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A ARTE BRASILEIRA NÃO SE RESUME AO EIXO RIO DE JANEIRO
O PAULO: SOTAQUES POÉTICOS DO NORDESTE POR UMA
URGENTE HISTÓRIA DA ARTE
Brazilian art is not limited to the axis Rio de Janeiro – São Paulo: poetic accents from the Northeast
for an urgent history of art
El arte brasileño no se limita al eje Río de Janeiro - São Paulo: acentos poéticos del Nordeste
para una historia urgente del arte
Eduardo Bruno [Universidade Federal do Pará, UFPA]*
João Paulo Lima [Universidade Federal do Ceará, UFC]**
Waldírio Castro [Universidade Estadual do Ceará, UECE]***
BRUNO, Eduardo;
LIMA, João Paulo;
CASTRO, Waldírio.
Revista Poiésis, Niterói,
v. 23, n. 39, p. 55-72,
jan./jun. 2022.
[DOI: https://doi.
org/10.22409/poie-
sis.v23i39.52943]
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Internacional (CC-BY-
NC) © 2022 Eduardo
Bruno, João Paulo
Lima, Waldírio Castro.
RESUMO Esse texto, a partir da apropriação do termo sotaque do campo da linguística, aposta na
dimensão plural da produção artística contemporânea do/no nordeste brasileiro, com o objetivo de
estabelecer rupturas na/com a história da arte nacional, tradicionalmente narrada a partir do eixo Rio
de Janeiro/São Paulo. Para tal, divido em três tópicos, que podem ser lidos na ordem que se preferir, o
texto costura reflexões acerca do lugar do nordeste no sistema de arte nacional, com debates históricos,
poéticos, estéticos, políticos e sociais que se estabelecem entre as regiões nordeste e sudeste. Sendo
assim, cada parte do texto, mobiliza um escopo de referências teóricas e artísticas, provocando a ideia de
sotaques poéticos para demarcar territórios propositivos para a formulação de muitos (outros) mapas (im)
possíveis da arte brasileira.
PALAVRASCHAVE Sotaque poético; arte brasileira; nordeste brasileiro.
RESUMEN Este texto se centra en la dimensión plural de la producción artística contemporánea del
nordeste brasileño, a partir de la apropiación del término "acento" del campo de la lingüística. Busca
establecer rupturas en/con la historia del arte nacional, tradicionalmente narrada por Río de Janeiro/São
* Eduardo Bruno é doutorando em Artes na UFPA com bolsa FAPESPA. E-mail: eduardobfreitas@hotmail.com
** João Paulo Lima é artista-performer-educador, escritor e Mestre em Literatura Comparada pela UFC. E-mail: castro.waldirio@gmail.com
*** Waldírio Castro é artista transdisciplinar, arte educador, curador, produtor e mestrando em Artes da UFC. E-mail: jp.movimentos@gmail.com
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Paulo. Dividido en tres temas que pueden leerse en el orden que se prefiera, hilvana las reflexiones sobre el
lugar del noreste en el sistema artístico nacional, con los debates históricos, poéticos, estéticos, políticos y
sociales que se establecen entre las regiones del noreste y del sureste. Además, cada parte del texto moviliza
un ámbito de referencias teóricas y artísticas y provoca la idea de acentos poéticos para demarcar territorios
propositivos para la formulación de muchos otros (im)posibles mapas del arte brasileño.
ABSTRACT This text bets on the plural dimension of contemporary artistic production from/in the Brazilian
northeast, based on the appropriation of the term "accent" from the field of linguistics. It aims to establish
ruptures in the history of national art, traditionally narrated by Rio de Janeiro/São Paulo. Thus, it is divided
into three topics that can be read in any order one prefers, and it sews reflections about the place of
the Northeast in the national art system, with historical, poetic, aesthetic, political and social debates
that are established between the Northeast and the Southeast regions. Moreover, each part of the text
mobilizes a scope of theoretical and artistic references, provoking the idea of poetic accents to demarcate
propositional territories for the formulation of many (other) (im)possible maps of Brazilian art.
KEYWORDS Poetic accent; Brazilian art; Brazilian northeastern
BRUNO, Eduardo; LIMA, João Paulo; CASTRO, Waldírio. A arte brasileira não se resume ao eixo Rio de Janeiro-São Paulo: sotaques poéticos...
PALABRAS CLAVE Acento Poético, Arte brasileña Nordeste brasileño
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Esse texto é um labirinto. Uma armadilha arma-
da não para responder às históricas falácias da
história da arte no Brasil. Como bom labirinto,
não pretendemos apresentar respostas, pois não
há. Qualquer tentativa de resposta seria mais
uma outra falácia, uma caricatura, um reducio-
nismo criado e construído para aprisionar nossas
diversas identidades. Nesse sentido, propomos
que visualizemos o mapa do Brasil por outra car-
tografia, relocalizando as proximidades e lonjuras
que constituíram essas gentes. Contudo, sempre
partindo do plural como referência, dos diversos
sotaques, seja com o /s/ vozeado ou não.
Sendo assim, esse texto aposta na dimensão do
sotaque, numa apropriação conceitual de um
termo da linguística que é usado para designar os
modos como cada falante de uma língua faz uso
dela ao seu modo e ao modo de pequenos grupos
que se inserem no contínuo de uma população.
Sotaques poéticos do Nordeste. Sim, nós temos
sotaques, e vocês, não têm?
É por esses sotaques que nos comparam e/ou
desamparam, que decidimos alinhavar nossos
textos no risco de encontrar e/ou desencontrar
nossas escritas. É pela compreensão das diver-
sas poéticas que apontamos nosso olhar acerca
dos nossos sotaques, demarcando territórios
possíveis e propositivos no intuito de provocar-
mos muitos [outros] mapas [im]possíveis.
SOTAQUE 1  DAS POÉTICAS PERFORMATIVAS
Que historicamente o povo nordestino, devido a
diversas questões, entre elas o empobrecimento
estratégico da região em decorrência do esco-
amento das riquezas para região do sudeste, foi
forçado a migrar principalmente para São Paulo e
Rio de Janeiro, já é de conhecimento de todos. Uma
simples tarde assistindo a televisão brasileira, prin-
cipalmente no fim de semana, podemos ver como
a pobreza nordestina vem sendo espetacularizada
e rentabilizada. De Gugu Liberato a Luciano Huck,
o nordestino, seja na tentativa de voltar para sua
terra ou na necessidade de ter uma moradia digna,
vem sendo apresentado e construído pela mídia
hegemônica como o pobre, uma vítima da seca que
migra para o sudeste na busca do sucesso, ou seja,
toda uma formulação do que a escritora Chima-
manda Ngozi Adichie nomeia enquanto
história
única
[2019] criada para designar um povo.
As riquezas do país, principalmente com a che-
gada da Corte portuguesa no Brasil, vêm sendo
escoadas para a região sudeste há bastante
tempo, ou seja, o pobre que hoje diverte as tardes
de domingo vem sendo forjado por meio de uma
desigualdade social historicamente construída.
Desigualdade essa que não apenas constrói/
construiu o processo de migração do nordestino
para o Sudeste, mas também fetichiza, planifica
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e formula estereótipos, “e o problema com os es-
tereótipos não é que sejam mentira, mas que são
incompletos. Eles fazem com que uma história se
torne a única história” [ADICHIE, 2019, p. 26].
Esse cenário não seria diferente na perspectiva das
artes. Pertinente lembrarmos que, o que é ensi-
nado [desde do fundamental até a universidade]
enquanto história da arte brasileira, na maior parte,
não passa da história da arte do sudeste brasilei-
ro sendo narrada/tomada como história da arte
nacional. Entre Café com Leite, Jardins e Leblon,
muito se sabe e se conta sobre as perspectivas da
arte sudestina enquanto um sinônimo do que se en-
tende como história da arte no Brasil. Muito se sabe,
por exemplo, sobre a Semana de Arte Moderna, de
1922, que ocorreu em São Paulo-SP, mas pouco, ou
quase nada se sabe/fala sobre a Padaria Espiritual,
de 1892, que ocorreu em Fortaleza-CE.
Contudo, não queremos cair na generalização
homogeneizada sobre a formulação da história
da arte brasileira apenas em um viés de geoloca-
lização, sabemos que, mesmo nessa formulação
da arte brasileira concentrada a partir do sudeste,
há toda uma maquinação para se produzir uma
identidade artística nacional com base em uma
construção branca-cisgênera-heterossexual-capa-
citista-classista. A contrapelo disto, o pensamen-
to que estamos mobilizando nesse texto aciona
fazeres e teorizas [práxis] em arte que relacionam a
geolocalização da produção nordestina, mas não
com o objetivo de responder ao modelo hegemôni-
co da figura da identidade artista nacional. Nossa
provocação para uma outra história da arte brasi-
leira parte de uma outra formulação da história, um
outro tempo e um outro espaço. Uma perspectiva
diferente da dominante, não como uma contradi-
ção a esta, mas uma história que é própria em si.
Quando escolhemos sobre o que falar em uma
formulação histórica, definimos quais são as
obras relevantes para serem lembradas, ao pas-
so que relegamos todas as outras produções ao
esquecimento institucionalizado. A formulação
de uma história a ser contada acontece na rela-
ção com o poder vigente e os interesses sociais
em curso, “é impossível falar sobre história única
sem falar sobre poder [...] o poder é a habilidade
não apenas de contar a história de outra pessoa,
mas de fazer que ela seja sua história definitiva”
[ADICHIE, 2019, p. 23]. Com isto, a longa lista da
exclusão de artistas nordestinos, principalmente
aqueles que não correspondem ao processo da
formação de uma ideologia dominante branca-
-cisgênera-heterossexual-capacitista-classista,
se dá também como uma forma de possibilitar a
reprodução do poder hegemônico e manter os
locais de privilégios no país.
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Nesse sentido, apontamos que na esteira das
perspectivas das tecnologias de exclusão e silen-
ciamento, no caso do Brasil, é ingênuo não pensar
na relevância da geolocalização como mais uma
forma de se maquinar uma identidade nacional que
privilegia e aciona lugares de poder a poucos. Ainda
temos uma produção de conhecimento institucio-
nalizado, não apenas em arte, muito concentrado
no sudeste do país, lá estão as universidades mais
antigas e que historicamente possuem o maior
investimento, é também nessa região onde se tem
a maior concentração de renda, além do poder de
influenciar a política nacional. Talvez, por questões
como essas, entre outras, é que a geolocalização,
como estratégia de formulação de um lugar de pri-
vilégio, ainda seja pouco ou quase nunca discutida
de forma transversal nos espaços de poder.
Em detrimento de uma concentração de fluxos de
mercadoria, pessoas e poder político/econômico,
historicamente formulado, a região sudeste, prin-
cipalmente Rio de Janeiro e São Paulo, foi/é o local
que vem conseguindo se desenvolver, de modo
mais rápido, aos moldes da modernização oci-
dental. De um ponto de vista material, se os meios
de produção, historicamente, já estavam sendo
construídos no sudeste, o escoamento econômico
do país já vem ocorrendo há bastante tempo para
a região, construindo, assim, uma elite econômica,
nada mais natural que as grandes cidades nacio-
nais estejam inseridas na região sudeste do país.
Desta forma, em uma corrida desigual, devido a
inúmeros processos históricos, criou-se todo um
cenário para que os demais moradores do Brasil,
principalmente os nordestinos, alimentassem o
sonho de conseguir “descer” para tentar o sucesso
no sudeste, assim como aponta a composição mu-
sical, “Carneiro”, de 1974, dos artistas fortalezenses
Ednardo e Augusto Pontes:
Amanhã se der o carneiro, o carneiro
Vou-me embora daqui pro Rio de Janeiro
Vou-me embora daqui pro Rio de Janeiro
As coisas vêm de lá
Eu mesmo vou buscar
E vou voltar em vídeo tapes
E revistas supercoloridas
Pra menina meio distraída
Repetir a minha voz
Que Deus salve todos nós
E Deus guarde todos vós
O sonho de ir embora para o Sudeste, nem que
seja por meio da sorte de ganhar no jogo do
bicho, circula o desejo nordestino quase como
um fantasma. A ida ao sudeste, deslocando-se
para o eixo de privilégio do país, ainda hoje, paira
como uma
histórica única
de sucesso para o nor-
destino. Uma experiência de deslocamento que,
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quando “conquistaram”, vem junto com o estere-
ótipo e planificação das identidades nordestinas:
nordestino em São Paulo é paraíba e no Rio de
Janeiro é baiano. Um vício de linguagem históri-
co, mas que até hoje é usado para designar “esse
povo que tem sotaque cantando”.
O perigo de percebermos nossas identidades por
meio de uma estrutura de poder que condiciona
a geolocalização como justificativa para a formu-
lação pasteurizada das identidades a partir do
olhar do local de privilégio, é sermos cooptados
pela ideia de que é possível envelopar toda uma
população e seus fazeres culturais a partir de uma
categoria imposta. Entretanto, como estratégia de
fabricação de alianças [BUTLER, 2018], podemos
articular o fato de sermos lidos como nordestinos
para profanar1 essa nomeação a partir do reco-
nhecimento do processo histórico que nos subal-
ternizou a uma estrutura de poder e, assim, nos
organizarmos para destituir essa estrutura histori-
camente estabelecida.
Nesse sentido, apostando na dimensão do sotaque
como uma forma de fugir da homogeneização his-
toricamente imposta aos nossos corpos e produ-
ções artísticas, afirmamos a diferença presente nas
poéticas geolocalizadas no nordeste brasileiro. Se
nossos sotaques sempre foram usados como forma
de sermos apontados como o outro, nos apropria-
mos dessa dimensão do sotaque para afirmarmos
nossas diversas poéticas, estéticas e políticas.
Destacar a produção de artistas locais [nordesti-
nos] que operam ações em arte que deslocam o
olhar para poéticas que surgem de outras centrali-
dades de mundo e narrativas, a partir da experiên-
cia construída com seus corpos e comunidades, é
também perverter a ideia de nordestino sem aban-
donar a necessidade de apontar o apagamento
histórico da produção artística local.
Com isto, entre alguns artistas do cenário contem-
porâneo nordestino, apontar o trabalho de Maria
Macedo, artista cearense que nasceu no distrito de
Quitaiús do município de Lavras da Mangabeira-CE,
é acessar a poética de uma artista nordestina que
opera suas criações ao passo que afirma os seus
e seu entorno, desviando da ideia
sine qua non
de que para produzir arte é necessário se deslo-
car para os eixos de “privilégio”. Dentro da exten-
sa produção de Macedo, destacamos o projeto
“Dança para um futuro cego” [2021], trabalho que
hibridiza performance, fotografia e vídeo. Nessa
obra, o corpo preto de Maria Macedo, vestido em
vermelho, juntamente a paisagem do sertão do
Ceará e objetos como facão, pote de barro e prato
de louça branca, ao passo que mobiliza imagens e
performatividades acerca do sertão, rompe com os
visíveis pré-estabelecidos para a região. Acessar
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esse trabalho é um exercício urgente de percepção
acerca de narrativas outras, de sotaques poéticos
que estão em curso rompendo com os possíveis
impostos aos corpos nordestinos em suas intersec-
cionalidades [AKOTIRENE, 2019].
“[des]Ordem e re[Pro]gresso”, que teve sua primeira
execução em 2018 na primeira edição do Festival
de Performance do Ceará: Imaginários Urbanos2.
Em uma ação que a olhos rápidos pode passar
despercebida, Lívio senta-se em um tamborete de
plástico, na Praça do
Ferreira, localizada na
cidade de Fortaleza/
CE, para, com linhas
vermelhas, costurar os
retalhos do que an-
tes era uma bandeira
brasileira. Ao final, a
bandeira é “hasteada”
em uma pequena árvo-
re da praça.
Tais sotaques poéticos
do nordeste, locali-
zados no Ceará, na
região do Cariri, fazem
parte desse caleidos-
cópio da diferença que
ressoa com tantas outras produções artísticas nor-
destinas. Cada um, longe de uma harmonia, produz
em arte suas questões e mobiliza os materiais e os
suportes que lhes parecem necessários. Com isto,
olhar para estas e tantas outras obras produzidas
por artistas do nordeste é um exercício de ruptura
Imagem: Jaque Rodrigues
Nessa compreensão acerca dos sotaques poéticos
do nordeste brasileiro, apontamos mais um artista
da região do sertão do Ceará: Lívio Pereira. Em meio
a uma produção em arte que passa pela perfor-
mance e as artes visuais, destacamos o trabalho
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para com a história da arte brasileira sudestina que
é tomada/imposta como nacional. Não queremos
com esses exemplos formular um guia prático de
como caminhar e dialogar com os sotaques poé-
ticos do nordeste, contudo, pretendemos apontar
a necessidade urgente de desarticular o local de
Imagem: Igor Dantas
silenciamento e apagamento histórico imposto aos
artistas nordestinos. Artistas, pesquisadores, his-
toriadores, curadores, galeristas, programadores e
todos os demais segmentos envolvidos nos fazeres
da arte se esforcem para fugir do óbvio, descu-
bram outros sotaques poéticos. Se esforcem para
não tentarem olhar nossas produções em relação
apenas com a história da arte nacional posta. Se
esforcem para romper com a ficção do nordeste
criado pela ótica sudestina. A arte brasileira não se
resume só ao eixo Rio de Janeiro – São Paulo, essa
história que inventaram é só “miolo de pote”.
SOTAQUE 2  DAS POÉTICAS LITERÁRIAS
Dia 12 de outubro, dia da padroeira do tal Brasil,
uma santa de imagem preta num país racista, ho-
mofóbico e capacitista. Três bixas e a proposição
de um texto que referenciasse algo de indigesto
por aqui nos trópicos, apesar de quase estarmos
concomitantes em fuso e localização há alguns
graus da linha do equador: Ceará e Paraíba. Bixas
nordestinas, uma delas pretes. Falar de quê se
quase tudo agora e por aqui na Fortaleza fracassa-
da é tema que lateja nas pálpebras de tanta raiva
e descontentamento?
Os sotaques do Nordeste colocado pelo Sul-
Sudeste-Centro-Oeste como um mesmo pacote de
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gente feia, mais escura e morta de fome. Ainda há
essa imagem de nós de como os lá de cima? Ironia.
Foda-se. Nossos /tSi/e /Ti/ se misturam e reverbe-
ramos em narrativas nossas histórias semelhantes
de experiências de xenofobia e regionalismos.
Do lado de cá, de cima, tudo tem sido mais pobre.
Não há mais tantos auxílios sociais. Abismos,
muitos, mais gente na rua e mais miseráveis da
seca e da cerca, ambas historicamente susten-
tadas pela decisão de um tal imperador que se
traslada da Bahia para “construir” a sede do reino
brasiluso. A lusofonia débil na terrabrasilis se
instaura na cidade do Rio de Janeiro e o Nordeste
começa a perceber o arame farpado que ratifica-
rá nosso lugar de exclusão. Pra sempre? Depois
de Minas há a Bahia, depois tudo é Nordeste.
Ouvia isso desde menino de parentes que foram
morar pelo Sul. Até os apelidos dados generali-
zam a espécie brasileira xingada: ei, paraíba! Sai
da frente, bahiano! E por aí foi e vai nossos ecos
de um Brasil “cordialmente” excludente [HO-
LANDA, 1998] que retroalimenta a superioridade
sul-sudeste X norte-nordeste.
De repente, deparo-me com o texto de um conter-
râneo cearense, Thiago Florêncio, intitulado propo-
sitalmente “Nativo ausente”. Na sua escrita, cita-se
as “feridas sutis” lembradas por Nietzsche e men-
ciona a mexicana Gloria Anzaldua, para quem a
fronteira EUA/MÉXICO é uma ferida aberta em que
o primeiro mundo atrita o terceiro e sangra.
Decido olhar o mapa do Brasil pelo
google maps e
imagino a ferida no meu mapa individual e periférico.
Onde começa a ferida do Brasil que vibra uma dor?
Por onde começar a sutura? De onde e quando a
gente resolve se boicotar e criar uma ferida entre
norte e sul e mapearmos quem é mais ou menos
gente, mais ou menos brasileiro, mais ou menos
nativo, de fala melhor ou pior? Quem começou a
dizer que o outro é que fala errado, que o sotaque do
outro é que é feio, estranho, bizarro, engraçado ou
dissimuladamente: bonitinho!
Estamos por aqui no Norte espalhando alegria e
tristeza, excesso de recursos e escassez de inves-
timentos. Aos olhos de boa parte da população
sudestina ainda somos sustentados pelo povo que
trabalha, sabemos apenas fazer festa e ter filhos.
Que somos preguiçosos e burros da cabeça chata.
Parece mentira, mas as frases são ainda motivo de
chacota e zoeira, sim. E por que não espontaneida-
des sincera quando viramos motivos de piada na
TV, no cinema ou nos turismos Brasil afora.
Nossos sotaques têm se misturado mais, conver-
sado e criado um território afim, a fim de suturar
as feridas entre o que a geopolítica de homens cis
brancos criou. Os sotaques são fronteiras líqui-
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das que nem cercas, rios, serrotes, pontes, mu-
ros conseguem desgrudar. Nossa fonética vai se
resvalando e criando outros modos e pontos de
articulação, amalgamam nossos sons de ancestra-
lidades, os sons que sobram do sangue derramado
pelo europeu que pensou ter vencido o que não é
matado. Sotaque é corpo, é subjetividade, é iden-
tidade. Os sons aspirados, fricativos, sibilantes,
oclusivos, todos de norte a sul desse país não foram
ganhos de acentos europeus, mas de uma cor mais
escura, ninado no colo das mulheres indígenas e
nas tetas das mães pretas. Herdamos, cantamos
e dançamos o que é cafuso-caboclo, mameluco,
afro,indígena e liquidamos com toda a tentativa de
cerceamento que ainda nos impõem uma regra da
gramática do português padrão. Ou patrão?
Se andarmos pelos territórios das artes nossas
supostas fronteiras se liquidificaram ainda mais.
Nossas trocas e percepções de si tem ido pra fren-
te sem deixar de olhar pra trás na tentativa de não
vacilar mais para a construção de uma história
mais presente, mais possuída, desfeita de autori-
zações de outrem. Criamos nossas pontes mais
largas e túneis profundos para fugir, desviar do
que o eixo sul parecia por décadas vociferar como
únicas verdades estéticas.
O exemplo disso sempre foi a literatura cearense,
desde o século 19, quando tudo já havia sido trasla-
dado para o eixo mais sudestino, autores e autoras
foram se constituindo escritores de grande rele-
vância para a criação literária nacional. Não fosse
autores cearenses, a literatura realista-naturalista
se ressentiria de personagens-tipos para compor
o quadro de nossas influências deterministas bem
casadas com a miséria dos retirantes e das paisa-
gens ásperas do sertão do Ceará.
Mas não ficamos por aí. A literatura contemporânea
cearense [aqui cito o Ceará por ser meu estado
natal] se envereda por uma escrita experimental,
disruptiva e desconcertante. Escritoras mulheres se
destacam, escritores negros periféricos, espaços
da linguagem da escrita que sempre ousaram mes-
mo se tratando da província do Siará-Grande.
Autoras como Sara Síntique, Nina Rise, Nádia Fabrici,
Argentina Castro, Vitória Régia, Anna K Lima e Mika
Andrade se reúnem e catalogam contos eróticos de
jovens autoras cearenses e ampliam com “O Olho de
Lilith” a literatura com seu olhar sempre predecessor.
Numa país-região-estado-cidade, onde o machismo
ainda prepondera e nos remete à mulher que precisa
recorrer à figura do macho para ser vista mais forte,
jovens escritoras extrapolam o purismo acadêmico e
poetizam suas “escrevivências” para reescrever a la
Conceição Evaristo modos de gritar “isso aqui tam-
bém é nosso” e rompem no cenário litero-brasileiro
suas provocações porosas.
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Não diferente, autores como Talles Azigon também
“lançam mão” de suas composições e escolhem
capturar olhares sobre cidade, periferia, corpo gay,
corpo negro, homoafetividades e denúncia para
construir uma trilogia literária de poesias periféricas
publicadas como o nome de “Sarau” e lançada, re-
centemente, pela editora Substância [Fortaleza-CE].
Mesma editora por onde publiquei meu recente livro
“Viço, Manco, Voo”, que enquanto um escritor
def-gay-nordestino-negro se vê nesse des-cânone,
em que a dissidência e lírica periférica desbrava ou-
tras extensões possíveis para o campo literário.
Tudo isso acontece porque há uma necessidade
cada vez mais incitante de nos conectarmos, “mas
conectar é verbo transitivo direto que, de forma
bem mais ampla, representa a agregação de di-
versos elementos em busca de objetivos comuns.
Reconectar, neste sentido, é refazer conexões que
foram perdidas.” [RUFINO, 2020]. Refazer o que está
perdido pela colonização e recolonização, pelo
afastamento, pela permanência das desoportuni-
dades, pela divisão ilegal e injusta de riquezas, pelo
olhar que empobrece mais que enleva os que estão
-contraditoriamente- na parte de cima do mapa.
E não só reconectar o Nordeste em si, mas o país
que precisa se reformular, removimentar e mover os
lugares horizontalmente para nos vermos e enxer-
garmos melhor [es].
SOTAQUE 3  DAS POÉTICAS QUEERS
Uma das estratégias utilizadas para fabricar a
ideia de centralidade da região sudeste na mídia
hegemônica é a ficção de neutralizar o sotaque.
Com isso, ao se impor no centro, tudo que está na
margem se estabelecerá como o diferente, o outro,
o que não ocupa o centro. Ou seja, para estabele-
cer uma norma, e aqui, no caso, estamos apontan-
do a fonética, é necessário tomar como referência
do que se é ficcionalizado como normal, e, a partir
desta referência, compreender/nomear o que não é
normal/natural como o diferente, estranho, o outro,
o anormal, como aponta Foucault [2014]. Desta
forma, seja no jornalismo, na rádio ou nas novelas,
criou-se a ficção de um sotaque neutro [que, na
verdade, é paulista ou carioca] que deveria ser uti-
lizado na mídia de forma a unificar/normalizar uma
fonética na comunicação.
Tal construção de um sistema de representação3
[HALL, 2013], não apenas relacionada ao sotaque,
mas também a diversos outros estereótipos, refor-
çados sobretudo na mídia hegemônica e na indús-
tria cultural4 ao longo da história5, vêm impondo
opacidade e discursos simplistas/preconceituosos
em relação ao Nordeste. Assim, junto ao processo
de uma suposta normalização da fonética a ser uti-
lizada nacionalmente, diversos processos coloniza-
dores de uma elite econômica, geográfica e cultural
Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 39, p. 55-72, jan./jun. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i39.52943]
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insistem em impor uma centralidade/protagonismo
na construção de uma identidade nacional. Acerca
de tais processos, parece pertinente apontarmos
uma reflexão trazida pela autora Berenice Bento
que afirma: “Se trocarmos a palavra “Nordeste” por
“Brasil”, teremos uma citação do que os europeus
pensavam das culturas colonizadas que foram des-
truídas por eles.” [BENTO, 2017, p. 176].
Desta forma, ao falarmos em sotaque, capturamos
nesta escrita tal conceito para pensarmos a dife-
rença. Vale destacar que o uso do conceito de dife-
rença se distancia bastante do discurso neoliberal
da diversidade, que torna genérico o complexo
emaranhado que constitui a diferença. Para Miskol-
ci [2020], o termo diversidade “é uma concepção de
cultura muito fraca, na qual se pensa: há pessoas
que destoam da média e devemos tolerá-las, mas
cada um se mantém no seu quadrado e a cultura
dominante permanece intocada por esse Outro”
[p.51]. O autor acrescenta que a ideia de diversidade
tenta manter intocada a cultura dominante sendo
apenas tolerante com a diferença. É assim que os
discursos da diversidade vão ganhando as propa-
gandas e os programas de televisão, arquitetando
a manutenção daqueles que se colocam no centro
das narrativas hegemônicas. Viver, se relacionar e
compreender o mundo com/pela diferença estabe-
lece que o outro, o diferente, o que não está no cen-
tro, nos atravesse, nos transforme e nos empreste
suas lentes para enxergar o mundo de forma com-
partilhada compreendendo as diferenças de cada
um/uma/ume. Ademais, no Nordeste, diferente do
que a mídia hegemônica afirma, temos diferentes
sotaques. Quem mora em Natal tem a fonética
diferente de quem mora em Fortaleza, que tem a
fonética diferente de quem mora em João Pessoa,
assim por diante. Além da fonética, a construção
social-política-colonizatória, mesmo que atraves-
sada por sistemas de representação em comum,
tem peculiaridades.
Dando continuidade às nossas reflexões, podemos
destacar que, desviando ou construindo simbóli-
cos outros, a diferença presente no Nordeste, que
estamos chamando aqui de sotaque, está presente
em diversas produções artísticas. Tais produções
vêm rompendo pressupostos hegemônicos e rein-
ventando o imaginário dos/das/des sujeitos/as/es
nordestinos/as/es. Sobretudo nas poéticas dissi-
dentes de gênero, sexualidade e corporeidade, que
pela lente dos estudos queer6 podemos chamá-las
de produções queer/transviadas, tais produções
vêm reimaginando o Nordeste. Questões comu-
mente direcionadas aos sujeitos nordestinos como
a heterocentralidade, o machismo, o patriarcalismo
e a religiosidade vêm sendo questionadas e reela-
boradas por tais produções desviantes.
BRUNO, Eduardo; LIMA, João Paulo; CASTRO, Waldírio. A arte brasileira não se resume ao eixo Rio de Janeiro-São Paulo: sotaques poéticos...
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Com isso, por meio da invenção de poéticas artís-
ticas enquanto homem gay, artista-pesquisador,
nordestino, nascido na cidade de Campina Grande
– PB, nos últimos anos venho sendo atravessado
pelas diversas reimaginações [MOMBAÇA, 2016]
propostas por artistas contemporâneos da Paraíba.
Neste recorte, destaco a produção de artistes parai-
banes como Julian Santos7, Bixarte8, Val Donato9,
a coletiva paraibana EKÈ Candomblé System10 que
recentemente constitui a Ekè audiovisual, André
da Costa Pinto11,
entre tantes outres
artistes desviantes.
Artistes/artivistes
com sotaques pa-
raibanos que reafir-
mam a diferença e
vêm tensionando o
status quo
hegemô-
nico da hetero-cis-
-centralidade.
A partir disto, a arte
parece nos mostrar um caminho para reinven-
tar outras relações/agenciamentos exercitando
inclusive a criação de outros mundos/simbólicos/
sistemas de representação. Unindo arte e ativismo
estão as produções artivistas12 de artistas como
Julian Santos, multiartista paraibano, homem-trans
que reimagina e inventa com seu sotaque paraiba-
no prosódias por meio da música, questionando,
denunciando e tensionando a cisnormatividade.
Em suas músicas e poemas Julian desabafa e
compartilha os embates que o corpo transmasculi-
no sofre no cotidiano, como por exemplo na música
“Sua mente sem preparo”, onde ele questiona se é
o corpo trans que está errado ou se é a mente imer-
sa pela lente cisnormativa que está equivocada.
Em outro de seus trabalhos, Julian questiona acer-
ca da sociedade falocentrada, que não compreen-
de a existência de homens com vagina e que usam
o termo “buceta” como xingamento para designar
Imagem: Julian Santos em “Sua mente sem preparado” / Qr-Code13
Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 39, p. 55-72, jan./jun. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i39.52943]
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algum acontecimento ruim. No vídeo intitulado
“Buceta”14, Julian tensiona o esperado hegemo-
nicamente para o corpo masculino e, por meio do
som de sua fala, usa seu sotaque/diferença para
falar acerca do sexismo, do machismo, do falo-
centrismo e a ciscentralidade.
Retomando os atravessamentos acerca dos sota-
ques nordestinos, gostaria de compartilhar uma
experiência que me provocou a construir a poética
desta escrita. Ao morar na capital paulistana, entre
2013 e 2017, em busca de supostas oportunidades
de trabalho como ator, fui fortemente atravessado
pela ficção da centralidade sudestina. “Você não
parece nordestino”, “Ai que sotaque gostoso, fala de
novo”, “Nossa, não sabia que existia isso no nordes-
te”, “Tenho um amigo que mora em Recife, Fulano,
você conhece?”. Essas são algumas das frases que
escutei no período em que morei em São Paulo e
me provocaram diversos questionamentos sobre
o que vem sendo ou o que pode ser o Nordeste ou
o/a/e nordestino/a/e.
Com o tempo, tal processo violento de neutrali-
dade/naturalização foi imposto sobre meu corpo/
fala. Escutando o que na época era considera-
do elogio pelos professores de fonoaudiologia:
“Nossa!, quase não consigo perceber seu sota-
que”. Assim como o sotaque, meu processo de
desidentificação com o Nordeste e o afastamen-
to geográfico, foi tomando meu corpo/fala. Me
tornei um personagem de mim mesmo, reforça-
do positivamente todos os dias pelos amigos e
indústria cultural. Um paraibano fantasiado de
paulista, perdido nos meus processos de busca
por uma identidade.
Imagem: Alan Souza
BRUNO, Eduardo; LIMA, João Paulo; CASTRO, Waldírio. A arte brasileira não se resume ao eixo Rio de Janeiro-São Paulo: sotaques poéticos...
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Ao retornar para o Nordeste no final de 2017, agora
na cidade de Fortaleza - CE, com uma realidade
bem diferente da cidade de Campina Grande - PB,
inclusive no sotaque, fui resgatando as alianças
e os comuns do que eu compreendia enquanto
Nordeste. Neste processo de reencontro retomo as
memórias de minha cidade inventando uma pes-
quisa cênica chamada Rainha do Milho. Na experi-
mentação cênica, áudios de crianças entrevistadas
respondem à pergunta “Você já viu um menino
usando vestido?”. A partir deste questionamento
e das memórias da/na infância, em que eu tinha o
desejo de vestir e brincar com os trajes da Rainha
do Milho, exercito questionar os binarismos que
generificam até mesmo a indumentária.
Enquanto artista-pesquisador, venho criando
diversos trabalhos artísticos e pesquisas acerca de
como a lente de mundo hetero-cis-normativa vem
ficcionalizando uma centralidade hegemônica.
Apesar de nos últimos anos o sistema de arte vir
capturando diversos lugares de invisibilização his-
tórica como o ser nordestino, negro, periférico, LGB-
TQIA+, Def, entre outros, não estamos reduzidos ao
que o centro nos categoriza. Ademais, enquanto
artistes, nordestines atravessades pelas poéticas
contemporâneas de dissidência, não inventamos
obras de arte apenas com o objetivo de enfrenta-
mento a qualquer ótica de mundo que se coloque
no centro. Mais do que enfrentivos, estamos sendo
propositivos, não apenas quando inventamos poé-
ticas, mas também quando reimaginamos nossas
práticas históricas e o papel, sobretudo, regional,
que nos colocaram historicamente. Neste contexto,
compreendendo as interseccionalidades [AKOTI-
RENE, 2019] geográficas, de gênero, sexualidade,
raça, classe, corporalidade, e os sotaques/dife-
renças de cada localidade, podemos apontar que
diversos artistes vêm exercitando em aliança, reela-
borar, inventar/alargar o que vem sendo entendido
como Nordeste.
NOTAS
1 A profanação implica, por sua vez, uma neutralização
daquilo que profana. Depois de ter sido profanado, o que es-
tava indisponível e separado perde a sua aura e acaba restituído
ao uso [AGAMBEN, 2007, p. 68]. Então profanar é “desativar
os dispositivos do poder e devolver ao uso comum os espaços
que ele havia confiscado” [AGAMBEN, 2007, p.68].
2 O Festival Imaginários Urbanos é um festival de performance
urbana que vem sendo realizado no estado do Ceará desde
2018. Em suas três últimas edições [2018,2020,2021], com
curadoria de Eduardo Bruno, o festival é dividido em 3 eixos:
Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 39, p. 55-72, jan./jun. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i39.52943]
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processos formativos, mostra artística e publicação bibliográfica.
Para mais informações, acessa o Instagram: https://www.
instagram.com/imaginarios_arte/ .
3 “representação é uma parte essencial do processo pelo
qual os significados são produzidos e compartilhados entre os
membros de uma cultura. Representar envolve o uso da lin-
guagem, de signos e imagens que significam ou representam
objetos” [p.32].
4 Como sugestão para uma discussão mais aprofundada
acerca do conceito de indústria cultural, sugiro a leitura do artigo
de LACOMBE [2019]. O Conceito de Indústria Cultural: Leituras
na Contemporaneidade. Disponível em: http://entremeios.com.
puc-rio.br/media/11%20Lacombe%20ind.pdf
5 Como sugestão para aprofundamento das questões acerca
da historicidade do nordeste, sugiro a leitura dos livros do autor
Durval Muniz de Albuquerque Junior “A invenção do Nordeste e
outras artes” e “Nordestino: Invenção do “falo” uma história do
gênero masculino [1920-1940].
6 Os Estudos Queer, Cuir, Kuir, bixa, transviados, maricas,
transmaricas se inventam enquanto agenciamento de diversos
autores e pessoas desviantes as normas hegemônicas acerca
dos regimes de poder e normatividade sobretudo no que diz
respeito as questões de gênero, sexualidade e corporalidade.
Compreendo como estudo e não teoria, pois são agenciamentos
em constante construção e movimento e com abordagens difer-
entes, que muitas vezes, não dialogam entre si. Nos últimos anos,
os Estudos Queer vêm elaborando, de uma forma mais vertical,
acerca das questões de raça, localização geopolítica e classe,
como por exemplo; nas proposições dos estudos Queer of color
critique. Como primeiro disparador para uma genealogia dos
estudos queer, sugiro o artigo “A teoria queer em uma perspecti-
va brasileira: Escritos para tempos de incertezas” do pesquisador
Arkley Marques Bandeira disponível em: https://periodicos.sbu.
unicamp.br/ojs/index.php/rap/article/view/8654815
7 Paraibano, artivista, homem trans, bacharel em arte e mídia
pela Universidade Federal de Campina Grande [UFCG], músico,
artista e defensor de causas LGBTQ+
8 Poetisa, escritora, atriz e rapper, a artista paraibana Bixarte
é uma expoente do Rap Paraibano.
9 Vocalista e compositora, destaque no cenário musical parai-
bano de forma solo e na banda ‘Os Cabeças’.
10 Se intitula em sua página como uma Coletiva Ekè formada
por bixas - afras - anarkas - futurísticas, que estão excitadas.
11 Cineasta paraibano idealizador do Comunicurtas – Fes-
tival de cinema de Campina Grande – PB. Ao longo de sua
trajetória, em suas produções como “
Amanda
& Monick”, “Tudo
que Deus Criou”, “O tempo feliz que passou” e “Madame”, o
cineasta conta histórias reais e ficcionais de sujeitos desviantes
de gênero, sexualidade, corporeidade, construindo imaginários
outros acerca da Paraíba.
12 Podemos compreender artivismo como um movimento de
artistas disruptivos, encontrados principalmente nas estéticas
contemporâneas, que exercitam romper com os pressupostos
normativos, e buscam materializar outros regimes de represen-
tação que estão à margem da norma.
13 Para utilizar o QR Code: 1- Ter um aparelho celular com
câmera. 2- Fazer o download de um aplicativo para leitura de
QR Codes 3- Após instalado o aplicativo, basta abri-lo e aprox-
imar a câmera do celular no QR Code, onde terá acesso a um
link. 4 -Basta clicar no link pra ver/assistir.
14 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aJ-
SAyHiNgQA Acessado em 20 de outubro de 2021.
BRUNO, Eduardo; LIMA, João Paulo; CASTRO, Waldírio. A arte brasileira não se resume ao eixo Rio de Janeiro-São Paulo: sotaques poéticos...
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