bem grande, tinha uns degraus, e sentei
no batente para somente ver... e vi... para
onde virava eu via uma fotografia pronta,
exata, precisa. Eram pequenos estalos si-
lenciosos e desconhecidos. No sol forte,
mulheres chegando de preto e rosários de
contas azul branco; a metade de um rosto
me olha, mas vejo os braços dela, que
carregavam a criança; o retratista arru-
mando o cavalinho no fundo estampando;
um mundo de coisas atravessou na minha
frente... um homem grande andou em di-
reção ao meio do largo, outros vieram
juntos, ele usava chapéu e timão de couro
bordado e carregava o bacamarte pratea-
do que brilhava no sol. Eles levantaram as
mãos... estouros e saraivadas de balas no
ar. O salve para Nossa Senhora das Do-
res. As fotografias mais lindas que eu
nunca fiz, talvez. Mas eu as vi. Elas se
movimentavam na minha frente, vivas.
Juazeiro foi para mim um dos lugares
mais competentes para se fazer imagens,
as personagens mais lindas, fortes histó-
rias impregnadas em cada pedaço de pele,
no tecido surrado, escuro, nas contas,
brincos, anéis e moedas, nas suas rugas
marcadas pelo sol... Pessoas de poucos
recursos materiais, empobrecidas, de lu-
gares longes e espalhados, que habitavam
a paisagem e compunham o cenário dese-
jado e explorado pela hipocrisia da estéti-
ca da miséria. Elas estavam ali, prontas a
serem alçadas ao status de imagem exóti-
ca, sem que nunca soubessem qual livro,
filme, ou exposição de fotografias exibiu
seus mundos, corpos e rostos.
Penso sobre a naturalização do ato de fo-
tografar nesse tempo de tantas imagens,
autofotografias, selfies obsessivas e bana-
lizadas. Como desconsiderar o lugar de
poder de uma imagem que se ampara no
espaço que ocupa e no fetiche que suscita,
no deslocamento ou naquilo que constitui
o caráter de uma imagem? Imagens se
deslocam como vento. Corpos não. Eu
preciso estar diante de alguém para man-
ter esse contato e viver essa experiência
como a que experimentamos, agora, aqui
nessa conversa entre nós... Eu diante de
vocês. Minha fala se constitui da tentativa
em pensar sobre histórias cristalizadas,
narrativas criadas sem pensar em outras
histórias ou em contranarrativas (outras
narrativas). O historiador da arte alemão
Hans Belting nos contou que a invenção
da perspectiva linear foi o grande aconte-
cimento reforçado pela invenção da foto-
grafia, que potencialmente alterou a cultu-