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OS BAOBÁS DO FIM DO MUNDO: TRECHOS LÍRICOS DE UMA
ETNOGRAFIA COM RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA NO SUL DO
RIO GRANDE DO SUL
The Baobás of the end of the world: lyrical excerpts from a african religion ethnography on the south region of
Rio Grande do Sul
Los Baobás del fin del mundo: fragmentos líricos de una etnografía de religiones de origen africana en la parte
sur de Rio Grande del Sur
Marília Kosby [Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil]*
José Darci Barros Gonçalves [Artista independente, Brasil]**
RESUMO O ensaio reúne poemas de Marília Kosby e pinturas de José Darci, que compõem a primei-
ra edição do livro Os Baobás do fim do mundo. Realizada em parceria entre a poeta e o pintor, a obra
investiga possibilidades líricas através do encontro etnográfico realizado junto a terreiras na região de
Pelotas, sul do Rio Grande do Sul. Os poemas e as imagens descrevem guias, caminhos e vertentes de
uma força chamada axé, cuja arte de brotar, se desdobrar e espalhar é um saber gerado, transmitido e
atualizado a partir da experiência da diáspora africana.
PALAVRAS-CHAVE poesia; pintura; encontro etnográfico; diáspora africana
ABSTRACT The present essay assembles poems written by Marília Kosby and paintings from José Darci,
which compose the first edition of the book Os Baobás do fim do mundo. Resulting from the partnership
between poet and painter, the book investigates poetic possibilities through the ethnographic encounter with
terreiras communities in the region of Pelotas, located on the southern region of Rio Grande do Sul state. The
poems and images picture guias and pathways of a force called axé, with an ability to root and to spread
itself that constitute a shared knowledge, informed by the experience of the African diaspora.
KEYWORDS poetry; painting; ethnographic encounter; African diaspora
Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 39, p. 94-101, jan./jun. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i39.52950]
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KOSBY, Marília;
DARCI, Zé. Os
Baobás no fim do
mundo, trechos
líricos de uma et-
nografia com religiões
de matriz africana no
sul do Rio Grande do
Sul. Revista Poié-
sis, Niterói, v. 23,
jan./jun. 2022.
[DOI: https://doi.
org/10.22409/poie-
sis.v23i39.52950]
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Internacional (CC-BY-
NC) © 2022 Marília
Kosby, Zé Darci
RESUMEN El ensayo recoge poemas de Marília Kosby y pinturas de José Darci, que componen la primera
edición del libro Os Baobás do fim do mundo. Realizada a través de la colaboración entre poeta y pintor, el
trabajo investiga posibilidades poéticas mediante el encuentro etnográfico realizado junto a terreiras en la
región de Pelotas, al sur del departamento de Rio Grande do Sul. Los poemas y imágenes describen guías y
caminos de una fuerza llamada axé, portadora de una capacidad de germinar y de extenderse que constitu-
ye un saber generado y transmitido a través de la experiencia de la diáspora africana.
PALABRAS CLAVE poesía; pintura; encuentro etnográfico; diáspora africana
* Marília Kosby, poeta, é Doutora em Antropologia Social (UFRGS). E-mail: floorkosby@gmail.com. Orcid:
https://orcid.org/0000-0003-1037-5490
** José Darci Barros Gonçalves, artista plástico também conhecido como Zé Darci, desde 2009 integra o grupo de artistas
Quilombos Urbanos.
KOSBY, Marília; DARCI, Zé. Os Baobás no fim do mundo, trechos líricos de uma etnografia com religiões de matriz africana no sul do Rio Grande do Sul.
n. 39, p. 94-101,
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A primeira edição do livro
Os baobás do fim do
mundo
teve lançamento em 11 de novembro de
2011, na Bibliotheca Pública Pelotense, esgotando
no mesmo ano, depois de realizar exposições de
lançamento por diversos municípios do extremo
sul do Brasil. Primeiro livro de poesia da poeta e
antropóloga Marília Kosby, a obra foi uma parce-
ria com o artista plástico José Darci Barros Gon-
çalves (Zé Darci), tendo sido publicada pela hoje
extinta editora Novitas, de Vera Cruz/RS.
É bem possível ser “Os
Baobás
do Fim do Mundo”
uma obra carente de definições mais precisas –
às vistas de quem por estas se interessar, é claro.
Talvez seja sua publicação a expressão mesma
desta busca por um lugar legítimo dentre as
construções textuais que se erigem do encontro
etnográfico; e que, simultaneamente imprimem
neste a pretensão de ser uma experiência em
parte apreensível pelos outros, os leitores.
O que se pode dizer a respeito dessa primeira
compilação de textos em verso é que o material
reunido foi escrito por uma antropóloga, e surgiu
durante a fase de conclusão de seu mestrado
acadêmico, cujo projeto de pesquisa se tratou da
continuidade de um trabalho etnográfico realiza-
do junto a
terreiras
na região de Pelotas, sul do
Rio Grande do Sul.
Os três capítulos em que o livro se divide marcam a
passagem de diferentes momentos da experiência
etnográfica da autora, trazendo textos que expres-
sam como foi sendo elaborado o conhecimento a
respeito do modo de viver junto aos grupos com os
quais estudava.
O primeiro capítulo, Etnodelírios, traz versos
construídos em sonhos relacionados ao diário de
campo, transcritos entre março e julho de 2008,
durante a realização do curso “Jogos, performan-
ces e simbolismos – etnografias afro-brasileiras”,
ministrado pelo professor Marcio Goldman, no
Programa de Pós-Graduação em Antropologia So-
cial do Museu Nacional, na Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
Os textos apresentados no capítulo Do
Banzo
foram escritos juntamente com sua dissertação de
mestrado, intitulada “Se eu morrer hoje, amanhã
eu melhoro: sobre afecção na etnografia dos pro-
cessos de feitura da
pessoa de religião
no Batu-
que, em Pelotas/RS”, trabalho defendido em abril
de 2009 e orientado pela professora Flávia Rieth,
no Programa de Pós-Graduação em Ciências So-
ciais da Universidade Federal de Pelotas.
Por fim, no capítulo Os
Baobás
do Fim do Mundo,
tem-se os guias, os caminhos, as vertentes, de uma
força chamada
axé,
cuja arte de brotar, se desdo-
Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 39, p. 94-101, jan./jun. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i39.52950]
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brar e espalhar, é um saber gerado, transmitido
e atualizado a partir da experiência de pessoas
negras trazidas como escravas da África para as
Américas, e que, apesar disto, se constitui não ape-
nas em um patrimônio étnico, mas numa significa-
tiva potência de dignidade e vitalidade de imensas
minorias americanas. Os textos que compõem este
último capítulo foram escritos entre 2009 e 2010,
e se relacionam com a experiência de retorno ao
campo, o que culminou na atualização de proces-
sos religiosos iniciáticos.
Os capítulos são
ilustrados com repro-
duções fotográficas de
pinturas do artista plás-
tico Zé Darci (José Dar-
ci Barros Gonçalves),
integrante do Grupo
de Artistas Quilombos
Urbanos, da região de
Pelotas, e parceiro da
autora em outros proje-
tos artísticos.
Visando uma leitura
mais compreensível ao
leitor que tem seu pri-
meiro contato literário
com o universo filosófico afro-brasileiro, esta obra
consta de um glossário alfabeticamente organiza-
do para as palavras sinalizadas em itálico.
Enfim, antes e além de tudo, este livro é uma forma
de retorno ao pessoal “de religião”, que encarregou
sua autora de “levar a beleza de suas religiões para
fora dos muros das terreiras”. Beleza das “coisas
que nos comovem, na medida em que, traduções
míticas de nossa estrutura interior, lançam luz sobre
nós mesmos ao mesmo tempo em que resolvem
nossas contradições num acorde único”.¹
João Saudade, acrílica s/ tela.
KOSBY, Marília; DARCI, Zé. Os Baobás no fim do mundo, trechos líricos de uma etnografia com religiões de matriz africana no sul do Rio Grande do Sul.
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O OUTRO
Eu sou como você
porque tenho medo de você
Medo
de ser você
e nunca mais encontrá-lo
noutro lugar
fora daqui
Te perco tanto mais te sou
ANTROPOLOGIAS
Eu tenho as tuas palavras
e uma dose quase nula
de certeza
para ser capaz
de evitar as minhas
Pai Silvério, acrílica s/ tela.
Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 39, p. 94-101, jan./jun. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i39.52950]
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SACRIFÍCIO
Sacrificai o vosso corpo
em nome de um espaço que aguente vossos tempos
de consciência e sanidade
Explicai vossos desejos
nos desenhos sujos de vossa pele intacta
Atravessai as horas, os metros cúbicos,
os anos bissextos
emaranhados em vossas palavras
sempre tão pequenas
compartimentos transbordantes
de uma vida que não sabe e nem conhece nada de irreal
Comparai o valor de vosso sangue
e percebei que o mundo que vos deram vossos planos
não abarca sonhos nem lampejos
Ele não contempla beleza e movimento
Orai ao vento
rogai ao vento
entregai ao vento
Ele que organize as contas
da desgraça que é ser
ao mesmo tempo
chão e bolha
céu e âncora
Piá, acrílico s/ tela.
KOSBY, Marília; DARCI, Zé. Os Baobás no fim do mundo, trechos líricos de uma etnografia com religiões de matriz africana no sul do Rio Grande do Sul.
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IANSÃ
Sobre um mar que mais parece à noite uma lâmina
num pequeno barco sem vela
carrega com ela a morte
Pois Iansã é vento
Nunca está
Nem aqui nem lá
E assim fica
cada um no seu lugar”
IEMANJÁ
Transfiguração foi um primeiro nome dado aos corvos
Mas como corvos frequentam cemitérios
a palavra virou insígnia
E quando contra os piratas
se voltou o vento,
o oceano,
que também tem seu lado de dentro
revirou-se em marés
para que depois de mortas
as estrelas do mar
virassem pedras
Tudo evolui!
Tudo apodrece
Baobá, acrílico s/ tela.
101
OS BAOBÁS DO FIM DO MUNDO
Zimbábue
Com “z”, de beiço
O meu pai tem um pé no Xingu e outro no fogo
A minha mãe, a boca de quem come flor
e gosta
Meus irmãos são só saudade
Os avós, um bicho grande
Sangram entre o céu e eu
Enquanto os santos banqueteiam
agarradas às costas do mundo
as figueiras se eternizam
A SAIA DE MAMÃE
É tão linda a saia de mamãe
na beirinha da praia
É tão bonito ver o mar
todinho aos seus pés
Que ela lavre meu peito em segredos
Que desfaça o feito em claridades
no meio dessa noite cega
é tudo o que eu posso pedir
Mamãe verte o mar com os olhos
ela embala as ondas no colo
Vó preta, óleo s/ tela.
NOTAS
1 LEIRIS, Michel. Espelho da tauromaquia. São Paulo: Cosac
& Naify, 2001.
KOSBY, Marília; DARCI, Zé. Os Baobás no fim do mundo, trechos líricos de uma etnografia com religiões de matriz africana no sul do Rio Grande do Sul.