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De repente, o silêncio. Não mais “teatro, boate, cine-
ma” [Luiz Melodia,
Congênito
]. De repente, o pouco
que se tem representa tudo e/ou o muito que se tinha
se fechou. A vida cessou nas ruas. Não mais carros
e ônibus, desde às seis horas da manhã, arranhan-
do o sono pouco de quem muito correu. O sono se
esparrama junto com o medo. Silêncio: ninguém vai
chegar e ninguém vai sair. Não haverá convites, nem
vernissages, nem aniversários, nem almoços fami-
liares, nem viagens, hotéis ou outras paisagens.
O COVID 19 tomou a vida de muitos no momen-
to em que escrevo, janeiro de 2021. O COVID 19
tomou a vida de 1% da população brasileira. Presa
em casa, 50% da população, e o vírus passeando
nas ruas, calçadas, praias e parques. Os teatros
escuros e fechados ruminando mofo e poeira em
poltronas tortas; as boates silenciosas e ninguém
cheirando nos banheiros, os cinemas surdos, cegos
e mudos com portas enferrujando. Os museus e
galerias de arte acumulando um vazio de sentido de
obras de arte enclausuradas. A arte se completa
na interação e/ou na iteração.
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Sem ser vista, ela é,
naturalmente, invisibilizada, mas também inviabili-
zada. Um papel cheio de pontos, de linhas e de tin-
tas, nada pode dizer em uma gaveta, mofando. Um
grito não escutado escorre pelas paredes mudas e
a performance congela o artista na geladeira que
estala, range, mas não interage nem iterage.
Assim foi se passando o inesquecível ano de 2020,
se arrastando entre paredes ou brilhando, um
pouco, nos 15 minutos em que o sol toca jane-
las, na cerveja solitária ao final do dia surdo, em
intermináveis séries televisivas agora esgotadas:
ninguém filma, ninguém atua, ninguém monta
cenários que permitiriam outros devaneios para
longe deste confinamento. Com fim? Não sabe-
mos, mas certamente, lamento.
14 dias, 30 dias, 60 dias. No meio da solidão,
julho de 2020, uma mensagem. Tratava-se de um
convite para fazer uma sequência de fotos sobre
máscaras feito por Juliana Cerqueira, pessoa que
não via há mais de dez anos, que havia colabora-
do em alguns trabalhos em arte e tecnologia, isto
é, em performance em telepresença do Grupo
de Pesquisa
Corpos Informáticos
2
,
que coordeno
desde 1992.Resolvi telefonar e questionar, ao que
me foi respondido que era uma proposta inicial
ainda sem rumo definido. Assim, fizemos uma
“simples” sequência de fotos.
Me adianto no texto para não deixar os leitores
inquietos:
Acocoré
é hoje, janeiro de 2021, a me-
lhor coisa que fizemos, Juliana e eu, mas também
todos aqueles que vêm participando deste proje-
to: ele mudou nossas vidas, ele nos dá felicidade,
risadas, danças, trocas, comédias, debates sé-
rios, [e]vento, e uma infinita coleção de figurinhas
Maria Beatriz de Medeiros, Acocoré: um projeto de resistência à pandemia ou arte em tempos de telepresença.