Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 151-164, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47257)
151
Pescaria subversiva: um ato de comunicar a r-e-xisncia
dos povos e comunidades tradicionais do Rio Xingu
Subversive Fishing: An Act of Communicating the Re-Existence of
Traditional Communities of the Xingu River
Pesca subversiva: un acto de comunicación de la existencia real de
los pueblos y comunidades tradicionales del río Xingu
Ana Laide Soares Barbosa (Universidade de Brasília, Brasil)
*
https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47257
RESUMO: Por meio da arte de pescar, dos nossos saberes culturais e dos conhe-
cimentos tradicionais, realizamos a Pescaria Subversiva, com o objetivo de defen-
der o rio Xingu contra o complexo hidroelétrico de Belo Monte e visibilizar os(as)
pescadores(as) que viviam desse rio. Materializamos a subjetividade simbólica
que o rio exercia naqueles que o viam como pai e mãe; o antropocentrismo de
mercantilização da natureza; a solidariedade entre os que pescavam; a identifica-
ção dos locais tradicionais de pesca; suas delimitações, conflitos socioambientais;
e a falta de políticas públicas para os pescadores artesanais. Atualmente o rio está
morrendo aos poucos e, com ele, centenas de vidas. ameaça de transformar o
que restou do seu leito, na vazão reduzida, em polo de mineração.
PALAVRAS-CHAVE: Rio Xingu; território tradicional de pesca; pescadores(as); resis-
tência
* Ana Laide Soares Barbosa é educadora social, componente do Movimento Xingu Vivo para Sempre na cidade de Altamira, Pará, gra-
duada em Etnodesenvolvimento pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Sustentabi-
lidade junto a Povos e Territórios Tradicionais, na Universidade de Brasília (UnB). E-mail: analaidesoares@gmail.com. Orcid: 0000-
0002-5998-0096.
Ana Laide Soares Barbosa, Pescaria subversiva: um ato de comunicar a r-e-xistência dos povos e...
152
ABSTRACT: Through the art of fishing and our cultural and traditional knowledge,
we carried out the Subversive Fishing in order to defend the Xingu River against
the Belo Monte hydroelectric complex and to make the fishermen who lived on
this river visible. We materialized the symbolic subjectivity that the river exer-
cised in those who saw it as father and mother; the anthropocentrism of the
commodification of nature; the solidarity among those who fished; the identifica-
tion of traditional fishing sites, their boundaries, socio-environmental conflicts and
the lack of public policies for artisanal fishermen. Currently the river is dying little
by little and with it, hundreds of lives. The threat to transform what remained of
its bed in the reduced flow into a mining complex.
KEYWORDS: Xingu River; traditional fishing territory; fishermen; resistance
RESUMEN: A través del arte de la pesca, nuestro conocimiento cultural y el cono-
cimiento tradicional, llevamos a cabo la Pesca Subversiva para defender el río
Xingu contra el complejo hidroeléctrico Belo Monte y hacer visibles a los pescado-
res que vivían en este río. Materializamos la subjetividad simbólica que ejercía el
río en quienes los veían como padre y madre; el antropocentrismo de la mercanti-
lización de la naturaleza; la solidaridad entre los que pescaban; la identificación
de sitios de pesca tradicionales, sus mites, conflictos socioambientales y la falta
de políticas blicas para los pescadores artesanales. Actualmente el río está mu-
riendo poco a poco y con él cientos de vidas. La amenaza de transformación de lo
que quedaba de su lecho en el flujo reducido en un polo minero.
PALABRAS CLAVE: Río Xingu; territorio pesquero tradicional; pescadores; resis-
tencia.
Citação recomendada:
BARBOSA, Ana Laide Soares. Pescaria subversiva: um ato de comunicar a r-e-xistência dos povos
e comunidades tradicionais do Rio Xingu. Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 151-164,
jan./jun. 2021. [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47257]
Este documento é distribuído nos termos da licença Creative Commons Atri-
buição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC-BY-NC) © 2021 Ana Laide Soares Barbosa
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 151-164, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47257)
153
A época do banquete do rio
Era 11 de março de 2011. Cerca de 250
pescadores e pescadoras das margens do
médio e baixo Rio Xingu, parte do estado
do Pará, dos municípios de Porto de Moz,
Senador José Porfírio, Vitória do Xingu e
Altamira, organizaram um ato de desobe-
diência civil. Ao posicionarem-se contra a
construção da barragem da Hidroelétrica
de Belo Monte, infringiram a Lei 7.653, de
12 de fevereiro de 1988, que proíbe a
pesca no período da piracema.
Pescaria subversiva: um ato de comunicar a r-e-xisncia
dos povos e comunidades tradicionais do Rio Xingu
Ana Laide Soares Barbosa, Pescaria subversiva: um ato de comunicar a r-e-xistência dos povos e...
154
A ação, organizada pelas pescadoras e
pescadores, chamou-se A Grande Pesca-
ria: em Defesa do Rio Xingu Contra Belo
Monte. Pescaram por três dias e três noi-
tes no período do defeso. O levante desa-
fiava o Estado, que acabara de conceder à
Norte Energia licença de instalação para a
construção da Hidrelétrica.
Os pescadores e pescadoras dos referidos
municípios perceberam as movimentações
frenéticas entorno da obra de Belo Monte:
homens chegando de todos os cantos do
Brasil, enchendo os baixões
1
, as quitine-
tes
2
, hotéis. Até os quartos desocupados
das residências de moradores antigos ser-
viram de pousadas. Houve o aumento do
comércio de materiais de construção, as
máquinas pesadas chegando pelo Rio Xin-
gu e pela rodovia transamazônica, a mul-
tiplicação da frota de voadeiras e o cres-
cimento do fluxo de embarcações no rio.
Por conta dessa realidade abrupta na regi-
ão, iniciamos nossa peregrinação, de reu-
nião em reunião, nos órgãos públicos: Ins-
tituto Brasileiro de Meio Ambiente
(IBAMA), Casa de governo, Defensoria
Pública do Estado (DPE), Secretaria do Pa-
trimônio da União (SPU), Ministério Públi-
co Federal (MPF) e outros órgãos do esta-
do e municípios. Nesses espaços, busca-
va-se a defesa dos direitos que já estavam
sendo violados.
As colônias de pescadores(as), os movi-
mentos sociais e as organizações não go-
vernamentais (ONGs) contribuíam na pro-
dução e difusão de informações: a respei-
to dos impactos que já enfrentávamos,
tanto na invasão do território tradicional
de pesca como no processo de expulsão
das ilhas, e na organização dos grupos de
pescadores(as), barqueiros, areeiros, car-
roceiros, oleiros, ribeirinhos e indígenas.
Mas eram tantas reuniões e tão poucas
ações. Seu Pedrinho (pescador da Ilha da
Fazenda) contou que chegou a participar
mais de 10 reuniões em apenas um mês.
Pressentindo que a perda do rio estava se
aproximando, a dor e a solidão eram visí-
veis em suas faces e em suas palavras.
Essa realidade os fez reagir. Assim, em
fevereiro de 2011, um grupo de seis mu-
lheres pescadoras e indígenas (Josefa,
Juma Xipaia, Sheila Juruna, Edisangela,
Fabiana Xipaia e eu) tiveram uma ideia
para dar visibilidade às pescadoras e pes-
155
156
157
158
159
164