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© 2022 André Gaudreault, Philippe Marion, Adriano Carvalho Araujo e Sousa

Submetido: 8/6/2021 Aceito: 24/4/2022

“Belinografização”, telecinema e videocinema 1

“Belinografization", telecinema, and videocinema
“Belinografización", telecinema y videocinema

Resumo A chegada da televisão foi o elemento desencadeador de uma das maiores crises “existenciais” que o cinema conheceu – uma crise que mal chega ao fim agora que a supremacia do “videocinema” (definido como o fenômeno que reúne todos os resultantes desse cinema que se oferece fora dos quadros clássicos delimitados pela projeção) é atestado pela dominação exercida pelo digital sobre o conjunto dos meios audiovisuais. Depois de ter associado esse “videocinema” a um possível “terceiro nascimento” do cinema e evocado as reflexões abordando o “telecinema” nos anos 1940-1950, os autores deste artigo propõem erigir o belinógrafo (que foi um dos primeiros aparelhos a permitir a transmissão de fotografias à distância de modo simples e rápido) como referência emblemática para apreender – no quadro, notadamente, de uma “arqueologia da imagem decomposta” – a televisão, o videógrafo e, mais amplamente, a imagem digital.

Palavras-chave telecinema; Belinógrafo; videocinema; cinema digital; telepresença

*André Gaudreault é professor da Universidade de Montreal e dirige o Grafics (Grupo de Pesquisas sobre o Advento e a Formação das Instituições Cinematográficas e Cênicas). E-mail: andre.gaudreault@umontreal.ca.

** Philippe Marion é professor na Universidade Católica de Louvain. Membro fundador do Observatório da Narrativa Midiática (ORM) e da Escola de Jornalismo de Louvain (EJL).

***Adriano Carvalho Araujo e Sousa é pós-doutorando em Estudos de Literatura na UFSCAR e autor de Poética de Júlio Bressane (Educ/Fapesp, 2015).
E-mail: logodedalo@hotmail.com.Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9180-2409

André Gaudreault* (Universidade de Montreal, Canadá)
Philippe Marion** (Universidade Católica de Louvain, Bélgica)

TRADUÇÃO: Adriano Carvalho Araujo e Sousa*** (Universidade Federal de São Carlos, Brasil)

Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 40, p. 230-245, jul./dez. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i40.50393]

Abstract The arrival of television is the event which set in motion one of the greatest “existential” crises the cinema has known – a crisis which is barely coming to an end now that the supremacy of “videocinema” (defined as a phenomenon which brings together everything pertaining to this cinema, located outside the classical framework delineated by projection) is ensured by the domination of the digital over all audiovisual media. The authors of this article, after having associated this “videocinema” with a possible “third birth” of cinema, with reference to debate around the “telecinema” of the 1940s and 50s, propose to raise up the bélinographe (one of the earliest devices for transmitting photographs across distances in a fast and simple manner) as an emblematic benchmark for understanding television, videography and, more broadly, the digital image as part of an “archaeology of the desconstructed image.”

Keywords telecinema; Belinograph; videocinema; digital cinema; telepresence

Resumen La llegada de la televisión fue el elemento desencadenante de una de las mayores crisis "existenciales" que ha conocido el cine, una crisis que apenas está llegando a su fin ahora que la supremacía del "videocine" (definido como el fenómeno que recoge todos los resultados de ese cine que se ofrece fuera de los marcos clásicos delimitados por la proyección) queda atestiguada por el dominio que ejerce lo digital sobre el conjunto de medios audiovisuales. Después de haber asociado este "videocine" a un posible "tercer nacimiento" del cine y de haber evocado las reflexiones sobre el "telecine" de los años 1940-1950, los autores de este artículo proponen erigir el belinógrafo (que fue uno de los primeros dispositivos en permitir la transmisión de fotografías a distancia de forma sencilla y rápida) como referencia emblemática para aprehender - en el marco, sobre todo, de una "arqueología de la imagen descompuesta" - la televisión, el videógrafo y, más ampliamente, la imagen digital.
Palabras clave telecinema; Belinógrafo; videocinema; cinema digital; telepresencia

O artigo que abre caminhos aqui2 tem o objetivo de propor uma compreensão dinâmica do cinema na era do tudo-numérico3, a partir de certas “linhas de fratura” – como diz Soulez (2018) no texto de apresentação ao dossiê onde fora originalmente publicado –, as quais balizaram a história movimentada das imagens em movimento. Para fazê-lo, nós desenvolveremos uma hipótese recém-formulada por um dos autores do presente texto, segundo a qual teria se instaurado um novo paradigma no momento do advento da televisão, o “videocinema” (GAUDREAULT, 2016, p. 325), reunindo todos esses filmes que se oferecem ao espectador fora dos quadros clássicos delimitados pela projeção em sala de um filme rodado em película de argento. Com efeito, a chegada da televisão permitiu ao espectador “consumir” uma obra cinematográfica sem ficar preso à penumbra de uma sala pública. Isso constituiu, em si, uma verdadeira revolução, à qual viria rapidamente suceder uma outra: a do registro em vídeo, que, por sua vez, permitiu ao espectador “consumir” um filme quando o desejasse, e isso, ainda mais, permanecendo à distância de salas chamadas de escuras. Os “novos” suportes “afora película” sobre os quais de agora em diante se rodariam os filmes – ou melhor ainda, sobre os quais seriam “codificados” – iriam assim cruzar uma distância entre a situação clássica de consumir um filme e as outras circunstâncias de visionar tornadas possíveis por isso que poderíamos chamar de modo geral o “dispositivo vídeo”, que é um tipo totalmente novo de relação com as obras cinematográficas – um novo paradigma – que seria instaurado no próprio seio de uma cultura, a do cinema, da qual alguns elementos fundamentais seriam assim desestabilizados e perturbados, para não dizer comprometidos.

Portanto, segundo esse modo de considerar as coisas, haveria de um lado, os filmes de cinema e, do outro, os filmes de videocinema, advindos de dois dispositivos concorrentes e concomitantes, mas fundamentalmente distintos, os quais oferecem circunstâncias de visionar diametralmente opostas.

Para situar adequadamente o contexto disso que nós chamamos “videocinema”, é preciso reavivar uma questão antiga que, ainda que amortecida pela atualidade da transição numérica, continua a exalar bafejos de polêmica sulfurosa: as relações entre cinema e televisão. Visto que é de fato, a chegada da tele(visão) que começou a colocar em causa a exclusividade do fotoquímico na produção de imagens em movimento, e que foi o elemento deflagrador de uma das maiores crises “existenciais” que o cinema conheceu – uma crise que termina apenas agora que a supremacia do videocinema é afirmada pela dominação que exerce o numérico sobre o conjunto das mídias audiovisuais.

Houve esforço em vão para erguer fronteiras entre essas duas mídias autônomas que são o cinema e a televisão (notadamente, ao lhes assinalar papéis sociais e culturais distintos), um certo cruzamento sempre subsistiu entre elas, seria apenas porque essa nova mídia, a televisão, apresentava filmes provenientes daquela mídia totalmente distinta que era o cinema à época. Mas também porque, desde o momento que a televisão foi instituída, as fronteiras entre as mídias começaram a se esfumar. A título de exemplo do modo com o qual a televisão se imiscui no campo da reflexão sobre o cinema e da crítica de filme, pode-se citar o fato, bem pouco conhecido em estudos cinematográficos, de que os Cahiers du cinéma qualificavam a si próprios desde o início como “revista de cinema e do telecinema” – tal o proclama sua página de capa desde seu primeiro número e em todo o prosseguimento de seus quatro primeiros anos de existência4.

Os Cahiers du télécinéma?

Agora, não apenas as fronteiras que se esfumaçaram; com efeito, a leitura de uma nota editorial publicada no primeiro número dos Cahiers5 dá a pensar que um pouco de confusão reina nos espíritos mais puros entre os puros:

Esta revista comporta em seu título a palavra “telecinema”; trata-se exatamente de um programa: todo filme que registra imagens por um procedimento fotoquímico nos interessa, seja ele o filme que se serve da televisão como suporte e que desempenha com relação a ela – mutatis mutandis – o papel de disco ou do magnetofone em relação ao rádio. Parafraseando um dito célebre, nós estaríamos quase tentados a dizer: “Tudo o que é cinema é nosso.”

Quando se lê com atenção este enunciado de princípios, constata-se que, apesar de uma aparente abertura ao “televisual”, os puros são puros e permaneceram puros. Os redatores dos Cahiers du cinéma se arriscam na chuva, sem dúvida, mas não atravessam o rubicão: na televisão, segundo eles, do cinema, só se destacam imagens que tenham sido “registrad[as] […] por um procedimento fotoquímico”. E é assim que, desde 1951, os interlocutores particularmente esclarecidos do mundo da cinematografia antecipam de imediato a oposição fotoquímica/eletrônica, na origem de um combate que causa furor desde o fim do século passado e que já se perfila no horizonte, o promontório da primeira metade do dito século penosamente atravessado: no canto direito, a estocástica do grão; no canto esquerdo, a trama do pixel…

Cabe notar que o “telecinema” ao qual os Cahiers fazem referência não designa nem o “aparelho que serve [ainda em nossos dias] para transmitir um filme pela televisão”6, nem as “diferentes técnicas ópticas e eletrônicas que permitem converter um filme de cinema registrado em película de argento em fonte de vídeo”7. Para os redatores dos Cahiers, o telecinema é desde o início e antes de mais nada tudo o que é rodado em uma película fotossensível e que passa na tela da TV. Portanto, “cinema” é e permanecerá como toda imagem da televisão tendo sido desde o início colocada em filme ou, dito de outro modo, toda imagem que tiver a película filme como suporte. De qualquer modo, sejam:

* Os próprios filmes “de cinema”, que passam no telecinema (o aparelho) para ser difundidos na tela de TV;

* Os teleteatros que passam também pelo telecinema (o aparelho) depois de ter sido filmado em película8.

Assim, a palavra “telecinema” não apenas designa uma tecnologia e um aparelho, mas também um “gênero” novo9, próprio da televisão, sempre evocado nos periódicos franceses desde os anos 1930 e sobre os quais não é fácil encontrar uma definição clara. De fato, como o escreve Fabien Le Tinnier a um dos autores do presente texto10, a palavra “telecinema”:

[…] compreende um vasto espectro de acepções possíveis e tantas realidades diversas. O telecinema dos Cahiers não é o mesmo que o apresentado por L’Herbier, por exemplo. Para os Cahiers, a ocorrência telecinema parece designar a ficção televisiva realizada desde o início sobre filme depois difundida via antena por meio de um aparelho nomeado telecinema, quando o próprio L’Herbier evoca uma “breve sequência” que serve de incipit para uma transmissão de variedades11.

Não é menos verdade que, para L’Herbier também, o qual faz referência em 1954 ao princípio de uma “arte telecinematográfica” (L’HERBIER, 1954, p. 35), a própria ideia de telecinema ultrapassa o simples aparelho porque, para o grande cineasta francês, a “linguagem ‘televisual’” emergiria de um “bilinguismo Tele-Cine” (L’HERBIER, 1954, p. 34) fundado sobre uma alternância entre segmentos pré-registrados em filme e passados ao telecinema, no momento da transmissão e segmentos difundidos ao vivo, a partir de um platô situado em um estúdio de televisão.

O fenômeno do telecinema foi notadamente objeto, em outubro de 1949 (dezoito meses antes do aparecimento do primeiro número dos Cahiers du cinéma), de um artigo – também digno de nota por seu conteúdo e sua profusão – publicado em La Revue du cinéma, pelo realizador francês George Freedland (também roteirista e montador), para quem o telecinema consistia principalmente na “[t]ransmissão de um filme, documentário ou romanesco, preparado especialmente para a televisão” (1949, p. 124). No momento em que o artigo de Freedland foi publicado, o redator-chefe adjunto de La Revue du cinéma12 é ninguém menos que Jacques Doniol-Valcroze, que logo seria (em abril de 1951), um dos dois redatores-chefe (com Lo Duca) desses “cadernos do telecinema” que serão (também), nos seus primórdios, os Cahiers du cinéma. Portanto, é provável que o termo seja utilizado em 1951 pelos Cahiers no prolongamento de seu uso em 1949 em La Revue du cinéma13, e que ele designa também ficções (cf. o “filme […] romanesco” de Freedland) destinadas à televisão, a princípio filmadas em película – em um sentido não muito distante daquele do telefilme do fim dos anos 1970. É preciso, no entanto, expor as nuances deste esboço de comparação um pouco apressado, visto que, como o precisa Gilles Delavaud14:

[…] o telefilme dos anos 1970, ou de hoje, não será jamais algo além de um filme registrado em vista de uma difusão para televisão, geralmente, sem projeto estético ligado à especificidade da mídia, e nesse sentido bastante afastado do projeto (ou do sonho, da utopia) de um “telecinema” pensado como “um ‘gênero’ novo”. […] os telefilmes comuns nos anos 1970 na França (ou os movies made for television nos Estados Unidos a partir do meio dos anos 1960) podem dificilmente ser considerados como provenientes de um gênero novo, isto é, inventando, para falar como Freedland [1949, p. 124], uma “sintaxe nova”.

A magia do estúdio da rua Cognacq-Jay

Essas reflexões sobre o telecinema em fins dos anos 1940 se desenvolveram também através de reportagens sobre os estúdios de televisão e, notadamente, na França, aqueles da rua Cognacq-Jay. Em uma dessas reportagens, publicada em L’Écran français, Jacques Sigurd (1946, p. 9) propôs uma tipologia em dois regimes que ilustra bem as reflexões de então (ou melhor, as hesitações, pode-se dizer) quanto ao lugar e ao estatuto do telecinema: ao lado da televisão ao vivo, “que registra uma cena com modelos vivos e a transmite instantaneamente”, o telecinema é um “procedimento anexo que permite difundir imagens cinematográficas registradas anteriormente em película”. Além disso, Sigurd precisa que a televisão também permite associar os dois regimes:

Uma mesma transmissão pode comportar ao mesmo tempo passagens em televisão ao vivo e passagens de telecinema que se combinaram, graças aos artifícios da montagem, em uma continuidade homogênea.

Ele também pressente essa força incontestável do filme – do “cinema” – enquanto suporte indispensável para a televisão:

Mas o cinema não servirá apenas para veicular e conservar imagens televisionadas. De agora em diante, a experiência prova que seremos levados a realizar filmes especialmente concebidos para a televisão.

O desvio pela televisão dos anos 1950 esboçado acima nos mostra, portanto, que o numérico tem, por assim dizer, a “quem” puxar, visto que se pode encontrar suas raízes em um passado bastante longínquo, em que invenções técnicas novas como a televisão invadiam o ecossistema midiático. A palavra “raízes” poderia parecer suspeita… Para terminar com qualquer desconfiança de “teleologismo” e, antes disso, estar em sintonia com nossa própria concepção de séries culturais15, digamos apenas que, para nós, o numérico merece ser colocado em ressonância com a “movência” que precedeu e cercou o advento da televisão.

Séries culturais e arqueologia do
digital: o Espectro do Belinógrafo


Lembremos de que, na acepção que nós damos ao conceito, a “série cultural” é uma ferramenta heurística que o observador pode construir a fim de estabelecer conexões e continuidades entre elementos midiático-culturais que não aparecem de imediato relacionados entre si. O recurso à noção de série cultural visa justamente ir além de “imobilizações” midiáticas e genéricas, e permitir ao pesquisador de se libertar de cristalizações institucionais em sua apreensão de fenômenos socioculturais. A série cultural encontra sua pertinência dinâmica na ideia, declinada em diversas formas, de “sequência”, de prolongamento, de continuidade.

Como nós afirmamos recentemente, essa instância que nós chamamos o “fazedor de séries” (GAUDREAULT; MARION, 2016, p. 66) seria assim um tecedor de conexões, capaz de colocar em dia continuidades onde antes só se percebia descontinuidades, rupturas, universos separados, até mesmo incompatíveis. A série cultural situa-se desde então propensa a ou mesmo em relação de englobamento no tocante às próprias práticas culturais, como Laurent Gerbier destacou anteriormente16:

Esta concepção de “série Cultural” tem como fundamento, que não se trata apenas de uma prática cultural, trata-se sobretudo de uma escolha problemática do pesquisador, que leva à existência uma categoria que lhe parece fazer sentido. Assim concebida, a noção de “série cultural” constitui uma ferramenta de pesquisa que produz a inteligibilidade a qual seja a menos tendenciosa possível (isto é, a menos brutalmente genealógica possível, visto que vai se tratar de utilizar a noção de série cultural para neutralizar a perpétua questão das origens […]).

O estilhaçamento ou o “perecimento de seu estar-no-mundo” (GAUDREAULT; MARION, 2013, p. 205), que o cinema parece vivenciar hoje em dia não começou ontem. Um bom número de inovações tecnológicas, bem mais antigas que o numérico, com efeito foram colocadas de volta no tabuleiro para revisitar o cinema em suas singularidades identitárias. Portanto, não há então só o cinema que conhece uma forma de perecimento de seu estar-no-mundo: é o caso de toda imagem que foi submetida a um processo de désassemblage-réassemblage. Nesse sentido, a digitalização17 do cinema seria apenas uma forma avançada desse processo que nós chamamos de “belinografização” (palavra derivada do nome desse ancestral do telecopiador que é o belinógrafo, inventado no início do século XX, sobre o qual nós retornaremos mais adiante), processo que teria começado nos anos 1930-1950 com a introdução da televisão no cerne da experiência audiovisual.

Nesse sentido, gostaríamos que o presente texto, o qual se impregna e se nutre de nossa reflexão recente sobre a dinâmica das séries culturais, contribua para colocar em funcionamento uma arqueologia do numérico, a qual se inscreveria nessa arqueologia das mídias que, segundo Yves Citton, deve muito à imaginação heurística de um Georges Didi-Huberman e à sua intepretação da noção de sobrevivência18 – a qual entra em ressonância com nossa própria démarche genealógica e serial-cultural; com efeito, para Didi-Huberman:

A sobrevivência “abre uma brecha nos modelos usuais da evolução” que raciocinam em termos de começos e fins, de nascimentos e mortes, de antes e depois, nos impedindo de apreender a dinâmica própria que constitui a vida – profundamente “anacrônica” – das imagens, textos e obras de arte. (CITTON, 2014, p. 31)


Uma mídia nasce sempre três vezes...

Refutar, portanto, o raciocínio “em termos […] de nascimentos e de mortes”. Mas ao destacar essa crítica, nós oferecemos não um bastão para nos bater, nós que propusemos o modelo de duplo “nascimento” das mídias?19 De fato, não, porque esse destaque reúne perfeitamente a autocrítica que nós formulamos no que diz respeito ao nosso modelo, já enunciado aqui. Com efeito, nós temos sempre pensado – e dito – que o importante na expressão “duplo nascimento”, não é tanto a palavra “nascimento” senão a palavra “duplo” – porque nada nem ninguém pode propriamente falar “nascer” duas vezes. Para nós, a palavra “duplo” é nesse sentido uma forma irônica e homeopática de recolocar em questão “a mitologia hagiográfica do ‘bebê-mídia’ trazido numa bela manhã não se sabe por qual cegonha dos primeiros tempos” (GAUDREAULT; MARION, 2000, p. 23-24). Dito isto, é verdade que cometemos um outro “pecado” – venial e deliberado – de antropomorfização, ao falar mais recentemente (GAUDREAULT; MARION, 2013) da “morte” do cinema, de sua morte aparente, sem dúvida… como testemunha o ponto de interrogação no fim do título da obra em questão (intitulada O Fim do Cinema?), na qual, além disso, nós formulamos a hipótese de que a morte do “modelo clássico” do cinema, por ocasião da digitalização da mídia, teria de fato dado lugar a um outro nascimento: um terceiro, portanto, se nos permitirem de recorrer ainda à nossa metáfora antropomórfica.

Relembremos também que nosso modelo inicial do duplo nascimento (nós o explicamos várias vezes) não deve (não mesmo!) ser considerado como um modelo cristalizado. E é com esse mesmo espírito – exatamente a fase em sintonia com a noção de sobrevivência defendida por Didi-Huberman – que nós levamos adiante a hipótese desse novo e terceiro nascimento.

A princípio, digamos, trata-se de um nascimento que toma uma aparência paradoxal, na medida em que pode se assemelhar a uma morte por estilhaçamento, por diluição, por disseminação no numérico. Nós falamos acima da morte do “modelo clássico” do cinema. Com efeito, evocar hoje em dia o cinema também não nos reconduz de modo unívoco como antes ao “monolito” do modelo clássico. O cinema não é mais essa prática cultural dominante que foi capaz de ser no passado. Atualmente, é só um modo audiovisual entre outros, residual para alguns, no grande turbilhão de imagens ecrânicas. Com efeito, enquanto arte e mídia, o cinema acabou por perder uma parte de sua supremacia, sua exclusividade e seu lustre de antanho: nossas telas de cinema apresentam agora óperas, balés, combates de boxe (quando não são sessões de videogame, produções televisivas ou visitas ao museu), e a proliferação de telas terminou por submeter a sala de cinema a uma considerável perda de aura. Tudo, portanto, tornou-se relativo no mundo das “imagens em movimento” e, para dizê-lo sem rodeios, de fato, o cinema caiu de seu pedestal. Assim, essas circunstâncias aliadas à nova plasticidade do cinema, a essa elasticidade identitária da qual ele é manifestação, o tornam, nesse início de terceiro milênio, comparável ao que ele era no tempo de seu primeiro nascimento: um simples meio entre outros, em suma, a oferecer um espetáculo audiovisual.

A encarnação desse terceiro nascimento seria justamente o fenômeno do videocinema, esse novo paradigma do qual um certo número de dimensões se integram de imediato no espírito e na visada de uma arqueologia das mídias.

“Belinografizar” o cinema


Um pequeno esclarecimento “documental” se impõe aqui no que concerne ao belinógrafo (o qual deve seu nome a Édouard Belin, que o inventou em 1907). É um aparelho de telefotografia que foi um dos primeiros a ter a capacidade de transmitir fotografias à distância de modo simples e rápido (ao menos, para a época).

Esse entendimento sobre o belinógrafo nos permite agora formular o que constitui o cerne de nossa pesquisa arqueológica e serial-cultural, a saber, a hipótese segundo a qual a televisão, a videografia e a imagem numérica seriam todas provenientes de um mesmo princípio, o qual seria o soclo tecnológico sobre o qual repousaria o paradigma do videocinema e que representaria a condição de existência desse terceiro nascimento do cinema do qual tratamos aqui. Esse princípio seria, portanto, a “belinografização”, seja esse movimento conjunto de separação/reunião (désassemblage/réassemblage) de imagens e sons, que os torna transmissíveis ou reprodutíveis, princípio que opera em todos os procedimentos que transformam a imagem atomizando-a (em frequências, linhas, pontos etc.).

Uma tecnologia do artifício, pode-se dizer, visto que a imagem assim proposta não reencontra sua totalidade representacional e perceptiva senão pela truca dessa remontagem que deve necessariamente suceder à desmontagem constitutiva de toda tecnologia “belinografizante”. Dado que a imagem televisual (mas isso vale também para a imagem videográfica e, com um mínimo de adaptação, para a imagem numérica) é no fundo apenas uma modulação de pontos elétricos, analisados por uma varredura linha por linha.

Assim ouvimos frequentemente afirmar nos últimos tempos, que a história das mídias não pode ser feita de outro modo senão tecendo o conjunto dos fios de uma história cruzada. Quando evocamos que o rádio procede da telegrafia, que a telegrafia e a telefonia são parentes próximas, que uma das primeiras aplicações do telefone é o teatrofone, que o rádio não é no fundo senão uma adaptação doméstica da T.S.F. (sigla de “telegrafia sem fio” que valeria também para “telefonia sem fio”), que o primeiro “rádio” jornal foi de fato um jornal transmitido à distância por telefone, que o belinógrafo começou sua carreira na telefotografia por uma transmissão telefônica de imagens que ele captava, para logo passar pela “transmissão radiofotográfica”, que a televisão é no fundo a telefotografia animada, e que o iconoscópio, o “olho elétrico da televisão” (SIGURD, 1946, p. 8), é um belinógrafo por imagens em movimento… só se pode concluir que não se pode abarcar tudo tranquilamente.

Quando evocamos também a revista francesa La Télévision, que seu subtítulo qualificava, no início, de “revista mensal de fototelegrafia e de televisão” – marcando assim seu interesse tanto pelos dispositivos do tipo “belinógrafo” quanto pela própria televisão –, e que em seguida mudou seu título para manifestar suas afinidades eletivas com, desta vez, o cinema, tornando-se La Télévision et le cinéma sonore (A Televisão e o Cinema Sonoro), estava de fato na origem de um suplemento de La T.S.F. pourtous (A T.S.F. para todos), que considera a si própria durante um tempo como a “revista mensal dos profissionais do rádio”, vê-se bem que é preciso militar em favor de uma história cruzada das mídias. Imagine: uma revista de cinema como suplemento, como complemento de algum modo, para uma revista mensal de profissionais do rádio! No que diz respeito ao cruzamento de mídias, praticamente não se poderia fazer nada melhor.


A exasperação de Valéry...

Nossa hipótese do terceiro nascimento é para nós, portanto e desde o início, um modo de compreender e situar esse cinema, dito “estilhaçado” (éclaté), que se tornou nosso apanágio cotidiano, um cinema de hibridização no qual esses conjuntos de dados audiovisuais que são transformados em filmes, uma vez “depositados” sobre tal ou tal suporte, circulam sem restrição e com velocidade, a favor de tal mídia, de tal outra, ou ainda de uma terceira. É preciso, portanto, compreender este aspecto de descompartimentação e de circulação intermidial segundo um ponto de vista intrínseco à tecnologia numérica, isto é, ao interrogar esta última quanto à sua maneira singular de gerar esse tipo particular de representações que são as imagens. Sabemos que o numérico tem modificado profundamente a ontologia semiótica de nossas imagens, ao constituir uma condição de sua imensa plasticidade, mas também de sua irredutível artificialidade. É para nós, a componente, digamos, “tecno-semiótica” desse terceiro nascimento.

Sabemos que o registro numérico não provém da impressão luminosa, mas procede sobretudo de uma codificação. A enumerização pela codificação binária afeta hoje todos os estágios da filmagem, o que traz consequências “ontológicas” sobre o estatuto da imagem que daí resulta. É aliás o que Jean-Baptiste Massuet destacava recentemente, ao afirmar isso que “o modo binário tem […] de particular”, é “que ele indiferencia as imagens captadas na realidade e as imagens integralmente geradas por computador”, e citando Àngel Quintana, que escreveu em 2008:

A numerização fragmenta os índices de realidade, os transforma em unidades de informação, em pequenos dados pixels, que podem ser manipulados como informações alocadas na memória do computador. […] A câmera captura o mundo e o transforma em imagem. […] Uma vez digitalizada, a máquina não distingue mais se a imagem foi capturada na realidade ou se, ao invés disso, ela foi elaborada por um programa informático. (QUINTANA 2008, p. 46-48)

A distinção entre “imagem capturada na realidade” e imagem digitalmente construída permitiria ainda retomar nesse sentido a célebre e bem-humorada reação de Paul Valéry (citado por Benedetta Zacarello27):

–O cinema?

–Me exaspera. É o falso pelo verdadeiro […]

O videocinema seria portanto justamente o produto desse terceiro nascimento do cinema… É o que um de nós formulou recentemente da seguinte forma e que nós reiteramos aqui:

O videocinema seria assim o fenômeno que reúne tudo o que provém desse cinema que se oferece a mim fora dos quadros clássicos delimitados pela projeção; sem dúvida, podemos afirmar, sobre um filme estendido em película argêntea, em suportes que me permitem ter acesso ao filme em outras circunstâncias de visionar, em que eu seja livre, graças a meu controle remoto, para interromper ou modular minha experiência. (GAUDREAULT, 2016, p. 325)

Note-se ainda que nossa abordagem do videocinema e da belinografização poderia se prestar a um diálogo crítico com uma certa compreensão da imagem própria ao pensamento midialógico, como escreveu Régis Debray:

[…] o tubo catódico nos levou a passar da projeção à difusão, ou da luz refletida de fora para a luz emitida pela tela. A televisão destrói o imemorial dispositivo comum ao teatro, à lanterna mágica e ao cinema, opondo uma sala escura a uma revelação luminosa. A imagem aqui tem sua luz incorporada. Ela revela a si própria. (DEBRAY,1992, p. 382)

Sendo assim, o videocinema merece ser compreendido e estudado não apenas dentro de uma arqueologia do numérico, porém, mais precisamente, de uma “arqueologia da imagem decomposta”, ou seja, da imagem “estilhaçada”, ou, como dissemos acima, “atomizada”, o que nos permitiria extrair, no sentido da televisão, o que podemos considerar como as premissas da codificação numérica.

Notas

1 Originalmente publicado em “Bélinographisation”, télécinéma et vidéocinéma, Cinémas, v. 29, n. 1, automne 2018. Disponível em https://doi.org/10.7202/1071097ar.

2 Os trabalhos sobre os quais se baseia o presente texto se beneficiaram do apoio financeiro do Fundo de Pesquisas do Québec – Sociedade e Cultura (FRQSC), do Conselho de Pesquisas em Ciências Humanas (CRSH) do Canadá e do Programa de Cátedras de Pesquisa do Canadá, por intermédio de três infraestruturas universitárias dirigidas por André Gaudreault, a saber: o Grupo de Pesquisa sobre o Advento e a Formação de Instituições Cinematográficas e Cênicas (GRAFICS), a seção canadense da parceria internacional de pesquisas TECHNÈS e a Cátedra de Pesquisa do Canadá em Estudos Cinematográficos e Midiáticos. Os autores agradecem a Laurent Le Forestier, Jérémy Houillère, Fabien Le Tinnier e Anne-Katrin Weber pelas trocas que tiveram com um dos autores, ao qual permitiram precisar algumas de suas hipóteses. Este texto retoma uma parte de uma comunicação intitulada “A ‘Belinografização’ do Videocinema e seu Impacto sobre a Autenticidade Midiática”, que apresentamos durante o 3o Colóquio da Sociedade Internacional para Estudos Intermidiais, Authentic Artifice/Authentique artifice, realizado na Universidade de Montreal em maio de 2017.

3 Os autores fazem uma distinção conceitual entre numérico (numérique) e digital (digital) no livro de 2013 e aqui (N. da T.).

4 Se a referência ao telecinema desapareceu da capa em julho de 1955 (na publicação de número 49, em que o subtítulo mudou para “Revista Mensal do Cinema”), a razão social da revista, que figura na página do sumário, conserva, por sua vez, a menção por mais alguns anos, para passar em seguida de “Cahiers du cinéma, revista mensal do Cinema e do Tele-cinema [sic]” para “Cahiers du cinéma, revista mensal do Cinema”, na publicação do número 72, em junho de 1957. Cabe observar, contudo, que a palavra “telecinema” não aparece em nenhum dos títulos de artigos da revista.

5 Esta nota editorial introduz um artigo de Fred Orain (1951, p. 37) intitulado “Filme, cinema e televisão”; observe-se que a palavra “telecinema” não está presente no próprio artigo.

6 Segundo a definição que o Petit Robert versão on-line dá à palavra “télécinéma” (telecinema).

7 Segundo a definição que a enciclopédia livre Wikipédia (https://fr.wikipedia.org/wiki/Télécinéma) dá à mesma palavra.

8 Mas, o que seria das reportagens filmadas do jornal televisivo? Mas, o que seria das reportagens filmadas do jornal televisivo? O que seria das externas filmadas em película com um aparelho de cinema, para os dramas rodados por uma câmera de televisão e transmitidas ao vivo? Pode-se imaginar que os dois casos dariam relevo, para os Cahiers, à categoria de telecinema.

9 Em mensagem particular para André Gaudreault, 17 de agosto de 2017, Gilles Delavaud destaca acertadamente que se o termo telecinema “designa com efeito ‘um ‘gênero novo’, é no sentido em que o aspecto técnico (registro e difusão) é inseparável da promessa de uma renovação da estética do filme. […] Espera-se da ficção ou do documentário televisivos em filme uma renovação das formas”.

10 Mensagem particular de Fabien Le Tinnier para André Gaudreault, 7 de fevereiro de 2017.

11 As palavras de Marcel L’Herbier citadas aqui foram retiradas de um texto que se dá conta das “reflexões que [lhe] foram […] dadas ao conhecimento no que diz respeito à representação, em pequena tela, do grande Pigmalião de Bernard Shaw” (L’HERBIER, 1954, p. 32); leia-se como segue a passagem em questão: “Assim Viallet inicia seu ‘Tele-Shaw’ sobre um fragmento de filme (registrado em 35 mm) que ele passa no telecinema. Breve sequência em que nos mostra, em uma rua, à noite, diante de um teatro, um trecho da cena que – peça ou filme – se passa em Covent Garden e que descreve o encontro inicial entre Higgins, o professor de fonética, e a florista com dificuldades de fala. Então, Viallet emenda sabidamente ao ‘vivo’ sobre o platô da rua Cognacq-Jay, do qual o cenário é um hall de teatro que abriga o lugar da mesma sequência com naturalmente os mesmos atores” (L’HERBIER, 1954, p. 34).

12 Observe-se que o número de outubro de 1949 será o último dessa revista dirigida por Jean George Auriol.

13 Agradeço a Laurent Le Forestier, o qual nos ressaltou isso (comunicação pessoal com André Gaudreault).

14 Em correspondência de 17 de outubro 2017, supra.

15 Sobre nossa mais recente reflexão sobre as séries culturais, ver nosso artigo “Defesa e Ilustração da Noção de Série Cultural” (GAUDREAULT; MARION, 2016); uma versão em inglês revista e ampliada desse texto foi publicada com o título “Defence and Illustration of the Concept ‘Cultural Series’”, em King; Keil, 2020.

16 Na segunda sessão de um seminário sobre a noção de série cultural que ele ministrou na Universidade François-Rabelais, em Tours, 2011, e da qual trazemos o resumo (redigido por Flaurette Gautier) no site da equipe de boas-vindas InTRu (Interactions, transferts et ruptures artistiques et culturels), no endereço https://intru.hypotheses.org/537.

17 No sentido que nós demos a esse termo em nosso livro (GAUDREAULT; MARION, 2013, p. 60): “o que o cinema viveu recentemente é um processo de digitalização […]. A numerização é um gesto, é uma ação que se conduz; é um procedimento (‘eu numerizo tal ou tal documento’) mais do que um processo, enquanto a digitalização […] conota a ideia de um processo, de uma operação que está acontecendo (‘o cinema está em plena digitalização nos tempos atuais’).”

18 Didi-Huberman (2002) pôs no lugar de honra o conceito de sobrevivência, que toma emprestado de Aby Warburg. Como assinala Philippe Despoix em correspondência de 20 de maio de 2017 aos dois autores, esse conceito “pretende traduzir a noção […] de Nachleben (literalmente=‘pós-vida’), de formas de páthos antigo” desenvolvida por Warburg. “Escolher traduzir por ‘survivance’ em francês apaga toda uma dimensão do conceito que se pôde dar de duas maneiras em inglês: survival ou afterlife. Afterlife é na verdade o exato equivalente ao alemão Nachleben e faço minha a proposição de Agamben (que, em contraposição a Didi-Huberman, conhece perfeitamente o alemão) de traduzir sobretudo por “vida póstuma”, que supõe que tenha havido morte (no caso, de deuses pagãos). Não é uma simples metáfora em Warburg, mas [um conceito que marca] o caráter fundamentalmente fantasmagórico da transmissão/metamorfose das imagens…”.

19 Para lembrar de maneira esquemática, o primeiro nascimento seria aquele que permitiu, graças à invenção do aparelho de tomada de imagens, a emergência da série cultural do cinematógrafo, e o segundo seria o que trouxe à luz do dia o cinema, no início dos anos 1910, na sequência do movimento de institucionalização. Ver Gaudreault; Marion, 2000.

20 Ou de “fototelegrafia”, como se dizia à época para fazer a distinção precisa entre a fotografia de objetos afastados efetuada por meio de teleobjetivas (tele-fotografia) e a transmissão de imagens à distância (fototelegrafia); a palavra “telefotografia” acabou, no entanto, por suplantar a palavra “fototelegrafia” ao se impor nas duas acepções nos dicionários habituais (e até mesmo, ao perder totalmente seu segundo sentido, como no Larousse, em que possui o significado de “[t]écnica de transmissão de imagens à distância”).

21 Belin representa uma figura histórica relevante, mas não é o único, nem o “pioneiro” da telefotografia. Nós poderíamos conduzir nossa demonstração desde outras versões de diferentes aparelhos telefotográficos propostos por vários inventores dessa tecnologia. Pense-se principalmente no relojoeiro escocês Alexander Bain que, desde 1843, experimentava um aparelho de telescopia; no abade florentino Giovanni Caselli e seu pantelégrafo, patenteado em 1855; ou ainda no concorrente de Belin que foi o físico alemão Arthur Korn. No espaço francófono, porém, é Belin quem adquire a maior notoriedade, de tal modo que as palavras “belinógrafo” e “belino” – abreviação familiar desse documento transmitido pelo belinógrafo que é o “belinograma” – figuram nos dicionários (e são todas aceitas no Scrabble…). Belin não é o único, portanto, mas seu nome é emblemático, por isso nós decidimos criar o substantivo “belinografização” desejando conferir-lhe um valor igualmente emblemático.

22 Uma “história cruzada” ou ainda uma “história heterogênea”, para retornar a uma expressão tomada de empréstimo a Rick Altman (1988) por Anne-Katrin Weber em sua comunicação intitulada “Fototelegrafia, Televisão, Cinematógrafo Sonoro: Elementos para uma História Heterogênea do Advento do Falado”, apresentada no Colóquio Internacional TECHNÈS, La machine cinéma: histoire et usages, que ocorreu em dezembro de 2017 em Paris, na Cinemateca Francesa.

23 Inventado em 1881 por Clément Ader, esse aparelho serviu até os anos 1930, na França, para transmitir ao vivo (aos usuários de telefone) a captação sonora de óperas… como foi até há pouco o rádio, depois um pouco mais tarde, com as imagens também a televisão e, ainda mais perto de nós, as salas de cinema.

24 Esse “novo sistema de informações […] batizado de Jornal telefônico ou falado” por seu inventor, Tivadar Puskás (Le journal parlé, Revue universelle. Inventions nouvelles et sciences pratiques, v. 7, n. 1 [1894], p. 22), foi instaurada em 1893 em Budapeste.

25 Ver Myriam Chermette (2012, § 23).

26 Em uma comunicação intitulada “As Câmeras Numéricas são Revolucionárias?”, apresentada também no Colóquio Internacional TECHNÈS que ocorreu na Cinemateca Francesa em dezembro de 2017.

27 Ver o artigo de Benedetta Zaccarello, “Le Faux par le vrai: Paul Valéry au cinéma”, publicado no outono de 2011 no dossiê “Filósofos e filosofia no cinema”, da Magphilo, disponível em http://www.cndp.fr/magphilo/index.php?id=129#_ftnref4 .

Referências

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Gaudreault, André; Marion, philippe; Sousa, Adriano Carvalho Araujo e. Belinografização”, telecinema e videocinema.

Primeiro número dos Cahiers du cinéma, publicado em abril de 1951; a menção “REVISTA DO CINEMA E DO TELECINEMA” comparece logo abaixo na página de capa.

Gaudreault, André; Marion, philippe; Sousa, Adriano Carvalho Araujo e. Belinografização”, telecinema e videocinema.

Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 40, p. 230-245, jul./dez. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i40.50393]

Gaudreault, André; Marion, philippe; Sousa, Adriano Carvalho Araujo e. Belinografização”, telecinema e videocinema.

Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 40, p. 230-245, jul./dez. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i40.50393]

Gaudreault, André; Marion, philippe; Sousa, Adriano Carvalho Araujo e. Belinografização”, telecinema e videocinema.

Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 40, p. 230-245, jul./dez. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i40.50393]

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Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 40, p. 230-245, jul./dez. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i40.50393]

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Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 40, p. 230-245, jul./dez. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i40.50393]

Gaudreault, André; Marion, philippe; Sousa, Adriano Carvalho Araujo e. Belinografização”, telecinema e videocinema.

Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 40, p. 230-245, jul./dez. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i40.50393]