Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 63-76, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47235)
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Minha Cor (É) Vermelha: performance como ritual,
imagem como pele da performance
Minha Cor (É) Vermelha: Performance as a Ritual, Image as
Performance Skin
Minha Cor (É) Vermelha: performance como ritual, imagen como piel
de la performance
Mapige Gemaque (Artista independente, Brasil)
*
https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47235
RESUMO: Este texto apresenta ações do momento ‘vivido’ na performance ritual
Minha cor(é)vermelha, em que o cor(po)lítico, ideológico e ritualístico busca com-
preender os dramas sociais vivenciados pelas pessoas que vivem e demarcam es-
paços na Amazônia, através de experimentos performáticos que criam conexões
com as particularidades sociais e antropológicas da vida amazônida e que atuam
como elementos de resistência, enfrentamentos e atravessamentos po(é)ticos,
pois é preciso (re)xistir para existir em alguns lugares dessa cartografia.
PALAVRAS-CHAVE: performance ritual; cor(po)lítico; Amazônia
*
Mapige Gemaque é artista visual e ativista, mora há 27 anos em Macapá e trabalha com diferentes linguagens artísticas.
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0588-5883. E-mail: mapigemapige@gmail.com.
Mapige Gemaque, Minha Cor (É) Vermelha: performance como ritual, imagem como pele da performance.
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ABSTRACT: This text presents actions from the “live” moment of the ritual per-
formance My Colour (Is) Red in which a political, ideological and ritualistic body
seeks to understand the social dramas experienced by people who live and de-
mark spaces in Amazon through performatic experiments that create connections
with the social and anthropological life of Amazon. They act as resistance ele-
ments, poetical struggles and crossings, because it is a matter of (re)existing to
exist in some places of this cartography.
KEYWORDS: ritual performance; cor(po)lítico; Amazon
RESUMEN: Este texto presenta acciones del momento "vivido" en la performance
ritual Mi color (es) roja. En esta, el cuerpo político, ideológico y ritualista busca
comprender los dramas sociales de las personas que viven y demarcan espacios
en la Amazonía, a través de experimentos performáticos creadores de conexiones
con las particularidades sociales y antropológicas de la vida en la Amazonía, ac-
tuantes como elementos de resistencia, enfrentamientos y cruzamientos
po(é)ticos, porque es necesario (re)existir en algunos lugares de esa cartografía.
PALABRAS-CLAVE: performance ritual; cor(po)lítico; Amazonía
Citação recomendada:
GEMAQUE, Mapige. Minha Cor (É) Vermelha: performance como ritual, imagem como pele da
performance. Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 63-76, jan./jun. 2021.
[https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47235]
Este documento é distribuído nos termos da licença Creative Commons Atri-
buição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC-BY-NC) © 2021 Mapige Gemaque
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 63-76, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47235)
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Minha Cor (É) Vermelha: Performance como ritual,
imagem como pele da performance
A performance Minha cor(é)vermelha
3
foi
uma das ações artísticas que estava pre-
sente como po(é)tica de enfrentamento
contra esse conflito social ocorrido na al-
deia. Através desse olhar, busquei inte-
grar o processo de criação em performan-
ce como ritual, imagem como pele da per-
formance. Na fugacidade do (ins)tante,
não tinha como fugir. A imagem, assim
como a pele, se encontraram em momen-
to de ‘transe’ e invocaram a potência do
vivido, misturando cores, peles, conflitos,
Mapige Gemaque, Minha Cor (É) Vermelha: performance como ritual, imagem como pele da performance.
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conceitos, tecidos, dores e sentimentos,
em um ritual que se encontrou com quem
estava presente e construiu interações
mentais, físicas e visuais, (in) corpo-ação;
naquele momento, fui tomada pela ener-
gia emitida pela presença das pessoas,
pelo canto dos indígenas e pelas cenas
provindas do contexto social.
A rua estava fechada, a cena continuava
tomada por várias ações artísticas e a per-
formance Minha cor(é)vermelha aconteceu
na presença simbólica das pessoas que se
conectaram com meu corpo e com a mi-
nha mente. Tudo começou a fluir. Tive a
sensação de receber uma energia trans-
cendental que envolveu o meu corpo. Era
como se a floresta estivesse em mim e eu
nela. Os dois planos estavam entranhados
em minha corpo(re)idade: a arte do mo-
mento e a cena espiritual. Assim, essa
presença trazia para o ritual o drama soci-
al vivido por todos que estavam ali. Eram
energias fortes, que transmitiam um esta-
do de leveza e estabilidade espiritual. Veja
a presença do ritual vivido no registro fo-
tográfico a seguir.
A performance se alargou e o ritual per-
formático tomou a cena cotidiana do lu-
gar. O tecido branco foi ‘(des)dobrado’ so-
bre a rua, (de)marcando um espaço re-
tangular, como um gesto simbólico de
alerta e ao mesmo tempo de enfrenta-
mento aos conflitos de terras indígenas no
Brasil. No centro do tecido, um recipiente
com urucum e tinta corporal na cor ver-
melha e o corpo performático, que criava
os rituais carregados de singularidades e
simbologias culturais, provocando uma
experiência limítrofe da existência, uma
transgressão dos limites cotidianos no
campo da antropologia da performance, e
o corpo sendo identificado como sagrado
pelo vivido.
Nesse momento, o corpo surge como pre-
sença da performance-ritual, entre vivên-
cia e experiência no campo da antropolo-
gia, tecendo uma conversa com elementos
do cotidiano indígena, com os aconteci-
mentos amazônidas, entre realidades,
mistérios e as simbologias da cor verme-
lha. Rituais performáticos presentes nessa
performance, de resistência, enfrentamen-
to e de luta contra essa guerra de PODER
político, econômico, social, agrário, étnico,
identitário, de gênero etc., que o povo
amazônida enfrenta cotidianamente em
seu território.
Fig. 1 - Mapige Gemaque, Minha cor(é)vermelha, 2019. Foto: Alinne Brito.
(Fonte: Acervo da autora)
Mapige Gemaque, Minha Cor (É) Vermelha: performance como ritual, imagem como pele da performance.
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E essa experiência levou-me a mergulhar
de corpo e alma nos processos performáti-
cos que estavam entranhados em minha
pele. Esse processo/estado de entranha-
mento conduziu-me à licença poética que
me permite a fala/performance do proces-
so vivido. E o texto abaixo, ora literário,
ora poético, ora investigativo, se mescla
em sensações de processos pesquisantes
e torna-se um registro deste entranha-
mento:
Nesse momento, utilizei a licença poética
para dizer que, em estado de ritual-
performance, recebi as energias do povo
da floresta e fiz uma viagem-performance
com as forças (in)visíveis da Amazônia,
onde enfrentei as injustiças, as invasões
de terra, o (des)matamento, a disputa por
territórios, a ocupação (des)ordenada das
terras indígenas por (in)vasores e as (des)
igualdades sociais, em tempos de guerra
pela terra e pelo (de)voramento da Ama-
zônia, através da minha po(é)tica, que
atuou como arma contra essa guerra.
Minha cor(é)vermelha fala dos conflitos
que o povo vivencia neste lugar e que
ainda estão (in)visíveis aos olhos do
PODER. Sob o olhar poético, a cor verme-
lha expressa o sangue que forma a vida, o
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 63-76, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47235)
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nascimento e a energia que vêm do uni-
verso. Nos (entre)cruzamentos culturais, o
vermelho é a cor dos indígenas, que apre-
senta valores culturais, sociais, ritualísti-
cos, espirituais e, ao ser pintada nos seus
corpos, através dos grafismos, estabele-
cem significados que variam de acordo
com os rituais e valores de cada etnia
5
.
Em meio ao “drama social”
(TURNER,
2008) ocorrido na terra indígena e das no-
tícias que traziam sentimentos de ameaça
e (ins)tabilidade, entre dor, medo e misté-
rio, realizei a performance como ritual pa-
ra aproximar a po(é)tica dos acontecimen-
tos e das relações humanas e sociais que
tínhamos construído com os nossos ‘pa-
rentes indígenas’, que vivem e cuidam dos
seus territórios de acordo com os rituais e
tradições pertencentes às suas etnias. Co-
tidianamente, dia após dia, em cada en-
contro, fazia anotações sobre as ações e
sentia o drama que vivíamos de forma di-
nâmica, simbólica, interativa e temporal,
carregados de sentimentos, tensões, emo-
ções e resistências políticas e sociais.
Fatos presentes na minha po(é)tica através
da antropologia da performance, como uma
memória viva que estava além do campo
das ideias, ou seja, que saiu do campo da
memória, se entranhando no meu corpo
como pele da performance, nos objetos e
simbologias utilizados ao longo do processo
perfortico, criando relações com o lugar e
com os elementos que se ligam à floresta,
às forças que vem do Rio Amazonas e que
se mescla ao vermelho da vida, através da
performance de enfrentamento em suas
águas imaginárias, em busca de força e de
novos tempos para os povos que vivem na
Amazônia.
Considero, enfim, que a performance Minha
cor ) vermelha foi um “ritual” que articu-
lou de forma simbólica e dratica um mo-
vimento de luta, (re)sistência e de enfren-
tamento contra os (des)mandos sociais e as
ações de violências praticadas contra os po-
vos que vivem e fazem a Amazônia. De
acordo com as experiências e particularida-
des vivenciadas durante as ações do movi-
mento social, percebi que é preciso (re)xistir
para existir nas terras amanicas e, assim,
continuar lutando por mais direitos à vida e
ao território. Pelo fim da violência, da grila-
gem e da (re)preso! Por fim, Minha cor
) vermelha pela vida e pelos povos que
vivem, (re)inventam-se e lutam pela (so)
brevivência na Amazônia!
Fig. 2 (e subsequentes) - Mapige Gemaque, Minha cor(é)vermelha, 2019. Foto: Alinne Brito.
(Fonte: Acervo da autora)
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 63-76, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47235)
.
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Mapige Gemaque, Minha Cor (É) Vermelha: performance como ritual, imagem como pele da performance.
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Notas
1
Disponível em https://politica.estadao.com.
br/noticias/geral,lider-indigena-e-morto-a-facada-
no-amapa-po liticos-veem-acao-de-garimpeiros,
70002942614. Acessado em 1/7/2020.
2
Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/to-
picos/10730517/inciso-xv-do-artigo-5-da-
constituicao-federal-de-1. Acessado em 10/1/2020.
3
Faço isso nos meus textos quando uso expres-
sões/palavras poéticas referentes aos processos de
criações em arte, separando-as com hífen, barra e
parênteses, baseada nas propostas de Rangel (2015) e
na pesquisa A/r/tográfica, que permite essa licença
poética ao professor-artista que constrói sentidos so-
bre a sua prática no espaço da escola.
4
Disponível em https://selesnafes.com/2019/12/ca-
so-emyra-wajapi-e-arquivado/. Acessado em
2/7/2020.
5
Disponível em http://g1.globo.com/to/tocantins
/noticia/2015/10/pinturas-indigenas-apresentam-
identidade-de-cada-etnia-nos-jmpi.html. Acessado
em 1/3/2019.
Referências
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In DIAS, Belidson; IRWIN, Rita (Org.)
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a/r/tografia. Santa Maria: Editora da Uni-
versidade Federal de Santa Maria, 2013,
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NUNES, Roberson. Haikay e performance:
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da Universidade Federal de Minas Gerais,
2016.
RANGEL, Sonia. Trajeto criativo. Lauro de
Freitas: Solisluna Editora, 2015.
SCHECHNER, Richard; LIGIÉRO, Zeca
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Richard Schechner. Rio de Janeiro: Mauad,
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TURNER, Victor. Dramas, campos e me-
táforas: ação simbólica na sociedade hu-
mana. Niterói: Editora da Universidade
Federal Fluminense, 2008.
TURNER, Victor. From Ritual to Theater:
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York: Publications Book Performance
Studies, 1982.