Do pequeno gesto ao monumento
From the Little Gesture to the Monument
Del pequeño gesto al monumento
Luciano Vinhosa (Universidade Federal Fluminense, Brasil) *
https://doi.org/10.22409/poiesis.v21i36.42736
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RESUMO: Este memorial reflexivo traz o processo de idealização e realização da exposição Do pequeno gesto ao monumento, em exibição entre os dias 26 de abril e 25 de maio de 2019 na Galeria do Museu Universitário de Arte
*Luciano Vinhosa é artista e teórico, Professor Associado do Departamento de Arte e do Programa de
Revista Poiésis, Niterói, v. 21, n. 36, p.
ABSTRACT: This reflective memorial brings the process of idealization and realiza- tion of the exhibition From the Little Gesture to the Monument, on display between April 26 and May 25, 2019 at the Gallery of the University Museum of Art (MUnA- UFU), in Uberlândia, Minas Gerais state. On the occasion, I presented two autono- mous works of my authorship, The Little Gesture and Monuments, made at different times and for very different reasons, but which were put in relation through the concept of monument and its setback, the
KEYWORDS: monument;
RESUMEN: Este ensayo presenta el proceso de idealización y realización de la exposición Del pequeño gesto al monumento, en exhibición entre el 26 de abril y el 25 de mayo de 2019 en la Galería del Museo de Arte de la Universidad (MUnA- UFU), en Uberlândia, estado de Minas Gerais. En la ocasión, presenté dos obras autónomas, El pequeño gesto y Monumentos, realizadas en diferentes momentos y por razones muy diferentes, pero que estaban vinculadas a través del concepto de monumento y su revés, el
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PALABRAS CLAVE: monumento;
Citação recomendada:
VINHOSA, Luciano. Do pequeno gesto ao monumento. Revista Poiésis, Niterói, v. 21, n. 36, p.
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Fig. 1 - Projeto expográfico da mostra Do pequeno gesto ao monumento, individual de Luciano Vinhosa na Galeria do Museu Universitário de Arte
(nas páginas seguintes, imagens com vistas parciais da exposição)
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Alguns prolegômenos
Entre os anos de 2012 e 2013, desenvolvi a pesquisa O pequeno gesto, dois ensaios em torno da experiência ordinária, como parte integrante de minhas investigações de
de nossos sentidos em interação com o mundo exterior, mas ganha espessura e profundidade na medida em que a vive- mos intensamente e de tal forma integra- da em nosso corpo operante, que ela pas- sa definitivamente a fazer parte de nossa subjetividade constitutiva;1 2) O “fazer” é um modo particular de organizarmos a experiência comum a partir da instauração de procedimentos que, ao fim e ao cabo,
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lhe atribuem forma artística, ainda que provisória. Portanto, pressupõe objetiva- ção operacional de um método
92Cabe aqui relativizar a noção de trabalho e, concomitantemente, de seu derivado, o objeto artístico. Obviamente, quando fa- lamos de objeto queremos dizer simples- mente tudo aquilo que, tendo origem no sujeito, é passível de circular no mundo exterior, ser compartilhado e, de algum modo,
dade do trabalho artístico na arte contem- porânea, afirma que
Ainda sobre os dois pressupostos, é ne- cessário esclarecer primeiro, em relação à experiência, que ela se dá como aconte- cimento singular ou evento em sua pleni- tude. Segundo Peirce (1978):
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Se a ideia de choque que acompanha uma mudança súbita de percepção está no cen- tro da definição de evento em Peirce (1978), entre esse último autor e Dewey (2006), podemos chegar a um denomina- dor comum, e especular que, se a experi- ência tem um objeto pontiagudo que a de- sencadeia inicialmente, ela no entanto de-
Portanto, se estamos acompanhando de- vidamente os autores, ainda que desenca- deada por um choque inicial que induz nossos sentidos a uma atenção súbita ao mundo exterior, a experiência na qual es- tou envolvido implica um processo com- plexo que me faz associar o objeto de mi- nha percepção a uma superposição de tempos, de evocações de estados emocio- nais, de experiências passadas e de inú- meras outras relações em curso no ato de
sua subjetivação. Então, essa experiência 93 integra momentos superpostos de ação e
de separ[ação] ou contemplação que, du- rante seu decurso, faz o trânsito perma- nente do informe à forma e,
Em segundo lugar, a noção do fazer artís- tico implica em criar procedimentos e re- gras, portanto, trabalho em ação, cujos fins estão na satisfação em
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cia integralmente vivida em nosso corpo e, de algum modo, completa porque sofri- da em nossa subjetividade.
O pequeno gesto, ensaio em torno da experiência ordinária
O pequeno gesto nasce, primeiramente, de uma relação íntima e cotidiana que mantenho com o meio urbano desde mi- nhas caminhadas solitárias em paisagens edificadas, as mais variadas, as quais guardam em si traços remarcáveis de
94ações humanas.4 Assim, pelas diferente cidades por onde pude passar, estive atento às formas de descarte de certos objetos.
passagens entre o exterior e o interior/o interior e o exterior das edificações, e muitos outros modos de estabelecer cer- tas “situações específicas” e, por outro la- do, a lembrança que tais situações trazem do gesto do sujeito anônimo que as en- gendrou. Digo “situação” porque os gestos não estão isolados, estão justamente ali nos nichos naturais que a cidade, em re- torno, lhes oferece.
Existe nesses objetos desprezados e des- prezíveis uma energia potencial que é também a memória de uma ação pretérita que age no momento mesmo em que os observo e, em efeito reverso, ela
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efeito que somente a imagem técnica po- de realizar com eficiência. A lente de au- mento torna patético o diminuto e outrora insignificante gesto de desempecilho, mas que ganha trama e espessura na lembran- ça que trago comigo, no arquivo digital e em minha coleção de fatos, para sempre, memoráveis. Habitando em mim, o gesto morto, largado ao léu,
Fixados em imagens, passei a classificar os gestos a fim de organizar um arquivo protopoético, como as fotografias empres- taram um dia suas certezas às ciências. Sem
ordem alfabética : 1) [Ali]; 2) [Aqui]; 3) [Assim!]; 4) [Assinaladas]; 5) [Dádivas];
6)[Do lado de cá]; 7) [Do lado de lá]; 8) [Enfiadas]; 9) [Guardadas]; 10) [Imitação da arte]; 11) [Lá]; 12) [Lançadas fora];
13)[Lembrar!]; 14) [Oportunidades]; 15) [Parassempre]. Esse grupo de 15 catego- rias, por sua vez,
Chamei esse arquivo de protopoético por- que,
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a ciência organiza o conhecimento e a qual a fotografia prestou e ainda presta grande serviço, ele a ficciona ao criar cer- ta fluidez e transversalidade entre as ima- gens fixadas e os tipos, as quais podem
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Fig. 8 - Luciano Vinhosa, O pequeno gesto, 2003. fotografia digital (para a cópia em papel, 30 x 45 cm)
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Outro monumento
Em 2014, fui convidado pelo então diretor do Museu de Arte Contemporânea de Nite- rói, Luiz Guilherme Vergara, para partici- par, integrando o grupo de brasileiros, de uma exposição com o coletivo internacio- nal de artistas Suspended Spaces. A con- vocatória
O título da exposição, Espaços Deslocados
–Futuros Suspensos, apontava para o conceito curatorial, em si, bastante suges- tivo de um projeto sempre malogrado. No contexto de um país periférico, a arquite- tura futurista do arquiteto socialista pare-
a olhos nus em todos os arredores da ci- dade, até aonde a vista alcança. As for- mas limpas e esculturais de suas edifica- ções sugerem objetos a serem apreciados de longe. E, neste sentido, são muito efi- cazes no que tange aos interesses turísti- cos e culturais de uma cidade que carecia até então de monumentos marcantes que pudessem competir em força de igualdade com os de sua vizinha, a Cidade Maravi- lhosa. Fosse essa uma iniciativa dos políti- cos para chamar atenção para si mesmos como grandes realizadores de obras públi- cas, ela é também o sintoma da ineficácia desses mesmos homens em enfrentar com
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coragem os problemas que, de fato, afli-
No primeiro encontro com o coletivo Sus- pended Spaces e a direção do museu, fi- cou combinada uma visita de reconheci- mento que, começando pela Praça Popu- lar, seguiria por toda orla por onde se es- tende o Caminho Niemeyer. Era mês de agosto, inverno ainda no Sul, mas com um calor já escaldante e uma luz muito in- tensa e dura. A Praça Popular é, de fato, um conjunto composto por três prédios – O Memorial Roberto Silveira, o Teatro Po-
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pular e o Museu da Ciência e da Criativi- dade – instalados sobre uma superfície plana, cimentada e vazia, sem nenhuma vegetação robusta que possa competir em atenção com as atrações propriamente di- tas: as formas entrelaçadas e sensuais do conjunto, tão características da arquitetu- ra de Oscar Niemeyer. A visita ocorreu por volta do
98ornam e dão acesso aos prédios.
Aquilo que de longe acolhe o olhar por sua leveza e limpidez, de perto
da condição humana que evoca, entre ou- tros aspectos. O encontro com a arquite- tura de Niemeyer foi então a ocasião pro- pícia para pôr em prática minhas elucu- brações teóricas e experimentar. Vindo de uma prática da escultura, mais recente- mente passei a trabalhar com a fotografia. Pensar o monumento através da fotografia foi a oportunidade de
Sobre os volumes brancos e insuspeitos de Niemeyer,
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Pensei o Outro Monumento como a eleva- ção de um plano vertical, massivo, retan- gular e frontal, maior que o corpo de um homem (180 × 240 cm). Deixei que o ex- cesso de massa assentando os blocos emergisse sobre a superfície irregular a fim de salientar o aspecto material do mo- numento. À frente desta lápide, para acrescentar um pouco de humor nonsen- se, inseri a fotografia ampliada de um ca- chorro, um membro daquela matilha de cães que encontrei na primeira visita. Para finalizar, acrescentei dois holofotes late- rais no chão que iluminavam a escultura de baixo para cima em reforço ao aspecto cenográfico do monumento e para
Dessa experimentação pioneira, desdobra-
a do pórtico trilítico, conjunto de Monu- mentos em diálogo enviesado com O Pe-
queno gesto.
Como os dois trabalhos se interrelacio- nam na proposta expositiva?
tos opostos e complementares: monu- 99 mento/antimonumento.
Se, de um lado, as estruturas que recor- rem a formas da arquitetura arcaica refor- çam a grandiosidade que impressiona o corpo do visitante, instaurando o monu- mento, por outro lado, as imagens dos gestos diminutos, ao
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Fig. 9 e 10 (página seguinte) - Luciano Vinhosa, Monumento I (projeto e realização) desenho e fotografia do autor
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Fig. 11 e 12 (página seguinte) - Luciano Vinhosa, Monumento II (projeto e realização) desenho e fotografia do autor
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Fig. 13 e 14 - Luciano Vinhosa, Monumento III (projeto e realização) desenho e fotografia do autor
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Uma dupla ironia cruza os trabalhos e cos-
Notas
1Esse pressuposto está baseado nas teorias de John Dewey (2006), apresentadas em seu livro Arte como experiência (L’art comme expérience), filosofia com a qual
2No original: “Nous percevons les objets qui se trou- vent devant nous; mais ce dont nous faisons spécia- lement l’expérience – la sorte de chose à laquelle le mot expérience s’applique plus particulierment – est un événement. Nous ne percevons pas des événe- ments [...] j’en fais l’expérience plus que je ne le perçois. C’est le champ spécial de l’expérience que nous informe sur les événements, sur les change- ments de perception. Or, ce qui caractérise en parti- culier de soudains changements de perception est le choc. [...] le concepte d’expérience est plus large que celui de perception et inclut beaucoup de choses qui ne sont pas, à proprement parler, objets de per- ception.” (Écris sur le signe. Paris: Seuil, 1978, p. 93- 94).
3No original: “Lorsqu’un éclair illumine un paysage sombre, on y reconnaît des objets. Mais cette recon-
naissance n’est pas
4O pequeno gesto tem antecedentes no trabalho que desenvolvi no doutorado, Agenciamentos territoriais, o qual se estrutura como um arquivo fotográfico fun- damentado em 15 tipos de território. Sobre esta pes- quisa, ver Território: um vento que dá lugar à experi- ência estética. Arte & Ensaios, v. 1, n. 16, p.
5Sobre esse trabalho, publiquei um ensaio na revista Pós do Programa de
pequeno gesto. Pós, Revista do Programa de Pós- |
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Graduação em Artes, UFMG, v. 1, n. 1, p. |
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maio 2008. A descrição de todo esse processo tam- |
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bém pode ser consultado aqui: https://www.eba. |
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ufmg.br/revistapos/index.php/pos/article/view/257 |
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6Iniciativa de organizar um arquivo
7Uma versão desse texto foi publicada no livro / ca- tálogo Suspended Spaces: a partilha dos esquecidos (Les partage des oublis). Lisboa/Paris: Sistema Solar, 2018.
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Referências
DEWEY, John. L’art comme epérience. Pa- ris: Farago, 2006.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
PEIRCE, Charles Sanders. Écris sur le signe. Paris: Seuil, 1978.
SARDO, Delfim. O exercício experimental da liberdade. Lisboa: Orfeu Negro, 2017.
SUSPENDED SPACES (Org.). A partilha dos esquecidos / Les partage des oublis. Lisboa/Paris: Sistema Solar, 2018.
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VINHOSA, Luciano. Território: um vento que dá lugar à experiência estética. Arte & Ensaios, UFRJ, v. 1, n. 16, p.
VINHOSA, Luciano. Notas digressivas em torno do pequeno gesto. Pós, Revista do Programa de
Luciano Vinhosa, Do pequeno gesto ao monumento.