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À Gagarino o comentário sobre essa transforma-
ção é concedido por meio de uma comparação
machista que estabelece algumas concepções
do que pode ser bonito ou não: é quando ele retira
gentilmente os óculos de Alice – um símbolo de sua
capacidade intelectual, “com esse negócio de cien-
tista aí eu nem olhei pra você, agora que eu tô repa-
rando que você é um bocado bonita”, sugerindo que
o fato de ser cientista e portadora de uma beleza
física, fossem qualidades incapazes de ocupar um
mesmo corpo. É importante lembrar que, tal ideia,
constantemente apreciada por Gagarino, também
se estende a própria concepção dada por Alice,
quando a cientista, mais tarde, afirma que estava
se esquecendo de ser mulher pelo fato de estar
apaixonada pela ciência – uma alarmante incom-
patibilidade entre inteligência e beleza que também
faz parte das convicções da jovem cientista.
O assédio sofrido por Alice é recorrentemente
abordado por meio de piadas, sua profissão de
cientista não parece tão comum a uma mulher: ao
receber diversos flertes do deputado Veloso [Car-
los Tovar], quase sempre sozinha – “uma cientista
tão bonita”, “gostaria que fosse minha secretária”
– comenta o político, sempre se aproximando.
Alice é obrigada a se afirmar de alguma maneira,
promovendo um juízo de valor próprio com relação
à sua classe – “eu não sou secretaria, deputado,
sou cientista”, revela ela por meio de uma voz que
existe, e é rebatida com outro flerte que coloca o
seu trabalho em função de uma relação amorosa
forçada e embasada na ideia de posse, “pois bem,
gostaria que fosse minha cientista”.
No caso de Krina Iris, a extraterrestre que surge
para promover um tratado de paz entre as potên-
cias do planeta Terra, reconhece-se a tratativa de
uma figura mais petulante, sugerindo outras possi-
bilidades de existência para as mulheres em meio
a um vasto e desconhecido universo. A alienígena é
confirmada por meio de pequenas ações que cos-
tumam infringir algumas leis ou regras pré-estabe-
lecidas em nosso mundo, como quando ela obriga
Gagarino a entrar em um local estritamente proibi-
do no laboratório ou no momento em que ela deixa
propositalmente os cosmonautas congelados para
poder decidir algumas coisas da missão completa-
mente sozinha. Quando surge, Iris é recebida com
piadas que exacerbam a sua beleza – “a senhorita
é muito bonita, simpática, até cheirosa” – e, poste-
riormente, ao apaixonar-se por Gagarino, se revela
por meio de uma certa inocência com relação às
questões amorosas entre os indivíduos, algo que se
explicaria: [1] pelo modo de vida em seu planeta? ou
[2] a partir de uma ideia de feminilidade já reconhe-
cida, taxada como inocente e utilizada por ela, de
forma amplamente consciente?
Revista Poiésis, Niterói, v. 22, n. 38, p. 293-308, jul./dez. 2021 [https://doi.org/10.22409/poiesis.v22i38.49000]