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INDIGESTOS TRÓPICOS
ORGANIZAÇÃO: ANA CAROLINA PRUDENTE
NASCIMENTO; ANA CLARA MATTOSO;
ANA SAYEG TRANCHESI; AUGUSTO MELO
BRANDÃO; THIGRESA ALMEIDA
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APRESENTAÇÃO: PERGUNTE À TERRA
Ana Carolina Prudente Nascimento; Ana Clara Mattoso;
Indigestão: algo que fica, incomoda; embrulho no estômago, mas também retorno à
boca. Necessidade de processar de outra forma. Adesão ao corpo diferenciada, imperti-
nente, no entanto, eficaz em dar notícias sobre transgressão – indigestão não se contém
nos limites, é perigosa, precisa transbordar.
Com o título Indigestos Trópicos, o Dossiê da edição 39 da Revista Poiésis visa propor
uma reflexão crítica em torno do processo - geográfico, histórico e simbólico - de cons-
trução de um discurso da brasilidade. Diante do contexto político e social dos últimos
anos, observamos um crescente interesse nas produções de algumes artisties, em
questionar não apenas os símbolos da identidade nacional - bandeiras, estandartes
e monumentos - como os espaços em que o discurso hegemônico sobre a identidade
brasileira se produziu historicamente.
Na contramão do projeto positivista de
ordem e progresso
emergem práticas políticas
e artísticas que denunciam certo estado de indigestão. Da negativa ao banquete con-
ciliatório de uma imagem apaziguadora, esses experimentos parecem querer roer os
contornos dos mapas, operando através desse gesto de borramento, novas
estórias
,
imagens e ações. Quem sabe, para perguntar à terra, de suas fendas, de sua fome e
de seu grito.
NASCIMENTO, Ana
Carolina Prudente;
MATTOSO, Ana
Clara; TRANCHESI,
Ana Sayeg;
BRANDÃO, Augusto
Melo; ALMEIDA, Thi-
Revista Poiésis, Niterói,
v. 23, n. 39,
p. 14-17, jan./jun.
2022. [DOI: https://
doi.org/10.22409/
poiesis.v23i39.52940]
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- Não Comercial 4.0
Internacional
(CC-BY-NC) © 2022
Ana Carolina Prudente
Nascimento; Ana
Clara Mattoso; Ana
Sayeg Tranchesi; Au-
gusto Melo Brandão e
Thigresa Almeida
Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 39, p. 14-17, jan./jun. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i39.52940]
gresa. Pergunte à Terra.
Ana Sayeg Tranchesi; Augusto Melo Brandão; Thigresa Almeida
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Indigestos Trópicos
apresenta-se assim como uma
baliza, não determinante.
No precipício dessas inquietações, decidimos que
além de coletiva, nossa indigestão seria também
imprevisível. Assim, acionamos um convite-dispo-
sitivo a 6 artisties-pesquisadories com a seguinte
proposta performativa:
1. Convide outra pessoa, de sua livre escolha, para
realizar com ela seu trabalho;
2. A forma e o conteúdo são livres, mas a proposta, seja
ela qual for, deve surgir do encontro de vocês, em co-
autoria;
3. Pedimos que, sempre que possível, levem em
consideração o formato da revista, que não comporta
vídeos, apenas imagens e textos.
Fosse através de um trabalho visual, um ensaio,
um texto literário ou o que mais lhes apetecesse,
nossa proposição fundamentava-se no desejo de
incrementar com dissonância uma receita intuitiva
de curadoria aberta. Não sabíamos, naquele
momento, que o acaso direcionado traria consigo
contribuições tão pulsantes sobre transversalidade,
fronteiras, imaginários sonhados-cruzados, e
fricções entre a História contada e as estórias
desviantes. Fabular o presente para sonhar com
futuros mais possíveis e alegres para todes.
Os trópicos podem ser enfim remodelados em
margens fluídas, vibrantes e furtivas, configurando
resistências abrigadas em comunalidades e comu-
nidades transitórias, espaços onde a borda invade
o centro, e o centro se espalha sem retorno. Aqui,
falamos de uma contra-exterioridade daquela pro-
duzida pelo que se convenceu chamar de centro. A
borda produz, quebra e reorganiza os olhares. Desde
a borda pensamos e articulamos este Dossiê. Desde
o seu lugar da contra-exterioridade disparamos um
gatilho: produzir uma dissonância no centro.
Depois de organizar, reorganizar estas ordens, de
entender na prática, nas escritas, nas fotografias e
relatos os Indigestos Trópicos, o que se configurava
como uma provocação, um gatilho e até mesmo
uma baliza, transfere-se para uma ação. Corpus
Indigestos Trópicos, conceito Indigestos Trópicos,
performance e ação Indigestos Trópicos.
Pensar neste dispositivo convidativo de produção
para este trabalho de curadoria proporcionou
que cada trabalho presente formasse sua própria
teia com outres sujeitos, sejam pelas centenas de
vozes que foram ouvidas pelo artista, professor e
pesquisador Elilson e transmitidas em seu trabalho
123 ponteiros de Brasil
; ou seja pela presença dos
artistas fortalezenses Ednardo e Augusto Pontes; da
artista cearense que nasceu no distrito de Quitaiús
do município de Lavras da Mangabeira-CE, Maria
NASCIMENTO, A. C. P.; MATTOSO, A. C.; TRANCHESI, A. S.; BRANDÃO, A. M.; ALMEIDA, T. Apresentação: Pergunte à Terra..
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Macedo; do artista da região do sertão do Ceará,
Lívio Pereira ou escritor cearense,Thiago Florêncio,
que foram presentificados no texto
A arte brasileira
não se resume ao eixo Rio de Janeiro – São Paulo:
sotaques poéticos do Nordeste por uma urgente
história da arte
escrito às seis mãos de Eduardo
Bruno, João Paulo Lima e Waldírio Castro.
Ou ainda, nas localidades e nas imagens dos traba-
lhos
Os Baobás do fim do mundo: trechos líricos de
uma etnografia com religiões de matriz africana no
sul do Rio Grande do Sul
de Marília Kosby e Zé Dar-
ci e na
Série Mapas
de Talles Lopes, assim como os
atravessamentos entre cinema e etnografia, emba-
lados pelo tambor da
macumba
no texto de Camila
Freitas e José Miguel Olivar.
Nesse sentido,
Imagens trans: transe, fabulação e
sobrevivências na fronteira
, é encruzilhada na flo-
resta, dando início as contribuições do dossiê com
texto partilhado por Camila Freitas e José Miguel
Olivar. Contextualizado na Tríplice Fronteira Ama-
zônica entre Brasil, Peru e Equador, o “entre” é o elo
fundamental para se orientar frente às experiências
de corpos dissidentes em um território
transfrontei-
riço
– sempre em trânsito. Habitar a fronteira ecoa
como aposta do encontro entre cineasta e antropó-
logo, nos alcançando com imagens-vagalumes de
um tempo além do tempo.
Nossa bússola
sem norte
segue adiante nos levan-
do até o enlace entre Eduardo Bruno, João Paulo
Lima e Waldírio Castro, um texto-labirinto para
repensar as produções deslocalizadas do sudeste
a partir de outras localidades geográficas, históri-
cas e simbólicas.
A arte brasileira não se resume
ao eixo Rio de Janeiro - São Paulo
se estabelece
perante a urgência de se produzir outras trajetórias
para compreender o fazer da performance.
Re-pen-
sar
a arte brasileira, os fazeres artísticos desde ou-
tros poros e porosidades que podem e vão expandir
olhares das formas de contar a performance em
seus dissensos brasilis.
Na sequência, trombamos com Julia Raiz e Maré
em uma especulação futurista denominada:
Com
o que sonha Lula? Krenak sonha com lives
. Sonha-
-se sonhos úmidos, sonhos de terra, de hormônios
e formigas, o que é profundo e perpassa todas as
existências – mesmo a das bisas em suas vidas
aparentemente pacatas. Assim segue o baile, a
prosa, o poema-experimento que provoca os os
sentidos, imbrica imagens, panos de bandeira em
um certo sarcasmo, elemento imprescindível a toda
receita indigesta.
Numa reverberação não programada dos últimos
trechos de Raiz e Maré, seguimos em outra parce-
ria, dessa vez de Marília Kosby e José Darci Bar-
ros Gonçalves com
Os Baobás do fim do mundo:
Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 39, p. 14-17, jan./jun. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i39.52940]
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trechos líricos de uma etnografia com religiões de
matriz africana no sul do Rio Grande do Sul.
Entre-
tecidos em poemas e pinturas, o axé é materiali-
zado em caminhos plurais, apontando direções
singulares e ainda assim coletivas.
Talles Lopes, com sua Série Mapas, torna quase tátil a
experiência de fronteiras insubordinadas que dese-
jávamos evocar no Dossiê. Não à toa, um de seus
trabalhos,
A Marcha
(2018), foi escolhido como capa
da Revista, onde nos inclinamos ao método cartográ-
fico a partir de uma perspectiva confusa. As métricas
seguidas pelo artista não se sujeitam a um olhar
óbvio. No miolo de nosso Dossiê, já chegando ao fim
das contribuições, chegamos ao ensaio visual de
Talles, onde outros mapas nos convidam a distorcer
as concepções tortas de um Brasil inventado. Em seus
mapas, as linhas institucionalizadas da cartografia
ocidental, já não são tão rígidas e inquestionáveis.
123 ponteiros
incrementam nosso caldo com o
tempero final, pois se antes pensávamos numa co-
laboração em dupla, Elilson traz à dança 123 vozes,
coletando-as e colocando em movimento o passa-
do de 123 anos de Juquery, complexo hospitalar e
colônia psiquiátrica de São Paulo. A memória é viva,
assim como as composições coletivas. Ao frisar o
caráter da escuta em seu trabalho – no qual os re-
latos foram coletados a partir da oralidade – Elilson
brinca com um cinema de voz, onde a contação de
histórias pode criar novas imagens para
estórias
esboroadas pelo tempo.
Assim fluímos, sentindo-nos também parte, par-
ticipantes de uma rede costurada a muitas mãos,
ouvidos, bocas e línguas. Olhares vastos para terri-
tórios de caminhadas infinitas. Nunca se esgotam.
Lembrete para seguirmos atentes aos murmúrios
do solo, ao que está acontecendo agora nas fen-
das insurgentes de um trópico amargo. Atentes às
práticas artísticas engajadas num fazer partilhado,
fazer este que ensaia metodologias experimentais
abertas ao imprevisível. Nosso palpite é que doses
homeopáticas – ou overdoses em alguns casos,
quem sabe – de indisciplina, são capazes de, ao
menos, transformar o indigesto em um motivo de
reconhecimento de pares; reunião daqueles que
seguirão conosco nas lutas por terras mais habi-
táveis e que celebram a possibilidade de traçar,
juntes, outras formas de experimentar fronteiras.
NASCIMENTO, A. C. P.; MATTOSO, A. C.; TRANCHESI, A. S.; BRANDÃO, A. M.; ALMEIDA, T. Apresentação: Pergunte à Terra.