EMERGÊNCIA HOSPITALAR E SERVIÇO SOCIAL: DESAFIOS À CONSTRUÇÃO DA INTEGRALIDADE DA ATENÇÃO À SAÚDE


HOSPITAL EMERGENCY AND SOCIAL WORK: CHALLENGES TO THE CONSTRUCTION OF COMPREHENSIVE HEALTH CARE


PURL: http://purl.oclc.org/r.ml/v6n2/d2



Cristian Castelar Pessanha


Carlos Moraes


Resumo: Neste artigo objetiva-se contribuir com o debate referente ao trabalho de assistentes sociais no setor de emergência hospitalar, tendo por base o princípio da integralidade da assistência à saúde. Para tanto, metodologicamente, optou-se por estudo bibliográfico e documental, sendo este último realizado em documentos de estágio na área de Serviço Social em um Hospital em Campos dos Goytacazes, RJ. Os resultados apontam que o trabalho de assistentes sociais assume as implicações de um setor construído para o atendimento imediato a variedade de demandas apresentadas. Entretanto, como um agente da integralidade, há um compromisso ético-político por parte de assistentes sociais, que o desafia na direção de ultrapassagem da imediaticidade destas ações focalizadas no adoecimento físico. Neste caso, torna-se essencial redirecionar o olhar e o trabalho profissional para além dos muros institucionais, na busca por examinar os determinantes sociais que envolvem o cotidiano dos usuários e que repercutem diretamente no seu processo de adoecimento.

Palavras chave: Serviço Social. Emergência hospitalar. Integralidade da atenção à saúde.


Abstract: This article contributes to the debate regarding the work of social workers in the hospital emergency sector based on the principle of comprehensive health care. To this end, methodologically, a bibliographic and documentary study was chosen, the latter was conducted on internship documents in the area of Social Work at a Hospital in Campos, RJ. The results show that the work of social workers assumes the implications of a sector built for immediate assistance to the variety of demands presented. However, as an agent of integrality, there is an ethical-political commitment on behalf of social workers, which challenges you in the direction of overcoming the immediacy of these actions focused on physical illness. Here, it is essential to redirect the look and professional work beyond the institutional walls, in the search to examine the social determinants that involve the users' daily lives and that directly affect their illness process.

Keywords: Social Work. Hospital emergency. Comprehensive health care.

  1. Introdução


Este artigo objetiva contribuir com o debate referente ao trabalho de assistentes sociais na política de saúde, particularmente no setor de emergência hospitalar, tendo por base o princípio da integralidade da assistência à saúde§.

Parte da compreensão de que as transformações recentes no mundo do trabalho, articuladas ao ideário neoliberal e a globalização/mundialização do capital, enquanto estratégia do capital em sua condição de crise estrutural, atingem o conjunto da classe trabalhadora, dentre estes os/as assistentes sociais que, enquanto trabalhadores assalariados, vivenciam situações de flexibilização, precarização, terceirização, exploração e opressão do trabalho**, em um contexto de complexificação e agravamento das expressões da questão social, além de processos de desfinanciamento e destruição das políticas sociais, o que implica na precarização dos serviços sociais.

Na particularidade da política de saúde, verifica-se que, desde a sua promulgação com a Constituição Federal de 1988 e as Leis Orgânicas da Saúde (Lei 8.080/90 e 8.142/90), o Sistema Único de Saúde (SUS), vem sofrendo ataques fundamentados na ideologia neoliberal com vigência no Brasil a partir dos anos 1990, o que dificulta a efetivação do SUS Constitucional, por meio do subfinanciamento da política e, sobretudo a partir de 2016, de seu desfinanciamento.

O “desfinanciamento da política de saúde pública brasileira” (BRAVO; PELAEZ; PINHEIRO, 2018), tem acarretado a precarização dos serviços, por meio da falta de materiais e equipamentos essenciais à realização de procedimentos; além de equipamentos deteriorados; da instabilidade dos vínculos trabalhistas; ausência de profissionais de saúde em determinadas regiões do País; terceirização dos serviços; atraso de salários; sobrecarga das atividades profissionais; imediatismo das ações; e adoecimento dos trabalhadores da área da saúde, dentre outros.

Neste contexto de desfinanciamento da política e de precarização exacerbada dos serviços de saúde, verifica-se ainda que suas ofertas se pautam, predominantemente no modelo médico-assistencial hegemônico, que se caracteriza pela ênfase na assistência médica curativa, cultura institucional hospitalocêntrica e hegemonia do saber/poder médico, em que tudo converge para a doença (MORAES, 2016; 2019).

Contudo, os processos de desfinanciamento da política também atingem estes modelos institucionais que, apesar de sua centralidade, também tem sido precarizados, não conseguindo, em muitos momentos, recursos para atividades básicas, pautadas no diagnóstico e tratamento de doenças, o que tem contribuído para que usuários estejam morrendo por falta de atendimento médico em diversas regiões do País.

O corte nos recursos para saúde, o descaso e os esquemas que privilegiam os serviços de alto custo direcionados à rede privada e/ou filantrópica conveniada, submetem os trabalhadores ao sofrimento que coexiste articulado a busca individualizada pelo atendimento médico, em situações em que o risco de morte se agrava, pela falta de recursos para manter a vida.

Além disso, é acentuado ao longo destes anos, a necessidade da população recorrer a saúde como produto e que, aqueles que não conseguem acessá-la pelas vias do mercado, tornam-se banalizados e indesejados ao projeto capitalista vigente no País. Nestes casos, é elemento fundamental para esta análise, reconhecer que estes sujeitos sociais são predominantemente, de identidade negra, moradores das periferias, com baixa escolaridade, em atividades laborais desprotegidas e inseguras e que, são constantemente julgados e punidos a partir de um discurso meritocrático, moralizador e discriminador (MORAES, SANTOS, BOTELHO, 2020).

Assim, verifica-se que a precariedade, marca da sociedade do capital no mundo contemporâneo, tem sido transversal no trabalho, na política social, nos serviços sociais e na vida social, o que demanda na particularidade do trabalho de assistentes sociais, além de seu auto reconhecimento nestas condições enquanto classe trabalhadora, movimentos teórico-políticos e interventivos capazes de fortalecer a dimensão intelectiva do trabalho, na perspectiva do projeto profissional e enfrentar coletivamente, os dilemas e constrangimentos decorrentes de processos histórico-estruturais e manifestos no “miúdo da vida social” (YAZBEK, 2018).

Em serviços hospitalares, as condições de precariedade assumem implicações diferenciadas, incidindo no agravamento dos processos de adoecimento e morte de sujeitos sociais. Nestes espaços, recursos tecnológicos, equipamentos e materiais básicos para cirurgia, exames, diagnóstico, tratamento de doenças e cuidado dos pacientes, além de recursos humanos capacitados e experientes, são essenciais para o atendimento da variedade de demandas dirigidas a esta instituição e que, de maneira geral, exigem respostas imediatas e eficazes.

Para Cecilio e Merhy (2003), o hospital estrutura suas ações através dos atores que compõe sua equipe multidisciplinar, no qual depende de sua articulação para o êxito de suas intervenções. Portanto, para que esse cuidado aconteça no ambiente hospitalar depende da integração dos trabalhadores, desde as funções nas áreas de limpeza até o corpo médico da instituição, englobando a todos para o cuidado da saúde de seus usuários. Tal prerrogativa, fundamental ao trabalho que se propõe, não pode ser deslocada dos elementos anteriores, quais sejam: o trabalho em equipe, de forma integrada e na direção do cuidado em saúde, também é condicionado pelas condições objetivas para a sua construção.

Ainda assim, é preciso reconhecer que no hospital há


Uma complexa trama de atos, de procedimentos, de fluxos, de rotinas, de saberes, num processo dialético de complementação, mas também de disputa, vão compondo o que entendemos como cuidado em saúde. A maior ou menor integralidade da atenção recebida resulta, em boa medida, da forma como se articulam as práticas dos trabalhadores do hospital (CECILIO; MERHY, 2003, p. 2).


Além disso, os autores ressaltam (2003) que o hospital deve ser visto como uma “estação” no circuito que cada indivíduo percorre para atingir a integralidade de que necessita. Para tanto, defendem que a democratização da vida do hospital deve estar articulada a criação de dispositivos que o conectem de maneira legítima a rede de serviços.

O hospital como uma “estação” capaz de pensar e criar estratégias de intervenção nas necessidades sociais dos sujeitos deve ser visto como um componente da integralidade do cuidado de maneira ampliada. Nesta instituição, perpassam os mais variados sujeitos, que apresentam variadas necessidades, em diferentes fases de suas vidas. Neste sentido, destacam os autores:

(...) o momento de alta de cada paciente deve ser pensado como um momento privilegiado para se produzir a continuidade do tratamento em outros serviços, não apenas de forma burocrática, cumprindo um papel de contra-referência, mas pela construção ativa da linha de cuidado necessária àquele paciente específico. O período da internação pode, inclusive, ser aproveitado para apoiar o paciente na direção de conquistar uma maior autonomia e na reconstrução de seu modo de andar a vida (MERHY, CECÍLIO, 2003, p. 6).


As contribuições dos autores nos permitem afirmar que a reconstrução do modo de andar a vida não deve ser pautada na responsabilização exclusiva dos sujeitos e suas famílias, mas também ou sobretudo, proporcionada pelo Estado por meio de políticas sociais públicas universais, inclusivas e ofertadas em condições dignas para a garantia da qualidade dos serviços sociais (MORAES et al., 2018).

Diante destes apontamentos preliminares, se reconhece os complexos desafios direcionados aos trabalhadores da área da saúde e, mais particularmente aos/as assistentes sociais que se propõem a contribuir com a efetivação do direito à saúde e promover a articulação com as demais políticas sociais, através de intervenções fundamentadas em conhecimentos teórico-metodológico, ético-político, técnico e da realidade social dos usuários, especialmente as expressões da questão social que atravessam suas vidas, repercutem em seu processo de adoecimento e agravam as suas necessidades sociais.

Diante disso, para o desenvolvimento deste artigo, metodologicamente, recorreu-se a estudo bibliográfico, a partir das chaves de busca “integralidade da assistência à saúde”; Serviço Social e saúde”; “O trabalho do/a assistente social em hospitais”; “O trabalho do/a assistente social no setor de emergência hospitalar”. Como critério de seleção deste material, optou-se predominantemente, por aqueles produzidos pelo Serviço Social como área de conhecimento e por intelectuais da área da saúde, fundamentados na teoria crítica.

Além disso, recorreu-se a documentos construídos por um dos autores deste artigo, ao longo do estágio supervisionado em Serviço Social realizado na emergência de um Hospital em Campos dos Goytacazes††, RJ no período de março de 2017 a julho de 2018, tais como: diários de campo, relatórios de atividades, relatórios semestrais, instrumento de observação, instrumento para análise institucional e projeto de intervenção.

Mediante esta proposta, optou-se por construir este artigo dividindo-o em dois itens: o primeiro enfatiza as definições teórico-conceituais da integralidade da assistência à saúde. Posteriormente, aborda os desafios ao trabalho do/a assistente social em setores de emergência hospitalar, na perspectiva da integralidade da assistência à saúde e respaldando-se no projeto ético político profissional‡‡.

  1. A integralidade da atenção à saúde


Entre os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), ganha relevância na proposta deste artigo, o princípio da integralidade, definido no Art. 7° da Lei 8.080 / 1990 como: “conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (lei 8.080 de 1990).

A integralidade tem assumido diferentes níveis analíticos e pontos de vista, tratando-se de uma diretriz articulada, em última instância, à mudança do modelo assistencial em saúde. Em sintonia com o previsto em lei, segundo Melo e Viana (2012, p. 162):


A integralidade inclui a articulação entre os níveis de atenção, com garantia da priorização de ações de promoção e prevenção, mas também envolvendo a assistência curativa. É assegurada, no plano jurídico, como um dos princípios estabelecidos legalmente para efetivação e concretização da política de saúde, junto com a participação da comunidade e a descentralização.


No entanto, para Machado et al. (2007), não existe uma definição engessada para o termo integralidade, pois, sendo a mesma assegurada como um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e garantida na Constituição Federal de 1988, ela também “é uma ‘bandeira de luta’, parte de uma ‘imagem objetiva’ num enunciado de certas características do sistema de saúde, de suas instituições e de suas práticas que são consideradas, por alguns, desejáveis” (MACHADO et al.., 2007, p. 336). Portanto, acrescendo a tal perspectiva “ela tenta falar de um conjunto de valores pelos quais vale lutar, pois se relacionam a um ideal de uma sociedade mais justa e mais solidária” (MATTOS, 2009, p. 45).

Além disto, a integralidade está vinculada “a imagem subjetiva como elemento balizador no sistema de saúde atrelado ao ideário do desejo, repleto de sentimento, de emoção e de motivação para uma construção coletiva na defesa da saúde” (MACHADO et al.., 2007, p. 336). Deste modo, a integralidade permite alcançar os indivíduos em sua totalidade, a partir da coleta de informações desses indivíduos em suas necessidades de atenção à saúde, acrescida de intervenção profissional qualificada.

Para Mattos (2004), o termo integralidade é usado desde o processo de construção da Reforma Sanitária no Brasil, sendo definido posteriormente, como um dos princípios do Sistema Único de Saúde. Deste modo, este termo se destaca em, pelo menos três sentidos:


Um primeiro aplicado a características de políticas de saúde ou de respostas governamentais a certos problemas de saúde. Aqui, a integralidade se referia sobretudo à abrangência dessas respostas governamentais, no sentido de articular ações de alcance preventivo com as assistenciais. Um segundo conjunto de sentidos era relativo a aspectos da organização dos serviços de saúde. Um terceiro era voltado para atributos das práticas de saúde (MATTOS, 2004, p. 1411).


Assim, o princípio da integralidade, conforme a Constituição Federal de 1988, se articula em “diversas dimensões ou lógicas das ações e dos serviços de saúde: promoção, proteção e recuperação, no primeiro, e atividades preventivas e assistenciais, no segundo” (MATTOS, 2004, p. 1412).

Neste sentido, a promoção da saúde tem seu ponto de partida na articulação de políticas sociais, buscando apreender e responder aos problemas da população. Então, Machado et al. (2007) apontam que:


Dentro dessa abordagem, a Promoção da Saúde é definida como o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle desse processo. Neste sentido, incorpora na sua práxis, valores como solidariedade, equidade, democracia, cidadania, desenvolvimento, participação e parceria que se constitui numa combinação de estratégias, envolvendo vários atores: Estado, comunidade, família e indivíduo (MACHADO et al., 2007, p. 336).


Assim também, a integralidade consiste em ações assistenciais e preventivas nos serviços de saúde. Então, as ações na assistência são demandadas “[...] a partir de uma experiência de sofrimento e de uma leitura de ser possível encontrar alento para tal sofrimento num serviço de saúde” (MATTOS, 2004, p. 1413). Portanto, pode-se ampliar o conceito da assistência na integralidade, onde é definida:


Como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelo usuário (MACHADO et al., 2007, p. 336).


Deste modo, para Mattos (2009) as ações preventivas ocorrem no silêncio das instituições de saúde, onde essas ações se antecipam à experiência de sofrimento do usuário. Tal perspectiva resulta do olhar qualificado do/a profissional de saúde, sendo que “isso significa incluir no seu cotidiano de trabalho rotinas ou processos de busca sistemática daquelas necessidades mais silenciosas, posto que menos vinculadas à experiência individual do sofrimento” (MATTOS, 2004, p. 1413).

Sendo assim, a integralidade na prática em ações preventivas ocorre com o fortalecimento do trabalho em equipe e troca de saberes. Neste sentido, Machado et al. (2007) afirmam que


Para que seja possível a realização de uma prática que atenda à integralidade, precisamos exercitar efetivamente o trabalho em equipe, desde o processo de formação do profissional de saúde. É preciso estabelecer estratégias de aprendizagem que favoreçam o diálogo, a troca [...] entre os distintos saberes formais e não-formais que contribuam para as ações de promoção de saúde a nível individual e coletivo (MACHADO et al., 2007, p. 337).


Portanto, “não se trata de simplesmente desenvolver protocolos ou rotinas capazes de identificar e oferecer ações preventivas não demandadas diretamente pelas pessoas que procuram os serviços de saúde” (MATTOS, 2004, p. 1413). Assim, o profissional deve adotar uma postura baseada em conhecimentos técnicos, teóricos, políticos, sociais e culturais, buscando entender o contexto de trabalho e dos sujeitos sociais e, a partir daí, desenvolver ações de saúde assistenciais e preventivas.

Deste modo, ao particularizar a proposta deste artigo – refletir a respeito do princípio da integralidade no setor de emergência hospitalar – observa-se desafios que ultrapassam o comprometimento individual de profissionais de saúde pelo trabalho com tal princípio. Se verifica que o desfinanciamento da política de saúde na atual conjuntura, a precarização dos serviços sociais e a complexificação das expressões da questão social, dentre outros, são questões que transitam entre contextos internacionais, nacionais, regionais e locais e, que tem contribuído para falta de acesso aos serviços, a redução de sua qualidade e, muitas vezes para o adoecimento dos próprios profissionais de saúde. Neste contexto, os sofrimentos da população dependente do SUS, não estão restritos ao seu processo de adoecimento, mas também às condições pelas quais o processo de adoecimento é construído. Assim, por múltiplas formas, esta população tenta acessar os cuidados, responsabilizando-se, muitas vezes, pela garantia da integralidade que necessita.


  1. O trabalho de assistentes sociais no setor de emergência hospitalar: desafios à construção da integralidade de atenção à saúde


De modo geral, o setor de emergência se caracteriza pela alta rotatividade de usuários em variados quadros clínicos. De imediato, objetiva por meio de sua equipe de trabalho, atuar sobre a situação de dor e sofrimento físico dos usuários que, em determinados casos, podem se encontrar em risco de morte. Assim, “tal abordagem implicaria em garantir, desde o consumo de todas as tecnologias de saúde disponíveis para melhorar e prolongar a vida, até a criação de um ambiente que resultasse em conforto e segurança para a pessoa hospitalizada” (CECILIO; MERHY, 2003, p. 1). Portanto, o setor de emergência hospitalar atende a uma população variada, a partir da ocorrência de situações que agravam a saúde do paciente e exigem intervenções imediatas e reparadoras, buscando promover a sua saúde.

A questão a ser sinalizada é que, esta lógica de cuidado em saúde, fundada no tratamento da doença instalada no corpo, não tem sido uma característica exclusiva dos setores de emergência. Para Moraes, Santos e Botelho (2020) articulado ao desfinanciamento da política de saúde no Brasil e a precarização dos serviços de saúde pública, tem-se reduzido à saúde ao modelo biomédico. Neste sentido, os autores destacam que, ainda que existam avanços referentes à perspectiva de integralidade das ações, a partir de um trabalho que compreenda os determinantes sociais da doença e suas implicações e significados para a vida e as relações sociais estabelecidas pelos sujeitos, o atual contexto privilegia modelos institucionais centrados na cura do corpo físico que, também tem sido atingidos pelo desfinanciamento da política e sofrido processos de precarização, não conseguindo, em muitos momentos, recursos para atividades básicas, pautadas no diagnóstico e tratamento de doenças físicas.

Além disso, acrescentam que “a organização desses serviços, centralizada na ordem médica, hierarquiza e subalterniza funções e tarefas aos demais trabalhadores da saúde, entre eles os assistentes sociais” (MORAES, 2016; MORAES; SANTOS; BOTELHO, 2020). Destacam que o processo de hierarquização e organização do trabalho tem limitado o campo de atuação do/a assistente social na politica de saúde, resultando a este, atuar em resolução de problemas institucionais, individuais e realizando atividades secundarias o que de forma mais ampla, é funcional à sociedade do capital.

Nesta direção, Vasconcelos (2009) aponta como desafio ao/a assistente social:


Superar a condição de complementação de serviços médicos, a partir de uma relação secundária não só com a medicina, mas com os demais profissionais de saúde e com os gestores, para, no campo da saúde/doença, sedimentar uma atuação autônoma, mas não isolada e fragmentada das demais profissões, priorizando o enriquecimento da subjetividade, a promoção e a prevenção, sem prejuízo das ações assistenciais. Esse é um processo que envolve a reestruturação do Serviço Social nas unidades de saúde, tanto no que se refere à distribuição dos assistentes sociais, quanto às ações necessárias junto aos usuários (VASCONCELOS, 2009, p. 2).


Ao particularizar tais problematizações com o Serviço Social em setores de emergência hospitalar, especialmente em um hospital em Campos dos Goytacazes/RJ, ressalta-se que esta profissão conta com 7 assistentes sociais neste setor específico, organizados em regime de plantão de 24 horas semanalmente. Além disso identificou-se que a rotina de trabalho tem início com a troca de informações entre as assistentes sociais, referentes ao trabalho, especialmente, as pendências do plantão anterior, sejam elas demandas relacionadas a instituição e/ou aos usuários.

Ainda neste mesmo movimento, são realizadas leituras das Fichas Sociais; do Livro de Ocorrência e Levantamento do número de pacientes internados na Emergência a partir da ficha de atendimento anexada ao prontuário. A partir disto, o/a assistente social se organiza para realizar o preenchimento das fichas sociais de todos os pacientes internados no setor após 72 horas.

Deste modo, a partir de entrevista para preenchimento das fichas sociais, o/a assistente social coleta informações pessoais do usuário e familiares, buscando ao mesmo tempo, compreender e analisar situações que ultrapassam a “demanda espontânea”. Vasconcelos (2001) destaca que a “demanda espontânea” se caracteriza pela iniciativa do usuário ou demais profissionais de saúde e serviços em procurar o Serviço Social para “obter acesso aos serviços da unidade, para orientações diversas ou para acesso aos serviços, orientações e reclamações” (VASCONCELOS, 2009, p. 7).

Mediante ao acesso a tais dados e às demandas a eles/as vinculadas, são trabalhadas informações e recomendações institucionais ao usuário e acompanhante, tais como: horário de visita, portar documentação pessoal com foto durante o período de internação, trocas de acompanhantes e orientações sócio educativas relacionadas ao processo de saúde e doença do usuário. Após esse primeiro contato, o/a profissional sistematiza as informações no relatório de entrevista e preenche o livro de ocorrências.

Ao reunir tais dados, o/a assistente social passa a dispor de informações relevantes ao trabalho em uma perspectiva mais ampliada, não se restringindo a dimensão médico-biológica e, ainda que em um setor centrado em práticas imediatas, mediante o caráter das demandas, amplia a suas possibilidades de trabalho na perspectiva da integralidade da atenção à saúde. Nesta perspectiva, reconhece a essencialidade do tratamento físico e imediato dos/as pacientes em setores de emergência hospitalar, mas avança na compreensão de que doenças iguais, não necessariamente, significam necessidades iguais, apreendendo assim, as necessidades sociais que permeiam as condições de vida do usuário. Desta forma, “o hospital pode ser visto como um componente fundamental da integralidade do cuidado pensada de forma ampliada, como uma ‘estação’ no circuito que cada indivíduo percorre para obter a integralidade de que necessita” (CECILIO; MERHY, 2003, p. 4).

Entretanto, tal possibilidade não é responsabilidade somente de uma categoria profissional, neste caso específico o Serviço Social, mas sim, de uma articulação entre as demais categorias que compõe a equipe de saúde no interior do hospital, e também da articulação com as demais instituições que integram a rede de saúde. Para Cecilio e Merhy (2003) os serviços de emergência hospitalar se tornaram uma porta de entrada para população acessar os serviços de saúde, causando demanda interminável, mediante as fragilidades da atenção básica em saúde.

Neste contexto permeado pelos desafios do trabalho em equipe na perspectiva da integralidade, reconhece-se como expresso em momentos anteriores, que as dificuldades atuais da política de saúde são muitas e que, mais amplamente, são determinadas pela crise estrutural do capital e as estratégias dela decorrentes, tais como: a reestruturação produtiva, o neoliberalismo, a globalização/mundialização do capital, com profundos impactos nas expressões da questão social e nas políticas sociais, havendo nos tempos que seguem, amplos processos que envolvem o seu desfinanciamento e destruição.

Portanto, fundamentados em uma perspectiva histórico-estrutural de análise da sociedade do capital, da política social e do trabalho, particularmente o de assistentes sociais, assumimos a compreensão de que, nos espaços específicos de atuação profissional, a intervenção profissional é profundamente impactada por esta realidade que, ao mesmo tempo em que condiciona e limita o trabalho, desafia assistentes sociais compromissados com o projeto ético-político profissional a avançar no enfrentamento de tais processos, tensões e contradições, ainda que esse complexo de elementos tenha gerado muitos sofrimentos à classe trabalhadora, onde inclui-se esta categoria profissional.

Assim, para Moraes (2016, p. 158):

Se não houver fortalecimento da categoria, criação de alianças estratégicas com demais profissionais que participam dos mesmos processos de trabalho que os assistentes sociais, aprimoramento profissional constante, estudo e análise de realidade, identificação com a profissão afinada ao conhecimento e firmeza dos princípios ético-políticos, serão ainda mais reduzidas as possibilidades de ultrapassar as margens institucionais que tendem a limitar os profissionais e a restringir consideravelmente sua capacidade crítica, ameaçando a dimensão intelectiva do trabalho profissional na perspectiva do projeto ético-político profissional atual.


De forma mais ampla, Cecilio e Merhy (2003) destacam que a integralidade perpassa todo o sistema de saúde, não havendo integralidade em sua gênese caso se limite às necessidades saúde/doença do usuário. Assim, para se atingir objetivos amplos no sentido da integralidade, se faz necessário um trabalho que permita o acesso aos demais serviços de saúde que compõe o SUS.

Na particularidade do Serviço Social, observa-se que esta profissão atende às demandas institucionais e dos usuários advindas do cotidiano de trabalho na emergência hospitalar e imersos em mazelas que integram o SUS. De forma geral, as análises construídas no contexto particular de estudo (emergência hospitalar em Campos dos Goytacazes), permitem apontar que as principais demandas do trabalho neste setor estão vinculadas a realização de contato telefônico com familiares; Participação na comunicação de óbito que acontece na sala do Serviço Social, sendo realizado pela equipe médica; visita domiciliar quando necessário; Encaminhamentos, objetivando um possível acesso as demais Políticas Públicas; Confecção de declarações para comprovação de internação ou de acompanhante e; Comunicação de alta na pediatria e clínica médica, fato que ocorre somente aos sábados e domingos, devido à presença de somente um/a assistente social de plantão no hospital. Além destas, observou-se o preenchimento das notificações compulsórias de suspeita/confirmação de violências contra criança, adolescente, mulher e idoso.

A análise do conjunto destas demandas indica a predominância de um trabalho administrativo, centrado na elaboração de documentos para usuários e demais profissionais, além da mediação e resolução de conflitos. Ainda assim, é possível verificar ações que se articulam à rede de atendimento assistencial e a família, ultrapassando o desenho institucional e criando estratégias que, ora tendem a promover o acesso a outras políticas, ora tendem a reforçar o caráter de responsabilidade da família, sobretudo, em um contexto em que, muitas vezes, os usuários, estão incapacitados de enfrentar as demandas que lhes são postas, mediante o seu processo de adoecimento.

Ainda assim, considera-se necessário que o/a assistente social na área da saúde amplie o seu olhar objetivando analisar as demandas sociais que determinam a condição saúde/doença dos usuários, de modo a compreender as necessidades sociais intrínsecas a sua condição de vida, enquanto expressões da questão social.

Para os Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde (2010), é relevante reconhecer os usuários da saúde como sujeitos de direitos, em um contexto de cidadania e de democracia. Nesta mesma direção, Martinelli (2011) acrescenta que


Este é o compromisso que nos cabe assumir e que somente pode ser alcançado por meio de práticas interdisciplinares, pautadas em um horizonte ético de humanização e de respeito à vida. Isto exige um contínuo processo de construção de conhecimentos, pela via da pesquisa e da intervenção profissional competente, vigorosa e crítica, alicerçada na Política Nacional de Saúde e no Projeto Ético Político do Serviço Social (MARTINELLI, 2011, p. 500).


Portanto, as intervenções do Serviço Social na saúde devem ser planejadas tendo o hospital como uma estação capaz de pensar e criar estratégias de intervenção nas necessidades sociais dos sujeitos. Este deve ser visto como um componente da integralidade do cuidado de maneira ampliada (MERHY; CECÍLIO, 2003). Sendo assim, “como área de conhecimento e de intervenção na realidade humano social, o Serviço Social deve mobilizar-se, cada vez mais intensamente, na perspectiva da assistência integral à saúde da população atendida” (MARTINELLI, 2011, p. 500).

Entretanto, a precarização dos serviços de saúde tem causado obstáculos e produzido lacunas na qualidade dos serviços prestados que, refletem não somente no Serviço Social, mas em toda equipe de profissionais da saúde. Assim, no Serviço Social no setor de emergência hospitalar, a alta rotatividade de atendimentos tem se tornado um campo privilegiado para se atender, prioritariamente as demandas institucionais, desde o preenchimento das fichas sociais, livros de ocorrência e até em resolver situações que não competem à profissão. Tais situações contribuem para reafirmar um lugar ao/a assistente social como solucionador de problemas individuais e imediatos, de forma a contribuir para o ordenamento institucional em um contexto de precariedade laboral e, mais amplamente, de crise do capital.

Deste modo, observa-se que esta rotina pode ser caracterizada por atividades que se dividem em duas variáveis principais - administrativas e assistenciais – que tem sido desenvolvidas, predominantemente a partir de demandas imediatas (MORAES, 2020). Sendo assim, referente às demandas dos usuários, as ações do Serviço Social no contexto hospitalar especialmente aqueles organizados em regimes de plantão, se resumem em '"orientações diversas", "encaminhamentos", "esclarecimentos", "informações", "providências", "apoio", “aconselhamento”, atividades apontadas pela quase totalidade dos assistentes sociais”. (VASCONCELOS, 2001, p. 6).

Segundo Moraes et al. (2018), nesse caso, é importante sinalizar que se, por um lado, as principais demandas apresentadas pelos usuários aos profissionais (frutos de procura espontânea, encaminhamentos internos ou externos) dizem respeito ao seu processo de adoecimento e tratamento (acesso a médicos, acesso a medicamentos de alto custo, a exames e tratamento específicos; maus tratos com idosos; repercussão da dependência química na dinâmica familiar, dentre outros), por outro lado extrapolam as atividades desenvolvidas nos serviços de saúde, demonstrando que o processo de adoecimento é construído socialmente.

Ainda que com uma série de dificuldades e condicionantes objetivos ao seu trabalho – em que são centrais a dimensão biomédica, articulada a imediticidade, flexibilidade e a precarização dela decorrente - o Serviço Social na emergência tem tentado avançar em suas intervenções através do trabalho socioeducativo de promoção da saúde. Para Moraes et al. (2019), esta é uma estratégia importante e legítima criada pelo Serviço Social no cotidiano dos serviços públicos de saúde, cada vez mais precários, para o enfrentamento da realidade capitalista contemporânea.

Para tal perspectiva, é relevante fundamentar-se no princípio da integralidade a partir do “cuidado de pessoas, grupos e coletividade percebendo o usuário como sujeito histórico, social e político, articulado ao seu contexto familiar, ao meio ambiente e à sociedade na qual se insere” (MACHADO et al., 2007, p. 336).

Nesta mesma direção, Costa (2009), afirma a partir de pesquisa nos serviços públicos de saúde em Natal, RN, que o/a assistente social desempenha o papel de “elo orgânico” entre os diversos níveis do SUS e entre este e as políticas setoriais, o que indica que tenta assegurar, mesmo com uma série de dificuldades, a integralidade das ações (COSTA, 2009, p. 341, grifos da autora).

Acrescenta ainda que a legitimidade do Serviço Social no interior do processo coletivo de trabalho em saúde se constrói pelo “avesso”, já que sua utilidade é expressa nas contradições fundamentais da política de saúde, sobretudo do SUS. Isso significa que o Serviço Social intervém, sobretudo, em situações que envolvem os excluídos, os ‘inaptos’ e os incapazes de receber, total ou parcialmente, o atendimento das unidades, tendo a missão de administrar o que é quase impossível de ser administrado.

Assim, a autora, referendada por outros estudiosos, como Matos (2013), entende que tudo aquilo que compromete, dificulta ou prejudica a qualidade do atendimento ao usuário tem sido direcionado ao/a assistente social, independentemente do local de ocorrência.

Contudo, nestes processos, tem sido possível afirmar as dificuldades que a equipe de saúde de forma mais ampla e os/as assistentes sociais trabalhadores da saúde, mais especificamente, tem para sistematizar o seu trabalho e estudar tais dados e informações, o que potencializaria novas formas de atuação, com base em suas defesas ético-políticas (MORAES, 2016; 2020).

Martinelli (2011, p. 503) afirma que a sistematização possibilita à construção de ações e conhecimentos específicos a profissão, proporciona uma intervenção qualificada e o fortalecimento do conhecimento teórico no Serviço Social, ao mesmo tempo vinculado “pela mediação da pesquisa, condição indispensável para subsidiar a construção de saberes comprometidos com a qualidade do exercício profissional”.

Desafiadora, a sistematização em um contexto de diminuição do tempo, em função do aumento de demandas e da falta de recursos para atendimento das necessidades emergenciais para o tratamento da doença, se coloca como essencial para a construção de ações fundamentadas na perspectiva de integralidade. Segundo Machado et al. (2007, p. 337):


Para que seja possível a realização de uma prática que atenda à integralidade, precisamos exercitar efetivamente o trabalho em equipe, desde o processo de formação do profissional de saúde. É preciso estabelecer estratégias de aprendizagem que favoreçam o diálogo, a troca, [...] entre os distintos saberes formais e não-formais que contribuam para as ações de promoção de saúde a nível individual e coletivo.


Deste modo, Martinelli (2011, p. 503) salienta que “o alcance do olhar do profissional eticamente comprometido transcende os muros do hospital, buscando os núcleos de apoio na família, na comunidade, lugares sociais de pertencimento onde se dá o cotidiano de vida das pessoas”.

Para Machado et al. (2007), os serviços de saúde tendo como perspectiva o princípio da integralidade, devem destinar ações de prevenção e promoção da saúde, agindo de modo preventivo nos fatores de risco e proporcionando o controle dos danos causados pelas doenças. Deste modo, para obtenção de êxito, tais ações necessitam estar integradas e articuladas aos espaços de organização do sistema de saúde.

Ao fundamentar-se nesta perspectiva e particularizar o trabalho do/a assistente social no setor de emergência hospitalar, observa-se que sua atuação assume as implicações de um setor construído para a atenção imediata às situações apresentadas, mediante as precariedades e particularidades que o compõe. Entretanto, há um compromisso ético-político por parte do Serviço Social brasileiro, a partir de seu projeto profissional, que o desafia na direção de ultrapassagem da imediaticidade destas ações focalizadas, predominantemente, no adoecimento físico. Neste caso, torna-se essencial redirecionar o olhar e o trabalho profissional para além dos muros institucionais, na busca por compreender os determinantes sociais que envolvem o cotidiano dos usuários e que repercutem diretamente no seu processo de adoecimento. A proposta da integralidade se torna desafiadora, mas não impossível, desde que haja fortalecimento com os demais profissionais de Serviço social e de saúde, articulação com os serviços da rede de saúde e demais serviços da rede socioassistencial, tendo a atuação comprometida e alicerçada no Código de Ética da Profissão.


  1. Considerações finais


Este artigo objetivou contribuir com o debate referente ao trabalho de assistentes sociais na política de saúde, particularmente no setor de emergência hospitalar, tendo por base o princípio da integralidade da assistência à saúde.

Ao fundamentar-se neste princípio, o referido trabalho recorreu às suas concepções e as problematizações construídas por intelectuais do Serviço Social e da área da saúde, tendo como referência a assistência à saúde, defendida na ótica da Reforma Sanitária e, legitimada pelas Legislações da área da saúde.

Ao particularizar o debate referente ao princípio da integralidade e as possibilidades de sua materialização no setor de emergência hospitalar que, tem por características, ações pontuais e imediatas, em um contexto de precarização destes serviços, verificou-se uma série de desafios aos trabalhadores da saúde e, mais particularmente, a assistentes sociais.

Deste modo, tendo como referência a atuação do/a assistente social no setor de emergência em um Hospital em Campos dos Goytacazes/RJ, verificou-se que as questões que atravessam o trabalho profissional – imediaticidade, precarização das condições de trabalho, administração de problemas sociais, ordenamento do setor de trabalho, mediação de conflitos, dentre outros - exigem reflexões críticas, segurança dos princípios ético-políticos e das competências e atribuições privativas para que o/a assistente social avance na formulação de propostas na direção da integralidade da atenção à saúde.

Nestes processos, o estudo partiu da compreensão que o trabalho profissional na área da saúde, fundamentado pelo projeto ético político profissional, deve apreender os determinantes sociais do processo de adoecimento dos usuários, construindo ações que ultrapassem os muros institucionais e contribuam para a construção da dignidade do viver.

Assim, se torna importante à sistematização das informações e o estudo do material sistematizado, reconhecendo por meio destes estudos a dimensão coletiva das demandas e necessidades apresentadas pelos sujeitos, bem como, o fato de que o mesmo quadro clínico de adoecimento não significa as mesmas necessidades sociais de saúde.

Para a manutenção de um trabalho crítico e propositivo nesta direção, o/a assistente social necessita realizar um processo de capacitação profissional permanente, tendo em vista os recorrentes retrocessos que atacam as políticas sociais, via desconstrução dos direitos sociais legitimados pela Constituição Federal de 1988. Além disto, face ao princípio da integralidade à saúde, compreender todas as manobras políticas que impulsionam o desfinanciamento da saúde e que estão destruindo o Sistema Único de Saúde, com fortes incidências em sua perspectiva de universalização do acesso.

Portanto, o/a assistente social deve realizar suas intervenções pautado no Código de Ética da Profissão (1993) e nos Parâmetros que norteiam sua atuação na saúde (2010), tendo em vista a construção de intervenções críticas, reflexivas e propositivas a partir das demandas apresentadas pela instituição e usuários, reconhecendo estes últimos como sujeitos de direitos.

Para finalizar e reconhecendo o objetivo geral deste artigo, conclui-se que, de forma geral, os resultados apontam que, frutos da crise estrutural do capital, os atuais processos de desfinanciamento da política de saúde tem precarizado acentuadamente os serviços de saúde, contribuindo para desconstrução dos princípios do Sistema Único de Saúde Constitucional, sobretudo, a universalidade do acesso e a integralidade da atenção à saúde. No setor de emergência, se observa que os desafios se ampliam por se tratar de um setor centrado em ações pontuais, emergenciais, sob a perspectiva médico - biológica, em que tudo converge para a doença instalada no corpo. Nesta realidade, o Serviço Social tenta avançar, como um agente da integralidade, ao analisar as condições sociais favorecedoras dos processos de adoecimento dos usuários, tentando criar elos com a rede de atendimento assistencial e a própria família dos pacientes. Contudo, as principais requisições a esta profissão são vinculadas ao ordenamento institucional, a mediação de conflitos internos e a administração de problemas sociais individuais, dificultando a construção de um trabalho crítico, coletivo e pautado no princípio da integralidade.


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Artigo recebido em: 14 de agosto de 2020. Aceito em: 28 de outubro de 2020

Bacharel em Serviço Social, Departamento de Serviço Social de Campos/Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. Autor correspondente. E-mail: castelar_33@hotmail.com

Professor Adjunto do Departamento de Serviço Social de Campos e docente do Programa de Estudos Pós Graduados em Política Social, Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. Doutor em Serviço Social pela Pontífica Universidade Católica (PUC SP); Mestre em Política Social pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF); Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: carlosantoniomoraes@id.uff.br

§ A partir da Constituição Federal brasileira de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS), se organiza em três princípios doutrinários que norteiam as ações na saúde, sendo eles: Universalidade, Integralidade e Equidade.

** De forma geral, a precarização do trabalho é abordada a partir das principais alterações no trabalho em nível mundial no contexto contemporâneo. Tendo por base o modelo de acumulação flexível, são exemplos, as novas formas de gestão intensivas e poupadoras de mão de obra, heterogeneização, fragmentação e complexificação da classe trabalhadora, a produção conduzida pela demanda/estoque mínimo, processo de trabalho intensificado, sindicalismo de envolvimento, desemprego estrutural e várias alternativas de trabalho e de geração de renda. Já a flexibilização no que tange as relações de trabalho, implica na redução drástica das fronteiras entre a atividade laboral e o espaço da vida privada, no desmonte da legislação trabalhista, em novas modalidades de contratação e na sua expressão negada, o desemprego estrutural. A terceirização é uma das modalidades e possibilidades do capital consumir força de trabalho, além de também contribuir para os processos de desregulamentação dos direitos do trabalho (ANTUNES, 2006). Já para Alves (2011, p. 124) a exploração é motivada pelo fundamento do lucro do capital, e não mais é como a que ocorria nos séculos XIX ou XX, havendo uma exploração “do trabalhador pelo próprio trabalhador”. Por fim, a opressão, agudizada pela junção da flexibilização e exploração do trabalho e, somada a instabilidade do emprego, faz com que os trabalhadores se tornem reféns de seus superiores, numa consciência empírica de que são eles mesmos os responsáveis por garantirem seu lugar na empresa/instituição, conforme explica Alves (2011).

†† O processo de estágio supervisionado na área de Serviço Social no setor de emergência hospitalar foi determinante para a construção deste estudo que, além de gerar a produção do trabalho de conclusão de curso de um dos autores deste artigo, proporcionou a atualização do debate proposto e a construção deste artigo.

‡‡ Este pode se realizar nas seguintes dimensões no universo da profissão: nos seus instrumentos legais, que asseguram direitos e deveres desses profissionais e defendem a autonomia profissional na condução do seu trabalho; nas expressões da categoria e manifestações coletivas, através dos Conselhos Federal e Regionais de Serviço Social (CFESS, Cress), da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss), que se posicionam política e publicamente em face da realidade em que vivemos, das expressões da “questão social”, do Estado, sociedade, políticas públicas e demais profissões e que, conforme Yazbek (2014), articulam e organizam a presença dos assistentes sociais em lutas coletivas na direção da construção de outra ordem societária; na articulação com outras profissões, movimentos sociais e entidades internacionais de Serviço Social; no trabalho profissional, na defesa da qualidade dos serviços prestados, fortalecimento dos direitos dos usuários e a defesa de uma nova sociabilidade, através da construção de uma prática baseada na perspectiva crítico-dialética, por meio do cultivo da pesquisa e da dimensão investigativa, que afiançam a busca do saber-fazer, ancorados no tipo de sociedade que se deseja; no ensino universitário, em nível de graduação e pós-graduação, responsável pela qualificação, formação teórica e construção de um perfil profissional dotado de estatuto intelectual. Nesse caso, há a afirmação e defesa das Diretrizes Curriculares de 1996 para o curso de Serviço Social e a luta crítica à contrarreforma universitária, que tem mercantilizado a educação, desqualificando a formação profissional. Além disso, há a defesa da autonomia e presença política do movimento estudantil no Serviço Social (MORAES, 2016, p. 596).


Rev. Mundo Livre, Campos dos Goytacazes, v. 6, n.2, p. 306-324, jul./dez. 2020

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