Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 13-30, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47225)
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Amazônidas: arte-música-poesia-pensamento-
combate... em disparos potentes!
Amazônidas: Art-Music-Poetry-Thought-Fight... in Powerful Shots!
Amazônidas: arte-música-poesia-pensamiento-luta ¡en fuertes disparos!
Luizan Pinheiro (Universidade Federal do Pará, Brasil)
*
para Aluízio Leal¹
https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47225
RESUMO: Este artigo atravessa territórios musicais pra colocar em visibilidade
aspectos da vida na Amazônia a partir de um viés crítico-guerrilheiro marcado na
percepção e vivência musical de quatro compositores: Vital Farias, Xangai, Mestre
Lourival Igarapé e o autor-compositor deste trabalho, que sentem e expressam a
Amazônia de ângulos diversos e sensibilidades específicas.
PALAVRAS-CHAVE: Amazônia; música; resistência; crítica
* Luizan Pinheiro é Professor Doutor da Faculdade de Artes Visuais do Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará
FAV/ICA/UFPA. E-mail: luizan2014@gmail.com / luizan@ufpa.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9199-5327.
Luizan Pinheiro, Amazônidas: arte-música-poesia-pensamento-combate... em disparos potentes!
14
ABSTRACT: This article crosses musical territories to highlight aspects from Ama-
zonian life, taking a critical-guerrilla-fighter perspective pronounced in the musical
experience and perception of four composers: Vital Farias, Xangai, Mestre Lourival
Igarapé and the author-composer of this piece, who feel and express Amazon
from multiple angles and specific sensibilities.
KEYWORDS: Amazon; music; resistance; critique
RESUMEN: Este artículo atraviesa territorios musicales para poner en visibilidad
aspectos de la vida en la Amazonía desde un enfoque crítico-guerrillero caracteri-
zado por la percepción y experiencia musical de cuatro compositores: Vital Farias,
Shangai, el Maestro Lourival Igarapé y el autor-compositor de esta obra, quienes
sienten y expresan la Amazonía desde diferentes ángulos y sensibilidades especí-
ficas.
PALABRAS CLAVE: Amazonía; sica; resistencia; ctica
Citação recomendada:
PINHEIRO, Luizan. Amazônidas: arte-música-poesia-pensamento-combate... em disparos po-
tentes! Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 13-30, jan./jun. 2021.
[https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47225]
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Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 13-30, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47225)
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Amazônidas: arte-música-poesia-pensamento-
combate... em disparos potentes!
1.
As artes em suas diversas linguagens têm
na Amazônia² um campo fértil de reflexão,
ação, resistência, pensamento e combate.
A constituição estética das formas e expe-
riências artísticas se diferenciam e se
afirmam na potência de suas pesquisas
específicas, de seus modos de criação, de
suas expressões livres, de suas interven-
ções. Tanto nas matérias que as constitu-
em quanto nos discursos que as emba-
sam: políticos, afetivos, combativos, críti-
cos das institucionalidades em seus usos e
abusos e dos poderes instaurados em vis-
ta do que chamamos de gestão da vida.
Essas discursividades teoricopoéticas
afirmam-se marcadas na dimensão de re-
sistência ao processo de dizimação e des-
truição em diversos campos de conheci-
mentos, saberes, fazeres e vida na Região
Amazônia.
2.
Estados intensos e devastadores defor-
mando a paisagem, as estruturas fisicoge-
ográficas; o avançado e amplo processo
de barbárie dos seres vivos nas suas infi-
nidades de espécies em inúmeras áreas e
locais; o meio ambiente... O solo, a água,
a vegetação, a diversidade de suas com-
posições e estruturas, destruídas material
e institucionalmente; políticas criminosas
na i-legalidade de suas sanhas em nome
do pseudo-progresso. Há tempos sabemos
com nossos antepassados e as presentes
comunidades indígenas que é possível
conviver com as diferentes espécies e se-
res sem a agressiva destruição de suas
condições e suas missões no planeta. Mas,
mesmo assim, faz-se jorrar rios de dinhei-
ro, perseguição, desmandos, corrupção,
sonegação, rapina,
3
roubo, incêndios, trá-
fico, grilagem, depredação, matança; nu-
Luizan Pinheiro, Amazônidas: arte-música-poesia-pensamento-combate... em disparos potentes!
ma lógica suja de desenvolvimento pra
Região. A fauna e a flora; os ecossiste-
mas; os igarapés, os rios, os mares, os
peixes; a caça, a pesca; a beleza, a autos-
sustentabilidade e a vida dos povos tradi-
cionais indígenas, quilombolas, ribeirinhos,
praianos, campesinos, estradeiros, viajan-
tes... milhares de registros fotográficos e
audiovisuais, pesquisas, publicações, li-
vros, filmes, obras de arte dos quatro can-
tos do mundo registram e acompanham
com voracidade as tragédias e o processo
de destruição ininterrupto aos olhos e as-
sinaturas legais dos poderes através dos
séculos... E muitos com o patrocínio do
próprio dinheiro sujo de corporações que
detêm a propriedade privada da Região. É
privada em muitos sentidos! Pois a tratam
como privada por onde fazem escoar as
merdas que não queremos aqui.
3.
Desde a implantação dos grandes projetos
carregados na mortal e cruel ambivalên-
cia: desenvolvimento-progresso / dizima-
ção-genocídio. As forças da arte e das ci-
ências humanas em geral passaram a se
contrapor em pesquisa, reflexão, ação em
defesa e combate da Amazônia e seus po-
vos. Diante das experiências mineradoras
e hidroelétricas, do escoamento assusta-
dor em grandes navios transportando para
fora do país: bauxita, manganês, ouro,
ferro... Ferrando tudo sob um aparato ju-
rídico dos chamados acordos internacio-
nais e as cooperações de corporações. E
ao fim e ao cabo resta-nos estupefatos o
cinismo marqueteiro e escancarado das
campanhas publicitárias lavadas no di-
nheiro in-visível a insultar nossa inteligên-
cia amazônica. Propaganda suja a exem-
plo da Norte Energia, sustentáculo da UHE
Belo Monte: "a energia boa". O uso abusi-
vo das referências da cultura paraense in
outdoor, pra deixar os buracos escava-
dos "até o diabo não dizer chega!". Ou na
pista de Sérgio Bianchi, da expressão e tí-
tulo de seu filme: "Quanto vale ou é por
quilo?". Sim. Vale! O Vale do Rio Amargo,
num trocadilho esdrúxulo de rebatismo ao
maior projeto de destruição institucional
da Amazônia: A Vale do Rio Doce. Quanto
vale o estrago e a esmagadora destruição
daqueles que perderam tudo: suas famí-
lias, seus trabalhos, seus rios, seus so-
nhos, suas vidas para as formas multina-
cionais do que poderia ser chamado de
tráfico institucional de royalties que talvez
não se saiba para onde vão. o vão. O
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 13-30, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47225)
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vazio. O buraco. E numa outra troca voca-
bular seria mais preciso trocar royalties
por hole (buraco). Buraco de miséria, bu-
raco de doença, buraco de impostos, bu-
raco no solo fértil a arder todos os dias,
buraco na camada de ozônio, buracos na
Transamazônica - a grande promessa sal-
vífica de quem precisa se deslocar na Re-
gião. Quando o inverno vira inferno que
nunca acaba. O término da Transa nunca
acaba porque a transa é boa e dá dinheiro
ad infinitum! E quem goza são os outros.
E gozam na e com a nossa cara, pois a
Região onde se produz a energia nas hi-
droelétricas é exatamente onde se paga
as taxas mais caras de energia.
4.
Alguém poderia perguntar porque no geral
não se fala ou mostra as coisas boas da
Amazônia. As benfeitorias que as empre-
sas e seus projetos trazem para a Região.
O compromisso social que o grande capital
implanta aqui. Os Vales-misérias distribuí-
dos aqui para calar a boca da população,
enganarmo-nos e salvar sua consciência
culpada, se é que o capital tem consciên-
cia! É possível que tenhamos espaço para
as coisas boas da Região. Mas elas não
são possíveis quando se trata de pensar o
estado orquestrado de destruição massiva
que se instalou aqui. Mas a contar com a
lógica da subserviência implantada e sus-
tentada na base da corrupção, no sentido
tanto monetário quanto jurídico, instituci-
onal, atávico. E acompanhado por nós, as
atividades de inúmeros processos políti-
cos, sociais e culturais, e vistos e sentidos
na extensão universitária, vide o Projeto
Coroatá de Incubação Empreendimentos
de Projetos Culturais Solidários (UFPA /
2015/ 2016) nos últimos anos. Assim é
muito difícil se chegar à conclusão de
avanços ou de coisa do gênero, frente ao
vasto estado de debilidade dessas tantas
políticas-promessas-públicas, vide o acele-
rado processo de desmatamento, a princi-
pal ferida da Região. As lutas. Essas sim
se destacam! Ainda estamos a lutar! Mas
pra especificar um ângulo: tudo na Ama-
zônia é Incrível! Mas sua destruição e
abusos sofridos a deixam triste e feia!,
quando se as páginas de tristeza de vi-
das ceifadas na Região. As lideranças indí-
genas e Quilombolas. O assassinato de
Trabalhadores Sem Terra. Dorothy Stang,
Chico Mendes, Padre Josimo etc., etc., etc.
Abre-se aqui portanto uma condição esté-
tica e política. O que a faz feia é sua ges-
Luizan Pinheiro, Amazônidas: arte-música-poesia-pensamento-combate... em disparos potentes!
tão e as injustiças naturalizadas aqui. A
falta de cuidado, amor, como sentimento
de vida do lugar! Políticas decisivas sem
consulta aos que vivem e cuidam da Regi-
ão, e sobre o que pensam e acham... Polí-
ticas de gabinete. Planejamentos equivo-
cados e senso de desenvolvimento maléfi-
co. É difícil ver um sentido real de satisfa-
ção e felicidade, pois as políticas públicas
são fakes e repetíveis e agressivas no sen-
tido perverso de perversão pela destrui-
ção. No ensaio A UHE Belo Monte e Os Po-
vos do Xingu: repetindo histórias con-
tadas, de Antonia Melo Silva e Dion Márcio
C. Monteiro na Revista Terceira Margem
Amazônia (SILVA; MONTEIRO, 2012), elxs
são precisxs na afirmação: “Domar a
Amazônia é o desejo histórico de homens
e mulheres do Palácio do Planalto, ditado-
res e “democratas”. Nivelar os rios para
escoar o produto do agronegócio, liberar
os territórios indígenas e de populações
tradicionais para as grandes mineradoras,
construir hidrelétricas para garantir ener-
gia barata às indústrias nacionais e trans-
nacionais. Transformar matas e rios em
concreto é o projeto de desenvolvimento
pensado para a região. Neodesenvolvi-
mento impulsionando o neocolonialismo”.
Isto dito em 2012, data da publicação
mencionada, portanto, oito anos atrás.
Assim, a questão não é a beleza (em
sentido amplo do que a Estética permite)
e as coisas boas (inclusos todos os cam-
pos de conhecimento, saberes e fazeres
daqui). Poderíamos citar um caso: o Mu-
seu Emílio Goeldi e em seguida criar uma
lista de instituições incríveis. Instituições
reconhecidas nacional e internacionalmen-
te com seus acervos, estudos, produções
de milhares de pesquisas e publicações
que são fundamentais no conhecimento e
defesa da Amazônia. Mas sucateadas, pri-
vadas de recursos e manutenção, explo-
radas de diversas formas. O que tá na ba-
se de nossas lutas passa pela possibilida-
de de gestão das instituições com o com-
prometimento que nos cabe na responsa-
bilidade pela Região.
5.
É importante sempre, e por princípio, pen-
sar em expressões de felicidade na Ama-
zônia onde as políticas públicas nas diver-
sas áreas do meio ambiente à educação,
da segurança pública ao saneamento bási-
co, da economia à agricultura etc. a infeli-
cidade e a insegurança com a vida na
Amazônia passou a ser uma espécie de le-
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 13-30, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47225)
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gitimação da miséria tão grande quanto a
construção da Ferrovia Madeira Mamoré
nos anos 50 e da Rodovia Transamazônica
nos anos 70, expressões dessas políticas
de décadas. Podemos considerar que
mesmo que seja apenas uma espécie de
felicidade efêmera e ilusória, o nível de
destruição, enganação, mentira e abuso
dos poderes públicos e do estado indistin-
tamente quanto aos comandos partidários,
é a mesma lógica! A gigantesca ameaça
de extinção em curso está no núcleo con-
ceitual das formulações de políticas para a
Amazônia nas últimas décadas, não são
para a Amazônia. Ou talvez nunca tenham
sido... pra gente daqui, pra vida daqui.
Homens, mulheres, crianças, animais,
plantas, mares, rios, terras, florestas...
todos os seres viventes daqui e mais mil
etcs. O processo destrutivo, que podería-
mos chamar de A GRANDE ESTUPIDEZ
PLANETÁRIA, opera pelo princípio que es-
tabelece a destruição da vida como seu
fim último. Isto está provado na nocivida-
de sem precedentes presentes nas catás-
trofes ambientais da Região, sejam com
as UHEs quanto específicas (Serra Pelada,
Carajás, Tucuruí, Barcarena, Altamira etc.,
do Pará... afora Rondônia, Acre Rorai-
ma, Amapá, Amazonas... onde o surto de
desenvolvimento gerou grandes áreas de
miséria e doença), isso na trilha ambiental
desses últimos anos. Assim não parâ-
metro para medir tal estupidez! Seja pú-
blica ou privada!
6.
2020. A problemática da Amazônia no vi-
deogame inter/nacional acumula zilhões
de interesses e intervenções atravessando
décadas. estamos nós diante de mais
um governo de merda, pra usar uma ex-
pressão popular e cotidiana de des-
governança, a escoar pelos ralos da histó-
ria suas podridões indigestas. Uma tal le-
talidade do que pode aquela estupidez di-
ante da vida na Amazônia. O usufruto da
rapina atávica de seus degenerados capi-
tães do mato viciados em vilanias de capi-
tanias hereditárias. Faz-se de novo o
mesmo enredo enredado no tempo de
seus gestos miméticos. E para além des-
tes infinitos assédios de uma desgoverna-
bilidade senil em direção à Região, abre-
se no palco da floresta a nova cena que
encena os novos ares, ou melhor odores,
dos maiores bancos privados em atuação
no país: Itaú, Bradesco e Santander. A
”novidade” é uma agenda de sustentabili-
Luizan Pinheiro, Amazônidas: arte-música-poesia-pensamento-combate... em disparos potentes!
dade. O capital dizendo ao governo “ou
preserva nossas (no sentido do capital-
posseiro) riquezas ou não investiremos
nos seus projetos”. Quac! Grita o Pato
Donald Trump numa ironia triunfal. O in-
vestimento privado nos projetos do go-
verno pra Amazônia tem agenda e ditam-
nas ao governo sobre as novas políticas
ambientais e outras (não sei quando foi
diferente!). “Os banqueiros contaram que
os empréstimos e investimentos que farão
na Amazônia respeitarão essa agenda de
sustentabilidade. O negócio bancário ago-
ra é assim. A intenção, por exemplo, é
apoiar as hidrovias. Os projetos que res-
peitam comunidades locais, os indígenas e
ribeirinhos, também se encaixam no pla-
no. As cadeias de negócio de produtos da
região, como açaí e cacau, serão apoia-
dos. São cadeias de negócio que geram
renda local e convivem bem com a flores-
ta”
4
. Discurso saído da reunião do Conse-
lho Nacional da Amazônia. Parece assus-
tador? Que nada! Compare com a citação
da nota de rodapé 1. Mas é mais do mes-
mo, nada do que outras mentes brilhantes
do passado não tenham pensado. Talvez
não com outros termos da moda de
2020: SUSTENTABI-LIDADE. Agora é pa-
gar pra ver! Pois, na medida em que não
deve haver na agenda a possibilidade de
uma expressão de felicidade, onde as polí-
ticas públicas para as diversas áreas: do
meio ambiente à educação, da segurança
pública ao saneamento básico, da econo-
mia a agricultura etc., a infelicidade e a
insegurança da vida na Amazônia passou
a ser, por décadas, uma espécie de ex-
pressão da legitimação e naturalização do
princípio destrutivo de base epistêmica e
endêmica institucionalizado desde o pro-
cesso de colonização quinhentista, o que
me faz lembrar de Ailton Krenak numa fa-
la na UFF, em 2019: “eles nos colonizaram
e nos deixaram colonizando uns aos ou-
tros...”. Ei, não intervalo nas cenas?
Então chamemos os cantadores!
7.
Quatro canções de combate...
Saga da Amazônia
5
(Vital Farias)
O poeta e cantador paraibano Vital Farias
dispara uma canção num viés crítico e de
resistência em defesa da Amazônia pela
potência da Saga, no disco Cantoria 1. Um
ajuntamento de 4 cantadores da mais alta
qualidade da Música Popular Brasileira: Vi-
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tal Farias, Elomar, Xangai e Geraldo Aze-
vedo. Em Saga da Amazônia, todos os
elementos expostos na narrativa caracte-
rizam uma poética de combate, revirando
as vísceras dos procedimentos abusivos
em relação a floresta. De décadas em dé-
cadas os personagens são os mesmos a
repetirem o processo destrutivo e explora-
tivo da Região. O cantador dispara na
abertura da canção os versos de... a cita-
ção do poeta e cantador François Silves-
tre: “só é cantador quem traz no peito a
cor e o cheiro da sua terra, a marca de
sangue de seus mortos, e a certeza de lu-
ta de seus vivos”, marcando a posição e
força do cantador no abraço do seu tema.
Na direção que Euclides Farias também
comenta em sua crônica musical e cultu-
ral, que a “Função social da arte, a si-
ca-denúncia de Vital não tem ranços nem
faz coro a cantilenas de ongs secretamen-
te subvencionadas por laboratórios farma-
cêuticos e cosméticos. Está focada no
drama humano, em cada árvore que tom-
ba, em cada bicho que morre. “Se a flo-
resta, meu amigo, tivesse pra andar,
eu garanto, meu amigo, o perigo não ti-
nha ficado lá”, aposta o cantador.
6
O que
explicita de forma radical a força do canci-
oneiro brasileiro, a condição do lugar da
canção de protesto na tradição de nossa
MPB. Vital traz todos os elementos da si-
tuação em que a Floresta Amazônica se
encontra no processo de devastação insti-
tucional. E estes escritos (o disco é de
2007); do século XXI indica o caminho de
destruição imperante na Região. Estamos
inseridos num amplo processo destrutivo,
pois se as políticas ambientais e de prote-
ção não são cumpridas, aplicadas e os
destruidores não são punidos, opera-se
numa lógica institucional pelo prisma da
ausência e subserviência ao modelo de
progresso dizimador e rapineiro. A Saga
da floresta continua nestes anos 2000... E
se aprofunda de governo em governo...
deixando as Veias Abertas da América La-
tina cada vez mais abertas e sangradas...
Escute!
Saga da Amazônia
7
(Vital Farias)
Luizan Pinheiro, Amazônidas: arte-música-poesia-pensamento-combate... em disparos potentes!
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 13-30, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47225)
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8.
Matança (Augusto Jatobá)
8
(Xangai)
Outra canção importante que demarca o
território de combate e denúncia da des-
truição e devastação da Floresta Amazôni-
ca é Matança, composição de Augusto Ja-
tobá e executada pelo cantador e violeiro
Xangai no mesmo disco Saga da Amazô-
nia: Cantoria 1. É uma profunda demons-
tração de que nem dos livros acadêmi-
cos e científicos de Botânica pode-se ter
acesso às riquezas das florestas brasilei-
ras.
9
Isto nos leva a perceber o tanto de
espécies que Xangai canta e reverencia na
sua infinidade gigantesca como a que a
mãe natureza nos ofertou, e encontra na
Amazônia um dos seus berços esplêndidos
de quantidade e qualidade que temos país
afora. Do mesmo modo que o pau-brasil
fora levado daqui, inúmeras espécies da
flora brasileira têm sido traficadas, rouba-
das e negociadas com a bênção de um
modelo de descontrole pela vida das espé-
cies que nos são caras em seu sentido
biológico: bio (da vida das florestas e es-
pécies) e lógico (do valor racional e cientí-
fico para sobrevivência do planeta). Muitas
impossível replantar, como cantam Jatobá
e Xangai. Essa biodiversidade vegetal e
arbórea, que é expressa de forma contun-
dente em Matança, produz uma incrível
posição de músicos e cantadores, musicis-
tas e cantadoras... sensíveis às condições
das florestas brasileiras. Artistas que sa-
bem sua posição política, neste caso na
música brasileira, e a potência de suas fa-
las artísticas-musicais-poéticas porradas.
Afirmações necessárias frente ao processo
de dizimação acima mencionado, tanto
quanto as pesquisas científico-acadêmicas,
pois não há, a nosso ver, hierarquização e
valoração entre conhecimento e saberes à
medida em que o que nos interessa é a
potência de suas formulações. E, assim,
Matança chega com essa distribuição críti-
ca resistente a formular uma Mostra das
espécies que nos cercam e são dia a dia
destruídas...
Matança
(Augusto Jatobá)
(Xangai)
Luizan Pinheiro, Amazônidas: arte-música-poesia-pensamento-combate... em disparos potentes!
9.
Queimadas (Mestre Lourival Igarapé)
Um modo de ser e ver não menos trágico.
A força da cultura popular, da música,
mais especificamente do carimbó. O ritmo
mais popular e potente que, na sua tradi-
ção e percurso histórico, reflete e revela a
vida das gentes deste Norte. Na visada de
Mestre Lourival Igarapé, a sensibilidade
explosiva que se situa num lugar funda-
mental de sua lavra: Queimadas: sua mú-
sica mais famosa. Gravada em 4 discos.
10
É denúncia e crítica em estado puro. Um
homem do Norte. Um mestre de carimbó
e compositor da Amazônia coloca sua mú-
sica e poesia a favor da vida! Sob a pers-
pectiva do bem-te-vi, pássaro ativo nas
matas daqui, com seu canto lindo, sente o
impacto das florestas em chama e as con-
sequências do que é a destruição da flo-
resta e seus mananciais e fontes de vida.
Mestre Lourival canta como um bem-te-vi,
pois viu de perto em suas andanças o que
tem sido a sina da Amazônia, sem prote-
ção e força. Mesmo em sua tristeza pro-
funda ainda dispara versos em que a es-
perança por um mundo de gente melhor
aconteça:
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 13-30, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47225)
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Mestre Lourival não desiste... sabe que as
coisas estão difíceis pra nós amazônidas,
que colecionamos imagens de destruição e
tristeza por todos os cantos da Região. E
sempre atento às coisas da Amazônia, não
deixa de pensar e inventar criticamente
seus versos, como faz em Pajezinho:
Os cantadores, atentos ao processo inin-
terrupto de dizimação da Amazônia, não
têm seus dias tranquilos e marcam posi-
ção em canto e grito, resistentes e comba-
tivos na direção dos abusos sofridos pela
floresta, que a cada ano se acaba mais,
em políticas sujas e labaredas de fogo!
Queimadas
(Mestre Lourival Igarapé)
Luizan Pinheiro, Amazônidas: arte-música-poesia-pensamento-combate... em disparos potentes!
10.
Em Barcarena, Ê Boi!
(Luizan Pinheiro)
E o olhar da arte, da música e da poesia
por sobre as temporalidades produzem
uma gigantesca exposição de questões de
que nós amazônidas sabemos seus impac-
tos e consequências. São temáticas a céu
aberto. Expondo e projetando o cenário de
devastação e tragédias humanas e ambien-
tais que são a tônica neste Norte. Não só a
miséria que os Projetos das mineradoras
Albrás e Alunorte décadas trouxeram
para o município; porque desenvolvimento
mesmo, só o planejamento da Vila dos Ca-
banos (ironia do nome), para atender aos
funcionários das fábricas. E em termos de
condições estruturais nesses anos de proje-
tos, não eram mais para existir os bolsões
de miséria, a falta de estruturas em diver-
sas áreas: saneamento, transporte, saúde,
educação etc. Compromissos, acordos e
convênios de governos federal, estadual e
municipal, e o capital estrangeiro deixa
sempre a marca da gestão e responsabili-
dade como práxis da miséria. A população
sempre esteve submetida às condições
precárias nessas áreas. E é claro que seria
possível, mas ao mesmo tempo espantoso,
quiçá suspeito, pensar Barcarena como
uma cidade muito mais avançada e estru-
turada que outras em vista do poder eco-
nômico gerado no município. Aquilo que fi-
ca como marca do desenvolvimento para a
comunidade local são suas feridas ambien-
tais, processos judiciais, cestas básicas in-
versamente proporcionais ao enriqueci-
mento e escoamento da produção dos in-
vestimentos estruturais pro capital. E, nu-
ma inferência referencial de tragédias am-
bientais absurdamente grotescas, optamos
por pensar musicalmente o acontecimento
de 2015: o naufrágio do navio Haidar em
Vila do Conde/Barcarena, com 5 mil bois
vivos.
11
Pedimos aqui licença a Reuters e
ao fotógrafo Tarso Sarraf, que neste clic
revela o cenário deprimente da catástrofe.
É o retrato do que a Amazônia está subme-
tida na irresponsabilidade dos operadores
do capital.
Compomos no estilo de boi, estilo musical
que faz parte do universo cultural popular
daqui do Pará. E no processo de criação
fizemos referências e homenagens à mú-
sica daqui com Embarca Morena Embarca,
gravada por Pinduca
12
:
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 13-30, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47225)
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27
Os Beatles, com Well, shake it up, baby. E
finalizando com Ninguém Gosta Mais Desse
Boi do Que Eu, de Carlos Paulaim, lá de Pa-
rintins (Amazonas). O trabalho poético-
musical mantém a pegada crítica e política
que nos cabe para mostrar O quê que se
faz nesse Estado de Morte a Barca na Are-
na vendilhões do templo exploram e rou-
bam até não se fartar”... Tudo aqui ressoa
a destruição, o desrespeito, a rapina, a
agressão... E para além das possibilidades
das belezas que nos envolvem e definem, é
fundamental mantermos a resistência e o
combate frente ao processo de genocídio
institucional que aqui se instalou e se insta-
la. Arte, vida e luta o sempre estar aqui,
ressoando nossa tradição cabana, tradição
política, artística, cultural, musical.
Em Barcarena, Ê Boi!
(Luizan Pinheiro)
Fig. 1 - Carcaças de bois se espalharam pelas praias da região após o naufrágio do navio Haidar, que seguia
para a Venezuela carregado com cerca de 5 mil animais e naufragou no porto da Vila do Conde, em
Barcarena (Foto: Tarso Sarraf/Reuters).
Fonte: http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2016/10/naufragio-de-navio-com-5-mil-bois-vivos-em-
barcarena-completa-um-ano.html
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 13-30, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47225)
.
29
Notas
1
Meu mestre nos tempos da disciplina História Social
e Econômica da Amazônia, na Especialização em Edu-
cação e Problemas Regionais - ICED/UFPA, nos idos do
ano 2000.
2
Consideramos que a denominação da Amazônia Le-
gal “é uma área de 5.217.423 km², que corresponde a
61% do território brasileiro. Além de abrigar todo o
bioma Amazônia brasileiro, ainda contém 20%
do bioma Cerrado e parte do Pantanal matogrossen-
se. Ela engloba a totalidade dos estados do Acre,
Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Ro-
raima e Tocantins e parte do Estado do Maranhão.
Apesar de sua grande extensão territorial, a região
tem apenas 21.056.532 habitantes, ou seja, 12,4% da
população nacional e a menor densidade demográfica
do país (cerca de 4 habitantes por km²). Nos nove es-
tados residem 55,9% da população indígena brasileira,
cerca de 250 mil pessoas, segundo a FUNASA”. Dispo-
nível em https://www.oeco.org.br/dicionario-
ambiental/28783-o-que-e-a-amazonia-legal/ Acesso
em 7/10/2020.
3
O termo rapina era usado constantemente por Aluí-
zio Leal em nossas aulas e até hoje ficou na memória.
O expresso aqui. Grato, Mestre!
4
Disponível em https://blogs.oglobo.globo.com/mi-
riam-leitao/post/bastidores-da-reuniao-entre-
banqueiros-e-governo.html. Acesso em 7/10/2020.
5
Disco Cantoria 1. São Paulo: Edições KUARUP. 1984.
6
Disponível em https://www.facebook.com/photo.
php?fbid=213996532407016&set=a.110190752787595.
1073741828.100013900116137&type=3&theater.
Acesso em 7/10/2020.
7
Disponível em https://open.spotify.com/album/
5dHSwUkKnB5nrWFNkAmX9G?si=ud2RiHsqQZ2QiCGLcI
THBQ. Acesso em 7/10/2020.
8
Disponível em https://open.spotify.com/album/
5dHSwUkKnB5nrWFNkAmX9G?si=ud2RiHsqQZ2QiCGLcI
THBQ. Acesso em 7/10/2020.
9
“Na Amazônia, nada é tímido. Ao contrário, tudo
parece tomar proporções míticas: o maior bioma do
Brasil cobre um território de 4,196.943 milhões de
km², onde crescem 2.500 espécies de árvores 1/3
de toda a madeira tropical do mundo e 30 mil espé-
cies de plantas (das 100 mil da América do Sul). O bi-
oma representa mais da metade das florestas tropi-
cais remanescentes e compreende a maior biodiversi-
dade em uma floresta tropical no planeta.” Disponí-
vel em https://www.oeco.org.br/dicionario-
ambiental/28611-o-que-e-o-bioma-amazonia/. Acesso
em 7/10/2020.
10
Álbum Lauvaite Penoso (À Bença) - Ná Music/2017.
Carimbó Tamaruteua (Tamaru ProduSons-2019). Ton
Rodrigues: No Quintal da Carimbossa (2019).
11
Além desta tragédia em 2018, ocorreu o vazamento
de resíduos químicos da empresa mineradora norue-
guesa Hydro Alunorte. Mais uma catástrofe ambiental
sofrida pelas comunidades quilombolas e ribeirinhas
no município de Barcarena. Conferir https:// amazo-
niareal.com.br/vazamento-de-rejeitos-da-hydro-
alunorte-causa-danos-socioambientais-em-barcarena-
no-para/. Acesso em 7/10/2020.
12
Chamado de Rei do Carimbó, Pinduca é referência
do carimbó moderno da nossa tradição carimbozeira.
Mas o carimbó tem muitos reis: Lucindo e Verequete
são alguns deles. E rainhas: Bijica, D. Onete, Nazaré
do Ó...
13
“Ninguém gosta mais desse boi do que eu.” - Arras-
tão do Hino do Boi Caprichoso de Parintins, do com-
positor Carlos Paulain.
Luizan Pinheiro, Amazônidas: arte-música-poesia-pensamento-combate... em disparos potentes!
30
Referências
SILVA, Antonia Melo; MONTEIRO, Dion
Márcio C. A UHE Belo Monte e os povos do
Xingu: repetindo histórias contadas.
Revista Terceira Margem Amazônia, São
Paulo, v. 1, n. 2, p. 245-252, 2012. Dis-
ponível em http://revista-terceiramargem
.com/index.php/terceira margem/article/
viewFile/34/37. Acesso em 7/10/2020.
THE BEATLES. Well, Shake it Up, Baby.
Álbum: Please Please Me (1963)