FATORES ASSOCIADOS À GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA MATERNIDADE NO NORTE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


FACTORS ASSOCIATED WITH PREGNANCY IN ADOLESCENCE: ANALYSIS FROM MATERNITY IN THE NORTH OF THE STATE OF RIO DE JANEIRO


Viviane Aparecida Siqueira Lopes1


Jessyca Carvalho de Araújo Pereira Sepúlveda2



Resumo: Este artigo analisa os fatores sanitários, sociais e econômicos associados `a gravidez na adolescência. Foi realizada pesquisa documental incidente sobre Declarações de Nascidos Vivos referentes a mães adolescentes, e pesquisa qualitativa, a partir de entrevista, com uso de formulário, a grupo de mães-adolescentes atendidas em maternidade, referência em gravidez de alto risco, no norte do estado do Rio de Janeiro. Seus resultados registram grande associação entre gravidez na adolescência, famílias de baixa renda e monoparentais femininas, ausência de planejamento familiar e de uso de métodos contraceptivos. Entre as repercussões da gravidez na adolescência, destacam as complicações obstétricas durante a gestação e/ou parto, o abandono escolar e a disfunção idade-série.

Palavras-Chaves: Gravidez na adolescência. Determinantes sociais de saúde. Sistema Único de Saúde.


Abstract: This article analyzes the health, social and economic factors associated with teenage pregnancy. Documentary research was carried out on Declarations of Live Births referring to adolescent mothers, and qualitative research, from an interview, using a form, to a group of adolescent mothers cared for in a maternity hospital, a reference in high-risk pregnancies, in the northern state from Rio de Janeiro. Its results show a strong association between adolescent pregnancy, low-income families and female single parents, absence of family planning and the use of contraceptive methods. Among the repercussions of teenage pregnancy, obstetric complications during pregnancy and / or childbirth, school dropout and age-grade dysfunction stand out.

Keywords: Pregnancy in adolescence. Social determinants of health. Unified health system.


  1. Introdução

A América Latina está entre as regiões com altos índices de gravidez na adolescência, pois a taxa mundial estimada é de 46 nascimentos por cada 1.000 adolescentes e jovens de 15 a 19 anos, enquanto esta taxa na América Latina e Caribe é de 66,5 nascimentos por cada 1.000 adolescentes e jovens com idade entre 15 e 19 anos. No Brasil, a taxa de gravidez na adolescência é ainda mais alta, sendo de 68,4/ 1000. (OPAS/OMS, 2018; BRASIL, 2020).

As adolescentes são mais suscetíveis a complicações obstétricas, havendo maior risco de partos prematuros e podendo ser caracterizada como possível gravidez de risco. Os riscos para a adolescente durante a gestação e parto são promovidos pela imaturidade de seu organismo para a maternidade, tornando-se fundamental o acompanhamento de pré-natal, ao menos na frequência mínima recomendada (BRASIL, 2000, 2013).

Uma das causas para a gravidez na adolescência é a falta de informação sobre os métodos contraceptivos, em especial, sobre seu uso adequado. Mas, a não utilização desses métodos também pode ocorrer por esquecimento, falta de acesso, efeitos colaterais ou ser desconfortável (ALMEIDA, 2002). Acrescentando, Dias e Teixeira (2010, p. 125) afirmam que a gravidez na adolescência pode estar também associada a “situações de violência e negligência, diminuição das oportunidades de mobilidade social, além de maus tratos infantis”. Entretanto, a gravidez na adolescência pode ser planejada e desejada pela adolescente e/ou seu parceiro.

Os principais fatores que causam mortalidade durante a gravidez, o parto e pós-parto em adolescentes são: hipertensão, hemorragias, infecções puerperais, abortos, anemia, desnutrição, eclampsia, desproporção céfalo-pélvica (DIAS; TEIXEIRA, 2010). As crianças nascidas de mães adolescentes também estão sujeitas a complicações em seu quadro sanitário, como: baixo peso ao nascer, prematuridade, mortalidade neonatal, entre outros (FIGUEIREDO, 2000; DIAS; TEIXEIRA, 2010; LOPES et.al., 2020.).

É comum a mãe adolescente vivenciar limites na sua relação com a criança nascida, pois estará lidando, simultaneamente, com seu processo de transformação enquanto indivíduo e assumindo cuidados à criança, e, portanto, responsabilidades. Assim, “interagem quantitativamente menos com seus filhos, são menos sensíveis às necessidades do bebê, oferecem pouca oportunidade de estimulação, verbalizam menos durante as interações com a criança [...] mantêm laços afetivos mais tênues, [...] enfrentam maior estresse, são menos sensitivas, menos pacientes, menos comunicativas e frequentemente não interpretam bem as necessidades de seus filhos” (RIOS;WILLIAMS; AIELLO, 2007, p. 8-9). Também é comum que a mãe adolescente apresente, diante da ausência de apoio familiar e de expectativa de futuro, sintomas de depressão. (SABROZA et.al., 2004).

O contexto socioeconômico e familiar no qual se insere uma gravidez na adolescência condiciona a sua ocorrência. Nas famílias com menor poder aquisitivo, a realidade de privação financeira e de baixa escolaridade, comuns às histórias de várias gerações desta família, não promovem a construção de projetos de vida que proporcionem as adolescentes realidades diferentes daquelas vividas por sua família (MARTINEZ, et.al., 2011; UERJ, 2018). A ausência de tais projetos é fator relevante, promovendo a percepção da maternidade como fator de reconhecimento social, já que é valorizada culturalmente. Além do valor social, a maternidade também pode ser vista como uma saída diante à violência ou abuso familiar (BARKER; CASTRO, 2002; LOPES et. al, 2020).

Portanto, a gravidez na adolescência junto a segmentos populacionais em situação de pobreza, não necessariamente é indesejada e/ou não planejada. Ao contrário, adolescentes de níveis socioeconômicos altos, “acreditam que a gravidez nessa fase seria um destruidor de planos futuros” (RANGEL; QUEIROZ, 2008, p.784). Desse modo, a gravidez denota convicções distintas quando analisadas por diferentes culturas e classes sociais. O contexto social no qual o indivíduo está inserido vai determinar a maneira como ele constrói suas convicções e trajetórias de vida (ALMEIDA, 2002; MIOTO, 2005).

Em termos de repercussões sociais, psicológicas e econômicas, é frequente a permanência das mães-adolescentes em baixos níveis de escolaridade, pois grande número interrompe seus estudos no período gestacional (MARTINEZ, et.al., 2011). Isso afeta a situação econômica das famílias, em especial as de menor renda, pois as expectativas futuras de inserção da adolescente no mercado de trabalho, em melhores condições, garantida por maior escolaridade, são frustradas (MARTINEZ et.al., 2011; TABORDA et. al., 2014). Assim, as famílias de origem e as formadas pelas mães-adolescentes são marcadas pela dependência a benefícios assistenciais.

A participação de adolescentes grávidas em famílias monoparentais chefiadas por mulheres é aspecto que se agrega ao contexto de vulnerabilidade social (DIAS, AQUINO, 2006; SILVA et. al., 2014). A família monoparental é a “comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes [...] ”em razão de viuvez, separação judicial, divórcio, adoção unilateral, não reconhecimento de sua filiação pelo outro genitor, produção independente, etc.” (SANTOS; SANTOS, 2009, p.8). Entre essas famílias, preponderam as chefiadas por mulheres, que em geral vivenciam situação econômica e de escolarização fragilizada (COSTA; MARRA, 2013).

A monoparentalidade feminina, por vezes, acompanha e marca gerações familiares. As descendências são influenciadas por suas histórias de vida, tendendo a reproduzir suas características e particularidades. Assim, é comum a gravidez na adolescência reproduzir o estilo de vida vulnerável (PINHEIRO; PEREIRA; FREITAS, 2019; SILVA; NAKAGAWA; SILVA, 2020; SILVA et. al., 2014).

A adolescente grávida, frequentemente permanece residindo com a mãe que auxilia ou assume os cuidados após o nascimento do bebê. O pai da criança, em geral, fica distante de suas responsabilidades. Por vezes, inserem seus nomes no registro de nascimento, porém não se envolvem como corresponsáveis. Diante a isso, um número considerável de adolescentes assume sozinha a criação de seus filhos, cuja paternidade não fora compartilhada pelo pai biológico, sendo ainda mais desafiadora a criação de seu filho e a construção de condições econômicas satisfatórias (SILVA et.al., 2014).

A família possui papel fundamental no apoio a adolescente durante a gravidez e posteriormente no processo de criação de seu filho. Segundo Silva (2014, p. 118), “o apoio familiar torna-se necessário para que a gestação ocorra de forma saudável e oriente a adolescente quanto às perspectivas futuras”. No entanto, a maternidade na adolescência traz não apenas mudanças para a adolescente, mas desencadeia alterações na rotina e nas relações familiares, fomentando possíveis conflitos familiares (SILVA; NAKAGAWA; SILVA, 2020). A família, em geral, assume a responsabilidade financeira e auxilia ou incumbe-se dos cuidados com a criança.

Além disso, as famílias, especialmente os pais, vivenciam sentimentos controversos. Surgem questionamentos relacionados à criação, valores, preocupação com novas responsabilidades, desapontamento e culpa e mudança de planos. Contudo, também vivenciam sentimentos de alegria, entusiasmo e fraternidade (SILVA, 2014).

Diante ao exposto, este artigo analisa os fatores sanitários, sociais e econômicos associados à gravidez na adolescência diante a mães-adolescentes atendidas em maternidade de referência em gravidez de alto risco, no norte do estado do Rio de Janeiro.


  1. Metodologia

Foi realizada pesquisa documental incidente sobre as Declarações de Nascidos Vivos (DNV) referentes às mães adolescentes, na maternidade de referência em gravidez de alto risco, no norte fluminense, no período de julho a dezembro de 2018. Foram levantadas todas as cópias de DNV do mencionado período, arquivadas pelo hospital, sendo selecionadas aquelas relativas às mães adolescentes.

Foi analisada a proporção de nascimentos de filhos de mães adolescentes, as idades dessas mães, suas escolaridades e se houve registro de paternidade a ser inserida nas Certidões de Nascimento, sendo estes os dados registrados nas DNV. Na sequência, os dados foram tabulados e analisados, sendo consideradas suas tendências.

A DNV é um documento provisório, com validade em todo o território nacional, preenchido pelo hospital e entregue aos pais após o nascimento dos seus filhos. Com a apresentação deste documento, o cartório emite a Certidão de Nascimento do recém-nascido. Suas informações também alimentam o banco de dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) que indicam ao Ministério da Saúde “quais são as prioridades de intervenção relacionadas ao bem-estar da mãe e do bebê, além de fornecer indicadores de saúde sobre pré-natal, assistência ao parto, vitalidade ao nascer, mortalidade infantil e materna”. (ALAGOAS, s/d). Portanto, seu principal objetivo é “fornecer informações sobre as características dos nascidos vivos, fundamentais para o estabelecimento de indicadores de saúde específicos.” (BRASIL, 2011, p. 6).

No hospital que abarca a maternidade, local da pesquisa, há um cartório de registro civil funcionando em seu espaço físico, o que promove a efetivação do registro de nascimento, confirmando os dados registrados nas DNV. O registro é realizado logo após a elaboração da DNV. A confirmação dos dados é observada pelo setor de serviço social do referido hospital, do qual faz parte uma das autoras desse artigo, pois no momento da alta dos bebês, as famílias apresentam o registro de nascimento neste setor.

Em segundo momento, foi realizada pesquisa qualitativa, a partir de entrevistas a dez adolescentes, com uso de formulário, cujos partos foram realizados na referida maternidade, visando analisar aspectos sociais, econômicos e sanitários relacionados à vivência da gravidez e maternidade.

As entrevistas foram realizadas com 10 mães-adolescentes internadas na maternidade, nos dias definidos para realização das entrevistas, em agosto de 2019. As adolescentes foram, inicialmente, abordadas e convidadas a participar da pesquisa, sendo explicados os objetivos da pesquisa. Todas as adolescentes abordadas concordaram em participar, leram e assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Na sequência, foram realizadas as entrevistas.

O formulário foi composto por 28 perguntas, referentes às seguintes categorias: idade, escolaridade, família, moradia, renda, planejamento familiar, métodos contraceptivos, limites, perspectivas e mudanças diante à gravidez, participação dos pais dos bebês. As perguntas e suas respostas compuseram quadros, sendo analisadas a partir de interpretações, deduções e inferências (GOMES, 2016).


  1. Resultados

    1. A partir das declarações de nascido vivo

Na maternidade de referência em gravidez de alto risco, no norte fluminense, no período de julho a dezembro de 2018, nasceram 1.907 crianças com vida, sendo 217 destas, filhos de mães adolescentes, correspondendo a aproximadamente 11, 4% do total de nascidos vivos. Dos 217 nascimentos, 163 crianças (75,1%) foram registradas com o nome do pai e da mãe, e 54 crianças (24,9%) apenas com o nome da mãe.

Entre as mães adolescentes, 12,9% possuíam idade entre 12 e 14 anos e 87,1% possuíam idade entre 15 e 17 anos. (Tabela 1)


Tabela 1 - Idades das mães-adolescentes, na maternidade de referência em gravidez de alto risco, no norte fluminense, no período de julho a dezembro de 2018.

Idade

N. de Usuárias

12 anos

1

13 anos

07

14 anos

20

15 anos

40

16 anos

66

17 anos

83

Total

217

Fonte: Elaboração das autoras.


A maioria das mães-adolescentes (58,1%) era estudante e 41,9% interromperam seus estudos antes ou durante a gestação (Tabela 2).


Tabela 2 – Manutenção dos estudos por mães-adolescentes, na maternidade de referência em gravidez de alto risco, no norte fluminense, no período de julho a dezembro de 2018.

Escolaridade

N.º

Estudantes

126

Não estudantes

91

Fonte: Elaboração das autoras


Entre as adolescentes grávidas que permaneceram estudantes, 64,3% estavam com disfunção idade-série. Ou seja, com ‘atraso escolar’, em séries não compatíveis com sua idade, sinalizando a presença de repetências de anos letivos (Tabela 3).


Tabela 3 – Regularidade dos estudos, referente a mães adolescentes, na maternidade de referência em gravidez de alto risco, no norte fluminense, no período de julho a dezembro de 2018.

Condição de estudo

N.º de Adolescentes

Série regular

45

Em disfunção idade-série

81

Total

126

Fonte: Elaboração das autoras



    1. A partir das entrevistas


A maioria das entrevistadas (09) se encontrava na faixa etária 15 – 17 anos, estando somente uma adolescente na faixa etária 12 -14 anos. Todas as entrevistadas se declararam estudantes, mas estas apresentaram atraso escolar de ao menos 01 ano, sendo esse atraso considerado disfunção idade-série para quatro adolescentes, pois havia um intervalo igual ou maior que 02 anos entre a idade do aluno e a idade prevista para a série, como define o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, 2018) (Quadro 1).

A maioria das entrevistadas (6) reside com sua família de origem, sendo quatro famílias com composição monoparental. Em relação à renda, seis famílias vivem com até 1 salário mínimo, duas vivem apenas com benefício assistencial, uma vive com renda entre 1 e 2 salários mínimos e uma adolescente não soube responder. São famílias compostas por três ou mais membros, sendo quatro famílias residentes em casa alugada. Entre estas últimas famílias, duas possuem renda de até 1 salário mínimo, uma não teve renda informada e uma possui como renda somente o benefício assistencial (Quadro 1).

Quatro adolescentes não residiam com suas famílias de origem, residiam somente com seus companheiros (3) e com sogros e companheiro (1). Entre estas, a renda familiar era de até 1 salário mínimo, com exceção de uma família, cuja renda era de 1 a 2 salários mínimos. Esta última apresentou-se como a única adolescente a vivenciar um pequeno avanço em termos socioeconômicos, pois sua família de origem, era composta de ao menos cinco pessoas, com renda oriunda de benefício assistencial, e a adolescente passou a residir somente com o companheiro, com renda familiar de 1 a 2 salários mínimos, o que indica a saída de um patamar de indigência para o de pobreza (IPEA, 2005).



Quadro 1 – Idade, escolaridade, composição familiar, moradia e renda de mães-adolescentes, entrevistadas na maternidade de referência em gravidez de alto risco, no norte fluminense, em 2018.

Idade

Escolaridade

Reside c/ família de origem?

Composição da família de origem

Condição de moradia da família de origem

Renda/ família de origem:

Caso não resida com família de origem, com quem reside?

Caso não resida com sua família de origem, qual a renda familiar atual?

17 a

6º-9º ano

Não

Pai, mãe e irmãos

Casa alugada

Até 1 SM

Companheiro

Até 1 salário mínimo

16 a

6º-9º ano

Sim

Mãe, padrasto e irmãos

Casa própria

Até 1SM

----

----

17 a

1º-5º ano

Não

Pai, mãe e irmãos

Casa alugada

Benefício

assistencial

Companheiro

1 a 2 salários mínimos

17 a

2º grau incompleto

Sim

Pai e mãe

Casa própria

Até 1SM

----

----

16 a

2º grau incompleto

Sim

Mãe e irmãos

Casa própria

Benefício

assistencial

----

----

14 a

6º-9º ano

Sim

Mãe e irmãos

Casa alugada

Não sabe

----

----

15 a

6º-9º ano

Sim

Pai e mãe

Casa alugada

Até 1 SM

----

----

15 a

6º-9º ano

Não

Mãe e irmãos

Casa própria

Até 1SM

Companheiro

Até 1 salário mínimo

17 a

6º-9º ano

Sim

Pai, mãe e irmãos

Casa própria

1 a 2 SM

----

----

15 a

6º-9º ano

Não

Mãe e irmãos

Casa própria

Até 1 SM

Sogros, companheiro e cunhada

Até 1 salário mínimo

Fonte: Elaboração das autoras.


Questionadas sobre a situação mais difícil vivida desde que descobriram a gravidez, a ‘privação financeira’ foi a mais mencionada, sendo apresentada de modo isolado ou em conjunto com outra situação. As demais situações apresentadas foram: críticas da sociedade, relacionamento com o pai da criança, medo da reação dos pais, conflitos familiares, preocupação com o parto. Algumas adolescentes não tiveram situação difícil ou não soube informar (3) (Quadro 2).

Entre as entrevistadas, oito se encontravam na primeira gestação e duas já estiveram grávidas. Entre estas últimas, uma possuía um filho e outra abortou na primeira gestação (Quadro 2).

Seis adolescentes não planejaram a última gravidez e quatro planejaram. Entre as duas adolescentes que estavam na segunda gravidez, uma não planejou nenhuma das gravidezes e uma adolescente não planejou a primeira gestação, mas planejou a segunda (Quadro 2).


Quadro 2 – Número de gravidezes e de abortos, planejamento familiar e dificuldades geradas pela gravidez, de mães-adolescentes, entrevistadas na maternidade de referência em gravidez de alto risco, no norte fluminense, em 2018.

Situação mais difícil a partir da descoberta da gravidez?

Gravidez atual foi a primeira ?

Caso não, teve quantas gravidezes?

Caso não, nasceram filhos vivos?

Caso não, algum aborto? Quantos?

Esta última gravidez foi planejada?

Caso não, planejou alguma gravidez?

Privação financeira

Sim

----

----

----

Sim

----

Não soube informar

Sim

----

----

----

Não

-

Relacionamento com o pai da criança e privação financeira

Não

Uma

Não

01 aborto

Sim

Não

Privação financeira.

Sim

----

----

----

Sim

----

Críticas da sociedade e dificuldade financeira.

Sim

---

----

----

Não

Não

Não teve.

Sim

----

----

----

Sim

----

Conflitos familiares.

Não

Uma

Sim, um filho vivo

Não

Não

Não

Preocupação com o parto

Sim

----

----

----

Não

Não

Medo da reação dos pais

Sim

----

----

----

Não

Não

Não teve

Sim

----

----

----

Não

Não

Fonte: Elaboração das Autoras.


Em relação ao conhecimento sobre os métodos contraceptivos, todas as entrevistadas afirmaram conhecê-los. Os métodos contraceptivos conhecidos foram diversificados, sendo unânime o conhecimento sobre o preservativo masculino e a pílula anticoncepcional. As adolescentes também conheciam: injeção ou adesivo anticoncepcional (8), Dispositivo Intra Uterino – DIU (5), camisinha feminina (2) e vasectomia (1). (Quadro 3).

Contudo, apenas quatro adolescentes usavam algum método contraceptivo, de modo inconstante ou irregular; e seis adolescentes não utilizavam método contraceptivo. Estas últimas adolescentes justificaram o não uso de método contraceptivo, afirmando que não possuíam interesse (3), não sabia informar (1), não gostava de usar (1) e desejava engravidar (1) (Quadro 3).


Quadro 3 – Conhecimento e uso de métodos contraceptivos, de mães-adolescentes, entrevistadas na maternidade de referência em gravidez de alto risco, no norte fluminense, em 2018.

Conhece os métodos contraceptivos?

Caso sim, quais conhece?

Costuma usar algum método?

Caso sim, qual?

Caso não, por que?

Acesso gratuito ao método ?

Caso não, por quê?

Sim

Camisinha masculina e feminina, DIU, pílula, injeção ou adesivo anticoncepcional e vasectomia.

Não

----

Não tem interesse.

----

----

Sim

Camisinha masculina, DIU, pílula, e injeção ou adesivo anticoncepcional.

Sim

Camisinha masculina

----

Sim

----

Sim

Camisinha masculina, DIU, pílula.

Não

----

Desejava engravidar.

----

----

Sim

Camisinha masculina, feminina, DIU, pílula, injeção ou adesivo anticoncepcional.

Sim

Camisinha masculina

----

Sim

----

Sim

Camisinha masculina, pílula e injeção ou adesivo anticoncepcional.

Sim

Injeção anticoncepcional

----

Não

Não procurou pelo SUS.

Sim

Camisinha masculina, pílula e injeção ou adesivo anticoncepcional.

Não

----

Não tem interesse

----

----

Sim

Camisinha masculina, DIU, pílula e injeção ou adesivo anticoncepcional.

Sim

Injeção anticoncepcional

----

Sim

----

Sim

Camisinha masculina, pílula, injeção ou adesivo anticoncepcional.

Não

----

Não gosta

----

----

Sim

Camisinha masculina e pílula.

Não

----

Não soube informar

----

----

Sim

Camisinha masculina, pílula, injeção ou adesivo anticoncepcional.

Não

----

Sem interesse

----

----

Fonte: Elaboração das autoras.


Entre as adolescentes que usavam algum método contraceptivo, duas usavam ‘camisinha’ e tiveram acesso ao método pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e duas usavam ‘injeção anticoncepcional’, mas apenas uma teve acesso pelo SUS, pois a segunda não buscou acesso pelo setor público.

A maioria das adolescentes, ao saber da gravidez, expressou sentimentos negativos (6), sendo relatado ‘nervosismo’, susto, vergonha e tristeza. Entretanto, quatro adolescentes afirmaram sentir felicidade (Quadro 4).


Quadro 4 – Sentimentos, dificuldades sanitárias e realização do pré-natal, de mães adolescentes, entrevistadas na maternidade de referência em gravidez de alto risco, no norte fluminense, em 2018.

Sentimento ao saber que estava grávida?

Realizou pré-natal?

Caso sim, onde?

Caso não, por quê?

Dificuldades de saúde na gestação?

Caso sim, qual (is)?

Dificuldades de saúde no parto?

Caso sim, qual (is)?

Desespero e preocupação

Sim

Clínica da Família

----

Não

----

Sim

Hipertensão e parto prematuro.

Emoção e tristeza

Sim

APIC

----

Sim

Infecção urinária; crise de ansiedade

Não

----

Amou a notícia

Sim

Clínica da família em SFI

----

Sim

Pressão baixa

Não

----

Alegria

Sim

Clínica da família

----

Não

----

Sim

Parto prematuro.

Espanto, nervosismo

Sim

APIC

----

Sim

Tonturas

Sim

Parto prematuro.

Susto

Sim

Centro de Saúde

----

Não

----

Sim

Hemorragia

Desespero, nervosismo

Sim

CRTCA

----

Não

----

Não

----

Felicidade

Sim

Posto do Exército

----

Sim

Pressão alta

Não

----

Espanto, vergonha dos pais

Não

----

Escondeu a gravidez da família.

Sim

Pressão alta

Sim

Pressão alta.

Ficou feliz

Sim

CRTCA

----

Não

----

Não

----

Fonte: Elaboração das autoras


Todas as entrevistadas, com exceção de uma, fizeram o pré-natal. Esta não realizou devido à falta de acesso aos serviços de saúde, mas por esconder a gestação de sua mãe até o período próximo ao nascimento do bebê.

O pré-natal foi realizado, majoritariamente, pelo SUS, tendo uma adolescente o realizado no posto do exército. Metade das mães-adolescentes entrevistadas apresentaram dificuldades sanitárias durante a gestação e/ou no momento do parto - normal ou cesariana. No parto, três adolescentes foram submetidas a parto prematuro, em decorrência dos riscos para a mãe e/ou bebê, uma adolescente sofreu hemorragia e outra, hipertensão. Na gestação, as adolescentes tiveram hipertensão (3), hipotensão (2) e infecção urinária e crise de ansiedade (1)

Observa-se que a mãe-adolescente que não fez o pré-natal, teve dificuldades sanitárias durante a gestação e no parto. As demais realizaram o pré-natal, sendo que cinco adolescentes não apresentaram questões de saúde na gestação e quatro as apresentaram. Entre as que não apresentaram na gestação, três apresentaram no momento do parto. Entre as que apresentaram na gestação, três não apresentaram no parto, o que sinaliza o controle das enfermidades, via pré-natal.

A maioria dos pais dos bebês (6 pais) apresentou reações negativas diante a notícia de gravidez, expressando susto, nervosismo e desejo que fosse realizado abortamento. E, um dos pais não expressou reação, tendo sido o único pai a não reconhecer a paternidade, via inserção de seu nome na certidão de nascimento do bebê (Quadro 5).

Alguns pais dos bebês acompanharam a adolescente no momento da internação para o parto (4) ou se fizeram presentes em alguma consulta pré-natal (3). Mas, todos, com exceção de um pai, assumiram a paternidade ao incluir seu nome na certidão de nascimento e mantinham relacionamento afetivo com a adolescente. Contudo, apesar do nome na referida certidão, a participação como pais no processo de gestação e parto se mostrou superficial. Essa atitude de assumir paternidade se mostrou coerente com os sentimentos dos pais no momento da entrevista, estando estes atenciosos, felizes e apoiando (Quadro 5).

Em relação aos pais das adolescentes, a maioria (6) expressou sentimentos negativos diante a gravidez. Ficaram nervosos, surpresos e/ou tristes, sendo duas famílias, inicialmente, contrárias à gestação. Desses seis pais, dois reagiram de modo contrário aos pais dos bebês, que reagiram bem. Assim, quatro adolescentes receberam reações negativas de seus pais e dos pais de seu bebê, e duas adolescentes contaram somente com a aceitação dos pais dos bebês (Quadro 5).

Alguns pais das adolescentes expressaram boa aceitação da gravidez (4). Destes, três pais de adolescentes emitiram reação contrária à dos pais dos bebês, que expressaram sentimentos negativos, tendo um deles desejado o aborto. Assim, para essas três adolescentes a aceitação dos pais foi bastante importante. A quarta adolescente vivenciou situação favorável à gestação, que foi bem acolhida por seus pais e pelo pai do bebê. Contudo, após o primeiro momento, todas as famílias as apoiaram e ofereceram suporte e auxílio (Quadro 5).

Quadro 5 – Participação dos pais dos bebês e das adolescentes na gestação e parto, referente a adolescentes, entrevistadas na maternidade de referência em gravidez de alto risco, no norte fluminense, em 2018.

Reação do pai do bebê quando soube da gravidez?

Como o pai do bebê esta reagindo agora?

Reação de sua família a notícia da gravidez?

Como sua família está reagindo agora?

Atualmente, relacionamento afetivo com o pai do bebê?

Acompanhamento do pai do bebê nas consultas de pré-natal?

Acompanhamento do pai do bebê na internação para o nascimento?

Inclusão do nome do pai do bebê no registro de nascimento?

Desespero;

Teve pico hipertensivo.

Atencioso com ela e companheiro.

Felizes.

Apoiando.

Sim

Sim

Sim

Sim

Ficou bastante nervoso.

Amando a paternidade

Chocados, surpresos. Houve preconceito da família extensa.

Apoiando.

Sim

Sim

Sim

Sim

Chocado, resistente com a ideia de ser pai.

Feliz; amoroso com o bebê

Satisfeitos

Apoiando.

Sim

Sim

Sim

Sim

Feliz.

Ajudando; apoiando

Apoiou

Oferecendo suporte

Sim

Não

Não

Sim

Ficou assustado.

Amoroso com a criança

Espantados.

Apoiando

Sim

Não

Não

Sim

Gostou .

acompanhando; atencioso.

Não reagiram bem.

Auxiliando

Sim

Não

Sim

Sim

Não teve reação.

Não assumiu a paternidade.

Chocados, nervosos. Contra a gestação.

Ajudando

Não

Não

Não

Não

Pediu para abortar.

Assumindo cuidados de pai.

Felizes, deram apoio.

Ajudando

Sim

Não

Não

Sim

Espantado, assustado

Assumiu.

Surpresos e tristes por ela ser nova.

Amando o bebê.

Sim

Não

Não

Sim

Ficou feliz

Apoiando, amando ser pai.

Bravos. Foram contra a gestação

Agora estão dando o apoio necessário

Sim

Não

Não

Sim

Fonte: Elaboração das autoras.

A maioria das adolescentes (8) reconheceu que a gravidez trouxe mudanças para sua vida. Atribuíram maior maturidade e/ou mudança de comportamento, sendo também mencionado: presença de novos planos, transformação como pessoa e maior felicidade. Em termos negativos, três adolescentes vivenciaram preconceito relacionado ao fato de ser mãe jovem (Quadro 6).


Quadro 6 – Mudanças de vida promovidas pela gravidez, referentes a mães adolescentes, entrevistadas na maternidade de referência em gravidez de alto risco, no norte fluminense, em 2018.

A gravidez trouxe alguma mudança para sua vida?

Caso sim, qual (is)?

Sofreu algum preconceito por ser mãe jovem?

Sim

Mudança de visão de vida, novos planos e mudança de comportamento.

Sim

Sim

Mais felicidade.

Sim

Sim

Adquiriu mais maturidade

Não

Não

----

Não

Sim

Adquiriu maturidade e a transformou como pessoa

Sim

Sim

Mudança de planos

Não

Sim

Mais juízo e responsabilidade

Não

Sim

Parou de fazer uso de bebida alcoólica e ir a festas

Não

Sim

Comportamento mais amadurecido

Não

Não

----

Não

Fonte: Elaboração das autoras.


  1. Análise

Neste estudo observou-se elevada proporção de filhos nascidos de adolescentes, no período em estudo, sendo superior a taxa de gravidez na adolescência na América Latina e no Brasil (OPAS/OMS, 2018; BRASIL, 2020), pois nasceram, aproximadamente, 114 crianças por 1000 nascimentos. Assim, embora seja registrada queda na taxa nacional de gravidez na adolescência, promovida por ações de caráter educativo junto a esta faixa etária (BRASIL, 2020), esse fenômeno ainda requer atenção de gestores e profissionais de saúde (LOPES et. al., 2020).

Entre as adolescentes localizadas pelas Declarações de Nascido Vivo (DNV), aproximadamente, 13 % possuíam idade de 12 a 14 anos, sendo tendência reproduzida pelas entrevistas, pois uma em dez adolescentes (10%) também se encontrava nessa faixa etária. A presença dessas adolescentes, menores de 15 anos de idade, remete à intensificação da vulnerabilidade relativa aos riscos biológicos, psicológicos e sociais diante a uma gravidez na adolescência, suscitando maiores cuidados médicos para minimizar os riscos e atuar diante as questões de saúde apresentadas, via pré-natal e assistência ao parto e pós-parto (LOPES et. al., 2020).

A partir das DNV, 25% dos filhos das adolescentes não obtiveram a inclusão do nome do pai na certidão de nascimento; e, entre as entrevistadas, apenas um pai não reconheceu a paternidade na certidão de nascimento. Portanto, a maioria dos pais fez este reconhecimento. No entanto, inserir o nome na certidão de nascimento não significa um comprometimento amplo com a gestação ou com a possível nova família, aspecto possível de ser analisado somente pelas entrevistas, posteriormente retomado.

A interrupção dos estudos é outra repercussão comum entre as adolescentes grávidas, estando presente na realidade das adolescentes atendidas na maternidade, estudada pelas DNV ou entrevistas. Essa interrupção constitui limites para futura inserção no mercado de trabalho, aumentando a probabilidade do enfrentamento de situação de pobreza e possível dependência aos programas assistenciais. Tais dados corroboram com outros estudos, os quais associam a evasão escolar à gravidez na adolescência (MARTINEZ, et.al. 2011; TABORDA, JA et. al., 2014).

As adolescentes estudantes se encontravam com atraso escolar ou distorção idade-série, tanto as estudadas pelas DNV como pelas entrevistadas. O atraso escolar “representa a defasagem entre a idade do aluno e a idade recomendada para a série que ele está cursando” (MOREIRA, 2013, p. 1). A distorção idade-série é considerada quando a diferença entre a idade do aluno e a idade prevista para a série é de dois anos ou mais, estando majoritariamente associada `as famílias de baixa renda (UNICEF, 2018). Tais fenômenos levantam a possibilidade de evasão escolar, em especial diante a distorção idade-série, quando associados a conflitos e dificuldades que a gravidez precoce costuma suscitar (MARTINEZ, et.al. 2011).

As adolescentes grávidas, em situação de pobreza, enfrentam ao mesmo tempo a precariedade da subsistência e os desafios da gestação, o que intensifica a dificuldade de permanecer em séries ou anos compatíveis com sua idade. Destacam-se as adolescentes pertencentes a famílias de baixa renda, sendo as que mais vivenciam o fenômeno da gravidez precoce (PINHEIRO; PEREIRA; FREITAS, 2019; SILVA et. al., 2014). Essa realidade não permite que as adolescentes rompam com o ciclo de pobreza familiar e se qualifiquem profissionalmente, podendo elaborar novas perspectivas de futuro (BARKER; CASTRO, 2002; LOPES et al., 2020; MARTINEZ, et.al. 2011; UERJ, 2018).

Entre as adolescentes entrevistadas preponderaram ‘famílias de origem’ cujas rendas não ultrapassavam 01 salário mínimo mensal, sendo compostas ao menos por três membros e residindo, em parte, em casas alugadas. Assim, as famílias em termos de renda são classificadas como ‘indigentes’ ou ‘pobres’ (IPEA, 2005; ROCHA, 2006), corroborando com a literatura ao afirmar que o número de gestações na adolescência é maior entre famílias de baixo nível socioeconômico, se comparado com as famílias mais abastadas (BARKER; CASTRO, 2002; MIOTO, 2005).

Parte das famílias de origem (04) possuía composição monoparental, sendo aspecto que se acrescenta ao quadro socioeconômico e que condiz com tendência apresentada pela literatura, referente à recorrência de famílias monoparentais feminina junto ao fenômeno da gravidez na adolescência. Tal formação familiar promove a sobrecarga de responsabilidades, conflitos familiares e maior carência afetiva, adensando os desafios psicológicos e sociais que as adolescentes terão que lidar (LEVANDOWSKI et. al., 2002; SILVA; NAKAGAWALL; SILVA, 2020).

A maioria das adolescentes entrevistadas continuou residindo com sua ‘família de origem’, passando algumas a residir com seus companheiros, pais do (a) filho (a). Entre estas últimas, a renda da nova família, majoritariamente, não ultrapassou 1 salário mínimo. Portanto, a gravidez na adolescência esteve associada `a reprodução do padrão socioeconômico da família de origem, com maioria em situação de pobrezas (PINHEIRO; PEREIRA; FREITAS, 2019; SILVA; NAKAGAWA; SILVA, 2020).

Nessa perspectiva, parte das adolescentes atribuiu a ‘privação financeira’ como a situação mais difícil após a descoberta da gravidez. Dificuldades com o pai da criança, medo do parto e conflitos familiares também foram apresentados, expressando repercussões diversas da gravidez na adolescência.

As adolescentes conheciam os métodos contraceptivos, mas não os usavam ou os usavam inadequadamente. Contudo, a maioria, relatou não planejamento da gravidez e presença de desespero, nervoso, preocupação e susto diante a confirmação da gravidez. Portanto, houve incoerência entre as afirmações, sinalizando para uma visão acrítica ou imatura diante as possíveis escolhas de atitudes e suas consequências. Levanta-se a hipótese de que a gravidez fosse desejada, mesmo que isso não estivesse racionalmente claro, como sinalizado por alguns estudos (NASCIMENTO, J A et. al., 2012; SILVA et. al., 2014; SILVA; NAKAGAWA; SILVA, 2020). A ausência de projetos de vida nos segmentos mais empobrecidos, assim como a cultura da valorização social da família, reflete na escolha da adolescente em constituir sua própria família ainda nesta etapa da vida, sendo a realidade de quatro mães adolescentes entrevistadas, que já residiam com seus companheiros.

Vários episódios de adoecimento ocorreram, seja na gestação ou no parto, o que condisse com o fato da gravidez na adolescência ser considerada de alto risco, em virtude da imaturidade orgânica e suas repercussões. Isso ressalta a relevância do pré-natal com vistas à manutenção ou restabelecimento da saúde de mães e filhos. Contudo, o pré-natal se mostrou acessível para as entrevistadas, sendo realizado majoritariamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Com a notícia da gravidez, a maioria das ‘famílias de origem’ reagiu de modo negativo, ficando nervosos e tristes, mas posteriormente apoiou e ofereceu suporte e auxílio às adolescentes.

Todos os pais dos bebês, com exceção de um, assumiram a paternidade no registro de nascimento, como anteriormente mencionado, e mantiveram relacionamento afetivo-conjugal com a adolescente. Contudo, apesar do nome na referida certidão, a participação no processo de gestação e parto foi frágil, pois poucos pais participaram de consultas de pré-natal e/ou da internação para o parto. Portanto, mesmo com o envolvimento afetivo dos pais dos bebês, a família de origem das adolescentes que assumiu a responsabilidade com cuidados, sendo a principal fonte de apoio e cuidados.

Nessa perspectiva, as adolescentes, em maioria, reconheceram que a gravidez promoveu relevantes alterações em suas vidas, trazendo mais maturidade e novas responsabilidades, em sintonia com os achados de outros estudos (SILVA et.al., 2014; SILVA; NAKAGAWA; SILVA, 2020).

Seus resultados registram grande associação entre gravidez na adolescência, famílias de baixa renda e monoparentais femininas, ausência de planejamento familiar e de uso de métodos contraceptivos. Entre as repercussões da gravidez na adolescência, destacam as complicações obstétricas durante a gestação e/ou parto, o abandono escolar e a disfunção idade-série.


  1. Conclusões

A gravidez na adolescência possui incidência decrescente no Brasil, promovida pelas ações educativas preconizadas e desenvolvidas, pelo poder público e por profissionais de saúde, respectivamente. Contudo, faz-se necessário a manutenção de seu controle como pauta da agenda pública e dos projetos de trabalho dos profissionais de saúde, pois embora esteja ocorrendo o referido decréscimo, é fenômeno cuja incidência ainda se mantém em altos patamares, trazendo repercussões sanitárias, sociais e econômicas para a vida de adolescentes e suas famílias.

A gravidez na adolescência ocorreu em famílias de baixa renda, em parte famílias monoparentais femininas e com a permanência das adolescentes junto a suas famílias de origem após o nascimento de seu filho. Os pais dos recém-nascidos, em maioria, apesar de inserirem seus nomes na certidão de nascimento, e em alguns casos se manterem em relacionamento afetivo com a adolescente, possuíram envolvimento limitado. Assim, em maioria, ocorreu a sobrecarga das famílias de origem em termos de responsabilidades e cuidados.

A gestação na adolescência esteve associada ao não uso ou uso irregular de métodos contraceptivos, o que se mostrou a princípio incoerente, diante ao conhecimento das adolescentes sobre tais métodos e ao sentimento de desespero e nervoso diante a confirmação da gravidez. Esta incoerência pôde ser compreendida a partir da contextualização do fenômeno, que apresentou a inserção da adolescente em famílias de baixa renda nas quais, diante a ausência de projetos de vida, há o reconhecimento cultural da maternidade como papel relevante a ser desempenhado pela adolescente, sinalizando para a possibilidade de formação de suas próprias famílias, o que não se mostrou recorrente.

Em termos sanitários, foram registradas complicações sanitárias na gestação e/ou no parto para a maioria das adolescentes. E, em âmbito social, o abandono escolar motivado pela gravidez na adolescência, já efetivado ou possibilitado pela presença de atraso escolar, sinalizou para limites na futura inserção no mercado de trabalho, promovendo a reprodução das condições de vulnerabilidade social das famílias de origem.

Desse modo, os achados deste estudo corroboraram com a literatura referente, confirmando a necessidade de trabalhos educativos junto a adolescentes, com vistas a ampliação de sua criticidade e a possíveis projetos de vida alternativos à maternidade precoce. Nesse bojo, faz-se necessário a efetivação das políticas públicas, sendo destacada a realização de busca ativa de alunos em evasão escolar, a garantia de todos os métodos contraceptivos pelo setor público e o combate à pobreza.


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Artigo recebido em: 22 de fevereiro de 2021. Aceito em: 2 julho de 2021

1 Professora Associada do Departamento de Serviço Social de Campos, Universidade Federal Fluminense. Líder de grupo de pesquisa "Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde Pública (GEPSA)". Doutora e Mestre em Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), RJ, Rio de Janeiro. Bacharel e Especialista em Serviço Social, Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor correspondente. E-mail: vivianeviviane@uol.com.br

2 Assistente Social, Hospital Dos Plantadores de Cana, Campos dos Goytacazes, RJ. Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal Fluminense, Departamento de Serviço Social de Campos, Campos dos Goytacazes. Bacharel em Serviço Social, Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: jessyca.sepulveda@yahoo.com.br