Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 165-176, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47268)
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[r]Existo!
Coletivo Madeirista
I [r]Exist! Madeirista Collective
¡Yo [r]existo! Colectivo Madeirista
Coletivo Madeirista (Artistas independentes, Brasil)
*
https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47268
RESUMO: [r]Existo! é fruto de um trabalho fotográfico do Coletivo Madeirista du-
rante a enchente do Rio Madeira em 2014, a maior de todas nos cem últimos anos,
no qual são registrados o avanço das águas e depois a retomada, por parte da po-
pulação, de suas próprias casas. No ano de 2015, as imagens da cheia retornaram,
não com a mesma intensidade, mas trazendo a mesma problemática. Daí a impor-
tância desse [r]Existo! O Coletivo Madeirista, grupo de artistas e pensadores que se
reúne desde 2001 para produzir e discutir arte contemporânea, literatura e poesia,
está sediado em Porto Velho. Suas publicações, net.art, poesia visual, performan-
ces, intervenções urbanas e videoarte refletem sobre o estatuto da arte na socieda-
de contemporânea.
PALAVRAS-CHAVE: [r]existência; Rio Madeira; Rondônia; Cheia 2014; ribeirinhos
*
O Coletivo Madeirista, sediado em Porto Velho, Rondônia, é formado por Elisabete Christofoletti, Ariana Boaventura, Joezer Alvarez,
Nilson Santos, Flavio Dutra, Joezer Júnior e Anderson Silva. E-mail: coletivomadeir@gmail.com.
Coletivo Madeirista. [r]Existo!
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ABSTRACT: [r]Existo! is the result from a photography work of Madeirist Collec-
tive, during the largest flooding of the last hundred years in 2014 at Madeira Riv-
er, in which have been recorded the advance of the waters followed by the popu-
lations resumptions to their own homes. In 2015, we watched the flood return not
with the same intensity but emerging similar issues, and that’s the reason why
[r]Existo! is so important. Based in Porto Velho, The Coletivo Madeirista/ Madei-
rista Collective, is a group of artists and thinkers that since 2001 have been to-
gether to produce and discuss contemporary art, literature and poetry. Their pub-
lications, net.art, visual poetry, performances, urban interventions and video art
reflects about the status of art in contemporary society.
KEYWORDS: [r]existence; Madeira River; Rondonia; Flood 2014; riparians
RESUMEN: [r]Existo! es el resultado de un trabajo fotográfico del Colectivo Madei-
rista durante la inundación del río Madeira en 2014, la mayor de los últimos cien
años. Durante ese tiempo, se ha registrado el avanzo de las aguas y un posterior
retorno de la población a sus casas. En 2015, las imágenes de la inundación vol-
vieron, no con la misma intensidad, pero trayendo el mismo problema. Por eso se
faz la importancia de este [r]Existo! El Colectivo Madeirista, un grupo de artistas y
pensadores que se reúne desde 2001 para producir y discutir el arte contemporá-
neo, la literatura y la poesía, tiene su sede en Porto Velho. Sus publicaciones,
net.art, poesía visual, performances, intervenciones urbanas y video arte reflejan
el estatus del arte en la sociedad contemporánea.
PALABRAS-CLAVE: [r]existencia; río Madeira; Rondonia; inundácion 2014, ribereño
Citação recomendada:
COLETIVO MADEIRISTA. [r]Existo! Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 165-176, jan./jun.
2021. [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47268]
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Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 165-176, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47268)
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[r]Existo!
Coletivo Madeirista
Fig. 1 Cartaz do Filme [r]Existo!¹, 2014.
(Fonte: Coletivo Madeirista)
Coletivo Madeirista. [r]Existo!
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[r]Existo! é fruto de um trabalho fotográfico
durante a enchente do Rio Madeira em
2014, a maior de todas nos cem últimos
anos. Registramos o avanço das águas e
depois a retomada, por parte da populão,
de suas próprias casas. Vimos o rio avançar
lentamente e com a mesma lentidão retor-
nar ao seu curso normal, sentimos o silêncio
das pessoas, os lugares vazios de gente e
cheios de água, lama e o lixo nosso de ca-
da dia.
Ouvimos as famílias desabrigadas falando
de suas perdas com uma sabedoria muito
peculiar, mas com os olhos atentos e espe-
raosos quanto ao socorro que deveria ser
prestado pelo poder público. Neste proces-
so, estabeleceu-se uma reflexão sobre a re-
lação com o rio, com as casas, a água, a ca-
pacidade de re-início, o de RESISTÊNCIA,
mas de RE-EXISNCIA, de retorno às
mesmas moradias destruídas que formavam
uma cena desoladora.
Neste ano de 2015, as imagens da cheia re-
tornaram, o com a mesma intensidade,
mas trazendo a mesma problemática, atin-
gindo novamente quase as mesmas pesso-
as, propondo desafios e soluções ainda o
atendidas pelo poder público. D a impor-
ncia desse [r]Existo!
Fotografias, Concepção e Produção:
Elisabete Christofoletti, Nilson Santos e
Joezer Alvarez
Coletivo Madeirista
[r]Existo!
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 165-176, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47268)
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Vivemos em tempos de silêncio e de mo-
vimentos funcionando no esquema de
“boiada”. Na falta de consciência, de com-
preensão, de mudanças de valores e a ca-
da dia uma valorização menor da condição
do SER-Humano, da pessoa. Por isso, nos
sentimos provocados a sair do silêncio.
Sair do silêncio, ou dar voz a ele, é o pro-
pósito deste documentário. Buscamos
compreender o silêncio e a passividade, a
aceitação de um viver sempre muito tran-
sitório. Nos lembramos de um dos mitos
de origem que compõem o DNA psíquico,
a Alma de Porto Velho-RO, e com isso, a
atitude, o movimento e a relação com o
lugar de quem aqui reside.
o importa que a tenham destruído,
s sempre retornamos para a casa onde
nascemos. A lembrança não é clara se o
verso do poema é exatamente assim e
nem mesmo se é de Carlos Drummond de
Andrade, mas foi numa viagem que fazí-
amos pela primeira vez à terra de onde
nossos avós vieram que lemos isso numa
revista de bordo. Essa fala sempre nos
soou muito familiar, não por uma história
pessoal, embora a sincronicidade tenha
sido grande, mas por identificarmos o
verso com a cidade de Porto Velho, local
onde as imagens e o documentário foram
produzidos.
Localizada na Amazônia, Porto Velho, se-
gundo os historiadores populares, nasceu
como um local de trânsito, transição. No
trajeto das embarcações pelo leito do rio
Madeira (um dos dez maiores rios do
mundo), teria existido a casa de um an-
cião, o velho Pimentel, onde estas mes-
mas embarcações paravam para viabilizar
algumas necessidades e, com o tempo, ali
eram deixados pertences, encomendas e
recados. A casa do velho, aos poucos, te-
ria se tornado um ponto de encontro e re-
ferência. Em seu entorno, outras moradias
foram sendo agregadas. Crianças teriam
nascido por ali e rapidamente o local tor-
nou-se Porto Porto do Velho.
A história é longa. Poderíamos abordar
aqui várias situações de transitoriedade e
de usurpação inclusive na história recente.
Usurpar, estar de maneira transitória, pa-
rece ser um lugar comum em Rondônia:
modus operandi de agredir a terra e quem
nela vive. Lembremos a mais recente
usurpação, a construção da Usina Hidroe-
létrica de Santo Antônio, na cachoeira de
mesmo nome, marco fundador da região.
Coletivo Madeirista. [r]Existo!
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A usina está instalada a três quilômetros
do centro da cidade, tornando-se a usina
de força hidroelétrica mais próxima de
uma cidade em todo o planeta.
Antes da usina em Rondônia, durante
muitos anos se utilizou a produção de
energia mista hidroelétrica e termoelétrica
a um custo bastante alto em relação aos
outros Estados. Com a construção da UHE
de Santo Antônio, a promessa de consu-
mir energia mais barata não se concreti-
zou, e, após seu funcionamento a partir
de 2012, toda a geração de energia resul-
tante foi direcionada para o sudeste, e,
mais uma vez, a população foi usurpada.
É o velho modus operandi extrativista: o
alienígena chega na região, ganha a confi-
ança da população no grito, ou, no papel
assinado-assassinato, e vai-se embora,
deixando para trás o lixo do luxo. Acha-
mos importante evocar o mito de origem
do velho porto, pois esse nos parece signi-
ficativo na vivência da enchente no ano de
2014. Provavelmente foram vários os fa-
tores que a geraram, e, apesar das adver-
tências e protestos dos ativistas e cientis-
tas de forma contra-hegemônica nos anos
de militância que antecederam o fenôme-
no, assistimos a uma tragédia anunciada.
Na ocasião, à medida em que as águas
subiam, os pertences pessoais da popula-
ção ribeirinha (enquanto havia transporte
proporcionado pela prefeitura) eram reti-
rados, mas muita coisa ficou para trás,
por incompetência do poder público. O si-
lêncio das famílias que haviam vivido
outros períodos de cheia foi secundado
pela falta de credibilidade na eficiência do
poder púbico em retirar aquela população
de forma a garantir um espaço digno para
que a vida pudesse seguir, ainda que em
suspensão, e mesmo com o retorno poste-
rior, com a promessa de auxílio para re-
construir o que se perdeu.
No silêncio, faltou diálogo. Diálogo para que,
juntos, população e poder público pudessem
realocar os trabalhadores do maior centro
de corcio popular, chamado de shopping
popular, perdendo assim sua condição de
trabalho e sustento das famílias. Na expec-
tativa dessa construção conjunta de cami-
nhos de resolução, a resposta foi o silêncio!
O silêncio da vida improvisada nas escolas,
no incômodo das famílias e diretores que ti-
veram o início do ano escolar adiado e, com
isso, o incômodo conjunto e a desconfiaa
tua no uso dos espaços que se tornaram
comuns em fuão das circunsncias, no
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silêncio de um viver transitório. Sabe-se que
as reges ribeirinhas na Amazônia o pro-
pensas a inundações clicas, cujas popula-
ções atingidas comumente contam com o
apoio do governo nessas situações emer-
genciais. No entanto, alguns órgãosblicos
que tinham suas sedes nesses locais nos ar-
redores de Porto Velho, abandonaram essas
sedes e quedaram em sincio, calando di-
ante da própria responsabilidade.
No sincio da populão da cidade que o
sofreu diretamente com as cheias, mas ig-
norou o alagamento, ou mesmo participou
do turismo da desgra, navegando de voa-
deira pelas áreas alagadas para conferir o
desespero ou a ruína das famílias que ali
moravam, teria se revelado o cater da au-
tointitulada “Capital do Agronegócio? Com
a vazante, o sincio começou ser quebrado,
sendo rompido pelas pegadas sem nome e
sem identidade, que foram ficando grafadas
no sedimento trazido pelas águas, as quais
haviam deglutido as casas, objetos e mes-
mo o centro histórico da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré, chão no qual silenciosa-
mente as pessoas foram pisando, construin-
do pegadas, reafirmando que continuavam
vivas, que retornavam ao seu lugar de mo-
radia, de trabalho, de origem.
No dizer silencioso daquelas pegadas, dos
objetos abandonados, sem condições de
uso, abandonados à própria sorte, a histó-
ria pessoal e social virara lixo: cenário pa-
ra a produção de Selfs turísticos. Que ma-
neira é esta de “lidar” com a morte que
nos leva a refletir sobre a possibilidade da
negação das condições em que se vive, do
lugar e mesmo da relação com o ambien-
te? Seria a não aceitação e incorporação
da morte de um homem velho, de lugares
por onde se esteve (mesmo que nunca se
tenha desejado sair) que colabora para
que a memória deixe ser conquistada, le-
vada e refeita pelo novo? Esse tipo de
condição pelas que passam migrantes e
moradores de regiões de fronteiras seriam
aceitáveis? Agredimos a terra onde esta-
mos ou recusamos o relacionamento com
essa numa tentativa de não ratificar sua
existência enquanto “lugar” gerador de vi-
da? Esse olhar alienígena da ocidentalida-
de turística pode ser naturalizado impu-
nemente? Negamos o lugar e as pessoas
porque negamos a nós mesmos?
Notas
1
Disponível em https://www.youtube.com/watch
?v=vAJxZpnpnmE. Acesso em 4/10/2020.
Nesta página e nas subsequentes - Coletivo Madeirista, frames do documentário [r]Existo!, 2014.
(Fonte: Coletivo Madeirista)