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materiais de trabalho e coberto de poeira. Para o
escritor, isso daria a ver o respeito que Giacometti
tinha por todas as matérias, incluindo a poeira, que
ele não permitia que sua esposa, Annette, retirasse
das vidraças [GENET, 2000, p. 45]. Ainda em relação
ao ateliê, ou seja, ao lugar de trabalho do artista –
mas que também implica em um trabalho do lugar
– Genet observa:
Aliás, esse ateliê, ao rés-do-chão, vai desabar de um momento para
outro. É de madeira carcomida e poeira cinza, as estátuas são de
gesso, deixando à mostra a corda, estopa ou um pedaço de arame;
as telas, pintadas de cinza, perderam há muito tempo a tranquilidade
que tinham na loja, tudo está sujo e abandonado, tudo é precário e
está prestes a desmoronar, tudo tende a se dissolver, tudo flutua [...]
[GENET, 2000, p. 92]
Ou seja, tanto as obras de Giacometti quanto o seu
lugar de trabalho tocam esta possibilidade de
desmoronamento, de apagamento, de dissolução.
É sempre uma precariedade que está em jogo, ou
uma iminência de destruição. James Lord1, em seu
livro
Um retrato de Giacometti
, também fala sobre o
ateliê do artista e o descreve de forma parecida
com a de Genet:
De tanto posar ali, hora após hora naquele ateliê cinzento,
atravancado, empoeirado, a gente começava a sentir que,
realmente, todo o futuro dependia da possibilidade de se
reproduzir exatamente por meio de pincéis e de pigmentos
a sensação visual produzida por um determinado aspecto
da realidade. [LORD, 1998, p. 34-35]
A poeira depositada e acumulada pelo tempo é
uma menção recorrente nos livros de Genet e de
James Lord.
A segunda citação da epígrafe foi retirada do
livro
Génie Du No-Lieu: Air, Poussière, Empreinte,
Hantise
[2001], em que Georges Didi-Huberman se
detém sobre a série de obras intitulada
Delocazio-
ne
, do artista italiano Claudio Parmiggiani [1943-].
A série foi iniciada pelo artista em 1970,
com um trabalho realizado na Galleria Ci-
vica di Modena [galeria de arte em Módena
– Itália], onde se organizava uma exposição
coletiva, intitulada
Arte e Crítica.
Parmiggiani escolheu trabalhar em um
determinado espaço do museu, que era uti-
lizado habitualmente como depósito. Nessa sala,
o artista encontrou diversos objetos ali deixados,
entre eles obras em caixas de madeira e um peda-
ço de escada apoiado na parede, juntos a muita
poeira [Fig. 1].
Como observa Didi-Huberman:
Ao deslocar os objetos para “fazer o espaço”, como se
diz – primeiro ato de delocazione, portanto –, o artista
foi tomado pela visão, paisagem ou natureza morta,
de traços deixados em negativo pela poeira. E foi isso
mesmo que ele decidiu, consequentemente, trabalhar.
Tratava-se de intensificar, de acentuar, de dar de novo
consistência às impressões existentes, e mesmo de criar