mas então eu decidi nadar

but then I decided to swim
pero entonces decidí nadar

Resumo "mas então eu decidi nadar" é uma seleção de poemas de Miro Spinelli atravessados por questões acerca do corpo, da carne, da colonialidade e das transições.
Palavras-chave corpo; carne; colonialidade; transição; gênero

Abstract "but then I decided to swim" is a selection of poems by Miro Spinelli crossed by questions about the body, the flesh, coloniality, and transitions.
Keywords body; flesh; coloniality; transition; gender

Este documento é distribuído nos termos da licença Creative Commons Atribuição-Não Comercial 4.0 Internacional (CC-BY-NC)

© 2022 Miro Spinelli

* Miro Spinelli é artista, pesquisador e vive entre o Brasil e Nova York. É mestre em Artes da Cena pela UFRJ, em Estudos da Performance pela NYU e doutorando no mesmo departamento. Atua nas imbricações entre performance, escrita, artes visuais e teoria. E-mail: mirospinelli@nyu.edu; Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7605-7551

Miro Spinelli *
(Universidade de Nova York, Estados Unidos)

Resumen "pero entonces decidí nadar" es una selección de poemas de Miro Spinelli atravesados por preguntas sobre el cuerpo, la carne, la colonialidad y las transiciones.
Palabras clave cuerpo; carne; colonialidad; transición; género

só poderia ter sido aqui

no novo mundo

precisamente em pindorama

também o seu fim

foi aqui

onde começou

o infinito fim

em abya yala

onde perduramos

terminando-o sem parar

por certo foi entre o atlântico

e o ponto mais fundo

do rio amazonas

onde só fui em sonho

mas onde também nasci

e ainda me embalo

com certeza foi ali

onde inventaram

a américa

eu tinha a face

voltada para o céu

e as costas submersas

em águas escuras

entre um fluxo lento

e uma suspensão

quando morri

e inventaram para mim

um corpo

sangue no mar

é isca

sangue na terra

feitiço

por dentro da pele

a carne é vermelha

e o gosto metálico

a gente não sente

com a boca do outros

sedutora

essa ideia

criar corpo

mas você já

viu alguém

criar para

si um corpo

sem antes

devorar

o alheio?

sonhar a inexistência do país

como quem desiste do corpo

i know it hurts

but hurting is better

than pretending not to

deve estar

em uma camada

bem dentro da terra

ou na extrema

superfície

(bem ali

onde os líquidos

produzem tensão)

uma sala onde é possível

sentar-se com o nada

(ser nada)

e perceber o silêncio

agudo da sua

inominabilidade

para tocar

o coração

das coisas

é preciso

mirar levemente

à esquerda

do centro

bem ali onde

toda direção

é primeiro

um desvio

before we were born

when life was flotation

in a river inside earth

the doctor created our bodies

for the first time

they said something

about this particular

stain on the monitor

is it a wound?

is it an arrow?

will it eat or be eaten?

trying to define

once and for all

if the little ball of flesh

we were then would be

beast or prey

well at this point

you probably know

i messed with the memo

and started crossing the bridge

but then

i decided to swim

Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 40, p. 72-81, jul./dez. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i40.54909]

it could only have been here

in the new world

precisely in pindorama

also its end

it was here

where the infinite

end began

in abya yala

where we endure

finishing it non stop

it was certainly between the atlantic

and the deepest point

of the amazon river

where i have only been in dreams

but where i was also born

and still cradle myself

for sure that's where

america

was invented

i was

facing the sky

with my back submerged

in dark waters

between a slow flow

and a suspension

when i died

and my body

was invented

blood in the sea

is bait

blood on earth

spell

flesh is red

inside the skin

and the metallic flavor

we cannot taste

with someone else's mouth

how seductive

this idea

to create a body

but have you ever

seen someone

create themselves

a body

without having

to devour

another's?

to dream the country's inexistence

as someone that gives the body up

eu sei que dói

mas doer é melhor

que fingir que não

it must be

very deep

inside the earth

or in the extreme

surface

(right there

where the liquids

produce tension)

a room where it's possible

to sit with nothingness

(to be nothing)

and perceive the high pitch

silence of its

unnameability

to touch

the heart

of things

one must

aim slightly

to the left

of the center

right there where

every direction

is first of all

a deviation

antes de nascermos

quando a vida era flutuar

em um rio dentro da terra

o doutor criou nosso corpo

pela primeira vez

disseram algo

sobre uma mancha

particular no monitor

será uma ferida?

ou uma flecha?

comerá ou será comido?

tentando definir

de uma vez por todas

se a bolinha de carne

que éramos então seria

caça ou caçador

bem nessa altura

você provavelmente sabe

que eu caguei o protocolo

e comecei a atravessar a ponte

mas então

eu decidi nadar

SPINELLI, Miro. Mas então eu decidi nadar.

Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 40, p. 72-81, jul./dez. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i40.54909]

SPINELLI, Miro. Mas então eu decidi nadar.

Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 40, p. 72-81, jul./dez. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i40.54909]

SPINELLI, Miro. Mas então eu decidi nadar.

Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 40, p. 72-81, jul./dez. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i40.54909]

SPINELLI, Miro. Mas então eu decidi nadar.

Revista Poiésis, Niterói, v. 23, n. 40, p. 72-81, jul./dez. 2022. [DOI: https://doi.org/10.22409/poiesis.v23i40.54909]