a ter capacidade produtiva idêntica ao melhor terreno com o gasto extra mínimos, o terreno naturalmente rico perde suas vantagens relativas e seu valor.

O que isto representa? Segundo Porter (2005) as empresas obtêm vantagens competitivas no mercado baseada em dois fatores, diferenciação e custos. Mas, devemos ampliar pouco o relativo de vantagens quando se trata de espaço se seguiremos por um debate nessa área. As vantagens são dinâmicas e o espaço detém apenas valor produtivo.


As teorias econômicas clássicas sobre a competição empresarial parecem ser tão simplistas e estéreis mais serem obstáculos para o progresso do entendimento do que contribuições. Elas aparentam ser baseadas em visões a respeito da competição como um equilíbrio econômico estático, ao contrário de um equilíbrio dinâmico. (HENDERSON, 1980, p. 3. tradução. do autor).


Segundo Henderson (1980) a competição existe de duas maneiras. A primeira de forma natural, gerada como uma seleção de mercado em que as firmas daquele setor dependem de características essenciais para sobreviver, o que cria firmas similares, vendendo aos mesmos clientes, em um mesmo período temporal. Contudo, existe paralelamente a competição estratégica, onde a vantagem da firma consiste em uma capacidade própria a ela que explicaria a diferença de tamanhos das empresas. Isto se torna ainda mais evidente quando falamos sobre espaço. A lei de impenetrabilidade de Newton denomina que dois corpos jamais ocupam o mesmo lugar. Uma vez que o terreno se torna disforme a medida em que o número de atuações sobre ele se torna cada vez maior, teremos sempre alguém com vantagens relativas que o permitem superar, em algum quesito, os demais.


3. Da Natureza Das Vantagens

Quando analisamos, em termos espaciais, quais fatores darão tais vantagens, devemos considerar três naturezas: A primeira em fatores que geram despesas em relação a um mundo perfeito (a escassez da perfeição gera custos); a segunda em relação a capacidade de se gerar resultados esperados em situações iguais (o risco); a terceira em relação a escassez de determinada vantagem dada a demanda. Desta maneira teremos como ponto de vantagens competitivas as firmas, não a existência de fatores específicos, mas a menor falta deles em um mundo supostamente “perfeito”.

Ao mesmo tempo, a questão é: Dada a existência de fatores similares e que os processos de modificação da natureza são de path dependence, uma vez alterado o espaço ele não será rapidamente reestruturado sem trabalho, tempo e dinheiro, chegaremos à seguinte conclusão.

O valor monetário da terra será dado pela competitividade dos agentes pelos bens escassos que oferecem determinadas vantagens de algum valor útil a elas. Sendo que o valor útil, seja ele produtivo ou não, tende a ser diretamente proporcional ao valor monetário dadas as vantagens geradas. Ao passo em que a impossibilidade aleatória de absorver os retornos, o risco tende a derrubar seu valor de mercado em maiores proporções.

Portando o valor será dado por:



Onde:

Desta forma teremos:


Tal qual:


em que: VM = valor monetário; VU = valor útil; QV = quantia da vantagem; DV = demanda pela vantagem; r = taxa de referência do nível de valor; g = taxa de crescimento do valor utilidade; e VNP = variação do nível de preços (em percentuais)

O que esta função significa? Que o valor monetário de determinado espaço é dado pela soma da utilidade gerada por este em um dado período. O importante aqui não é, ainda assim, chegar a uma função final explicativa sobre o valor das variáveis e as divergências sobre o que é valor útil e como é percebida a amplitude da vantagem e o risco em cada cultura regional. Contudo, uma coisa é certa e de extrema importância, mesmo não sabendo a função exata, que corresponderia a cada localização através das informações atuais, podemos afirmar que a relação competitiva do mercado por conseguir mais vantagens competitivas gera o valor desigual dos fatores, sendo isto evidente no caso da terra. Desta forma, cada vantagem terá seu valor diferente baseado em diferentes situações, ainda que siga a mesma estrutura fundamental. Assim, serão os fatores responsáveis pelo valor de mercado do espaço:


4 O valor útil do espaço

O espaço tem diversos potenciais que podem ser explorados, mas podemos analisar seu valor como, basicamente, a quantidade de valor gerado através da escolha daquele ponto em relação a outro. Sendo este valor determinado pela percepção de vantagens na sociedade.

Vejamos, valor é algo abrangente. Ele atua tanto de forma subjetiva quanto em questões lógicas operacionais. Uma localização pode ter seu valor estendido desde relação daquele espaço com status ou questões de sucesso social, quanto pode derivar de vantagens de custos em uma cadeia produtiva. Devido a diferentes sociedades deterem culturas alternativas e graus de desenvolvimento tecnológico e industrial diferentes umas das outras haverão, em diferentes sociedades, ponderações diversas podem ocorrer sobre o mesmo conjunto de variáveis. Por exemplo, em um condomínio fechado de classe média a existência de uma academia e piscinas para a sociedade de moradores eleva o valor da propriedade. Contudo, quando comparado o condomínio de classe média com os condomínios fechados com residências avaliadas acima de 10 milhões de dólares, a existência de uma academia e piscina compartilhada é praticamente irrelevante, quando diversas das casas já detêm isto dentro delas mesmas. Se analisados em questões sociais subjetivas, culturas os ricos não veem com bons olhos determinadas regiões com alta concentração de pobres tenderá a existir uma alta concentração da elite em determinados locais segregados do restante da sociedade e grande variância do valor dos espaços. Isto incorrerá da interpretação dos grupos de maior capacidade aquisitiva de que regiões pobres são mais violentas, concedem menor status, são feias (quando comparadas as ruas a boulevard com casas avaliadas em milhões de reais) e com pouca utilidade para seu estilo de vida. Isto gerará uma valorização dos espaços nobres através da maior concorrência em viver nestas regiões, apenas aumentando seu valor, gerando um ciclo especulativo e uma bolha imobiliária local.

O que podemos dizer sobre lógicas de valor do espaço quando analisado em óticas empresariais? Primeiro, podemos analisar o mais óbvio. A localização tenderá a influenciar os custos e a demanda da empresa.

Os custos das empresas são influenciados por diversos fatores. Desde o gasto com matéria prima, transportes, gerenciamento de filiais e até custo com amortizações. Quando analisamos os custos de uma empresa teremos valores reais do planejamento operacional e financeiro das firmas. Estes valores podem ser previstos e calculados com determinada margem de precisão no curto prazo. Quando uma empresa decide se localizar no ponto A ou B ela consegue mapear a existência de firmas auxiliares ao redor, os custos de transporte para escoamento da produção, os gastos com mão de obra local, calcular a dificuldade gerada em se coordenar investimento com a rede industrial, verificar quais financiamentos tem à disposição, assistência do sistema financeiro local e calcular o custo do espaço e dos insumos auxiliares ao processo produtivo, tendo como calcular os custos fixos operacionais e estimar os custos de produção.

Evidentemente, dizer que apenas isto é a natureza de escolha da firma é simplificar o mercado a apenas o processo fabril de grandes empresas que detém capacidade de explorarem todas as possibilidades de escoamento e localização do mercado. Ainda pensando nestas a localização da produção, dependendo do país, tende a reduzir as barreiras tarifárias e escoar a produção para mercados antes não atingíveis. Embora estes fatores não dependam do espaço, estes são ligados diretamente as estruturais de mercado as quais aquele espaço tange.

Quando analisamos as firmas caracterizadas como locais ou regionais, vemos que são limitadas em termos de oportunidades, escoamento de produção e conhecimento técnico. Micro e pequenas empresas dependem de canais de escoamento da produção já existentes e criados para elas caso queiram competir no cenário nacional ou internacional. Assim canais como Amazon, AlibaBa, Mercado Livre, AliExpress, TaoBao e outras plataformas se tornam relevantes para esse produtor local como forma de escoamento produtivo. Além disso, pequenas empresas não têm capacidade de atrair mão de obra altamente qualificada sem grandes dificuldades (dependendo do custo, grau de especialização e localização da firma). Isso leva a desvantagens competitivas de escala simplesmente devido a capacidade de modificar o espaço das grandes firmas.

Historicamente, firmas como Ford, GM, Embraer, mineradoras e portos foram capazes de distorcer concentração da localização e alterar o espaço a sua volta simplesmente por estarem ali com seus máximos investimentos e expansão. Uma grande empresa molda o espaço, gera mão de obra qualificada, esta que cria a nova mão de obra qualificada através da difusão do conhecimento. Têm poder de barganha e renome para atrair talentos. Além de estratégias estruturadas de escoamento de produção seja por canais construídos por si ou por parcerias e contratos comerciais.

Em um mundo perfeito, jamais haveriam custos de localização. Contudo, mesmo para as grandes firmas ele existe, sendo ainda mais impactante no caso de pequenas empresas. Desta forma, a vantagem relativa surge baseado no valor útil de diferentes localizações e volume de apropriação do espaço, que gera economias de escala espacial, dando luz ao valor de mercado do espaço. Quando consideramos que o sistema em si distorce a renda dos agentes criando escassez de forças de trabalho essenciais, embora de menor valor útil, gerando rendimentos diferentes sem proporção ao valor útil humano gerado, a compra dos melhores espaços será sempre dada por aqueles, no que veem valor naquela região, com maior poder aquisitivo, criando a primeira das concentrações espaciais. A medida em que o sistema econômico começa a influenciar a estrutura do mercado e gerar concentrações, o volume valor de mercado se torna discrepante e gera bolhas representadas, não pelo valor útil da localização, mas por valor abstrato em formato de marca. As regiões adquirem valor para o indivíduo baseado no símbolo que representam como marca de status e conquista social criadas por um processo cultural e sem valor real, distorcendo ainda mais qualquer explicação de modelo que venha ser explicada quantitativamente.

Desta forma, o valor útil do espaço irá depender dos valores reais e financeiros que ele gerará, do potencial de capacidade de geração de valor futura§ e do efeito subjetivo e cultural gerado pela valorização especulativa do espaço como marca de status.

.

5 Escassez da vantagem

Talvez a maior contribuição de Ricardo (1982) em “Princípios de economia política e tributação”, como fundamento de análise, tenha sido a ideia de que escassez da fertilidade de um espaço de terra quando comparado a outro (Ricardo refere-se como “terras de segunda qualidade”) gera o valor e a demanda pelo terreno mais fértil (de primeira qualidade).

Em questões macroespaciais isso pode ser a realidade, onde as peculiaridades da terra virgem sejam irrelevantes. Contudo, no quadro microespacial é que veremos as diferenças do espaço em detalhes. Detalhes estes que geram a superioridade de um espaço em relação ao outro e geram diferentes valores úteis. Quanto maior a divisão do espaço, maiores as dificuldades em se obter espaços com taxas relativas de semelhança na escala total. É muito mais fácil construir no plano em relação ao excessivamente inclinado, também muito mais seguro. O Rio de Janeiro é uma figura clara de como diferentes espaços obtém diferentes valores a partir do momento em que “favela” e “morro” se tornam quase sinônimos na língua popular local.

Obviamente, o espaço em si não é o único fato gerador de vantagens. Em um sistema de divisão do trabalho em que o sistema cada vez mais depende do próprio sistema teremos as relações econômicas e as vantagens dependendo da capacidade de relações entre os agentes. Schumpter, referindo-se as mudanças nos ciclos econômicos explica:


Se a mudança ocorrer nos dados não-sociais ou dos não econômicos (...), ou no gosto dos consumidores, não parece necessária nenhuma revisão fundamental dos instrumentos teóricos. Esses instrumentos só falham (...) quando a vida econômica em si mesma modifica seus próprios dados de tempos em tempos. A construção de uma estrada de ferro pode servir de exemplo. As mudanças contínuas, que podem eventualmente transformar uma pequena firma varejista numa grande loja de departamentos, mediante adaptação contínua, feita em inúmeras etapas pequenas, estão no âmbito da análise “estática”. Mas a análise “estática” não é apenas incapaz de predizer as consequências das mudanças descontínuas na maneira tradicional de fazer as coisas; não pode explicar a ocorrência de tais revoluções produtivas nem os fenômenos que as acompanham. (SCHUMPETER, 1982. p. 46).


Desta forma chegamos à conclusão que as relações econômicos se alteram ao longo dos ciclos. Ainda Schumpeter (1982) conclui que isso ocorre devido ao processo inovador, que altera as relações do sistema econômico. Quero aqui dizer que esta conclusão pode se desenvolver ainda mais.

Podemos concluir que, o sistema econômico não opera de forma estática, ele se transforma durante os processos, se autodestruindo, mas isso apenas ocorre devido as inovações. Contudo, isto apenas ocorre devido ao processo de inovação criar e destruir vantagens econômicas dos agentes, vantagens estas que tendem a tornar o sistema estável e concentrado.

Vamos supor que poderíamos cria uma das maiores revoluções espaciais possíveis, a capacidade de cobrir qualquer distância instantaneamente sem nenhum custo. Nesse caso, jamais haveriam vantagens em relação ao espaço e ao que existe ao seu redor. Os indivíduos poderiam explorar o mundo estudar e trabalhar nos melhores locais conforme seu potencial e desde que não houvessem barreiras entre nações, todo o mercado se tornaria extremamente mais eficiente. Assim, as únicas diferenças que veríamos seriam no caráter da natureza física do espaço (fertilidade, tamanho, inclinação, temperatura e segurança) e o mercado se estabilizaria com base apenas nesses fatores.

Contudo, distâncias importam e elas não geram apenas custos com transportes, mas custos de oportunidade. Isto torna o fenômeno do custo do espaço dado pela necessidade do mesmo em interagir com outros espaços algo impactante. Um sistema econômico que depende das estruturas pré-existentes no espaço para se desenvolver com todas suas potencialidades irá tender se concentrar em locais os quais as instituições auxiliares já existam. Uma firma que tenha real conhecimento da competição de mercado irá se instalar onde consiga vender, comprar e se desenvolver, sendo este último dependente de setores auxiliares (TI, financeiro, P&D, tributário, etc). Como Nelson & Winter recordam “A estrutura ortodoxa é que toda produção das firmas é idêntica – a planta azul é uma questão de informação pública” (NELSON; WINTER, 1982, p. 61) trad. do autor. Contudo, precisamos lembrar que no mundo real o conhecimento está concentrado em certos polos.

A única maneira de se acabar com qualquer vantagem de especial seria a através da inexistência do externo ao espaço e a homogeneização do globo. Como isto é impossível, dada a tecnologia e a estrutura econômica, política e natural, eliminar as vantagens espaciais não veremos uma homogeneização do espaço tão cedo.

Sendo assim, sempre haverá vantagens em relação aos espaços e, portanto, valor útil que gere valor de mercado. E estas vantagens se agravam ou são destruídas dependendo da evolução tecnológica gerada e se ampliam conforme o potencial de relação entre os agentes naquela região dada a localização escolhida.


6 O risco e o insight de Bernoulli

Ainda existe um outro fator limitante ao valor do espaço, o risco. Utilizando Marshall (1982, p.105) “A única lei geral que rege o desejo de se ter determinada mercadoria, é a que diz que esse desejo diminui à medida que aumenta a quantidade dessa mercadoria de que se pode dispor, desde que as demais circunstâncias não se alterem” e analisar o indivíduo como ser racional e maximizador da utilidade, teremos uma divergência teórica e matemática dentro da própria teoria Marshalliana.

Primeiro, se a teoria do ser racional maximizador de utilidade estiver presente o indivíduo irá tender a desejar acumular sempre que possível. Contudo, se a utilidade cresce a taxas decrescentes, teremos que perdas de determinados bens acarretarão em uma maior perda de utilidade de que ganhos de mesma proporção física. Criando um paradoxo a ser gerado no próprio ser racional em situações onde existe risco. Segundo o insight de Bernoulli, “... um tomador de decisão com utilidade marginal decrescente da riqueza será avesso ao risco.” (KAHNEMAN, 2012, p. 341)

Desta maneira, ainda que existam elevadas oportunidades de lucro no sucesso e estatisticamente determinada decisão possa ser interessante, o indivíduo maximizador de utilidade pode optar por não tomar determinada decisão.

As firmas não optam pelo mais lógico para o agregado. Na realidade,


a possessão de uma complete e clara função objetiva definida não é uma condição necessária para a operação empresarial no mundo real; tudo que é necessário são procedimentos para algumas ações serem tomadas. (NELSON; WINTER, 1892, p. 57, tradução do autor).


Isto é extremamente importante no caso das relações econômicas espaciais. Segundo Porter (1989) as empresas competem em mercados multidomésticos. Ou seja, cada região, devido a suas características culturais, sociais, espaciais e econômicas pré-existentes gerarão estruturas diferentes de funcionalidade do mercado e cada empresa concorre em um mercado diferente em cada região, ainda que estejamos em um sistema global.

Na segunda década dos anos 2000 foi possível perceber empresas sem nenhuma capacidade competitiva de expansão na américa latina sofrendo pesados prejuízos regionais. O Wallmart, realizando o fechamento de 120 unidades no Brasil apenas no ano de 2018 devido a incapacidade de competir com o modelo de atacarejos é um simples exemplo disto. (CNBC, 2019)

Isto é extremamente importante quando analisado o espaço e converge em uma instância central, o processo de adentar novos mercados é arriscado. As leis laborais, a cultura local, os costumes, as preferências dos consumidores e diversos outros fatores geram espaços estranhos as firmas em diferentes regiões do mundo. Mesmo no território nacional, as diferenças regionais em quilômetros de distância podem separar consumidores e estruturas de mercado completamente diferentes. Isto eleva o risco dos investidores e impede parte dos investimentos fluírem da maneira ótima para o sistema.

O insight de Bernoulli é a melhor análise estrutural capaz de fundamentar a tendência da concentração espacial gerada pela aversão ao risco. Um investidor irá expandir para mercados desconhecidos apenar se o retorno estimado for alto o bastante para suprir a sua aversão a perda. Portanto, o processo de escoamento do investimento, mesmo com os estímulos necessários, não ocorre de maneira instantânea.


Considerações finais

O valor de mercado da terra será dado com base em três fatores centrais. A falta de simetria em entre os pontos gera diferentes vantagens em se obter determinados espaços. Estas vantagens surgem devido à escassez das características não apenas do espaço, mas da relação que ele tem com seu exterior.

O valor útil relativo quando comparado entre os espaços, ou a vantagem do posicionamento. Este se mostra em termos estruturais, auxiliares, espaciais, organizacionais, naturais e culturais. Sendo assim, o valor útil é impossível de ser calculado genericamente devido as peculiaridades de cada população e o caráter mutável do mercado. As vantagens podem ser ampliadas ou reduzidas dependendo das inovações inseridas no sistema pelos agentes. Quanto maior for a vantagem proporcionada em relação aos demais, maior será o desejo dos consumidores por aquele espaço, elevando os custos. Isto não se exprime apenas em termos de demanda pelo espaço, mas em demanda por ofertar o espaço quando geradas especulações imobiliárias. Desta forma, o mercado se regula pela competição em busca das vantagens estratégias dos agentes, mesmo em termos espaciais.

O risco, como terceiro fator, pode ser encontrado pelo insight de Bernoulli. Sendo o indivíduo maximizador, uma vez detendo taxas marginais decrescentes para a utilidade acumulada, observaremos um comportamento avesso aos riscos. Desta maneira, ainda que alguns espaços ofereçam a possibilidade de alta vantagem ser alcançada o desconhecimento sobre o futuro e a necessidade em se contar com o acaso serão um funil para o escoamento do investimento para outras regiões, gerando uma concentração de investimentos em um único espaço. Este fato é extremamente importante no que tange o escoamento do investimento e a mobilidade dos agentes no espaço. Gerando as distorções espaciais e criando cada vez maiores distâncias entre as zonas de maior e menor vantagem econômica.

Assim, jamais teremos um espaço homogêneo, mas multifocal. Onde o investimento não escoa livremente para as maiores margens, mas fica retido onde as estruturas de mercado já estão bem desenvolvidas e o comportamento do mercado pode ser previsto mais facilmente.


Referências

CNBC. Why wallmart failed in Brazil. [s.l.]: 2019. Youtube, (7m40s). Disponível em: youtube.com/watch?v=fFPMUIT9seg. Acesso em: 21 nov. 2019.


HENDERSON, B. Strategic and natural competition. 1980. Disponível em: https://www.bcg.com/publications/1980/strategic-natural-competition.aspx. Acesso em: 22 nov. 2019.


KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.


KOLLER, T. GOERHART, H. WESSELS, D. VALUATION: Measuring and managing the value of companies. 6 ed. New Jersey. John Wiley & Sons. 2015.


KOUTSOYIANNIS, A. Modern microeconomics. 2nd ed. NY: St. Martin's Press, Inc. 1981


MARSHALL, A. Princípios de economia. São Paulo: Abril Cultural, 1982. v. 1.


NELSON, R. R. WINTER, S. G. An evolutionary theory of economic change. Harvard College. Cambrige. 1982.


PORTER, M. E. A Vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro, Elsevier. 1989.


PORTER, M.E. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. 2 ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2005


RICARDO, D. Princípio de economia política e tributação. São Paulo: Abril Cultural, 1982.


SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural. 1982.


Artigo recebido em: 22 de dezembro de 2019. Aceito em: 24 de julho de 2020

Graduando em Ciências Econômicas na Universidade Federal Fluminense no Centro de Economia de Campos (CEC) em Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. Autor correspondente. e-mail: gabri.couto@outlook.com

Existem diversas culturas que oferecem resistência ao valor útil dos fatores por criarem uma supervalorização ou desvalorização de algo em comparação criado por preconceitos. Um sistema racional jamais segregaria por raça, classe, gênero ou opção sexual qualquer que fosse o agente. Contudo, sistematicamente isto ocorre e é evidencia ainda mais em termos de segregação espacial por classe e raça, como no caso das white cities americanas.

§ Koller, Goerdhart & Wessels (2015) refletem que o foco de criação de valor pela firma não deve ser o focado no shareholder, mas no steakholder da empresa. Isto significa que, é fácil para uma grande firma simular valores de progresso no curto prazo, mas isso poderá prejudica-la no longo prazo. Desta forma, ela deve buscar equilibrar as vantagens de curto e longo prazo. Isto se aplica também a localização espacial, quando a compra de um espaço pode gerar valor especulativo, mas não existir conversão de valor útil no longo prazo, seja por destruição da capacidade da terra ou por bolhas imobiliárias.

Rev. Mundo Livre, Campos dos Goytacazes, v. 6, n.2, p. 202-2015, jul./dez. 2020

220