Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 177-188, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47269)
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Eu vi sobre o rio a pele… sobre a pele, mapas
sobre mapas, vidas
Above the river, I saw skin… above the skin, maps
above the maps, lifes...
Sobre el río, vi la piel… sobre la piel, mapas
sobre los mapas, vidas...
Cláudia Leão
*
, Luana Peixoto
**
, Dimitria Leão
***
(Brasil)
https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47269
RESUMO: Este ensaio é constituído de excertos de textos, poemas, imagens, e
principalmente das experiências vividas ao longo de mais de seis anos de traba-
lhos entre os projetos: Navs e Paisagem: diário de bordo entre Belém (2013) e
Chaves, Atlas, Paisagem e Pele: Fluxos de Viagem na Amazônia Insular (2015),
que integraram o projeto de pesquisa “Sobre a Pele, o rio: a paisagem no territó-
rio da cultura atravessando o campo da arte”. As ões se estendem ainda hoje,
continuando com a força e a colaboração de pessoas, na tentativa de atingir ou-
tros circuitos, expandir limites e fronteiras, para além do campo da arte, para
pensar especialmente sobre o que foi imposto como projeto de “desenvolvimento”
amazônico e para quem, e principalmente pensar as especificidades e autonomias
de povos das Amazônias.
PALAVRAS-CHAVE: arte e política; Rio Xingu; povos tradicionais; Amazônias
*
Cláudia Leão é fotógrafa, pesquisadora e professora dos cursos Artes Visuais da Universidade Federal do Pará. E-mail: aclaudialeao
@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4005-3436.
** Luana Peixoto é artista visual, pesquisadora, professora e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arte na Universidade Fede-
ral do Pará. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9332-5098. E-mail: luanabeatriz@gmail.com .
*** Dimitria Leão é mestranda do Programa de Pós-Graduação Nova Cartografia Social e Política da Amazônia da Universidade Estadual
do Maranhão e professora de língua portuguesa e literaturas, e educadora social. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8631-0664. E-
mail: dolores.mynos@gmail.com.
Cláudia Leão; Luana Peixoto; Dimitria Leão, Eu vi sobre o rio a pele... sobre a pele, mapas... sobre mapas, vidas...
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ABSTRACT: This essay is composed by excerpts of texts, poetries, images, and
mostly, from the experiences of more than six years of works between the pro-
jects: Navs e Paisagem: diário de bordo entre Belém (2013) e Chaves, Atlas,
Paisagem e Pele: Fluxos de Viagem na Amazônia Insular (2015) which were part
of the research project “Above the skin, the river: crossing the art department,
the landscape in culture territory.” The actions are still happening, and they keep
on rolling with the strength and collaboration of the people who attempt to reach
others fields, expanding limits and borders beyond the art domain in order to
think, specially, about what was imposed as a “development” Amazonian project,
and for who, so we can think, primarily, the specificities and autonomies of Ama-
zonian populations.
KEYWORDS: art and politics; Xingu River; traditional people; Amazons
RESUMEN: Este ensayo consiste en extractos de textos, poesía, imágenes, y es-
pecialmente de las experiencias vividas durante más de seis años de trabajo entre
proyectos: Navs e Paisagem: diário de bordo entre Belém (2013) y Chaves, Atlas,
Paisagem e Pele: Fluxos de Viagem na Amazônia Insular (2015), que formaban
parte del proyecto de investigación "Sobre la piel, el río: el paisaje en el territorio
de la cultura que atraviesa el campo del arte". Las acciones se siguen ampliando
hoy en día, continuando con la fuerza y la colaboración de las personas, en un
intento de llegar a otros circuitos, ampliar los límites y fronteras, además del
campo del arte, para pensar especialmente en lo que se impuso como un proyecto
de "desarrollo" amazónico y para quién. Sobre todo para así pensar en las especi-
ficidades y autonomías de los pueblos de la Amazonia.
PALABRAS CLAVE: arte y política; Río Xingu; pueblos tradicionales; Amazonías
Citação recomendada:
LEÃO, Cláudia; PEIXOTO, Luana; LEÃO, Dimitria. Eu vi sobre o rio a pele... sobre a pele, ma-
pas... sobre mapas, vidas.... Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 177-188, jan./jun. 2021.
[https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47269]
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Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 177-188, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47269)
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Eu vi sobre o rio a pele… sobre a pele, mapas
sobre mapas, vidas
Fig. 1 - Cláudia Leão, Ilhas Queimadas, Rio Xingu, julho de 2015.
(Fonte: Cláudia Leão)
Cláudia Leão; Luana Peixoto; Dimitria Leão, Eu vi sobre o rio a pele... sobre a pele, mapas... sobre mapas, vidas...
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Antes desse tempo… antes de barrarem o
rio, antes da volta grande começar a se-
car, antes de no meio da mata aberta
monstros de ferro plantados traçarem no
céu os fios de alta tensão… antes… não
era vazio, nunca foi, antes... com certeza,
antes, havia muito mais...
As viagens que proponho, diferente das
empreendidas por Bashô, não são solitá-
rias. Com convidados, proponho nos per-
mitir ir e viver tudo o que a viagem puder
trazer, que são as experiências que os
longos percursos feitos de barco nos pos-
sibilitam, que vão desde conhecer pessoas
que estão de passagem, movimentando-
se como nós, (transitando entre uma loca-
lidade ou uma cidade ribeirinha em outra
ou sua cidade destino); conversar sobre
todas as experiências que o tempo da via-
gem nos permitir; dormir, se embalar na-
rede no balanço da água; escutar a músi-
cas que outra pessoa escutar, ou as con-
versas alheias sobre o que acontece nos
lugares onde vivem; ouvir o ronco, o res-
sonar, a respiração; conhecer as histórias
de lugares nunca antes vividas, ler, escre-
ver, sentir frio e o vento da noite; sentir o
medo da água quando lança forte; contar
as minhas histórias, saber das histórias de
outros e viver a monotonia da paisagem,
pois, como me disse um viajante, enquan-
to comprava as passagens de uma das vi-
agens: “no barco a gente água e
céu”. Entendo que experimentar viagens é
sentir as viagens, permitindo-se, no ímpe-
to do corpo, penetrar os rios, atravessar e
ser atravessado. Traçando rotas inexisten-
tes, seguindo o fluxo contínuo, esse, su-
ponho, ser o intento.
(entre maio e junho de 2015, entre os rios
Amazonas e Xingu)
Fig. 2 - Luana Peixoto, Último Verão da Volta Grande, Rio Xingu, julho 2015.
(Fonte: Luana Peixoto)
Cláudia Leão; Luana Peixoto; Dimitria Leão, Eu vi sobre o rio a pele... sobre a pele, mapas... sobre mapas, vidas...
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Antes de fecharem o rio
Em julho de 2015, fui à Volta Grande do
rio Xingu, perto das cidades de Altamira e
de Vitória do Xingu, no estado do Pará.
Um período decisivo para este rio, que
nos meses seguintes o governo e empre-
sas privadas completariam o barramento
total de parte de seu caminho para o fun-
cionamento da usina hidrelétrica de Belo
Monte eles decidiram construir uma es-
pécie de muro enorme no meio da água, a
vida não seria mais a mesma; era comum
as pessoas mais velhas que habitavam
aquele rio se lastimarem, os mais jovens
cresceriam sem saber como fora a liber-
dade do rio.
Eu e as pessoas que viajavam comigo
passamos a denominar aquele momento
de "o último verão da Volta Grande". Eu
estava na proa de uma rabeta, em um
trecho em que há inúmeras pedras que
desenham um labirinto no rio. Quando en-
carei este caminho senti que o rio me con-
tava a história de outros que o fizeram,
uma memória do espaço, não apenas mi-
nha, mas também das crianças, mulheres
e homens, das pedras, das plantas, dos
peixes. O som das águas, das conversas,
do canto assombrado dos pássaros, pelo
anúncio das sirenes que antecedem as de-
tonações de dinamites que destroem o rio;
ouvi desses caminhos das lembranças
uma ameaça de esquecimento.
Dentre as esterilizações, causadas pela
seca da barragem, os ribeirinhos passa-
ram a dividir-se entre duas ocupações
principais, tornaram-se, como eles mes-
mos diziam, “pescadores sem rio” e, para-
lelamente, cumpriam a função de repre-
sentar um dos dramáticos sintomas
exemplares naquela torpe, insana e imun-
da disputa de terras.
(Julho de 2015, entre o Amazonas e o Xingu)
Fig. 3 - Luana Peixoto, Bruno na ilha Murici, Rio Xingu, fevereiro de 2014.
(Fonte: Luana Peixoto)
Fig. 4 - Cláudia Leão, Ilha Murici, Volta Grande, julho, 2015.
(Fonte: Cláudia Leão)
Fig. 5 - Cláudia Leão, Seu Zequinha da sua janela, o rio Amazonas. Localidade de Praia Verde,
Almeirim, Rio Amazonas, abril de 2015. (Fonte: Cláudia Leão)
Cláudia Leão; Luana Peixoto; Dimitria Leão, Eu vi sobre o rio a pele... sobre a pele, mapas... sobre mapas, vidas...
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Sobre os caminhos do ouro
A lenda do "Eldorado", creio que era o que
seduzia tão fortemente e que também o
que atraía para as profundezas do interior
do continente essa lenda que se tornou
tão funesta para tantos espanhóis, que
tantos conquistadores perseguiram como
um espectro, que com cada passo pene-
travam mais profundamente no interior e
de cada vez lhes fugia para mais longe,
porque os indígenas, utilizando-se habil-
mente da sede de ouro dos espanhóis,
iam colocando cada vez mais longe deles
a sede do mito, podendo assim subtrair
sua tribo à avidez dos estrangeiros."
(ADALBERTO, 1977, p. 132)
A corrida ao ouro permeia a história hu-
mana ocidental. As viagens marítimas do
“Velho” continente Europeu ao “Novo
Mundo” foi um desses processos e pôs
empenho em viajantes de todos os tipos.
Sob a ótica dos europeus, multiplicam-se
as coordenadas do globo e o número de
mapas que tentavam traduzi-lo. Várias
lendas e monstros tomaram corpo nesse
caminho e nesses papéis para compor um
imaginário desse “Novo” como o El Dora-
do. Este marcou as terras deste continen-
te, América, até os dias atuais. No Peru,
se escuta uma frase: “com o ouro e a pra-
ta que os espanhóis levaram daqui se
construiria uma ponte da América até a
Espanha, e com os ossos dos que mata-
ram uma ponte de ida e outra de volta".
Hoje poderíamos imaginar quantas pontes
de ossos e minérios entre o passado e o
presente seriam construídas?
No presente da Volta Grande do Xingu,
que se localiza no estado do Pará, na fron-
teira dos municípios de Senador José Por-
fírio e Altamira, as visões sobre o ouro se
ressignificam com os conflitos entre dife-
rentes mundos. Esta é a região onde atuei
junto a movimentos sociais locais, que co-
nheci cerca de 5 anos (2013) quando
nosso grupo tentava registrar os aconte-
cimentos das vidas dos ribeirinhos que fi-
caram neste trecho do rio, onde sua vazão
foi reduzida com a Hidrelétrica de Belo
Monte¹.
Cerca de 30 minutos após o barramento
do Sítio de Pimental, na margem direita
do rio, foram postas placas com o símbolo
da “Belo Sun Mineração”, a mineradora
canadense, que desde 2010 comprou a
antiga Mineradora Verena, com o intuito
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de construir uma grande estrutura para
extrair a céu aberto. Nesta ocasião conhe-
cemos a Vila do Galo e a Ilha da Fazenda
e tomamos conhecimento da história de
muitos trabalhadores e famílias que de-
pendiam do garimpo suas vidas estavam
sendo impactadas tanto pela UHE Belo
Monte quanto pela Belo Sun Mineração.
A atividade garimpeira na Volta Grande do
Xingu, município de Senador José Porfírio,
mesorregião do sudoeste do estado do Pa-
rá, tem início por volta da década de 40,
na região conhecida como Vila da Ressa-
ca. A descoberta do garimpo atraiu ho-
mens e mulheres, que passaram a cons-
truir as vilas e comunidades nas margens
do rio Xingu e ao redor dos veios dos ga-
rimpos que existem hoje. As regiões da
Vila da Ressaca, Ilha da Fazenda, Garimpo
do Galo, Ouro Verde são lugares construí-
dos por essas diversas trajetórias.
A partir da década de 1980, empresas de
mineração se instalaram na área. A maior
delas foi construída sob o nome de Oca
Mineração, que despertou interesse de
grandes empresários, passando a ser alvo
de grandes disputas. Em 2011, torna-se
canadense e a se chamar Belo Sun Mine-
ração. A implantação desta mineradora,
desde os estudos para a instalação, além
de ser mais um projeto desenvolvimentis-
ta para uma região impactada pela Hidre-
létrica de Belo Monte, ameaça e criminali-
za a atividade dos garimpeiros tradicionais
e desestrutura o território das comunida-
des da Volta Grande do Xingu. Contudo,
um grupo de garimpeiros da vila da Res-
saca se tornou um dos principais movi-
mentos sociais de resistência a este em-
preendimento.
(Entre 2017 e 2018, Volta Grande do Rio
Xingu)
Notas
¹ A Hidrelétrica de Belo Monte iniciou sua operação
em maio de 2016.
Referências
ADALBERTO, Principe da Prússia. Brasil :
Amazonas - Xingu. Brasília: Senado Fe-
deral, Conselho Editorial, 2002.
Fig. 6 - Dimitria Leão, Ideglan mostra o ouro em uma pedra, Ressaca, Senador José Porfírio,
novembro 2017. (Fonte: Dimitria Leão)