Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 209-220, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47272)
209
AmazĂ´nia Negra
Black Amazon
AmazonĂ­a Negra
Marcela Bonfim (Artista independente, Brasil)
*
https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47272
RESUMO: (Re)Conhecendo a AmazĂ´nia Negra Ă© uma narrativa visual e polĂ­tica
sobre a constituição e memória da população negra brasileira, enraizada na região
amazônica. Acomodada dentro do campo das artes visuais, propõe uma reflexão
prática e imagética sobre a geopolítica dos corpos-identidades brasileirxs, aproxi-
mando-se também da própria economia enquanto sistema e agente operacional
de uma normativa branca, colonial e ainda atuante, a ponto de nos impressionar
ao reconhecer uma AmazĂ´nia enegrecida.
PALAVRAS-CHAVE: AmazĂ´nia Negra; reconhecimento; narrativa; polĂ­tica
*
Marcela Bonfim Ă© artista-fotĂłgrafa residente em RondĂ´nia. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4097-0370. E-mail: reconhecendoa-
mazonianegra@gmail.com.
Marcela Bonfim, AmazĂ´nia Negra.
210
ABSTRACT: (Re)Conhecendo a AmazĂ´nia Negra is a visual and political narrative
about the constitution and memory of Brazilian black population, rooted in the
Amazonian region. Situated on the visual arts field, it proposes a practical and
imagetic meditation about the geopolitics of Brazilian bodies-identities, also ap-
proaching the economy itself as a system and operational agent of a white, colo-
nial, and still functional normative, in a way that recognize a black Amazon sur-
prises us.
KEYWORDS: Black Amazon; recognition; narrative; politics
RESUMEN: (Re)Conociendo la Amazonia Negra es una narrativa visual y polĂ­tica
sobre la constitución y la memoria de la población negra brasileña, afincada en la
regiĂłn del Amazonas. Establecida dentro del campo de las artes visuales, propone
una reflexión práctica y imaginativa sobre la geopolítica de las identidades-
cuerpos brasileñas, abordando también la propia economía como sistema y agen-
te operativo de una normativa blanca, colonial y todavĂ­a activa, hasta el punto de
impresionarnos al reconocer una Amazonia ennegrecida.
PALABRAS CLAVE: AmazonĂ­a negra; reconocimiento; narrativa; polĂ­tica
Citação recomendada:
BONFIM, Marcela. Amazônia Negra. Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 209-220, jan./jun.
2021. [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47272]
Este documento é distribuído nos termos da licença Creative Commons Atri-
buição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC-BY-NC) © 2021 Marcela Bonfim
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 37, p. 209-220, jan./jun. 2021. (https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i37.47272)
211
AmazĂ´nia Negra
Encontrei uma AmazĂ´nia da cor da minha
pele
AmazĂ´nia Ă© uma ideia-lugar disputada por
muitas mentes de ontem e de hoje. Essas
mentes, além de repercutirem seus inte-
resses na devastação desse território, per-
petuam desigualdades por meio da estig-
matização das mais diversas realidades (e
mundos) presentes na regiĂŁo. Encontrar
uma AmazĂ´nia da cor de minha pele, dife-
rentes do que eu imaginava, me permitiu
acessar lugares que nunca pensei existir.
Vivenciar esses lugares — esses muitos
lugares — que constituem a Amazônia me
despertou a consciĂŞncia das diversas for-
mas de (in)visibilidade cultivadas nesse
territĂłrio, quase todas relacionadas aos po-
vos originários, aos indígenas que vão
sendo “apagados no tempo” pelos recém-
chegados “pioneiros” — numa tentativa
neocolonial de cristalizar um marco zero,
posterior Ă  histĂłria das origens da AmazĂ´-
nia. Uma marcante forma de “(in)visibili-
dade” ocorreu/ocorre no esteio de uma
regionalização do Corpo Negro, a ponto de
se tentar reforçar a ideia das “raízes ne-
gras” apenas restritas à região nordeste
do Brasil.
Tocar a presença e o legado das popula-
ções negras na Amazônia significa apro-
priarmo-nos de parte fundamental da his-
tória do Brasil, também submersa à es-
cravização da humanidade dos corpos
africanos, a partir da segunda metade do
século 18, com o deslocamento em massa
Marcela Bonfim, AmazĂ´nia Negra.
212
de populações de Vila Bela da Santíssima
Trindade para o Vale do Guaporé, no perí-
odo em que RondĂ´nia ainda era territĂłrio
do Mato Grosso e do Amazonas. À época,
tais deslocamentos populacionais serviam
à estratégia de exploração do ouro e à
construção do “Forte Príncipe da Beira”
(RO), entendido como área de “defesa”
das fronteiras territoriais.
A partir de 1870, migrações negras passa-
ram a modificar a regiĂŁo amazĂ´nica, prin-
cipalmente com a chegada das populações
vindas do Pará, do Maranhão, Ceará, Ba-
hia e outras localidades — período marca-
do pelo “Ciclo do Ouro” e “Ciclo da Borra-
cha”. Entre 1907 e 1912, trabalhadores da
“diáspora barbadiana” contribuíram com
mão de obra qualificada para a construção
da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e
também colaboraram para uma efetiva
institucionalização de serviços relaciona-
dos à educação, saúde e outras políticas
sociais na regiĂŁo.
Atualmente, novas diásporas se instalam
na Amazônia, como a dos recém-chegados
haitianos e venezuelanos. O acesso a estĂł-
rias/histórias das inúmeras populações ne-
gras na AmazĂ´nia trouxe Ă  tona a necessi-
dade de ressignificação da própria história
do negro no Brasil, uma vez que nos depa-
ramos com uma série de contribuições e in-
fluĂŞncias ainda nĂŁo (re)conhe-cidas.
Hoje, prosseguir com o desvelamento e a
circulação dessas estórias/histórias é um
modo de nĂŁo deixar de ver como o Corpo
Negro fez/faz o Brasil, tal como ele Ă©. E,
sobretudo, tal como o Brasil poderá ser
quando admitir, reconhecer e valorizar su-
as raízes africanas. Há uma Amazônia Ne-
gra, que são várias. No meu trabalho, te-
nho me encontrado com a AmazĂ´nia indĂ­-
gena e negra, cujo afeto-imagem-destino
brota da terra².
Notas
1
Economista, Marcela Bonfim, era outra até os 27
anos. Na capital paulista, acreditava no discurso da
meritocracia. Já em Rondônia, adquiriu uma câmera
fotográfica e, no lugar das ideias, deu espaço a ima-
gens e contextos de uma AmazĂ´nia afastada das men-
tes de fora, mas latentes Ă s vias de dentro. As lentes
foram além, captando, da diversidade e das inúmeras
presenças negras, potências e sentidos antes desco-
nhecidos a seu próprio corpo recém-enegrecido.
² Texto de Marcela Bonfim publicado na Agência Pú-
blica (2019), na SĂ©rie AmazĂ´nia Sem Lei. DisponĂ­vel
em https://apublica.org/2019/10/encontrei-uma-
amazonia-da-cor-da-minha-pele/. Acesso em
5/10/2020.
Fig. 1 - Marcela Bonfim, Quilombola de Vila Bela
(Fonte: Marcela Bonfim)
Fig. 2 - Marcela Bonfim, Jesus Johnson, descendente de imigrantes barbadianos.
(Fonte: Marcela Bonfim)
Fig. 3 - Marcela Bonfim, (Re)Conhecendo a AmazĂ´nia Negra.
(Fonte: Marcela Bonfim)
Fig. 4 - Marcela Bonfim, Matriarca barbadiana de Porto Velho, em RondĂ´nia.
(Fonte: Marcela Bonfim)
Fig. 5 - Marcela Bonfim, (Re)Conhecendo a AmazĂ´nia Negra.
(Fonte: Marcela Bonfim)
Fig. 6 - Marcela Bonfim, (Re)Conhecendo a AmazĂ´nia Negra.
(Fonte: Marcela Bonfim)
Fig. 7 - Marcela Bonfim, (Re)Conhecendo a AmazĂ´nia Negra.
(Fonte: Marcela Bonfim)
Fig. 8 - Marcela Bonfim, (Re)Conhecendo a AmazĂ´nia Negra.
(Fonte: Marcela Bonfim)