GUIRAU, Marcelo Cizaurre; FERREIRA, Ana Elisa S. C. da S. Minority
Report e o governo da distopia algorítmica.
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
232-248, set. 2020.
Na penumbra, os três dementes
estavam sentados, balbuciando.
Cada declaração incoerente, cada
sílaba aleatória, era analisada,
comparada, reorganizada em forma
de símbolos visuais, transcrita em
cartões pe
ejetada para dentro de diversas
fendas codificadas. Durante todo o
dia os dementes balbuciavam,
aprisionados em suas cadeiras
especiais de encosto alto, mantidos
numa única posição rígida por tiras
de metal, feixes de fios e grampo
Suas necessidades físicas eram
atendidas automaticamente. Não
tinham nenhuma necessidade
espiritual. Vegetativos, murmuravam,
cochilavam e existiam. Suas mentes
eram embotadas, confusas, perdidas
nas sombras.
Mas não nas sombras de hoje. As
três criatur
tartamudeantes, com cabeças
inchadas e corpos debilitados,
maquinário analítico registrava suas
profecias e, à medida que os três
dementes precogs falavam, as
máquinas ouviam com atenção
(DICK, 2012, p. 129, 130)
9
No original: “In the gloomy half
three idiots sat babbling. Every incoherent
utterance, every random syllable, was
analysed, compared, reassembled in the form
of visual symbols, transcribed
punch
cards, and ejected into various coded
slots. All day long the idiots babbled,
imprisoned in their special high-
held in one rigid position by metal bands, and
bundles of wiring, clamps. Their physical
needs were taken c
are of automatically. They
had no spiritual needs. Vegetable
muttered and dozed and existed. Their minds
were dull, confused, lost in shadows.
But not shadows of today. The three gibbering,
fumbling creatures with their enlarged head
and wasted
bodies, were contemplating the
future. The analytical machinery was recording
prophecies, and as the three precog idiots
talked, the machinery carefully listened”.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê Cultura, Tecnologia e Sociedade
GUIRAU, Marcelo Cizaurre; FERREIRA, Ana Elisa S. C. da S. Minority
- Revista
9, p.
Na penumbra, os três dementes
estavam sentados, balbuciando.
Cada declaração incoerente, cada
sílaba aleatória, era analisada,
comparada, reorganizada em forma
de símbolos visuais, transcrita em
ejetada para dentro de diversas
fendas codificadas. Durante todo o
dia os dementes balbuciavam,
aprisionados em suas cadeiras
especiais de encosto alto, mantidos
numa única posição rígida por tiras
de metal, feixes de fios e grampo
s.
Suas necessidades físicas eram
atendidas automaticamente. Não
tinham nenhuma necessidade
espiritual. Vegetativos, murmuravam,
cochilavam e existiam. Suas mentes
eram embotadas, confusas, perdidas
Mas não nas sombras de hoje. As
tartamudeantes, com cabeças
inchadas e corpos debilitados,
maquinário analítico registrava suas
profecias e, à medida que os três
dementes precogs falavam, as
máquinas ouviam com atenção
9
.
(DICK, 2012, p. 129, 130)
darkness the
three idiots sat babbling. Every incoherent
utterance, every random syllable, was
analysed, compared, reassembled in the form
cards, and ejected into various coded
slots. All day long the idiots babbled,
held in one rigid position by metal bands, and
bundles of wiring, clamps. Their physical
are of automatically. They
had no spiritual needs. Vegetable
-like, they
muttered and dozed and existed. Their minds
were dull, confused, lost in shadows.
But not shadows of today. The three gibbering,
fumbling creatures with their enlarged head
bodies, were contemplating the
future. The analytical machinery was recording
prophecies, and as the three precog idiots
talked, the machinery carefully listened”.
Em termos composicionais, a
demência dos precogs se explica por
dois motivos: por um lado, ela
transfere para a parte do “maquinário
analítico” do dispositivo a
responsabilidade pela interpretação
dos dados, uma vez que as visões
desordenada e eles não dispõem de
capacidade cognitiva para lê
a possuíssem, os computadores que
atuam na decifração das imagens do
futuro não teriam razão de existir no
conto. Assim, não haveria um
dispositivo analítico, mas apenas a
presença do sobrenatural, encarnada
a demência desses seres especiais
reforça sua aura oculta e sobrenatural
-
eles são admirados e quase
santificados pelos seus dons, fato que
é muito mais explorado na versão
cinema
10
A hipótese do controle das interpretações do
futuro originada da demência dos precogs é
co
nfirmada por Anderton: “O talento absorve
tudo. O lobo da percepção extrassensorial
reduz o equilíbrio da área frontal. Mas o que
isso nos importa? Temos suas profecias. Eles
transmitem o que precisamos.
nada, mas nós entendemos” (DICK, 2012,
130). No original: “The talent absorbs
everything; the esp-
lobe shrivels the balance
of the frontal area. But what do we care? We
get their prophecies. They pass on what we
need. They don’t understand any of it, but we
do”.
241
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
(Dossiê Cultura, Tecnologia e Sociedade
)
Em termos composicionais, a
demência dos precogs se explica por
dois motivos: por um lado, ela
transfere para a parte do “maquinário
analítico” do dispositivo a
responsabilidade pela interpretação
dos dados, uma vez que as visões
de maneira
desordenada e eles não dispõem de
capacidade cognitiva para lê
-las. Caso
a possuíssem, os computadores que
atuam na decifração das imagens do
futuro não teriam razão de existir no
conto. Assim, não haveria um
dispositivo analítico, mas apenas a
presença do sobrenatural, encarnada
10
; por outro lado,
a demência desses seres especiais
reforça sua aura oculta e sobrenatural
eles são admirados e quase
santificados pelos seus dons, fato que
é muito mais explorado na versão
A hipótese do controle das interpretações do
futuro originada da demência dos precogs é
nfirmada por Anderton: “O talento absorve
tudo. O lobo da percepção extrassensorial
reduz o equilíbrio da área frontal. Mas o que
isso nos importa? Temos suas profecias. Eles
transmitem o que precisamos.
Não entendem
nada, mas nós entendemos” (DICK, 2012,
p.
130). No original: “The talent absorbs
lobe shrivels the balance
of the frontal area. But what do we care? We
get their prophecies. They pass on what we
need. They don’t understand any of it, but we