44
IMAGENS DA AMAZÔNIA NA ARTE BRASILEIRA: DO TERRITÓRIO
A CONQUISTAR AO TERRITÓRIO A RESISTIR
Images of the Amazonia in Brazilian art: from the territory to conquer to the territory to resist
Imágenes de la Amazonía en el arte brasileño: del territorio para conquistar al territorio para
resistir
Gil Vieira Costa [Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Brasil]*
* Gil Vieira Costa é Doutor em História pela Universidade Federal do Pará e professor da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará [Unifesspa]. E-mail: gilvieiracosta@unifesspa.edu.br
RESUMO Este trabalho busca discutir sobre as imagens da Amazônia em obras de artistas visuais do campo
artístico especializado no Brasil, desde o início do século 20 aos dias atuais. A base teórico-metodológica
transita entre a história social da arte e a antropologia da imagem. As imagens e obras são mostradas em seus
vínculos com ideologias políticas e estéticas sobre a Amazônia, desde a formulação do discurso de “conquista
da região”, passando pelas várias formulações de “identidades amazônicas” baseadas nas paisagens naturais
e humanas, até a construção do discurso da necessidade de resistência cultural e política à ocidentalização.
PALAVRAS-CHAVE Amazônia, arte brasileira, imagem
ABSTRACT This work seeks to discuss the images of the Amazonia in works by visual artists from the specialized
artistic field in Brazil, from the beginning of the 20th century to the present. The theoretical-methodological basis
moves between the social history of art and the anthropology of image. The images and works are shown in their
links with political and aesthetic ideologies about the Amazon, from the formulation of the “conquest of the region”
discourse, through the various formulations of “amazonic identities” based on natural and human landscapes, to
the construction of the discourse of the need for cultural and political resistance against westernization.
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 38, p. 44-63, jul./dez. 2021 [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i38.45673]
KEYWORDS Amazonia, Brazilian art, image
45
RESUMEN Este trabajo busca discutir las imágenes de la Amazonía en obras de artistas visuales del campo
artístico especializado en Brasil, desde principios del siglo 20 hasta la actualidad. La base teórico-metodológica
se mueve entre la historia social del arte y la antropología de la imagen. Las imágenes y obras se muestran en
sus vínculos con ideologías políticas y estéticas sobre la Amazonía, desde la formulación del discurso de la “con-
quista de la región”, pasando por las diversas formulaciones de la “identidad amazónica” a partir de paisajes
naturales y humanos, hasta la construcción del discurso sobre la necesidad de resistencia cultural y política a la
occidentalización.
Citação recomendada:
COSTA, Gil Vieira.
Imagens da Amazônia
na arte brasileira: do
território a conquis-
tar ao território a
resistir. Revista Poiésis,
Niterói, v. 22, n. 38,
p. 44-63, jul./dez.
2021. [https://doi.
org/10.22409/poie-
sis.v22i38.45673 ]
Este documento
é distribuído nos
termos da licença
Creative Commons
Atribuição-NãoComer-
cial 4.0 Internacional
[CC-BY-NC] © 2021
Gil Vieira Costa
Gil Vieira Costa, Imagens da Amazônia na arte brasileira: do território a conquistar ao território a resistir
PALABRAS CLAVE Amazonía, arte brasileño, imagen
(Submetido: 31/8/2020;
Aceito: 7/1/2021;
Publicado: 7/7/2021)
46
1. AMAZÔNIA EM IMAGENS NA ARTE
O bioma conhecido como Amazônia tem sido um
foco permanente da atenção internacional, seja
por seus recursos naturais e biodiversidade, seja
por suas questões sociais de difícil resolução. Mas,
antes de ser uma região geográfica, a Amazônia é
uma ideia – ou um conjunto de ideias que variam e
se desenvolvem no decorrer dos processos históri-
cos. Alguns elementos que compuseram a ideia de
Amazônia eram mesmo anteriores à expansão ma-
rítima europeia do século 16. Os elementos desse
ideário dos colonizadores europeus foram por eles
utilizados e projetados sobre o novo território que a
eles se descortinava, como indicam os estudos de
Neide Gondim [1994], Ana Pizarro [2012] e, ainda,
Serge Gruzinski [2014]. Desde então, as ideias de
Amazônia têm passado por variadas mutações,
têm colidido entre si ao serem manejadas por gru-
pos divergentes e têm se tornado mais ou menos
hegemônicas em determinadas sociedades.
Em muitos momentos, as ideias vigentes de Amazônia
influíram na produção artística especializada. Neste
artigo, busco exemplos que abarcam desde a pri-
meira década do século 20 até a segunda década do
Fig. 1 - Antônio Parreiras,
A conquista do Amazonas
, 1907, óleo sobre tela, 400cm x 800cm. Fonte: Acervo do Museu do Estado do Pará.
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 38, p. 44-63, jul./dez. 2021 [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i38.45673]
47
século 21 – um período de pouco mais de cem anos,
que certamente não poderei analisar em detalhes e
com profundidade. A questão que quero discutir aqui
diz respeito a como a representação da Amazônia nas
artes visuais especializadas se transformou histori-
camente, indicando que o campo artístico brasileiro
é uma plataforma social de disputas ideológicas,
políticas e estéticas sobre a região. É, portanto, um lu-
gar privilegiado para investigar as relações entre arte,
política e resistência, pois suas obras servem como
testemunho das imagens e imaginários articulados
em certo momento por um ou mais grupos sociais.
As “imagens da Amazônia” não estão exatamente
nas obras de arte que estudo aqui, como se fossem
um dado físico adicionado aos objetos e que existis-
se neles indefinidamente. As imagens estão antes
na relação de grupos sociais com esses objetos
– elas dependem das obras e, ao mesmo tempo,
existem “fora” delas, pois existem sobretudo em
nós. Na terminologia da antropologia da imagem
de Hans Belting [2014], podemos tratar das obras
de arte como “meios imaginais”, que produzem ou
modificam nossas próprias “imagens mentais”.
2. AMAZÔNIAS A CONQUISTAR
É possível distinguir um primeiro conjunto de ima-
gens ideologicamente próximas, que aparecem
em obras de contextos muito diferentes. Essas
imagens apontam para a Amazônia como uma
grande floresta despovoada, ou, no limite, habitada
apenas por populações tradicionais, supostamente
estacionadas em um tempo a-histórico. As obras
aqui referidas foram informadas pelas ideologias de
Fig. 2 - Joaquim Fernandes Machado,
Posse da
Amazônia
, 1924, óleo sobre tela, 222cm x 132cm.
Fonte: Acervo do Museu Paulista da Universidade
de São Paulo.
Gil Vieira Costa, Imagens da Amazônia na arte brasileira: do território a conquistar ao território a resistir
48
colonização da Amazônia, gestadas desde o perío-
do do “descobrimento” do Rio Amazonas na metade
do século 16, sempre a partir de uma perspectiva
estrangeira. Para essas ideologias, a “conquista” da
região significa a chegada do progresso civilizatório
– que nada mais é que um eufemismo para a sub-
jugação da Amazônia a uma estrutura de coloniali-
dade, que permite a exploração de seus recursos e
promove a ocidentalização
de suas populações.
Um primeiro exemplo pode
ser encontrado em
A con-
quista do Amazonas
[1907,
Fig. 1], pintura de gênero
histórico de grandes di-
mensões, feita pelo artista
fluminense Antônio Parrei-
ras. Um segundo exemplo é
Posse da Amazônia
[1924,
Fig. 2], também uma pintu-
ra de gênero histórico, de
outro fluminense, Joaquim
Fernandes Machado. Am-
bas tratam de um mesmo
tema: a expedição do mili-
tar português Pedro Teixeira
no Rio Amazonas. Reali-
zada entre os anos de 1637 e
1639, ela tinha a intenção de assegurar o domínio
da região para o Reino de Portugal, pouco antes do
fim da União Ibérica. Essa expedição consolidou
Pedro Teixeira como importante vulto histórico na
colonização da Amazônia [ao menos na parte que
viria a ser a brasileira].
A conquista do Amazonas
foi encomendada pelo
Governador do Pará, Au-
gusto Montenegro;
Posse
da Amazônia
foi encomen-
dada pelo Diretor do Museu
Paulista [também conheci-
do como Museu do Ipiran-
ga], Affonso Taunay. Elas
representam a ocupação e
invasão do território ama-
zônico a partir do ponto de
vista do colonizador estran-
geiro [o conquistador], den-
tro do contexto das elites
em Belém e em São Paulo,
ansiosas por fabricar uma
identidade brasileira, envol-
vidas em ideologias como o
republicanismo e o bandei-
rantismo. Tais pinturas ma-
nejam de forma consciente
certa ideia e algumas imagens
Fig. 3 - Benedicto Mello,
A conquista da Amazônia
, 1968,
óleo sobre tela.Fonte: Acervo da Secretaria de Transportes
do Estado do Pará.
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 38, p. 44-63, jul./dez. 2021 [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i38.45673]
49
sobre a Amazônia. Elas oferecem um monumento
ao passado e à história da região – ainda que esse
passado seja entendido como a “história contada
pelos vencedores”, em que, à contrapelo, os grupos
sociais amazônicos e o próprio bioma representa-
riam os vencidos.
Em um contexto distinto devem ser observados a
pintura A conquista da Amazônia [1968, Fig. 3] e o
mural sem título na Secretaria de Transportes do
Estado do Pará [1977], ambas obras do artista para-
ense Benedicto Mello. Esses
dois trabalhos colocam
em destaque a abertura
de estradas e o persona-
gem técnico e anônimo da
agrimensura. Não tenho
informações em como se
deu a encomenda por parte
do então Departamento de
Estradas e Rodagens, hoje
Secretaria de Transportes
do Estado do Pará. Mas é
certo afirmar que o Estado
brasileiro naquele período
intensificou as políticas
de integração econômica
da Amazônia, com a aber-
tura de estradas [como a
Transamazônica] sendo um dos grandes símbolos
desse movimento.
A questão também é evidente no caso do painel
As
Forças Armadas e a Integração da Amazônia
[1972,
Fig. 4], do português radicado no Amazonas Álvaro
Páscoa, no Colégio Militar de Manaus. Guardadas
as devidas proporções, a ideologia de fundo nes-
sas obras é próxima da que aparece nas pinturas
históricas com o tema da expedição de Pedro
Teixeira. É necessário conquistar, ocupar e civilizar
essa região inóspita e de-
sabitada, porém rica. Não
mais por meio da malha de
rios, mas agora sulcando a
floresta para dar passagem
à indústria automobilística
e à vida ocidentalizada que
a acompanha.
Na mesma época, temos a
exposição
Hileia Amazônica
[1972-1973] no Museu de
Arte de São Paulo, que pre-
tendeu um caráter didático,
e trouxe um conjunto sig-
nificativo de fotografias de
Claudia Andujar e George
Love, ela suíça e ele estadu-
nidense. Parte do material
Fig. 4 - Álvaro Páscoa,
As Forças Armadas e a Integração da Ama-
zônia
, 1972, cerâmica colorida, 819cm x 728cm.
Fonte: Luciane Páscoa [2011, p. 265].
Gil Vieira Costa, Imagens da Amazônia na arte brasileira: do território a conquistar ao território a resistir
50
dos fotógrafos já havia sido utilizada na edição n. 67
da revista Realidade, de outubro de 1971, e ainda se-
ria editada no foto-livro Amazônia (1978), da autoria
de ambos. Na exposição Hileia Amazônica, essas fo-
tografias adquirem um caráter ambíguo, que roça no
apoio ao projeto desenvolvimentista dos governos
militares brasileiros para a Amazônia. No caso de
George Love, as vistas aéreas da floresta garantem
uma imagem de imensidão ainda intocada (Fig. 5);
no caso de Andujar, os retratos de indígenas apre-
sentam imagens de um povo igualmente isolado.
Depois, Andujar explicita em seu projeto fotográfico
um comprometimento político com as populações
indígenas, especialmente ianomâmis, então já afe-
tados pela “marcha do progresso”. Mas a exposição
Hileia Amazônica
como um todo pode ser vista como
mais uma manifestação ideológica da “Amazônia a
conquistar” no campo artístico brasileiro.
Essas diferentes imagens aparecem e reapa-
recem não somente nas obras de artes visuais,
mas também na propaganda governamental, nas
reportagens jornalísticas, no cinema e em tantos
outros produtos circulando no mercado de trocas
simbólicas. Elas disputaram os significados da
Amazônia no tecido social brasileiro, como uma
região “virgem” que precisava ser introduzida no
tempo presente.
3. IDENTIDADES AMAZÔNICAS
Outro grupo de obras pode ser formulado
a partir de uma questão que tem inte-
ressado a muitos artistas: se existem, e
quais seriam, os elementos identitários
amazônicos. Dada a complexidade da
questão, além do recorte temporal largo
deste artigo, é inevitável que estejamos
aqui a tratar de obras muito diferentes
entre si. Porém, há duas posturas que
podem servir para reunir, diferencian-
do, esses múltiplos esforços de reflexão
sobre identidade local. A primeira postura
Fig. 5 - George Love, Amazônia, 1973, fotografia, 30cm x 40cm. Fonte: Acervo do
Museu de Arte de São Paulo.
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 38, p. 44-63, jul./dez. 2021 [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i38.45673]
51
é fenomenológica, e diz respeito a artistas interes-
sados em observar a natureza da Amazônia como
um fenômeno perceptivo específico, com cor, luz,
temporalidades e visualidades peculiares. A se-
gunda postura é antropológica, e trata de artistas
interessados em refletir sobre os grupos humanos
na Amazônia, em especial os grupos entendidos
como tradicionais. Essas duas posturas, separadas
ou simultâneas, perpassam boa parte da produção
artística brasileira que formulou discursos sobre
uma identidade amazônica.
Os primeiros a fazê-lo de maneira consciente den-
tro da arte visual especializada foram os artistas
das décadas de transição entre os séculos 19 e 20.
Formados, em geral, dentro do quadro intelectual
das academias de arte [europeias e brasileira], es-
ses artistas tiveram contato com esquemas compo-
sitivos acadêmicos e com correntes artísticas como
o realismo e o impressionismo, interessadas na
observação direta ou indireta da realidade. Na pri-
meira metade do século 20, vários artistas produ-
zindo a partir de cidades amazônicas elaboraram
práticas de observação direta e registro da paisa-
gem natural e humana da região. A ideia de paisa-
gem amazônica não raro é tema ou mesmo título
de trabalhos, como os do paraense Arthur Frazão e,
depois, do amazonense Moacir Andrade [Fig. 6].
Na segunda metade do século 20, a Amazônia serve
de tema para algumas experimentações no campo
da arte não figurativa, como a série Amazônica [Fig.
7] do fluminense Ivan Serpa, em 1968, desdobrando
sua produção concreta e incorporando elementos
mais sinuosos, além de recorrer a contrastes entre
verdes e vermelhos intensos. Nos anos 1980, surge
em Belém e Manaus uma produção muito interessa-
da no debate sobre “visualidade amazônica”, resul-
tando em produções como a dos paraenses Dina
Oliveira [Fig. 8] e Osmar Pinheiro naquela década, ou
dos amazonenses Jair Jacqmont e Sérgio Cardoso.
Fig. 6 - Moacir Andrade, Paisagem amazônica, 1987,
óleo sobre tela, 108cm x 79cm.
Fonte: Acervo da Pinacoteca do Estado do Amazonas.
Gil Vieira Costa, Imagens da Amazônia na arte brasileira: do território a conquistar ao território a resistir
52
Quanto ao ser humano amazônico, enquanto
representação de uma identidade local, ele se
torna tema de muitos projetos surgidos durante
todo o século 20. Além da influência das correntes
artísticas europeias, desde a segunda metade do
século 19 houve um forte impulso da arte brasileira
na direção da representação étnica, racial e social.
Formularam-se muitas obras que retratavam os
tipos sociais brasileiros, às vezes a partir de recor-
tes geográficos regionais. Dentro desse espírito,
podemos situar trabalhos debruçados sobre a
figuração do indígena, do afrodescendente e do
caboclo ou ribeirinho – lidos como amazônicos. Há
desde o interesse por personagens do cotidiano
urbano e popular, como vendedores e vendedoras
de produtos regionais variados [açaí, caranguejo,
cheiro”, tacacá etc.], até a atenção às cosmogo-
nias e culturas visuais indígenas e ribeirinhas.
O pintor paraense Theodoro Braga manifestou inte-
resse por populações indígenas amazônicas ainda
na primeira década do século 20, seja no uso de
referências da iconografia marajoara em projetos
de arte decorativa, seja na representação realista
de etnias locais na pintura, ou mesmo quando
Fig. 7 - Ivan Serpa, Série Amazônica nº 8, 1968, óleo sobre tela,
92cm x 92cm. Fonte: Coleção particular. Disponível na exposição
Ivan Serpa: a expressão do concreto, curadoria de Hélio Ferreira
e Marcus Lontra, CCBB Rio de Janeiro, 2020.
Fig. 8 - Dina Oliveira, Amazônia, 1985, óleo sobre tela, 120cm x
100cm. Fonte: Galeria Paulo Prado [1985, sem número de página].
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 38, p. 44-63, jul./dez. 2021 [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i38.45673]
53
começou a trabalhar com os mitos de origem in-
dígena. Discípulos de Braga, como o amazonense
Manoel Santiago e o paraense Manoel Pastana,
também exploraram a temática indígena de um pon-
to de vista amazônico, assim como inúmeros artistas
daquele período. Talvez o exemplo de maior projeção
internacional tenha sido o da mineira Maria Martins,
radicada em Nova Iorque nos anos 1940, realizan-
do esculturas surrealistas que partiam de mitos de
origem indígena amazônica [Fig. 9].
Alguns artistas começam a atuar como cronistas
da vida na Amazônia, colo-
cando em imagens visuais
suas experiências biográfi-
cas ou o registro da vida de
terceiros. O goiano-paraense
Augusto Morbach desenvol-
veu, a partir do final dos anos
1930, obras que registram
suas experiências como
castanheiro e com a vida no
sudeste do Pará. Da mesma
maneira, o amazonense-a-
creano Hélio Melo realizou,
desde o final dos anos 1970,
um trabalho artístico basea-
do em suas vivências como
seringueiro. No campo da fo-
tografia, são inúmeros os artistas que registraram
diversos aspectos da paisagem e da sociedade
na Amazônia brasileira. A obra mais conhecida,
nesse sentido, talvez seja a do artista paraense
Luiz Braga, ou, ainda, a temática amazônica na
produção do mineiro Sebastião Salgado.
As paisagens natural e humana da Amazônia apa-
recem em obras de muitos artistas durante todo o
século 20. Elas oscilam entre projetos estéticos mais
conservadores e mais progressistas, indo da tradi-
cional pintura para formas mais arrojadas, como as
recentes instalações do pa-
raense Bené Fonteles [Ágora:
OcaTaperaTerreiro, 2016],
hoje radicado em Brasília, e do
fluminense Ernesto Neto [Um
lugar sagrado, 2017], respecti-
vamente na 32ª Bienal de São
Paulo e na 57ª Bienal de Vene-
za, que mobilizaram inclusive a
presença de indígenas.
É difícil fazer alguma afirmação
quanto ao caráter político e
ideológico sobre a Amazônia,
nessas obras, dada a sua gran-
de heterogeneidade e diferença
de contexto, em um período de
mais de cem anos em diversas
Fig. 9 - Maria Martins, Amazônia, 1942, bronze, 53cm x
51cm x 40cm. Fonte: Verônica Stigger [2013, p. 71].
Gil Vieira Costa, Imagens da Amazônia na arte brasileira: do território a conquistar ao território a resistir
54
cidades brasileiras e estrangeiras. Mas, resumindo em
termos gerais, é possível verificar uma linha conser-
vadora, que encontra na construção da identidade
amazônica o eco das ideologias que afirmam a região
como fonte e repositório primitivista, em um tempo
aquém do nosso. No limite, esse discurso evidencia
uma Amazônia “atrasada”, posto que ainda intocada
pela modernidade ocidental. Também entra nessa
linha conservadora a manutenção de estereótipos
amazônicos mais ou menos consolidados.
Por outro lado, é possível
observar também uma linha
progressista, que usa a cons-
trução identitária para afirmar
um projeto político de Ama-
zônia em que as camadas
populares [formadas por indí-
genas, mestiços, ribeirinhos,
suburbanos etc.] e a própria
natureza são colocadas em
cena como protagonistas da
história amazônica. Assim, a
visualidade das populações
amazônicas subalterniza-
das vai servir como herança
cultural, paralela à herança
da arte europeia, na obra de
artistas como o pernambucano
Vicente do Rego Monteiro, o paraense Emmanuel
Nassar, o maranhense-paraense Marcone Moreira, os
mato-grossenses Adir Sodré e João Sebastião, entre
muitos outros. Essa linha progressista que aparece
no debate identitário alimenta o surgimento de obras
com outro tipo de compromisso com a Amazônia.
O campo artístico brasileiro
também é palco para ima-
gens de ideologias críticas
sobre as questões amazôni-
cas. Imagens que dialogam
com as interpretações dos
vários ativismos políticos
sobre a região, que serão
tratados adiante, por exem-
plo: ambientalismo, defesa
dos direitos das populações
locais, resistência antico-
lonialista – esta última hoje
entendida nos termos de um
desprendimento da condi-
ção de colonialidade [políti-
ca, econômica, do conheci-
mento, da subjetividade].
Fig. 10 - Paulo Bruscky, Amazonas, 1973, gravura
em metal, 40cm x 30cm. Fonte: Base7 [2008, sem
número de página].
4. AMAZÔNIAS
PROBLEMÁTICAS
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 38, p. 44-63, jul./dez. 2021 [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i38.45673]
55
Contra as imagens governamentais de uma
Amazônia a conquistar”, o pernambucano Paulo
Bruscky realizou Amazonas [1973, Fig. 10], gravura
que retrata a pegada de uma possível bota militar,
na qual está inscrita a palavra Amazonas. Com-
pare-se esse trabalho com as pinturas de Bene-
dicto Mello, com o painel de Álvaro Páscoa ou com
as fotografias de George Love, todas do mesmo
período, para entender como a gravura de Bruscky
apresenta imagens críticas sobre a Amazônia,
explicitamente opostas à propaganda do desen-
volvimentismo militar para a região.
Em 1975, o artista mato-grossense Clóvis Irigaray ini-
ciou a série Xinguana, desenhos a cores, com técnica
realista, que exploram a desgastada temática india-
nista a partir de um ponto de vista original e crítico.
Uma obra da época é Amazônia Legal [1975, Fig. 11],
em que o artista coloca um indígena na posição de
professor ou chefe em uma típica sala de reuniões, fa-
lando para um conjunto de homens de terno tomando
notas. O trabalho aponta para um Brasil utópico em
que o Estado se adequa aos indígenas e ao seu pen-
samento. Por outro lado, também discute a Amazônia
do ponto de vista jurídico, político e governamental,
em que a região ainda é alvo de uma vista aérea e
cartográfica, como território a conquistar, mas que
passa a ser disputada por suas populações nativas,
tornadas visíveis na utopia indianista de Irigaray.
O mineiro Clécio Penedo, radicado no Rio
de Janeiro, foi outro artista a explorar o
indianismo de maneira crítica e satírica,
em séries como És Tupi do Brasil [1979-
1980], Jary [1981] e outras obras da época,
como Ama [1980, Fig. 12]. Esse trabalho
condensa uma série de signos da Ama-
zônia, não apenas seus símbolos mais
estereotipados [populações nativas], mas
também índices da problemática social
na região [a expansão do latifúndio agro-
pecuarista], aludindo a um fato recente.
Os governos militares ofereceram gran-
des incentivos à presença de multina-
Fig. 11 - Clóvis Irigaray, Amazônia Legal, 1975, desenho sobre papel.
Fonte: Aline Figueiredo [1990, p. 28].
Gil Vieira Costa, Imagens da Amazônia na arte brasileira: do território a conquistar ao território a resistir
56
cionais na região, como a alemã Volkswagen, que
nos anos de 1974 e 1975 promoveu um incêndio de
proporções monumentais no seu latifúndio ama-
zônico [“o maior incêndio do planeta”], culminando
na denúncia e mobilização por parte de cientistas
e ecologistas de vários países. Clécio Penedo ainda
articulou esses signos a elementos da religiosida-
de cristã e da arte brasileira, como um detalhe da
pintura Primeira Missa no Brasil [1860, Victor Meirel-
les] e o título Ama, a partir de fragmento da palavra
Amazônia, transformada em imperativo cristão.
Em Ama, como em outras obras, Clécio Penedo dá
um passo importante na direção de uma produção
artística que ma-
neja imagens de
uma Amazônia real,
comprometida com
as questões sociais
do presente, tradu-
zidas em indícios
de fatos históricos.
O artista paraense
José de Moraes
Rego também
realizou uma opera-
ção semelhante,
especialmente na
série Macabra e na
exposição O belo e o macabro [1979], em Belém.
Nela, Rego se dedica a temas de sua atualidade,
recorrendo a uma crítica ferina à integração econô-
mica e cultural da região, conferindo representação
visual às suas consequências sociais. São temas,
por exemplo: a exploração econômica da indústria
do palmito na Amazônia [Palmito do lucro x açaí da
fome, 1979], o extermínio indígena empreendido
nos anos 1970 dos governos militares [Genocídio,
1979] e a violência como resposta anticolonial,
longe do mito da mistura cordial de raças [Conflito
cabano, 1979]. Rego, trabalhando com uma pintura
de feição naif, em diálogo com a pintura popular
de Belém, ofereceu
imagens de uma
Amazônia lida criti-
camente. Uma obra
exemplar é Águas
amazônicas [1978,
Fig. 13] que, mes-
mo recorrendo às
imagens tradicio-
nais das mitologias
locais, o faz a partir
da ideia de uma
Amazônia violenta
e reativa. A amazo-
nense Rita Loureiro
Fig. 12 - Clécio Penedo, Ama, 1980, desenho e colagem sobre papel, 50cm x 70cm
Fonte: André Couto e Luiza Silva [2001, p. 51].
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 38, p. 44-63, jul./dez. 2021 [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i38.45673]
57
é outra artista que também manejou os elementos
identitários locais para construir, nos anos 1980,
uma pintura que tinha um componente de denúncia
sobre as questões sociais da região.
Talvez o amazonense Roberto Evangelista tenha
sido o primeiro artista a tratar da Amazônia a partir
de formas de arte menos tradicionais – como a arte
conceitual, a instalação artística e a videoarte. Sua
instalação Mater Dolorosa: in memorian I [1976],
apresentada na Mostra Comemorativa dos 10 Anos
da Zona Franca de Manaus, consistia em um cubo
acrílico incolor, com cerca de um metro em cada uma
de suas dimensões, contendo carvão vegetal preto,
repousado sobre um pequeno monte de areia branca,
como uma cova improvisada. A obra contrastava, so-
bretudo, com os objetos industriais presentes na mes-
ma mostra, e trazia
um tom de denúncia
ambientalista.
O tema ecológico
foi tratado em mui-
tos outros trabalhos
naquele período e
vem sendo des-
dobrado até hoje.
Desde o final dos
anos 1960, o mato-
-grossense Hum-
berto Espíndola desenvolveu seu trabalho a partir
da temática da pecuária, nas séries chamadas de
Bovinocultura, que refletem sobre a “marcha para
o Oeste” no Brasil, e que incluem a pintura Devas-
tação da Amazônia [1980, Fig. 14]. O polonês Frans
Krajcberg, radicado no Brasil, desde o final dos
anos 1970 realizou obras que envolviam a temática
ecológica relacionada à Amazônia, tendo publi-
cado em 1978 o Manifesto do Naturalismo Integral
[ou Manifesto do Rio Negro], junto com o iugoslavo
Sepp Baendereck e o francês Pierre Restany. No
plano institucional, houve até mesmo o projeto
Arte Amazonas [1992], realizado em várias cidades
brasileiras simultaneamente, com nítido acento
ambientalista – mesmo que as obras reunidas no
projeto tivessem diferentes aspectos sobre o tema
Amazônia.
É evidente que a
partir dos anos 1970
começaram a apa-
recer, na arte bra-
sileira, imagens de
ideologias críticas
sobre a Amazônia,
distintas daquelas
que eram mane-
jadas na primeira
metade daquele
Fig. 13 - José Pires Rego, Águas amazônicas, 1978, acrílica sobre tela, 103cm x 202cm.
Fonte: Acervo do Espaço Cultural Casa das Onze Janelas.
Gil Vieira Costa, Imagens da Amazônia na arte brasileira: do território a conquistar ao território a resistir
58
século 20 e nos anteriores. Essa mudança pode
ser explicada a partir de um conjunto significativo
de transformações na estrutura social. A primeira
delas diz respeito às formulações de uma virada
epistêmica global [CHAGAS, 2018], na segunda me-
tade dos anos 1960, questionando fronteiras entre
cultura erudita e popular, entre política e estética,
somadas às profundas mudanças comportamen-
tais e tecnológicas experimentadas internacio-
nalmente. Depois, a consolidação e legitimação
das práticas artísticas ditas pós-modernas, de
engajamento com a realidade social e histórica,
desmaterialização, conceitualismos e princípios
semelhantes. Além de tudo, havia ainda as
transformações sociais e políticas no país,
que envolviam o recrudescimento do gover-
no militar e, em especial, as ofensivas de
integração econômica da Amazônia, região
que foi cada vez mais o alvo de discursos,
ações e políticas públicas, nacionais e
internacionais, de grande impacto.
5. AMAZÔNIAS A RESISTIR
Até aqui, falei de como as ideologias po-
líticas conseguiram pautar imagens da
Amazônia nas artes visuais. Mas é neces-
sário também falar de como as imagens
da Amazônia na arte são capazes de pautar
um novo imaginário e contribuir para o surgimen-
to de novas ideologias políticas para a região. As
imagens participam do tecido social e, de alguma
maneira, também moldam o mundo, antecipando
ideias e lhes conferindo existência material. É ne-
cessário apostar na arte especializada como mais
um elemento capaz de influir e modificar a mentali-
dade da sociedade em um dado momento.
A introdução de imagens críticas da Amazônia na
arte brasileira abriu caminho para uma mudança
nas representações da região na produção artís-
tica especializada. Cada vez mais, os artistas têm
deixado de tentar representar a Amazônia [essa
Fig. 14 - Humberto Espíndola, Devastação da Amazônia, 1980, óleo sobre tela,
130cm x 170cm. Fonte: Aline Figueiredo [1990, p. 58].
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 38, p. 44-63, jul./dez. 2021 [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i38.45673]
59
imagem ficcional que nos acompanha desde a
chegada do invasor europeu], abandonando os
estereótipos e uma visão genérica, e têm buscado
formular imagens comprometidas com Amazônias
reais – os problemas específicos de locais dentro
do local, de regiões dentro do regional. Perce-
bo que a questão da Amazônia é atravessada e
se funde com, ao menos, três outras questões
cruciais para nossa época, e que esse fato tem
alimentado novos trabalhos artísticos.
A primeira dessas questões é a ambiental. Esse
é um problema incontornável para nosso sécu-
lo, e quiçá seja o mais importante. A escala de
alteração das condições ambientais provocada
pela ação humana é sem precedentes. E, consi-
derando que a lógica do capitalismo de consumo
necessita explorar os recursos naturais sem des-
canso, é plausível considerar que a vida humana
esteja às vésperas de uma crise que pode ser
irreversível e mesmo fatal – para nossa espécie,
sobretudo. A floresta tropical e a bacia hidrográ-
fica da Amazônia participam da regulação das
condições climáticas do planeta e são uma das
últimas grandes extensões naturais ainda não
totalmente afetadas pelo capitalismo moderno.
De certa maneira, discutir a Amazônia é discutir a
vida humana na Terra – algo que os ambientalis-
tas vêm apontando desde os anos 1970.
A segunda questão é a indígena. Pelo fato de a
colonização da América do Sul ter se dado a partir
dos litorais, a Amazônia se tornou o atual refúgio de
muitos povos indígenas, que já estavam estabeleci-
dos por lá antes da invasão colonial ou que para lá
migraram, empurrados pelo “contato”. Assim como a
Amazônia é sinônimo de pauta ambiental, também é
sinônimo de povos indígenas. Há desde o fato de que
as culturas tradicionais indígenas já integram defini-
tivamente o campo de interesses da ciência brasilei-
ra, até o fato de que essas mesmas comunidades es-
tão sob permanente ataque do Brasil ocidentalizado,
que promove genocídios e epistemicídios dos grupos
sociais indígenas. Acrescente-se, ainda, a questão
das populações afrodescendentes e mestiças, como
quilombolas e ribeirinhos.
Por fim, a terceira questão imbricada no assunto
Amazônia é a decolonial. A condição de colonia-
lidade tem sido teorizada como algo que inclui e
vai além da colonização política. Ela permanece
atuante, mesmo com a liberação política das
colônias. As Amazônias da maioria dos países
sul-americanos parecem partilhar uma condição
similar de colonialidade, já que esses Estados
possuem histórias paralelas de invasão e saque
colonial nos últimos quinhentos anos. Além dis-
so, as Amazônias compartilham uma situação de
periferização dentro dos próprios países, que se
Gil Vieira Costa, Imagens da Amazônia na arte brasileira: do território a conquistar ao território a resistir
60
desenvolveram, enquanto nações modernas, de
costas para a região, interessados, quando muito,
apenas na exploração de sua matéria-prima e
demais recursos naturais. A pauta decolonial é co-
locada desde o sistema científico e os movimentos
sociais, no mundo todo, indicando a necessidade
de combater e se desprender das estruturas da
colonialidade ainda vigente [MIGNOLO, 2010].
As questões ambiental, indígena e decolonial são, é
claro, entremeadas. É a colonialidade que ameaça
tanto o meio ambiente quanto as formas de vida al-
ternativas ao capitalismo global e à ocidentalização.
Na arte brasileira interessada pela Amazônia, essas
questões têm reverberado há algum tempo, habitan-
do os interesses de muitos artistas e curadores. Essa
arte pode falar sobre tais temas a partir de um lugar
privilegiado, que é essa encruzilhada de problemas
impreteríveis para a contemporaneidade.
Assim, no lugar de imagens explícitas sobre a Ama-
zônia, surgem imagens com diferentes graus de
amazonidade”, que partem da experiência com si-
tuações concretas e da reflexão sobre as questões
sociais dessa região. Exposições como Amazônia,
a arte [2010, curadoria de Orlando Maneschy] e
Amazônia, ciclos de modernidade [2012, curadoria
de Paulo Herkenhoff], seguidas de outros projetos,
apresentam um discurso já bastante ampliado
sobre a relação “arte e Amazônia”.
No que diz respeito a obras que formulam respos-
tas para uma ou mais das questões apresentadas
[ambiental, indígena, decolonial], a partir de Amazô-
nias concretas e específicas, é possível mencionar
alguns nomes. Depois do genocídio indígena ser um
tema mais ou menos explícito em trabalhos como
Sal sem carne [1975] e Zero Cruzeiro [1974-1978], do
fluminense Cildo Meireles, e na produção de Clau-
dia Andujar até os anos 1980, ele ganha um fôlego
diferente com a exposição Hoximu [1994], do artista
paraense Klinger Carvalho. A exposição consistiu em
uma grande instalação de caráter escultórico, usan-
do madeira, cuias, velas, barro, entre outros mate-
riais, e fez alusão direta ao massacre de ianomâmis
em 1993, por brasileiros e venezuelanos interessa-
dos em explorar os recursos do território indígena.
Outra reflexão potente sobre as questões ambiental
e da colonialidade está na ação Desculpem o trans-
torno, estamos em obras [2002], do amapaense
Grupo Urucum, realizada nas dependências da Fu-
narte, no Rio de Janeiro. O grupo coletou um grande
conjunto de árvores derrubadas pela própria natu-
reza no Amapá, o transportou para a instituição e
promoveu o ato de retalhar continuamente esses
troncos, pouco a pouco, pedaço a pedaço, até que
sobrasse apenas serragem e resíduos. Esse trans-
torno intencional, que emula os crimes contra o
território amazônico, parece também construir uma
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 38, p. 44-63, jul./dez. 2021 [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i38.45673]
61
crítica à colonialidade no campo artístico brasileiro
e em suas instituições.
O artista paraense Armando Queiroz vem desde os
anos 1990 realizando obras de forte teor crítico, muitas
vezes a partir de questões amazônicas do presente.
Pode-se destacar a série Reduções [2006], o vídeo
Ymá Nhandehetama [2009] e a instalação Cântico
Guarani [2010], trabalhos que colocam a questão
indígena em cena, ou os objetos Ouro de tolo [2009]
e a vídeo-performance Midas [2009], que trabalham
com a memória do garimpo de Serra Pelada, um dos
episódios mais conhecidos e dramáticos da minera-
ção no Brasil atual.
Para ficar em
apenas mais um
nome, temos o
artista roraimen-
se Jaider Esbell,
indígena macuxi,
com a exposição
It was Amazon /
Era uma vez Ama-
zônia [2016, Fig.
15], constituída
por desenhos em
branco sobre preto.
As obras de Jaider
Esbell manejam
imagens de muitas das questões sociais que os
diferentes povos indígenas experimentam na Ama-
zônia brasileira, como a poluição dos rios, a caça
e pesca predatórias e desreguladas, a introdução
de drogas e doenças como o alcoolismo, grilagem
de terras, tráfico de animais silvestres, entre outros
assuntos. O fato de Jaider Esbell ser um artista con-
temporâneo de projeção nacional, somado a outros
artistas indígenas como a baiana Arissana Pataxó e
o amazonense Denilson Baniwa, indica que o cam-
po artístico brasileiro pode se tornar uma platafor-
ma para imagens ainda mais comprometidas com
projetos políticos de
Amazônia voltadas
para as questões
ambiental, indígena
e decolonial.
Os exemplos po-
deriam ser multipli-
cados à exaustão,
trazendo artistas
que trabalham ou
trabalharam com
questões como a
negritude na Ama-
zônia, o impacto
dos grandes pro-
jetos econômicos
Fig. 15 - Jader Esbell, obra da série It was Amazon / Era uma vez Amazônia, 2016.
Fonte: Site Jaider Esbell. Disponível em http://www.jaideresbell.com.br/
site/2016/07/01/it-was-amazon/. Acesso em 10 /7/2020.
Gil Vieira Costa, Imagens da Amazônia na arte brasileira: do território a conquistar ao território a resistir
62
para a região, a [des]construção de uma identidade
cultural amazônica, entre tantas outras. Decerto a
Amazônia não é mostrada somente de um ponto
de vista crítico a respeito de suas questões sociais,
mas também a partir de visadas afetivas e biográ-
ficas igualmente interessantes. O campo de arte
especializada também tem apresentado uma aber-
tura cada vez maior para a presença de manifesta-
ções artísticas não especializadas, como as cultu-
ras tradicionais e as linguagens híbridas vindas de
outros circuitos. Tudo isso é bastante positivo no
sentido de uma reinvenção das imagens da Amazô-
nia, vistas desde as artes visuais.
As ideologias políticas e estéticas diversas, que
disputam historicamente o significado e os usos das
imagens da Amazônia, coexistem. A região ainda
hoje é encarada como fora da história, isolada do
mundo contemporâneo, inferno verde ou eldorado
paradisíaco pleno de recursos naturais – Amazônia
a conquistar. No entanto, outras vozes, imagens e
imaginários vêm se fazendo presentes no debate
público e construindo novos projetos para a região,
desde então entendida como palco de uma resistên-
cia cultural e política.
Precisamos distinguir as características dos muitos
projetos de Amazônia concorrentes, em especial
porque há décadas ela se tornou objeto da atenção
internacionalista, atravessada por diversos inte-
resses velados. Ter clareza sobre isso pode ajudar
a aperfeiçoarmos os objetivos de nossos próprios
projetos políticos e estéticos para a Amazônia
dentro da arte brasileira. Devemos participar da
desconstrução de um imaginário defasado e, das
suas ruínas, fazer emergir imagens de uma Amazô-
nia nova e condizente com as aspirações de nosso
tempo? Apostar na fabricação e manutenção de
imagens da Amazônia na arte, hoje, pode signifi-
car a opção por um engajamento com os grupos
sociais afetados pela modernidade, por um com-
prometimento com a manutenção do meio ambien-
te e por uma tentativa de superação da estrutura
de colonialidade moldada nos últimos quinhentos
anos. São algumas das questões que o nosso tem-
po tem colocado para a Amazônia e para os artistas
interessados em refletir sobre ela.
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 38, p. 44-63, jul./dez. 2021 [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i38.45673]
63
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASE7 [ed.].
Arte pela Amazônia
: arte e atitude. São Paulo: Base7, 2008. Catálogo de exposição.
BELTING, Hans.
Antropologia da imagem
. Tradução de Artur Morão. Lisboa: KKYM: Escola de Arquitetura da
Universidade do Minho [EAUM], 2014.
CHAGAS, Pedro Dolabela.
“1970”
: arte e pensamento. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais,
2018.
COUTO, André Luiz Faria; SILVA, Luiza Helena Oliveira da.
És tupi do Brasil
: a presença do índio na obra de
Clécio Penedo. Barra Mansa: C. Penedo, 2001.
FIGUEIREDO, Aline.
Arte aqui é mato
. Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 1990.
GALERIA PAULO PRADO.
Dina Oliveira
. São Paulo: Galeria Paulo Prado, 1985. Catálogo de exposição.
GONDIM, Neide.
A invenção da Amazônia
. São Paulo: Marco Zero, 1994.v
GRUZINSKI, Serge.
A Amazônia e as origens da globalização [Sécs. XVI-XVIII]
: da história local à história
global. Belém: Estudos Amazônicos, 2014.
MARCELINO, Vitor. “Amazônia”, de Claudia Andujar e George Love, em contexto: as relações com a
exposição Hileia Amazônica. In FREIRE, Luiz; QUIRICO, Tamara; VALLE, Arthur; ANDRADE, Marco Pasqualini
de [org.].
Anais do XXXVIII Congresso do Comitê Brasileiro de História da Arte
. Florianópolis: CBHA, 2019,
p. 633-642.
MIGNOLO, Walter.
Desobediencia epistémica
: retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad, gramáti-
ca de la descolonialidad. Buenos Aires: Del Signo, 2010.
PÁSCOA, Luciane.
As artes plásticas no Amazonas
: o Clube da Madrugada. Manaus: Valer, 2011.
PIZARRO, Ana.
Amazônia: as vozes do rio: imaginário e modernização
. Tradução de Rômulo Monte Alto. Belo
Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2012.
STIGGER, Verônica [cur.].
Maria Martins: metamorfoses
. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2013.
Gil Vieira Costa, Imagens da Amazônia na arte brasileira: do território a conquistar ao território a resistir