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YANOMAMI: FRENTE AO ETERNO
Yanomami
:
frente ao eterno
foi o primeiro dos
três livros
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lançados por Claudia Andujar em
1978. O volume, realizado em parceria com Darcy
Ribeiro, inaugurava a série intitulada
Memória So-
cial
da Editora Praxis, dedicada a tratar de “temas
sociais brasileiros”, segundo a editora [ANDUJAR,
1978a, n.p.]. Nele, há a apresentação de Claudio
e Orlando Villas Boas, além de textos de Andu-
jar e Ribeiro, todos tocando, em maior ou menor
grau, nas ameaças físicas e simbólicas a que
estavam submetidos os Yanomami pelo recente
contato com a sociedade dita civilizada. O livro é
dedicado à memória do pai da fotógrafa – morto
em campo de concentração nazista, assim como
toda a sua família paterna, de origem judia –, e a
experiência traumática da guerra surge pontual-
mente, em texto de sua autoria, relacionada ao
desterro dos Yanomami: “[...] essa procura partiu
de mim, de meu próprio sofrimento e vida, mas
me ultrapassou e abarcou o destino de um povo,
como o dos Yanomami, com o qual me identi-
fiquei e cuja luta virou minha luta” [ANDUJAR,
1978a, n.p.].
O projeto gráfico foi pensado pelo artista Wesley
Duke Lee, com margens amplas e abundância de
fundo branco [NOGUEIRA, 2018, p. 203]. Ao longo
das páginas, trechos curtos sobre o cotidiano e a
cosmovisão yanomami ocupam pequeno espaço
em canto inferior de página majoritariamente
branca, acompanhando e contextualizando uma
imagem que geralmente se encontra na página
ao lado. Cada fotografia situa-se no interior de
um retângulo de linhas pretas muito finas, que
lhe serve de moldura e a faz flutuar no espaço.
Cria-se o ambiente propício para que o olhar se
demore sobre as imagens em si, com rápidas
digressões para as frases adjacentes [Fig.1].
As fotografias, todas em preto-e-branco, mos-
tram partes de corpos yanomami: rostos [frente
e perfil], seios, nuca, barriga grávida, dorso,
torso, mãos, vagina, etc. Em meio aos fragmen-
tos de corpos, alguns artefatos culturais são
enfatizados: colares de miçangas, brincos de
penas, braçadeiras, tangas femininas, cordões
penianos, dentre outros. Ora as figuras aparecem
sozinhas, ora em pares. As imagens são feitas
a uma distância muito pequena dos retratados,
fruto da intimidade que a artista havia desenvolvi-
do com eles ao longo dos anos de convivência: às
vezes, parece que podemos tocar um rosto, uma
mão, uma barriga, uma nuca. Claudia nos deixa a
sós com a intimidade de seus modelos em meio à
imensidão branca da página.
DE MORAES, Ana Carolina Albuquerque. Xamanismo em fotolivros de Claudia Andujar: Yanomami e Amazônia.