Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 91-104, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47237).
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Búfalo Antigo - ou Gabriel e outras orquídeas no bolso
Old Buffalo - or Gabriel and Other Orchids in the Pocket
Búfalo Viejo - o Gabriel y otras orquídeas en el bolsillo
Charles Trocate (Sociedade Editorial iGuana, Brasil)
*
https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47237
RESUMO: Búfalo Antigo ou Gabriel e outras orquídeas no bolso, de Charles Tro-
cate, explora com sensibilidade aguda o modo de ser do humano em processo de
de-composição em diversos níveis e estados. Transa memórias e lembranças que
compõem sua matéria poética, dando a ver o mundo em estranhezas e belezas ao
mesmo tempo em que critica, resiste e combate pelos versos as densidades do
humano.
PALAVRAS-CHAVE: poesia; memória; resistência; combate
*
Charles Trocate é escritor, filósofo e militante político. Editor da Sociedade Editorial iGuana, é membro da Academia Sul Paraense
de Letras. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1812-9219. E-mail: charlestrocate@hotmail.com.
Charles Trocate, Búfalo Antigo ou Gabriel e outras orquídeas no bolso.
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ABSTRACT: Old Buffalo or Gabriel and Other Orchids in the Pocket, by Charles
Trocate, explores with a sharp sensibility the human being in our several levels
and stages of (de) composition. Meshes memories and recollections that compos-
es his poetic matter, opening a world of odds and beauties at the same time as
criticizes, resists, and fights the human densities through verses.
KEYWORDS: poetry; memory; resistance; combat
RESUMEN: Búfalo Viejo o Gabriel y otras orquídeas en el bolsillo, de Charles
Trocate, explora con aguda sensibilidad la forma de ser del ser humano en proce-
so de descomposición en muchos niveles y estados. Transita los recuerdos y las
memorias que componen su materia poética, dando a ver el mundo en extrañeza
y belleza mientras critica, resiste y lucha a través de los versos las densidades del
ser humano.
PALABRAS-CLAVE: poesía; memoria; resistencia; combate
Citação recomendada:
TROCATE, Charles. Búfalo Antigo ou Gabriel e outras orquídeas no bolso. Revista Poiésis, Ni-
terói, v. 22, n. 37, p. 91-104, jan./jun. 2021. [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47237]
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Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 91-104, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47237).
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Búfalo Antigo - ou Gabriel e outras orquídeas no bolso
envio-te meu amor uma recomendação
faz dos teus ossos
a -guerrilha da estepe-
o cacto daquele solo antigo que um dia nasceu tua
[ira
ela é o semblante dos que ficaram impacientes!
Bilbao, País Vasco
Novembro de 2019
Charles Trocate, Búfalo Antigo ou Gabriel e outras orquídeas no bolso.
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o interlocutor questiona meu estilo literário
difícil e lento no
[tempo
sua forma anticonjuntural que não se emociona
com a alegoria que outros chamam de luz-admito
confesso com o defeito que o conceito explica-
nada tenho a ver com isso
pressinto o som da chuva naquela casa de tábua
vinha do Oeste o rio que me fazia menino
escrevo com a emoção da minha mãe
que me chamava para ler aquelas letras que não sabia imaginar
onde sucumbia seu analfabetismo
era a minha primeira revolta
digo a todos- ela é meu estilo literário
depois vieram os livros e aquilo que fica depois da vírgula
a luta e um jeito de namorar que se explicam
daquela experiência de soprar redemoinhos.
Berlim, Alemanha
Novembro de 2019
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 91-104, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47237).
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a Grã Bretanha era o império terminou os dias
passando o chapéu em Washington
os EUA arruinaram os índios Sioux
e explodiram o iluminismo
a época da consciência seu fim de onde rondam os
[monstros
perdeu-se o bonde e o brinde
e o alfinete da roupa no atelier o aço em Paris ou em Arcoverde
é faca assassina mata dançando a
[bailarina!
Confins [MG]
Agosto de 2019
Charles Trocate, Búfalo Antigo ou Gabriel e outras orquídeas no bolso.
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pela madrugada
o sal na moleira
e o ícone daquela geração
[soberba
prefere a lama
ante à água
com mãos mecânicas regozijam a
[geologia
daquela serra outonal
[em íntimo duelo
arrasto pela lírica-o toldo sangue e a economia
dos seus abismos que predam corações]
senhores essa sintaxe masculina do poder
o apregoado dos olhos denota
é o favo agudo que estrondas a pedra
[derradeira
os afazeres do grito
o alfazema do jardim e teu pulso
o relicário antigo
a criança que já não podemos ver o gesto
vaga em ordem alfabética um silêncio
chega-gritará os outros?
a estética do ferro desbotou o horizonte
e os cadáveres
implicarão novos dízimos
outras violetas que a nação
[apodrecem
eu beijei
um a um membro efetivo da canga mineral são os animais que bestializamos
e tornamos sal e estrume esquecidos no objeto industrial.
Brumadinho [MG]
Fevereiro de 2019
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para Alessandra Munduruku
as razões têm púcaro que cada um carrega em voga obstinada
o corpo Indígena
em talheres de prata enfeitam
terra adentro-minas que desaguam tormentas
os apelidos da fantasia o sermão da mercadoria
o que bendizer do teu olhar luminária a raça das borboletas
a solidão do búfalo resinas na filosofia?
o corpo é pedra e voa vem vamos ouvir tudo pelo progresso a fada descalça
o sofrimento canta
em meu solo de açafrão
o corpo tangido da música
calo a voz pelo infinito da rebelião!
Imperatriz [MA]
8 de setembro de 2019
Charles Trocate, Búfalo Antigo ou Gabriel e outras orquídeas no bolso.
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para Pedro Carrano
este arremedo de tempo
arde no ar sutilezas a avó que não tive quando a infância era arrozais
costura paciência na gritaria
quase que por nada tilintamos o ovo da serpente
ajoelho no encanto
em tom de dúvida pequenos segredos são iscas
[famintas!
as lutas calejaram meus camaradas os que se foram sorrindo
os que suspiram fuligem polindo teorias
eu não duvido a condição humana é lírica-um bilhete arremessado
se me resta olhar a fotografia na parede penso
em Bernardo se despedindo para ser adulto a miúda letra do livro
manhãs recíprocas entre mãos e alfombras toda modernidade da
[velhice
a dialética perturba o voo da mosca outras obsessões de
[cavaleiros
que o poder levou ao poder
Cidade de São Paulo [SP]
5 de setembro
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Para Maria Helena Rauta
com suas plantas o oxigenismo dos livros
cria e faz-me delirar: o objeto válido
da vida é a idade
nada receia as rugas há apenas o sentimento
e sua fugaz contenda que os besouros alertam
a montanha e seus interstícios atravessando o todo
[perplexo
da sua casa averigua a economia e sabe que os oligarcas sorriem
expulsa com a palavra os antípodas porque não há mais a espera contida
do uivo do lobo de soleira
com ela eu prefiro o desmantelo da gargalhada em mar prático
a nau da insônia-onde pontua a chance dos pássaros.
Charles Trocate
Anchieta [ES]
4 de março de 2019
Charles Trocate, Búfalo Antigo ou Gabriel e outras orquídeas no bolso.
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festejo
no interior dos lugares o relicário que lá existe
a viagem desplanejada como quem não tem coragem de fazê-la
amo com um amor trôpego de tudo
e rezo pelos cemitérios
nos olhos do país
os mortos caminham pavilhões de metais
amo com o amor trôpego do mundo
o boi é a soma dos hectares assimilados quando traduzo Valéry
e pela palavra possa despossar currais
Porto Velho [RO]
Abril de 2019
experimentei o início do século já nem sei
as cifras que capitulam o planeta
a inutilidade do desejo
a fanfarrice dos inimigos a valentia do
[soldado
se tivesse que escolher um outro nome
me chamaria Joaquim Amador!
os iludidos sorrindo outros em luta no final da terceira república
algum nervo na labuta é o ano que não termina nos próximos
Salvador [BA]
Março de 2019
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a chaminé
e briga pela primeira palavra
eu vivo assim-borboleta empoeirada
estes dias que a política é gambiarra e soberba de delfins
onde cabe a palavra inteira do jardim?
a emblemática
o pão do privilégio e a faca
a renitência sabe chamar também
lixo de musa
dicionário de medusa
andar no futuro com perna de pau quando tudo for
[dúvida
ensanguentado na peleja
aquela boca antiga ainda beija!
Vitoria [ES]
Fevereiro de 2019
Charles Trocate, Búfalo Antigo ou Gabriel e outras orquídeas no bolso.
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em Altamira
gargantas cortadas
esta álgebra amazônica é renitente
os lobos enfezados
notícia o jornal antes da
[chuva
os corpos agora deliram a política dos vivos
aquele rio Xingu apoteose dos animais
criou o presídio as facetas do crime
modernizou a morte!
52 miseráveis vingados pela espera
16 decapitados a resina da velha árvore!
Ribeirão das Neves [MG]
Julho de 2019
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os homens não podem ser empregados
falava o economista inglês
outros animais também não a psicologia da
[fábrica
objeto de desejo e o pé saltita
- a insana busca dos prazeres
no editorial se combinam a essencialidade dos
[verbos
a vida é uma coleção de inveja reclama
a teoria de auto ajuda e o anúncio da etiqueta
de boa Drummond mandaria nudez pelo mineral do whatsapp?
diria a psicanálise
muito da ecologia da palavra!
Amsterdam, Holanda
Novembro, 2019
Charles Trocate, Búfalo Antigo ou Gabriel e outras orquídeas no bolso.
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cinco peças de roupas é o meu arsenal confrontado
elas me fazem elegante e observado pelo que comento
não me nego a usar o colírio
e um a um pondero meus 42 anos em arrepios
falando de mim talvez eles entendam o que é o povo
os que souberam da viagem não levarei presentes
é uma experiência andar pelo mundo cheio de mamutes plastificados
devolver aos jardins os sons dos peixes sutis
liquidar intrigas
falei alguma coisa de geologia
a pedra ramalhete que querem triturar
Bilbao, País Vasco
Novembro de 2019