Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 137-149, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47256).
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Mulheres de Fogo
Women of Fire
Mujeres de Fuego
Roberta Tavares (Poeta independente, Brasil)
*
https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47256
RESUMO: Mulheres de Fogo é o poema que nome ao zine (minilivro artesanal
independente) de Roberta Tavares e que teve sua primeira edição em 2018, com
grande repercussão e circulação na cidade de Belém e para além dela, o que le-
vou a montagem da segunda edição em 2019, e terceira em 2020, colocando em
xeque a ideia de que as pessoas não compram, não leem ou não se interessam
por poesia ideia que, segundo a poeta, talvez tenha mais a ver com monopólio
de mercado editorial e suas consequências do que propriamente com a poesia em
si. Mulheres de fogo foi o poema da publicação independente mencionada que
mais se tornou conhecido, lido e declamado por diferentes mulheres em diversos
lugares.
PALAVRAS-CHAVE: poesia independente; circulação e repercussão
*
Roberta Tavares é poeta e historiadora afroamazônida, autora do poema Mulheres de Fogo publicado no zine com mesmo título em
2018. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8018-7490. Email: robertatavares07@yahoo.com.br.
Roberta Tavares, Mulheres de Fogo.
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ABSTRACT: Mulheres de fogo is the poem that names Roberta Tavares’ zine
(handcrafted independent minibook). The first edition was in 2018, and after his
great performance and circulation not only in the city of Belém but beyond, a sec-
ond edition, in 2019 was assembled, just like the third in 2020. All this repercus-
sion puts in check the idea that people don’t buy, don’t read or even are not in-
terested in poetry. According to the poet, maybe this idea has more to do with
publishing market monopoly, and its consequences than properly with the poetry
itself. Women of Fire was the poem of the mentioned independent publication
that became the best known, read and recited poem by several women of several
places.
KEYWORDS: independent poetry; circulation and repercussion
RESUMEN: Mulheres de fogo es el poema que da nombre al zine de Roberta Ta-
vares (un minilibro artesanal independiente) y que tuvo su primera edición en
2018, con gran repercusión y circulación en la ciudad de Belém y más allá, lo que
llevó a la segunda edición en 2019, y la tercera en 2020, poniendo en jaque la
idea de que la gente no compra, no lee o no está interesada en la poesía - una
idea que, según la poetisa, quizás tiene más relación con el monopolio del merca-
do editorial y sus consecuencias que con la poesía en sí misma. Mujeres de Fuego
fue el poema de la publicación independiente mencionada que se hizo más cono-
cido, leído y recitado por diferentes mujeres en varios lugares.
PALABRAS-CLAVE: poesía independiente; circulación y repercusión
Citação recomendada:
TAVARES, Roberta. Mulheres de Fogo. Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 137-149, jan./jun.
2021. [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47256]
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buição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC-BY-NC) © 2021 Roberta Tavares
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 137-149, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47256).
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Mulheres de Fogo
Mulheres de fogo
Tu não sabes, mas eu sou aquelas mulheres de fogo
São aquelas mulheres de fogo o meu respirar
Essas mulheres de fogo do passado e do presente
Que pairam no escuro limpo de minha visão
Quando a insônia vem me lamber as espinhas
São essas mulheres de fogo o meu eu encarnado
Aquela visão a me socorrer na solidão da madrugada
Eu sou Tomázia coberta de véu de água
Eu sou Lourença trazendo na face pálpebras de lua
Sou Adelaide acendendo velas de folha
Sou Marilda com olhos acessos de gruta
E quando me vês passar por aí não entendes
Eu carregando comigo essas mulheres
Todas elas de fogo, cor de tisna
E quando me vês andando por aí
A olhos nus não notas eu carregada por elas
Porque em mim caminham todas essas
Mulheres do passado e do presente
Roberta Tavares, Mulheres de Fogo.
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Poema para não morrer
É preciso não morrer
Ainda que queira se antecipar o domingo
Para corroer nossa possibilidade de alegria
Ainda que queiram esses poderes
Decepar o canto dos pássaros
Secar os jarros de águas postos na mesa
& extinguir as árvores de esperança
É preciso não morrer nesta tarde
Por mais que andem esses
Homens de togas e torturas
Esses homens de togas
& traças a destilar seus
Turvos ódios sobre nós
Nesta tarde como nunca
É preciso não morrer
É preciso não morrer essa
Noite nem na manhã seguinte
É preciso não morrer nunca mais
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 137-149, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47256).
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Não morrer para nós
Como ato de subversão
Por isso é preciso
É preciso não morrer
Porque é preciso tecer os dias que virão
Como uma tecelã de sangue e pele preta
É preciso tecer o amor novamente
Porque vida e amor é tudo que eles
Querem apartar de nós e sabemos
Bem que estarmos vivas e insistir no amor
É contrariar as estatísticas onde eles
Esperam nos jogar
Por isso decidimos não morrer jamais
Como também não morreram aquelas outras
Que aqui estiveram antes de nós
Bem antes num tempo d’ante tempo antigo
E embora eles não saibam ou finjam não saber
Que as carregamos conosco em nossas entranhas
Por isso decidimos que a partir de agora como elas
Também não morreremos mais, nunca mais.
Roberta Tavares, Mulheres de Fogo.
142
Averequete em guma
Para mãe Lulu e para todos os integrantes do terreiro
de Tambor de Mina Dois Irmãos no Guamá, o templo
mais antigo da Afro religiosidade fincado em terras
amazônicas.
Tudo brilhava
Luzindo a azul
A branco e amarelo
Chegou Verequete
No templo sagrado
De Tempo antigo
Da mina nagô
E todos ali
Pediam sua benção
Deitando em seus pés
Saudando o vodum
Vodúnsi mãe Lulu
De passos longínquos
Trazia em sua cabeça
O Nobre vodum
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 137-149, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47256).
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De passos longínquos
mãe Lulu vodúnsi
Trazia em sua cabeça
O clã Queviossô
E todos vieram pedir
Sua benção, deitar
Aos seus pés
Prestar devoção
Passou verequete
De mãe para filha
Num sopro divino
Ao som do tambor
Minero ê, minero ô
Verequete chegou
Verequete chegou
Chamou Averequete
Na guma ê ô
Voduns e fidalgos
De Mina nagô
Vararam oceano
Trazendo Ewe-fon
Trazendo acesa
A luz do Benin
Roberta Tavares, Mulheres de Fogo.
144
Toy Verequete
Tói Averequete
Abrindo o terreiro
Da Mina-nagô
Não foi a Bahia
Não foi meu senhor
Nem mesmo a Corte
Portal que alastrou
Nossa divindade
Da Costa da Mina
Varou oceano e
Aqui aportou
Foi o Maranhão
Foi sim meu senhor
São pedras profundas
Da Mina Nagô
Benin, Daomé
Do jeje ao fon
Portal Maranhão
Na Amazônia plantou
Na Agontimé, Ambrosina
Josina, mãe Lulu!
Mulheres vodunsis
Da mina nagô
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 137-149, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47256).
145
Vararam oceano
Trazendo Ewe-fon
Trazendo acessa
A luz do Benin
Toy Verequete
Toy Averequete
Chefe de terreiro
De Mina-nagô
Terreiro Dois Irmãos dia 19 de março de 2019
Roberta Tavares, Mulheres de Fogo.
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Esquiva
Daqui de dentro
Desmorono-me
Sussurro em mim mesma
Nesses altares de pedras vazias
Donde ventos vêm me lamber
Donde me esquivo
Esguia
Solta
Feito canto ensandecido
Feito grito de pedras de cal
Feito nódoas de lã
De leito jazigo
De poema cravado
Num largo donde a bacurau
Sangra vozes de esperar manhãs
28/01/2018
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 137-149, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47256).
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Marilda
Nome de fonte
de córregos
de cheiro de matos
cujas mãos fazem
rebentar a vida
Nesse nome vivem
imagens de várzeas
furos, rios, igarapés
pássaros que cantam
pela noite anunciando
um amanhecer
Roberta Tavares, Mulheres de Fogo.
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Faustiniando o tempo
Sinto que o tempo
presente me emagrece
me consome os ossos
a sola dos pés
me perfura
com seus gládios
afiados pontiagudos
sinto que o tempo
presente me apavora
corrói as estrofes
desversadas do corpo
a púbis desabitada
para oferenda felina
sinto que o tempo
presente me consome
eu sinto que o tempo
presente me consome
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 137-149, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47256).
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Não venho só
Venho varando de quilombos
Venho do ventre de mulheres que costuraram
Liberdades com retalhos
Eu não venho só
Trago comigo outras mulheres
De peles pretas reluzentes como a noite
& costuraram com retalhos as alforrias
Reluzentes d’outro tempo essas mulheres
& que tanto quanto a noite reluziam
Eu venho do ventre dessas mulheres que
Costuraram liberdades de retalhos
Não mexa comigo
Porque sou uma dessas costuras
De insistentes liberdades
& não venho só
01/03/20