FATORES MOTIVACIONAIS COMO ELEMENTOS INFLUENCIADORES DA DINÂMICA EDUCACIONAL


MOTIVATIONAL FACTORS AS INFLUENCING ELEMENTS OF EDUCATIONAL DYNAMICS


PURL: http://purl.oclc.org/r.ml/v7n1/a3


Cláudio Adão MoraesAndrade



Resumo. A motivação é um fenômeno multicausal amplamente estudado em todas as áreas do conhecimento, pois se relaciona objetivamente com a ação humana sobre o meio. Um profissional, um cientista, um estudante motivado, é mensurado sob categorias que fazem juízo de valor positivo. A probabilidade de um indivíduo motivado alcançar suas metas é bem maior que a do indivíduo indiferente. Este estudo de caso, elaborado a partir de uma pesquisa de mestrado, desenvolvida através do Programa de Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT), mobilizou análise bibliográfica, observação participante e a pesquisa-ação para compreender os sentidos atribuídos individual e coletivamente à Escola/Educação no momento em que o aluno está concluindo o 9° ano do Ensino Fundamental, buscando identificar a relação dos fatores motivacionais e sua interface com as subjetividades das experiências, desafios e impasses experimentados nesse período. Além de dissertar sobre a conexão de elementos contributivos, aponta para o papel do professor nesse processo.

Palavras-chave: Motivação. Identificação. Transição.



Abstract. Motivation is a multicausal phenomenon widely studied in all areas of knowledge, as it is objectively related to human action on the environment. A professional, a scientist, a motivated student, is measured under categories that make positive value judgments. The probability that a motivated individual will achieve his or her goals is much greater than that of the indifferent individual. This case study, elaborated from a master's research, developed through the Professional Master's Program in Professional and Technological Education (PROFEPT), mobilized bibliographic analysis, participant observation and action research to understand the meanings attributed individually and collectively to School / Education at the time the student is completing the 9th grade of elementary school, seeking to identify the relationship of motivational factors and their interface with the subjectivities of the experiences, challenges and impasses experienced in that period. In addition to talking about the connection of contributory elements, it points to the role of the teacher in this process.

Keywords: Motivation. Identification. Transition.


1 Introdução

A motivação humana é um elemento biopsicossocial rico, diverso e complexo. Sintetiza fatores inatos e ambientais, é caracterizada por uma construção histórica onde o social e o cultural não ficam de fora. Tem relação com o lugar existencial do sujeito, as formas como internalizou suas experiências, a maneira como decodifica o simbólico e dá sentido à realidade. O afeto e a estrutura cognitiva interagem mediados pelo universo sociocultural e as condições objetivas de existência dos indivíduos.

Neste artigo, analisamos a motivação a partir da perspectiva sociopedagógica, usando relatos de alunos e professores coletados no decorrer de um estudo de caso elaborado como pesquisa de mestrado, realizada junto a alunos e profissionais do 9° ano da Escola Municipal João Flávio Batista da Rede Municipal de São João da Barra, do estado do Rio de Janeiro

No ambiente educacional, objeto dessa pesquisa, a motivação, nos instrumentaliza para pensar estratégias metodológicas e pressupostos educacionais potencializadores do êxito capaz de reduzir a evasão e o fracasso escolar. No entanto, entendemos que apenas concluir a formação não é suficiente. É possível extrair o máximo no/do percurso, desenvolver-se humana e tecnicamente, mobilizando o máximo de recursos internos para uma aprendizagem mais significativa (AUSUBEL, 1963, apud MOREIRA; MASINI, 2011).

Não é só o fracasso e o êxito que se relacionam com a motivação, mas inclusive, a identificação, entrega e consciência que dão sentido e qualifica a passagem por cada etapa de formação. O fator denominado motivação é uma chave para interpretar as narrativas. Quando as pessoas não estão muito animadas para fazer alguma coisa, é comum usar a expressão popular, “não estou muito motivado”. Assim explicam os comportamentos e apontam os motivos pelos quais teriam agido de determinada forma.

Abraham Maslow (1954) em sua proposta de hierarquia das necessidades fala sobre a descoberta da natureza humana e como é essencial a motivação, pois as pessoas não funcionam mecanicamente como as máquinas, que não têm paixão, valores e sentimentos, por isso elas precisam de uma motivação que sintetize tudo aquilo que é importante numa ação objetiva e não alienada.

Como o foco do artigo não é discorrer profundamente sobre o desenvolvimento histórico dos estudos sobre a motivação, mas aplicar algumas chaves no estudo de caso, de forma despretensiosa citamos como referência para pesquisas posteriores: a teoria de Necessidades de Maslow, a Higiene-motivação do autor Herzberg, as teorias X e Y de McGregor e as contribuições de W. Ouchi sobre a Teoria Z(administração japonesa), a Logoterapia de Frankl, a PNL de Grindler e Bandler e a Energização (Zapp!) de Byham, conforme apresenta Bueno (2002). E seguimos o texto com autores que usaram essas fontes, dentre outras, para desenvolverem suas próprias leituras e interpretações do fenômeno.


2 Aspectos gerais

Motivação, do latim moveres, significa mover. Relaciona-se com o ato de motivar e com a exposição de motivos. Em síntese, é um tipo de energia desencadeadora de movimento capaz de firmar padrões comportamentais, sendo o princípio de uma atitude. A pessoa motivada age de forma voluntária e consciente. Além de energia, atitude, ação, ela é classificada como impulso que leva à busca de satisfação de necessidades e desejos, ou seja, impulsiona para a realização de projetos pessoais e/ou coletivos (AVELAR, 2019).

Segundo Spector (2004, p. 198), “a motivação é um estado interior que induz uma pessoa a assumir determinados tipos de comportamentos”. Tal estado de força aponta para regulação operada por meio da observação e da capacidade de ação/reação. Transpondo a reflexão para o universo escolar, quando a instituição introduz o conhecimento, esta precisa respeitar o que Vygotsky (1984) classificou como zona de desenvolvimento proximal, que seria:

A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto, ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1984, p. 97).


Em outras palavras, é imprescindível que a ação pedagógica respeite e mobilize o repertório de conhecimento dos sujeitos bem como sua maturação cognitiva. Caso essa exigência não seja observada, a motivação pode ser comprometida.

Como existe uma vasta bibliografia retratando o conceito, a história do campo e suas conotações em variadas áreas, o trabalho optou por rastrear no universo das relações institucionais escolares, o fenômeno, a partir das narrativas dos nativos da pesquisa. O viés prático contido nessas páginas foi a estratégia metodológica mobilizada para levantar dados que permitiram a análise qualitativa descrevendo variadas facetas da motivação no ordinário da vida escolar.

Maximiano (2007, p. 250) diz que a motivação deve ser vista dentro da singularidade dos contextos, pois, “uma pessoa motivada para trabalhar pode não ter motivação para estudar ou vice-versa. Não há um estado geral de motivação, que leve uma pessoa a sempre ter disposição para tudo". A pessoa motivada pode ser ou estar envolvida com determinada tarefa no momento que ela está sendo executada, o que determina essa satisfação/força/impulso seria a soma dos fatores externos e internos.

Contemplando fatores biológicos, emocionais e socioculturais, os estudiosos do assunto concebem a existência de dois tipos de motivação, a extrínseca e a intrínseca. A primeira presume que o controle do comportamento tem sua forma configurada pelo meio exterior, logo, a motivação não seria exclusivamente um fator inerente ao sujeito e nem a tarefa que, por sua natureza, pudesse gerar tal energia. Ela seria um híbrido, sendo constituída pela interação dos dois aspectos. Surge por meio do condicionamento ou do desejo de reforço. Já a segunda concebe um sujeito com maior agência. Os condicionantes da realidade externa não seria o fator determinante. O controle das condutas dependeria do sujeito e seus interesses pessoais (RIBEIRO, 2011).

Sob o viés da motivação extrínseca, o estudante precisa ser orientado por algo externo que se impõem de fora para dentro, seja um prêmio, uma nota, algum tipo de reconhecimento, um elogio, bem como evitar punição, ou as sensações oriundas de mecanismos coercitivos implícitos em seu arcabouço moral. Embora as repostas dialoguem com sua dimensão interna, a causa primordial vem de fora. Nas palavras de Guimarães (2009, p.46):

Como a motivação para trabalhar em resposta a algo externo à tarefa ou atividade, como a obtenção de recompensas materiais ou sociais, de reconhecimento, objetivando atender aos comandos ou pressões de outras pessoas ou para demonstrar competências ou habilidades.


Além do que já foi exposto, as razões externas que produzem motivação nos estudantes podem ser: aprovação no final do ano, deixar os pais satisfeitos, agradar o professor ou outra pessoa pela qual tenha apreço, competir em busca do status de melhor aluno etc. São objetivos que prescindem da ideia de se satisfazer pelo fato de apenas estar aprendendo algo.

A motivação intrínseca pode ser promovida pelo diálogo entre os atores envolvidos no processo ensino aprendizagem. A pesquisa, sendo usada como princípio educativo, pode estimular o aluno ao protagonismo levando-o a estudar um tema de seu interesse que vai ao encontro de seu gosto, respondendo às suas inquietudes (RIBEIRO et al., 2016). Outro caminho seria o trabalho por meio de projetos, que, segundo Nogueira (2001, p. 201), “pode ser o mecanismo que propicie a interação sujeito-objeto de conhecimento, mediando ainda os fatores motivacionais intrínsecos e necessários para a aprendizagem”.

Alguns alunos, condicionados pela recompensa, mirando na nota, conseguem se motivar. Outros, no entanto, precisam captar o sentido das propostas, são capazes de estar motivados só pelo fato de aprender. Nessa dinâmica, o conceito de gosto, que é um elemento central na análise de Bourdieu (2011), lança luzes para compreender os fenômenos. O gosto não é acidental e aparece como uma ponte de acesso para própria subjetividade. Aciona a ética da autenticidade que estimula a estar de acordo consigo mesmo manifestando o prazer subjetivo por permanecer fiel à própria identidade.


 O gosto resplandece: ele é a unidade básica do estilo de vida, o princípio básico de todas as escolhas, é constituinte. A abertura contemporânea na construção da própria identidade a partir de um gerenciamento da própria existência, segundo a ótica política, exprime uma forma de autogoverno, isto é, de liberdade e autonomia - e o gosto aparece como termômetro que permitiria aos indivíduos pensar em que medida determinadas práticas e valores lhe aprazem ou não (MALVEZZI, 2019, p. 2001).


O gosto, afirma Bourdieu (2011, p. 12) “implica uma ruptura com a atitude habitual em relação ao mundo que, levando em consideração as condições de sua plena realização, é uma ruptura social”. O sujeito tem motivação suficiente para fazer escolhas que podem, até mesmo, contrariar o senso comum.

Se a regra entre os estudantes é escolher a profissão que melhor remunera, o gosto pode liberar o acesso a critérios diferenciados que apontam para realização pessoal considerando uma estética mais livre das coerções e das estruturas sociais, “descobrir uma coisa a seu gosto é descobrir-se, é descobrir o que se quer" (SANTINI, 2020, p. 171). Em suma, ele pode ser de caráter mais popular, pragmático e utilitário, ou mais sofisticado em sua dimensão estética, tendo maior autonomia em relação aos padrões estabelecidos, ou até mesmo configurando um padrão estrutural.

Numa perspectiva dialética, defendemos a ideia de que as ações dos indivíduos são constituídas por fatores estruturais, mas também, individuais. Ou seja, as estruturas de classe dialogam com certa agência – limitada, mas existente – numa interlocução contínua com a realidade sociocultural.


3 Motivação e docência

A prática docente está continuamente em transformação para se adequar às subjetividades de um mundo plural, complexo e com movimentos contraditórios. A educação é um campo que sofre influências políticas, sociais e culturais. A geografia, a origem, fatores econômicos, políticos, condições biológicas, dentre tantos outros, interferem sobremaneira nos processos educacionais e seus respectivos resultados (PETRAGLIA,2011).

Entende-se, com base em Linhares (2010), que transferir a responsabilidade da educação exclusivamente para a categoria, professor, é uma estratégia ideológica em prol da manutenção das realidades desiguais que beneficiam indivíduos privilegiados por fatores que os colocam em vantagem diante das disputas estratificantes que estruturam a sociedade de classes.

As metodologias ativas como, Aprendizagem Baseada em Projetos, Aprendizagem Baseada em Problemas, Gamificação, Sala de Aula Invertida, dentre outras, ascenderam como caminho alternativo à rigidez das concepções clássicas, desencadeando transformações teórico-metodológicas significativas.


Assim, aprendizagem ativa ocorre quando o aluno interage com o assunto em estudo – ouvindo, falando, perguntando, discutindo, fazendo e ensinando – sendo estimulado a construir o conhecimento ao invés de recebê-lo de forma passiva do professor. Em um ambiente de aprendizagem ativa, o professor atua como orientador, supervisor, facilitador do processo de aprendizagem, e não apenas como fonte única de informação e conhecimento (BARBOSA; MOURA, 2013, p.55).


Os quatro pilares fundamentais da educação – aprender a conhecer (adquirir instrumentos de compreensão), aprender a fazer (agir sobre o meio), aprender a viver juntos (cooperação), e finalmente aprender a ser (conceito principal que integra todos os anteriores) – propostos pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura- UNESCO , no ano de 1992, se trabalhados sob o viés defendido neste trabalho, pode tirar o aluno do papel de receptáculo passivo resgatando o protagonismo e sua condição de sujeito político. O que segundo Christofoletti et al. (2014), além de cumprir a primorosa função de trabalhar os conteúdos, promove satisfação discente no processo.

Embora seja alvo de algumas e boas críticas, o conceito denominado, Os Quatro Pilares da Educação, e a Pedagogia das Competências, adicionados a pressupostos críticos, podem auxiliar na construção de estratégias para uma transição paradigmática capaz de elaborar uma epistemologia pedagógica voltada à noção de formação integral, numa abordagem em que todos os aspectos da constituição humana sejam considerados. Assim, afastando-se do dualismo teoria x prática, cognição x emoção, adicionando às categorias do Aprender a Conviver e Aprender a Ser à premissa tradicional do Aprender a Conhecer – que era dominante e dialogava com o Aprender a Fazer, que possuía menor espaço. De forma que, o processo formativo, além de estar voltado para aquisição dos instrumentos de compreensão, passa a englobar efetivamente a capacidade de agir sobre o meio circundante, a cooperação que caracteriza a sociedade humana e o ser como integração de todos os aspectos constituintes de um processo que, além de ter caráter técnico, precisa ser de humanização (DELORS, 2012).

Olhar à prática pedagógica por uma perspectiva motivadora é debruçar-se sobre processos cognitivos que estimulam o raciocínio lógico, compreensão, dedução, memória, desenvolvendo a volição, vontade e prazer no ato de aprender, mesmo que seja sem visar uma recompensa material (NÓVOA, 1992). E assim, munir o estudante de dispositivos intelectuais e cognitivos suficientes para qualificar as posturas individuais, instrumentalizando o pensamento crítico. Mas não para por aí, todo o recurso intelectivo carece desenvolver competência para transitar com expertise no universo dos novos processos de produção desencadeados pelas subjetividades do capital na era da alta modernidade. O ser que conhece, e sabe fazer, necessita desenvolver valores e atitudes voltados à empatia, tolerância, paz, numa descoberta sistemática do outro, como infere o conceito de Ecopedagogia, que pensa numa educação sustentável, valorizando todo o potencial humano, a planetaridade (identificação com o que é terráqueo) e a biofilia - amor por tudo o que é vivo (KAHN, 2006).

Boff (2008) discursa sobre duas maneiras distintas de ser no mundo: Uma é o trabalho que nos permite agir sobre a natureza, transformar e ser transformado num movimento histórico dialético. A outra é o cuidado que nos outorga a responsabilidade, um compromisso ético, afetivo e moral pelo que criamos e pelo processo criador. O cuidado demanda mobilização de: despojamento, empatia, coragem para materializar o carinho, a ternura e força para ser sensível num contexto em que a conduta blasé se radicaliza, além de abertura para aceitação serena dos próprios limites. De forma que haja espaço para acessar o outro pela via da vulnerabilidade. E a percepção da precariedade humana capacite cada indivíduo a acolher construtivamente seus desconfortos, sem apelar ao que produz regressão. Por isso é imprescindível fazer a crítica à nossa civilização agonizante, tendo em vista o aprofundamento de um novo paradigma de Conviviabilidade. A pedagogia não pode negligenciar a luta contra a lógica predatória, pois, há “um perigo global, e por isso se faz necessário uma salvação global, e uma libertação integral” (BOFF, 2008, p. 35).

É imprescindível ao profissional um pudor pedagógico ético rigoroso que desnaturalize a banalização de violências simbólicas e estruturais que se reproduzem automaticamente em nome de um estado de motivação que relativiza as práticas diatópicas de egoísmo. As energias precisam ser canalizadas na direção de processos humanizantes e não o contrário. A planetaridade e a sustentabilidade projetam a ação pedagógica para a dimensão abrangente do humano integral em harmonia com o seu oikos.


4 Profecia autorrealizadora

O impacto das expectativas dos docentes sobre a aprendizagem do estudante tem sido estudado há décadas. Rosenthal e Jacobson (1968), considerados pioneiros desse tipo de estudos realizaram a seguinte experiência nos Estados Unidos, apresentaram aos professores dois grupos de alunos: O primeiro teria realizado supostamente uma série de testes cognitivos que teria sinalizado um alto QI. O segundo, escolhido aleatoriamente, foi apresentado como um grupo comum. Na verdade, as duas turmas tinham composições similares. No entanto, ao terminar o ano, a primeira turma alcançou um resultado 50% maior (VIDAL et al, 2019, p. 7).

Numa pesquisa envolvendo questões de gênero, Palardy (1969) separa dois grupos de professores. Um acreditava que as meninas do ensino fundamental da classe média norte americana aprenderiam a ler com mais fluência do que os meninos. O outro acreditava que o gênero não era um fator determinante e que ambos aprenderiam a ler da mesma forma. Os resultados foram reveladores. Na turma onde os professores esperavam mais das meninas, elas aprenderam consideravelmente melhor do que os meninos, porém, na turma em que os professores não viam diferença entre os gêneros, meninos e meninas aprenderam num percentual aproximado de forma equilibrada.

Bandura (1993, p. 8) demonstra em seus estudos que docentes com altas crenças em sua função social, em suas práticas pedagógicas e na possibilidade de o estudante aprender, exercem uma influência positiva diferenciada sobre os estudantes. Nesse grupo encontram-se os profissionais que acreditam na escola como instituição capaz de levar o cidadão em formação a melhorar o status social.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira realizou um estudo chamado Melhores Práticas em Escolas de Ensino Médio no Brasil. A pesquisa demonstrou que, quando são altas as expectativas das equipes escolares, em relação a si mesmas e aos objetivos junto aos alunos, os resultados obtidos transcendem a média. O sucesso escolar verificado foi atribuído a fatores que consideram a tipologia dos estímulos e a autopercepção no processo. Concluíram que os estudantes percebiam que a escola era exigente, dava condições e esperava muito deles. Essa consideração estrutural era convertida em articulação dentro do nível proposto (BRASIL, 2010).

De acordo com relatório emitido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE –em 2016, relatório esse produzido a partir da análise de resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA – do ano de 2012, os percentuais de resultados insuficientes estão associados às instituições em que os profissionais não têm altas expectativas na aprendizagem dos alunos. As notas diminuem proporcionalmente à medida que a crença na capacidade dos alunos reduz. Segundo a pesquisa, 74% dos estudantes brasileiros com baixo desempenho em matemática estão matriculados em escolas onde os professores não acreditam em sua capacidade de aprender.


No Brasil, 60% dos professores de escolas com baixo nível socioeconômico não acreditam que a maioria dos seus alunos concluirão o ensino médio, enquanto que 100% dos professores de escolas de nível socioeconômico mais alto disseram acreditar que a maioria dos seus alunos concluirão o ensino médio (VIDAL et al., 2019, p. 8).


As pesquisas referenciadas e outras do mesmo tipo integram elementos psicológicos que interagem com os desdobramentos sociais num movimento dialético. Para não correr o risco de reduzir o resultado a fatores estritamente individuais, responsabilizando tendenciosamente professores, alunos e responsáveis, é valioso lembrar o caráter sistêmico da prática educativa que demanda políticas públicas eficientes dando suporte. Os exemplos supracitados podem ser classificados como profecia autorrealizadora. Esse conceito, que foi sistematizado pelo sociólogo Merton, é uma crença com potencial de concretizar a leitura de ideias preconcebidas. Segundo o próprio autor, “a profecia autorrealizável é, no início, uma definição falsa da situação, que suscita um novo comportamento e assim faz com que a concepção originalmente falsa se torne verdadeira.” (MERTON, 1968, p. 477).

O conceito sintetizado possui um sentido abrangente evocado pela própria designação linguística. O termo composto tem um amplo significado: Profecia, palavra originária do latim, de acordo com o dicionário Michaelis seria: “predicação do futuro feito por profeta. Presságio, conjetura”, um vaticínio de inspiração divina ancorado em elementos altamente relativos (MICHAELIS, 2009, p. 703).

A crença produtora de subjetividades desencadeadoras de cenários. Em outras palavras, seria uma somatização de especulações orientando a materialização de percepções intuídas. É chamar à existência noções que só existem na vida mental, mas se desdobram em comportamentos que condicionam a construção do que foi equivocadamente estipulado. É uma crença que atua por meio de estímulos. Como aponta o documentário Nunca Me Sonharam (2017), estudantes são inculcados pelas expectativas das equipes escolares. Nesse sentido, algumas condutas naturalizadoras podem ser expressão de violência. Docentes, como demonstra o documentário, podem representar grandes obstáculos, tornando penosa a estadia dos sujeitos num ambiente escolar deformador. Mas, saliente-se que o mesmo trabalho registrou a atuação de profissionais empenhados em resgatar crianças e adolescentes estigmatizados, proporcionando novas expectativas para esse público.

Concernente à palavra autorrealizadora, ela expressa a relação entre o que foi dito pelo educador, sejam pais, responsáveis ou professor, e o que foi profetizado. O termo se refere à realização de si mesmo como produto constituído após o indivíduo desenvolver suas potencialidades e se apropriar de noções que o definam como pessoa. Como exemplo claro do termo, citamos os estudantes que tiram boas notas porque estudam, e estudam porque acreditam que podem tirar boas notas, em detrimento dos que tiram notas baixas porque deixaram de se preparar, pois não creditam que podem tirar notas altas.


Quando ocorre de os professores falarem que certo aluno ou certa classe não aprende, não “vai pra frente”, eles tendem a realizar avaliações e mediações pedagógicas que venham cumprir com este papel de reprovar o aluno, para que a sua previsão esteja correta, é a chamada “profecia autorrealizadora" (LONGO et al., 2014, p. 157).


Observemos, porém que, tal mobilização se realiza normalmente num plano inconsciente e nem sempre configura uma atitude antiética travestida de intencionalidade.


5 Imersão no campo

Esta etapa da pesquisa foi realizada numa turma de 9° anodo ensino fundamental, composta por 28 estudantes. Considerando que a idade estabelecida para se cursar o 9° ano é 14 e 15 anos, a turma de 28 alunos possuía 20 alunos com idade considerada adequada e 8 alunos com defasagem idade/série (duas meninas e seis meninos). Logo, o percentual de defasagem idade/série da turma era de 28,57%. Entre os estudantes com defasagem, um era repetente e três vinham do programa de progressão parcial. A turma era composta por alunos entre 14 e 21 anos.

As estratégias utilizadas para atingir os objetivos propostos foram, observação participante, rodas de conversa, entrevista semiestruturada, e atividades dirigidas. Alguns alunos reclamavam do tipo de aula de determinados docentes, mas se sentiam motivados porque gostavam do componente curricular. Nas palavras da aluna Cx10 (15 anos) “que aula chata, a professora viaja, parece que tá falando Grego. Minha sorte é que sempre gostei da matéria. Leio os textos e entendo rápido”. Enquanto ela consegue manter a motivação e busca outros meios para compreender o conteúdo, a fala de Cx7 (14 anos) apresenta o movimento oposto: “Me amarrava na matéria, mas ó, a aula dessa professora, pô, é tão insuportável que só de pensar dá dor na cuca”. Resumimos assim duas falas com atitudes opostas diante do mesmo fator. Cx10 (15 anos) continua aprendendo, buscando outras fontes e recursos, enquanto Cx7 (14 anos), desestimulado, tem uma conduta reacionária, “se der eu colo mesmo na matéria dela. Não tenho que tirar 100, só preciso garantir a média”. Mesmo não evadindo, alunos podem deixar de se dedicar e não extrair o máximo potencial de sua permanência na instituição educacional. Independente da identificação pessoal ou não do discente com o componente curricular ou até mesmo com o docente, defendemos a ideia de que a atuação do professor é fundamental na criação de situações de aprendizagem envolventes e estimulantes.

Outros alunos não se identificavam com o componente curricular, mas gostavam do professor e isso impactava o processo. A afirmação da aluna Cx14 (15 anos) ratifica essa conclusão: “Nunca tive facilidade na matemática. Pensa numa coisa que você detesta. Esse ano o professor me fez gostar. Ele é bom mesmo. Geral aprende”. Foram presenciadas, no decorrer da pesquisa, inúmeras conversas entre eles, classificando o professor de matemática como, “uma pessoa legal que dá uma aula maneira”, sintetizou Cx14 (15 anos). Existia um consenso na turma em relação ao professor e a sua aula. Imediatamente quisemos compreender qual o princípio motivador desencadeava essa percepção. Para atingir a finalidade, foi realizada uma roda de conversa com o tema, “O que é ser um bom professor”. O objetivo foi construir um texto coletivo.

A atividade foi descontraída. Primeiro foi feito o exercício de lembrar-se de dois professores do passado que tinham sido inesquecíveis. O primeiro que marcou negativamente e o segundo pelos aspectos positivos. Não foi transcrita a representação de professor classificado como “ruim”, pois, em suma é o oposto das ideias defendidas no texto sobre o “bom”. Em seguida, foi solicitado que um de cada vez completasse a frase, “O bom professor é”, à medida que eles falavam, o registro era feito no quadro negro, e assim surgiu o texto coletivo. Segundo a turma:


O bom professor é amigo, aberto ao diálogo, se preocupa de verdade com o aluno. Tem paciência. É bom, mas não é bonzinho. Tem autoridade, mas não é um ditador, nem fica passando o sabão na turma toda, toda hora, por causa do erro de um aluno só. Quando tem que resolver as coisas resolve sem ter que chamar todo mundo para tomar a decisão por ele. É justo, não pune quem não merece. E nem fica perseguindo aluno por coisas que ficaram no passado. Explica bem a matéria, fala a nossa língua, dá aula de um jeito que a gente entende. É criativo e dá aulas diferentes. Faz a gente aprender sem perceber, sem ser um sacrifício. Sabe prender a atenção, tem presença e inspira. Domina a matéria e ama o que faz. Prepara a gente pra vida. Ser um bom professor é sempre deixar um gostinho de quero mais (Texto coletivo construído com a turma do 9° ano, Escola Municipal João Flávio Batista, 2020).


Uma das grandes dificuldades metodológicas dos professores está na pluralidade do alunado, as turmas heterogêneas apontam às diferenças individuais. Uma estratégia eficaz para determinado grupo revela-se inadequada para outro. Outro empecilho é o paradigma educacional que desconsidera a emoção dos alunos, operando orientado pelo dualismo, pautado na velha dicotomia que não vislumbrava cognição e afeto, razão e emoção, teoria e prática como uma unidade. Nesse sentido, a neurociência, sinaliza que emoções e sentimentos são marcadores somáticos que influenciam o funcionamento do cérebro, sendo determinante nos processos cognitivos que culminam na tomada de decisão. As dimensões afetivas e cognitivas compõem uma unidade funcional de caráter holístico e sistêmico (DAMÁSIO, 1996).

Na sala de aula o comportamento dos alunos pode sinalizar o nível de motivação que consequentemente gera maior ou menor engajamento. No entanto, as formas, como a motivação se apresenta, são condicionadas pela personalidade de cada um. Como é possível verificar no depoimento da professora Py3:


É muito interessante como eles são diferentes. Nem sempre o mesmo comportamento significa a mesma coisa pra todos eles, nem comportamento diferente significa coisas diferentes, ta entendendo? Não né!? Vou explicar melhor! Lembra da aluna Cx26 (14 anos), aquela que senta no centro da sala, lá na meiota. Quando ta gostando do assunto, fica quieta, não pisca, nem se mexe. Enquanto a maioria fica assim quando não está interessada. Eu meço o interesse de uns pela intensidade da fala. Um monte vira uma matraca, ficam eufóricos. Mas tem aqueles que eu meço de forma positiva pelo silêncio e o olhar fixo. É preciso conhecer a turma pra perceber essas diferenças.


A observação metódica e a aproximação estratégica permitem que o docente decodifique o sentido dos comportamentos, mapeando a sala de aula, considerando as expressões individuais e grupais ancoradas nas formas representativas. Ou seja, qual o percentual da turma assume determinada postura quando se sente motivada? Quem interage, quem fica em silêncio, quem faz anotações, quem comenta com o colega ao lado etc. E como estão alocados no layout da sala? Como esse dado pode servir para melhorar a minha relação com a turma, orientar o meu plano de aula e me ajudar a selecionar melhor a metodologia? É importante dizer que o fato de um aluno não estar desmotivado, não significa que se encontra motivado, pode ser apenas um estado de indiferença operacional.

Ficou nítida a interlocução entre o repertório pessoal dos alunos, o que pode gerar a automotivação, ou não, e o papel singular do professor como mediador capaz de catalisar os múltiplos estados de ânimos de uma turma heterogênea e criar estratégias eficazes, contemplando os variados e respectivos níveis de motivação. Mesmo que existam alunos autodidatas, dedicados, com a volição operante, o mediador possui um papel de excelência na gestão do processo rumo aos objetivos educacionais almejados pelas políticas públicas.

As estratégias metodológicas, os conhecimentos de múltiplas linhas pedagógicas, as didáticas implementadas para transposição do conteúdo, a forma de desenvolver habilidades e competências, somados a empatia, inteligência emocional, visão holística do sujeito e gestão efetiva dos recursos, podem potencializar os resultados dos profissionais da educação nas instituições escolares. O professor não deve ter uma postura passiva e aceitar o papel de coadjuvante nesse enredo, pois uma parcela considerável do resultado poderá ser definida por ele, ainda que as condições não sejam as melhores possíveis.


6 Associação livre de palavras

Essa foi uma dinâmica que buscou levantar elementos linguísticos capazes de expressar as representações sociais dos envolvidos utilizando uma técnica que tem como base um tema gerador que induz os participantes a revelarem um universo semântico internalizado e mobilizador de sentidos.

A Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP) compõe os instrumentos das técnicas classificadas como projetivas. Ela é “orientada pela hipótese de que a estrutura psicológica do sujeito se torna consciente por meio de manifestações de condutas, reações, evocações, escolhas e criação” (COUTINHO; BÚ, 2017, p. 17). Foi usado o software Voyant-toos§ para organizar os dados a fim de se fazer uma leitura em busca das conexões.

Para evitar associações influenciadoras, consciente e/ou inconscientes com a atividade que já tinha sido desenvolvida, foi solicitada à professora de Língua Portuguesa que aplicasse à dinâmica como se fosse dela, sem fazer nenhuma menção à pesquisa. A estratégia foi usada porque os discentes poderiam inconscientemente responder o que acreditavam que o pesquisador queria ouvir. Cada aluno recebeu uma folha e foi orientado a escrever 15 palavras relacionadas com a pergunta: “Quais são as primeiras 15 palavras que surgem na minha memória quando eu penso na escola?”. Se a palavra tivesse um sentido negativo, deveria vir acompanhada com o sinal “–”, se tivesse um sentido positivo, o sinal “+”.

Após coleta dos dados, as informações foram submetidas ao Software para serem sintetizadas. A técnica foi aplicada na turma de 9° ano do ensino fundamental aos 28 alunos presentes.

Com cada um dos 28 estudantes produzindo 15 palavras, totalizou-se 420 termos que foram filtrados. Na tabela a seguir foram elencadas as 23 palavras com maior recorrência, partindo da mais para a menos repetida pelos estudantes. Para contextualização de cada palavra, segue uma frase positiva e uma negativa na coluna “Síntese da Ideia”. Essas frases foram retiradas das redações, entrevistas e dos registros do caderno de campo para ilustrar o sentido que podem representar. E por fim, as últimas duas colunas esclarecem o percentual de vezes em que a palavra apareceu acompanhada do sinal positivo (+) e negativo (–).

Como é possível verificar no Quadro I, a Associação Livre de Palavras permite descobrir muitos sentidos compartilhados pelos estudantes e a regularidade em que sentimentos, percepções e leituras aparecem, constituindo categorias dominantes nas relações constituintes entre indivíduo e instituição com a mediação sociocultural.


Quadro1– Palavras que surgem na memória quando cada um se lembra da escola

(continua)

Palavra

Frequência

Síntese da ideia

%Pos.

% Neg.

Futuro

18 vezes

Prepara para o futuro.”

Estudar não vai me dá futuro.

78%

22%

Amigo

18 vezes

Aqui estão os amigos.

Ninguém é amigo de ninguém.

56%

44%

Aprender

17 vezes

Nos ajuda aprender.”

Não consigo aprender.

65%

35%

Ensinar

17 vezes

Ensina o necessário.”

Não sabe ensinar.

71%

29%

Chata

17 vezes

Ficar burro é que é chata."

As aulas são chatas.”

35%

65%

Professor

17 vezes

O professor quer nosso bem.”

Professor ruim.

53%

47%

Medo

16 vezes

Preciso vencer o medo."

Tenho medo de não conseguir.”

57%

43%

Aprovação

14 vezes

Me esforço pra ser aprovado.”

Não vou ser aprovado.

86%

14%

Importância

12 vezes

É muito importante estudar.”

Não acho tão importante assim.

84%

16%

Trabalho

12 vezes

A gente estuda pra trabalhar.”

Dá um trabalho danado à toa.

92%

8%


Quadro 1– Palavras que surgem na memória quando cada um se lembra da escola

(conclusão)

Palavra

Frequência

Síntese da ideia

%Pos.

% Neg.

Servir

9 vezes

Tudo o que se aprende vai servir.

Não sei pra que serve.”

67%

33%

Obrigação

8 vezes

É nossa obrigação ser alguém na vida.” “Não tenho obrigação de saber tudo.

62%

38%

Inteligência

8 vezes

Ficar inteligente.”

Não sou inteligente.

62%

38%

Mudar

7 vezes

Mudar pra melhor.”

Como mudar?

86%

14%

Difícil

7 vezes

É difícil, mas não impossível.

Algumas matérias são difíceis.”

57%

43%

Desafio

6 vezes

Todo dia é um desafio.”

Não dá pra vencer certos desafios.

50%

50%

Ultrapassada

5 vezes

É ultrapassada, mas é fundamental.

Escola está ultrapassada.

20%

80%

Falta

5 vezes

Não falta coragem.

Falta ar-condicionado.”

20%

80%

Quente

5 vezes

A chapa fica quente.

Sala muito quente.”

20%

80%

Paciência

5 vezes

Paciência pra esperar acabar.”

Não tenho paciência.

60%

40%

Ouvir

4 vezes

Ser ouvido pela escola.”

Ele não ouve ninguém.

75%

25%

Erro

4 vezes

Todo mundo erra.”

Tá muito errado isso.

50%

50%

Sono

3 vezes

Brigo com o sono e estudo.

A aula dá sono.”

70%

30%

Fonte: Elaboração própria com resultados produzidos pelo software Voyant-toos e caderno de campo


As primeiras seis palavras são repetidas pela maioria dos participantes. Sua regularidade demonstra, que de alguma maneira, elas fazem parte do núcleo representativo do papel social da educação. Formando o que escolhemos chamar de Núcleo Central dos Sentidos Atribuídos encontram-se os termos, futuro, amigo, aprender, ensinar, chata, professor, exatamente nesta ordem. Esses elementos identificados na vida mental dos alunos não estão descolados da realidade, quando eles associam às terminologias citadas, suas concepções “particulares” sobre a ideia de escola/educação, estão reproduzindo noções construídas historicamente pela sociedade.

Podem-se identificar concepções positivas e negativas dos alunos frente à função escolar. De um lado apresenta-se o núcleo do pensamento formado por representações positivas, ilustrado pelos termos: futuro, amigo, apreender, inteligência, mudar, trabalho, desafio e servir. No outro extremo, refletindo algo que deveria ser superado, a representação negativa: chatice, medo, falta, ultrapassada, sono, quente. Os dois polos deflagram a oposição inerente às representações sociais dos alunos em relação à educação escolar. E assim é possível perscrutas as ideias que os alunos têm sobre a educação, “há que se considerar que uma representação social não somente tem a função de guiar o comportamento, mais que isso, ela imprime a ele um sentido como também remodela e reconstitui a realidade na qual ele deverá ser inserido.” (KOGA, 2012, p.10).

As noções compartilhadas também estão associadas à cultura local e a faixa etária dos envolvidos, pois se encontram em meio à maturação de suas personalidades e construção identitária, numa fase transitiva com profundas transformações de cunho biológico, psicológico e social. São adolescentes contemporâneos com características condicionadas pelo contexto da hipermodernidade (GOMES; LIMA, 2019).

As palavras elencadas são peças de um quebra-cabeça mental posto pelas noções representativas. “A escola prepara para o futuro, ensinando o que é preciso ser aprendido, mesmo que haja algo de chato em sua metodologia”. E assim arranjamos as palavras numa sentença que possui um sentido compartilhado sobre a relação da instituição educacional com a sociedade contemporâneo.

A palavra amigo, sendo citada em primeiro lugar junto à palavra futuro, evidencia a importância da instituição como geografia socializadora em tempos de virtualidade. Inclusive, como relata o aluno Cx4 (16 anos), “gosto de vir para escola, mas não gosto de estudar. Venho por causa dos meus amigos”. Em contrapartida a aluna Cx5 (14 alunos) que estava enfrentando dificuldades relacionais com a turma, desabafa, “adoro estudar, mas detesto vir pra escola”.

Existe uma unanimidade, ninguém questiona a função de educar – embora se questione o “como” e o “onde” –, no entanto, quando a palavra, chato, aparece entre as primeiras colocadas, está sinalizando para as formas de atuação. Ou seja, a metodologia vigente no sistema formal pode não dar conta de conciliar função e forma. Nesse sentido a frase que virou um clichê midiático usado pelo senso comum, dialoga com as concepções dos estudantes. “Temos uma escola do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI”. As subjetividades propostas pela digressão podem ser interpretadas pela chave da teoria geracional. Cada época está inserida num contexto e numa rede de acontecimentos que formatam moralidades, e, como aponta o sociólogo Durkheim, a moral impõe-se ao indivíduo por meio do fato social que “[...] consiste em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele.” (DURKHEIM, 2007, p.3).

Nos termos da tabela, chatice, preguiça, medo, obrigações e dificuldades apontam para questões de cunho metodológico numa instituição parcialmente ultrapassada**. Como declarou o aluno Cx4(16 anos),


... ás vezes nem tento. Não parece impossível, só que não entendo a matéria. O professor fica falando pra ele mesmo. Nem eu! Já sei que ele sabe. Fico marolando mesmo”. Esse foi o protesto do aluno que começou a se sentir excluído porque não acompanhava a turma. “Cara, tenho até vergonha de ficar perguntando. Toda hora o professor explica igual. Se já não tinha entendido antes, continuo sem entender” (Cx13, 17 anos).


Ser “aprovado” se relaciona com ser “inteligente” e poder “mudar” a realidade, o que é muito “importante”. No entanto, são vários “desafios”: o “sono”, a “falta”, tanto de professores como de frequência pessoal, “falta” de condições adequadas, o “calor” provocado pela ausência de ar-condicionado nas salas demasiadamente quentes, ausência de computadores com acesso à internet, de expertise na utilização pedagógica dos meios tecnológicos. Podemos observar esses pontos num fragmento da redação da aluna Cx28 (14 anos):

[...] Nunca fiquei reprovada e nem de recuperação. Acho que isso é um tipo de inteligência. Quem não nasceu rico tá perdido se não tiver cabeça boa. Meu sonho é mudar a realidade da minha família. Quero ajudar minha mãe. Minhas colegas só falam em namorar e tal, mas isso é a coisa mais importante pra mim. Fico preocupada por causa das faltas de uns professores aí. No ano passado já fiquei sem ter aula de matemática, isso vai me atrapalhar, tenho certeza. Outra parada que dava pra melhorar, é dá um fim nesse calor. Eu trabalho dormindo na casa de uma idosa, acordo e venho direto pra escola, mas tem dias que tá tão quente que só fico pedindo pra ir no banheiro e sonhando com a hora de ir embora [...]. Sei que tem muita gente melhor que eu, mas vou fazer de tudo pra passar na prova do IFF.


A estudante Cx28, de 14 anos de idade, ilustra a desigualdade social no campo formativo. A imposição de sua origem humilde lhe atribui funções desproporcionais à sua idade. O trabalho noturno, de acompanhante de uma idosa, estava comprometendo a qualidade de sua formação. O desgaste oriundo do trabalho, adicionado à sala de aula quente eram fatores determinantes. Mesmo sendo uma aluna com foco, estava nítido que não conseguia extrair o máximo das aulas e nem estava se desenvolvendo consoante o potencial que apresentava.


7 Considerações finais

A motivação é um fator determinante do sucesso ou do fracasso escolar. As narrativas evidenciaram que a disposição pessoal que leva à ação, bem como o modus operandi dos sujeitos equilibra múltiplos universos.

Esse fenômeno complexo é de caráter biopsicossocial. Possui historicidade, é condicionado pelas estruturas e mediado pela singularidade. Analisá-lo implica identificar o que é geral, um padrão, uma regularidade compartilhada pela maioria dos indivíduos, mas, na mesma medida, requer um olhar investigativo versátil, capaz de contextualizar, fazer micro recortes e relativizar, pois, o que dá conta de mobilizar uma pessoa, pode ser insuficiente para estimular outra.

O meio exerce uma influência que não pode ser negligenciada. Nesse sentido, seja positiva ou negativamente, a realidade concreta, a experiência de classe, étnica, de gênero e identitária, desencadeiam redes de significação que interagem com o repertório de experiências pessoais e as formas como elas foram interpretadas.

Um aluno motivado aprende mais e melhor. O desempenho é proporcional à motivação, isso é um fato. Sendo assim, nos debruçamos sobre o desafio de pensar, sistemicamente, o ambiente propício à aprendizagem. Metodologias, currículos, recursos, estruturas, podem contribuir para desencadear esse nível de envolvimento tão cobiçado pelas instituições e educadores. E o professor, metaforicamente falando, é o maestro que rege esse coral.

Partindo das condições reais de cada educador, as narrativas compiladas na pesquisa, sinalizaram sintomas provocadores da apatia, que merecem intervenção e ação preventiva. A escola precisa ter sentido, falar a língua do aluno, dialogar com seus anseios, contemplar o processo histórico, social, econômico e cultural dos envolvidos. Muitos discentes tiveram sua motivação sendo desmobilizada por processos traumáticos, outros perderam a esperança, foram negligenciados, relegados à existência subalternizada inerente às práticas autoritárias.

Alunos ouviram tanto que não chegaria a lugar nenhum, que internalizaram essas vozes. Experimentaram frustrações recorrentes, e se acostumaram ao fracasso. Aprenderam a não querer, a não achar importante, a não ver sentido. Enquanto uns conseguem construir e manter equilibrado um padrão de comportamento que aponta para a superação, outros não se sentem vistos, estão sem foco e desestimulados.

Cada ator social responsável pela educação tem um papel imprescindível no sentido de proporcionar oportunidades capazes de estimular a atitude positiva indispensável à aprendizagem significativa. E, sobretudo, o professor é a peça chave como agente motivacional capaz de dar sentido a espaços, currículos, métodos e recursos. O olhar, a sensibilidade docente, as dimensões técnicas e humanas que leva o profissional a atuar de forma diferenciada, construindo relações de aprendizagens contextualizadas e significativas ainda é a ação mais eficaz no sentido de estimular, manter e aumentar o fator motivacional.


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Artigo recebido em: 30 de janeiro de 2021. Aceito em: 8 de maio de 2021

Coordenador do Plano Municipal de Educação do município de São João da Barra. Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Veiga de Almeida (UVA), Cabo Frio, Brasil. Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Campos dos Goytacazes, Brasil. Pós Lato Sensu em Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia e Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), Rio de Janeiro, Brasil. Autor correspondente. e-mail: sjbpme@gmail.com

A identidade dos colaboradores foi preservada para manter o anonimato das fontes. O símbolo alfanumérico foi utilizado para se referir aos colaboradores.


§Ferramenta disponível em: https://voyant-tools.org/. Acesso em: 11 jun. 2020.

** Tomamos com cautela essa concepção, pois não defendemos a negação do velho só por ser velho, além de que, conteúdos e formas originárias são imprescindíveis para se “fazer” educação e compreender o mundo atual.