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da realidade. A ideia da fotografia como artifício
– construção em vez de “espelho” – é fortemente
ressaltada no livro. Embora as imagens descorti-
nem as dimensões gigantescas e certas particu-
laridades paisagísticas e humanas da Amazônia,
os autores não nos deixam imergir simplesmente
no assunto. Somos constantemente lembrados de
que estamos diante de imagens, com elevado grau
de pensamento construtivo. Assim, as pontas de
negativos fotográficos reproduzidas na abertura e
no fechamento da sequência imagética – e que res-
surgem em páginas intermediárias – lembram-nos
continuamente de que, entre nós espectadores e as
realidades mostradas nas imagens encontra-se, in-
variavelmente, o filme fotográfico. O mesmo ocorre
quando nos deparamos com margens de fotogra-
mas impressas nas páginas. Talvez pelo mesmo
motivo, as imagens, embora reproduzidas quase
do tamanho do formato da página, não “sangrem”,
não alcançando as bordas do papel. Emoldurando
as fotografias, há margens que, embora estreitas,
não nos deixam esquecer de que estamos diante de
recortes, artificialmente construídos, da realidade.
Um depoimento de Love é particularmente elucida-
tivo a esse respeito:
Na verdade, o livro surgiu das convicções sobre a
natureza da fotografia e sobre a experiência na região,
numa tentativa de conciliar ideias desses dois universos.
A Amazônia era o tema, mas o objetivo era mostrar que
uma foto não é uma representação fiel do assunto. O livro
foi construído para traduzir esta tese, de que aquilo que a
fotografia mostra é uma impressão da realidade, apenas
a minha impressão. O que você vê é a foto da floresta,
não a própria. Não é o céu que você vê, é o filme. Não
é um livro da Amazônia, é um livro de filmes. O livro nunca
foi entendido. Também, ele foi simplesmente banido, na
época áurea da censura. Nunca chegou ao público.
Tiraram o texto. Achávamos suficiente o leitor ter uma
introdução poética da recriação de atmosfera para estar
preparado a se lançar nas imagens, onde a atmosfera, e
não a fidelidade a um assunto, era o objetivo [LOVE,
apud
NOGUEIRA, 2018, p. 205].
Quanto à materialidade da imagem e aos jogos
visuais envolvidos,
Amazônia
faz uso abundante
de texturas, repetições, espelhamentos e sequ-
ências. Há fartura de texturas diversas, em moti-
vos que muitas vezes não se deixam reconhecer,
mas que certamente nos introduzem a certa “at-
mosfera” amazônica, como Love queria. Por essa
valorização da materialidade dos elementos,
Amazônia
torna-se um livro intensamente tátil,
embora por recursos puramente bidimensionais.
O uso de repetições é também frequente. Muitas
fotografias são reproduzidas mais de uma vez, ou
de maneira idêntica ou, como é mais frequente,
com tratamentos diferenciados – espelhamen-
tos, rotações, novos enquadramentos e interven-
ções de luz, etc. –, de modo a nos lembrar, uma
Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 39, p. 224-252, jan./jun. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i39.49154]