ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
Da representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
DOI:
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v
Resumo
: O portal “Viva Favela 2.0” esteve acessível entre 2010 e 2013 como uma plataforma
colaborativa voltada para o compartilhamento de conteúdo sobre favelas. A iniciativa se insere no
contexto das mudanças nas Tecnologias da Informação e Comunicação que perm
participar ativamente na elaboração e disseminação de produções digitais, renovando as
representações midiáticas. Os colaboradores do site preenchiam um formulário de cadastro cujo
campo “Sobre Mim” trazia uma biografia. As autorrepresen
são o principal objeto de análise deste artigo. Trata
dos atores que buscaram o portal como local de expressão.
Palavras-chave
: Representação de favelas
Favela.
De la representación de las favelas hasta la auto
perfiles de los correspondientes multimedia del portal Viva Favela 2.0
Resumen
: El portal "Viva Favela 2.0"
colaboración destinada a compartir contenido sobre favelas. La iniciativa es parte del contexto de
cambios en lasTecnologías de la Información y la Comunicación que permitieron a la audiencia
particip
ar activamente en la elaboración y difusión de producciones digitales, renovando las
representaciones de los medios. Los colaboradores del sitio completaron un formulario de registro
cuyo campo "Acerca de mí" contenía una biografía. Las autorrepresentacion
sitio son el principal objeto de análisis en este artículo. Estas son auto
diversidad de los actores que buscaron el portal como un lugar de expresión.
Palabras clave
: Representación de favelas
From the representation of slums to the self
of multimedia correspondents from the Viva Favela 2.0 website
1
Daniella Guedes Rocha. Doutora em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC
Professora da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, Brasil. E
https://orcid.org/0000-0001-
6676
2
Mayra Coelho Jucá dos Santos. Dout
FGV, Rio de Janeiro, Brasil. E-
mail: mayrajuca@gmail.com
Recebido em 04/05/2020,
aceito para publicação em
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
Da representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v
10i19.42517
Daniella Guedes Rocha
Mayra Coelho Jucá dos Santos
: O portal “Viva Favela 2.0” esteve acessível entre 2010 e 2013 como uma plataforma
colaborativa voltada para o compartilhamento de conteúdo sobre favelas. A iniciativa se insere no
contexto das mudanças nas Tecnologias da Informação e Comunicação que perm
participar ativamente na elaboração e disseminação de produções digitais, renovando as
representações midiáticas. Os colaboradores do site preenchiam um formulário de cadastro cujo
campo “Sobre Mim” trazia uma biografia. As autorrepresen
tações “garimpadas” nesta seção do site
são o principal objeto de análise deste artigo. Trata
-
se de narrativas de si que refletem a diversidade
dos atores que buscaram o portal como local de expressão.
: Representação de favelas
; autorrepresentação;
autonarrativa
De la representación de las favelas hasta la auto
-
representación: las auto narrativas en los
perfiles de los correspondientes multimedia del portal Viva Favela 2.0
: El portal "Viva Favela 2.0"
fue accesible entre 2010 y 2013 como una plataforma de
colaboración destinada a compartir contenido sobre favelas. La iniciativa es parte del contexto de
cambios en lasTecnologías de la Información y la Comunicación que permitieron a la audiencia
ar activamente en la elaboración y difusión de producciones digitales, renovando las
representaciones de los medios. Los colaboradores del sitio completaron un formulario de registro
cuyo campo "Acerca de mí" contenía una biografía. Las autorrepresentacion
es en esta sección del
sitio son el principal objeto de análisis en este artículo. Estas son auto
-
narraciones que reflejan la
diversidad de los actores que buscaron el portal como un lugar de expresión.
: Representación de favelas
; auto-representación; identidad;
subjetividad
From the representation of slums to the self
-representation: the self-
narratives in the profiles
of multimedia correspondents from the Viva Favela 2.0 website
Daniella Guedes Rocha. Doutora em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC
Professora da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, Brasil. E
-
mail: guedes.dani@gmail.com
6676
-5725
Mayra Coelho Jucá dos Santos. Dout
oranda em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC
mail: mayrajuca@gmail.com
-
https://orcid.org/0000
aceito para publicação em
11/05/20
20, disponibilizado online em
01/09/2020.
69
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
Da representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
Daniella Guedes Rocha
1
Mayra Coelho Jucá dos Santos
2
: O portal “Viva Favela 2.0” esteve acessível entre 2010 e 2013 como uma plataforma
colaborativa voltada para o compartilhamento de conteúdo sobre favelas. A iniciativa se insere no
contexto das mudanças nas Tecnologias da Informação e Comunicação que perm
itiram à audiência
participar ativamente na elaboração e disseminação de produções digitais, renovando as
representações midiáticas. Os colaboradores do site preenchiam um formulário de cadastro cujo
tações “garimpadas” nesta seção do site
se de narrativas de si que refletem a diversidade
autonarrativa
; escrita de si; Viva
representación: las auto narrativas en los
fue accesible entre 2010 y 2013 como una plataforma de
colaboración destinada a compartir contenido sobre favelas. La iniciativa es parte del contexto de
cambios en lasTecnologías de la Información y la Comunicación que permitieron a la audiencia
ar activamente en la elaboración y difusión de producciones digitales, renovando las
representaciones de los medios. Los colaboradores del sitio completaron un formulario de registro
es en esta sección del
narraciones que reflejan la
subjetividad
; Viva Favela.
narratives in the profiles
Daniella Guedes Rocha. Doutora em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC
-FGV.
mail: guedes.dani@gmail.com
-
oranda em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC
-
https://orcid.org/0000
-0002-8331-1618
20, disponibilizado online em
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
Abstract
: The “Viva Favela 2.0” web portal
platform aimed at sharing content about Brazilian favelas (slums). The initiative is part of the context of
changes in Information and Communication Technologies that allowed the audience to participa
actively in the elaboration and dissemination of digital productions, renewing media representations.
The site collaborators filled out a registration form whose “About Me” field contained a biography. The
self-
representations in this section of the web
are self-
narratives that reflect the diversity of the actors who sought the portal as a channel of
expression.
Keywords
: Representation of slums
Favela.
Da representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
1. Introdução
O portal Viva Favela, projeto da
ONG Viva Rio lançado em 2001, foi o
primeiro site na internet brasileira
voltado exclusivamente para a difusão
de conteúdo sobre favelas, produzido
pelos próprios moradores. O objetivo
original era tornar-
se fonte para a
im
prensa convencional, influenciando
a cobertura das comunidades e
combatendo os estigmas que recaíam
sobre seus habitantes.
Ativo por treze anos, entre 2001 e
2014, o Viva Favela tem sua trajetória
marcada pelas mudanças radicais nas
Tecnologias da Informa
Comunicação (TICs) do período. Se
nos primeiros anos a referência central
era o jornalismo, e o portal se
estruturava como uma redação
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
: The “Viva Favela 2.0” web portal
was accessible between 2010 and 2013 as a collaborative
platform aimed at sharing content about Brazilian favelas (slums). The initiative is part of the context of
changes in Information and Communication Technologies that allowed the audience to participa
actively in the elaboration and dissemination of digital productions, renewing media representations.
The site collaborators filled out a registration form whose “About Me” field contained a biography. The
representations in this section of the web
site are the main object of analysis in this article. These
narratives that reflect the diversity of the actors who sought the portal as a channel of
: Representation of slums
; self-representation; self-narratives;
identity
Da representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
O portal Viva Favela, projeto da
ONG Viva Rio lançado em 2001, foi o
primeiro site na internet brasileira
voltado exclusivamente para a difusão
de conteúdo sobre favelas, produzido
pelos próprios moradores. O objetivo
se fonte para a
prensa convencional, influenciando
a cobertura das comunidades e
combatendo os estigmas que recaíam
Ativo por treze anos, entre 2001 e
2014, o Viva Favela tem sua trajetória
marcada pelas mudanças radicais nas
Tecnologias da Informa
ção e
Comunicação (TICs) do período. Se
nos primeiros anos a referência central
era o jornalismo, e o portal se
estruturava como uma redação
remunerada, formada por repórteres,
fotógrafos e editores cobrindo um
determinado número de favelas
cariocas; na fa
se “colaborativa”, quase
dez anos depois, o modelo era de uma
rede social, um coletivo de indivíduos
auto--
identificados como
favela compartilhando conteúdo a
partir de seus próprios interesses, sem
fronteiras geográficas e sem
intervenção dir
eta de editores ou
moderadores
3
.
3
No Viva Favela 2.0 a moderação se limitava a
conteúdo que fosse abusivo ou radicalmente
fora do contexto temático proposto, o que
poderia levar à exclusão do material ou a um
pedido diretamente ao autor para que revisse
a decisão de publicá-
lo na platafor
atribuições mais corriqueiras dos editores do
portal eram indicar quando um conteúdo fosse
postado fora da seção adequada, auxílio
tecnológico aos colaboradores e comentários
públicos estimulando a produção e o diálogo
entre membros da rede.
70
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
was accessible between 2010 and 2013 as a collaborative
platform aimed at sharing content about Brazilian favelas (slums). The initiative is part of the context of
changes in Information and Communication Technologies that allowed the audience to participa
te
actively in the elaboration and dissemination of digital productions, renewing media representations.
The site collaborators filled out a registration form whose “About Me” field contained a biography. The
site are the main object of analysis in this article. These
narratives that reflect the diversity of the actors who sought the portal as a channel of
identity
; subjectivity; Viva
Da representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
remunerada, formada por repórteres,
fotógrafos e editores cobrindo um
determinado número de favelas
se “colaborativa”, quase
dez anos depois, o modelo era de uma
rede social, um coletivo de indivíduos
identificados como
moradores de
favela compartilhando conteúdo a
partir de seus próprios interesses, sem
fronteiras geográficas e sem
eta de editores ou
No Viva Favela 2.0 a moderação se limitava a
conteúdo que fosse abusivo ou radicalmente
fora do contexto temático proposto, o que
poderia levar à exclusão do material ou a um
pedido diretamente ao autor para que revisse
lo na platafor
ma. As
atribuições mais corriqueiras dos editores do
portal eram indicar quando um conteúdo fosse
postado fora da seção adequada, auxílio
tecnológico aos colaboradores e comentários
públicos estimulando a produção e o diálogo
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
Entre 2004 e 2005, a internet
avançava para o que foi chamado de
“web 2.0”, fase em que qualquer
usuário da rede potencialmente passa
a ser também um produtor e difusor de
conteúdo (GILLMOR, 2004). Graças à
mudança no cenár
io das TICs, até o
final da cada 00, a audiência, que
antes correspondia à massa de
indivíduos que recebia conteúdo
produzido e distribuído por meios,
passaria a ser formada de pessoas
dotadas “de um grau inédito de poder
de comunicação” (ANDERSON
SHIRKY, 2013, p. 39).
Grupos de consumidores de
notícias, até então “passivos”, se
converteram em criadores, editores e
veículos da informação, graças a
“ferramentas da Web fáceis de usar,
conexões permanentes e
equipamentos portáteis cada vez mais
efici
entes”, que deram à audiência
“meios para tornar-
se um ativo
participante da criação e disseminação
de notícias e informações” (BOWMAN
WILLIS, 2003, p. 7
MORETZSOHN, 2013, p. 263).
O acesso facilitado aos meios de
criação e compartilhamento digital de
textos, áudios, fotografias e vídeos, o
barateamento dos
smartphones
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
Entre 2004 e 2005, a internet
avançava para o que foi chamado de
“web 2.0”, fase em que qualquer
usuário da rede potencialmente passa
a ser também um produtor e difusor de
conteúdo (GILLMOR, 2004). Graças à
io das TICs, até o
final da cada 00, a audiência, que
antes correspondia à massa de
indivíduos que recebia conteúdo
produzido e distribuído por meios,
passaria a ser formada de pessoas
dotadas “de um grau inédito de poder
de comunicação” (ANDERSON
; BELL;
Grupos de consumidores de
notícias, até então “passivos”, se
converteram em criadores, editores e
veículos da informação, graças a
“ferramentas da Web fáceis de usar,
conexões permanentes e
equipamentos portáteis cada vez mais
entes”, que deram à audiência
se um ativo
participante da criação e disseminação
de notícias e informações” (BOWMAN
;
WILLIS, 2003, p. 7
apud
MORETZSOHN, 2013, p. 263).
O acesso facilitado aos meios de
criação e compartilhamento digital de
textos, áudios, fotografias e vídeos, o
smartphones
e/ou
seu novo status de produto essencial
nesta era levam à produção e
consumo massivo de conteúdo
amador, repleto d
e representações do
cotidiano e da vida privada, difundidos
nas redes sociais. O que antes estava
mais para uma vitrine se torna uma
grande praça com um mercado livre
para trocas de conteúdo. O cidadão
comum passa a se expressar
projetando sua própria “voz
tornando-
a acessível a uma audiência
potencialmente maior do que a dos
veículos de comunicação tradicionais.
O portal Viva Favela ilustra, na
prática, esta mudança. Em sua
primeira versão, em 2001, buscava
contribuir para romper ou, ao menos,
ameniz
ar, os estigmas propagados
pela representação de favelas na
“grande mídia”. Não havia então outro
modo de interferir neste processo de
construção de representações. A mídia
comercial ou institucional era o campo
de batalha onde se dava a disputa de
narrati
vas e imaginários.
Naturalmente, o portal seguia o
modelo de produção dos veículos que
desejava impactar.
Em 2010, quando o Viva Favela foi
reformulado recebendo o sufixo “2.0”,
as construções de representações e
71
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
seu novo status de produto essencial
nesta era levam à produção e
consumo massivo de conteúdo
e representações do
cotidiano e da vida privada, difundidos
nas redes sociais. O que antes estava
mais para uma vitrine se torna uma
grande praça com um mercado livre
para trocas de conteúdo. O cidadão
comum passa a se expressar
projetando sua própria “voz
e
a acessível a uma audiência
potencialmente maior do que a dos
veículos de comunicação tradicionais.
O portal Viva Favela ilustra, na
prática, esta mudança. Em sua
primeira versão, em 2001, buscava
-se
contribuir para romper ou, ao menos,
ar, os estigmas propagados
pela representação de favelas na
“grande mídia”. Não havia então outro
modo de interferir neste processo de
construção de representações. A mídia
comercial ou institucional era o campo
de batalha onde se dava a disputa de
vas e imaginários.
Naturalmente, o portal seguia o
modelo de produção dos veículos que
Em 2010, quando o Viva Favela foi
reformulado recebendo o sufixo “2.0”,
as construções de representações e
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
disputas de narrativas haviam sido
atra
vessadas por redes sociais como
Orkut, Facebook e YouTube. A
internet, portanto, estava sendo
apropriada por produtores de conteúdo
de diversas procedências e perfis
identitários, provocando uma polifonia
inédita até então.
Neste contexto, a nova plata
do Viva Favela abria espaço para um
conteúdo mais autoral, trazendo a
subjetividade dos colaboradores e
contribuindo para a formação de um
corpus
de representações mais
diversas, íntimas das comunidades,
capaz de revelar a identidade dos
sujeitos alé
m do cotidiano dos
territórios
4
. Nossa reflexão é motivada
pela riqueza do material produzido
pelos colaboradores do site nesta
etapa, precisamente os textos “auto
narrativos”
que revelam um mosaico
de identidades multifacetadas e que
juntos contribuem par
a a visão de uma
identidade coletiva na rede de
colaboradores do Viva Favela 2.0
As autoras do presente artigo
participaram diretamente do processo
de desenvolvimento e manutenção do
Viva Favela 2.0, como profissionais
4
As re
lações entre territorialidades urbanas e
identidades construídas a partir da cibercultura
é extensamente analisada por
Costa
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
disputas de narrativas haviam sido
vessadas por redes sociais como
Orkut, Facebook e YouTube. A
internet, portanto, estava sendo
apropriada por produtores de conteúdo
de diversas procedências e perfis
identitários, provocando uma polifonia
Neste contexto, a nova plata
forma
do Viva Favela abria espaço para um
conteúdo mais autoral, trazendo a
subjetividade dos colaboradores e
contribuindo para a formação de um
de representações mais
diversas, íntimas das comunidades,
capaz de revelar a identidade dos
m do cotidiano dos
. Nossa reflexão é motivada
pela riqueza do material produzido
pelos colaboradores do site nesta
etapa, precisamente os textos “auto
-
que revelam um mosaico
de identidades multifacetadas e que
a a visão de uma
identidade coletiva na rede de
colaboradores do Viva Favela 2.0
.
As autoras do presente artigo
participaram diretamente do processo
de desenvolvimento e manutenção do
Viva Favela 2.0, como profissionais
lações entre territorialidades urbanas e
identidades construídas a partir da cibercultura
Costa
(2017).
atuantes em diferentes funções na
e
quipe do portal, mas ambas tendo
acesso direto ao conteúdo produzido,
aos bastidores do projeto e aos
próprios correspondentes. Esta
aproximação facilitou a realização da
presente pesquisa, bem como a que
resulta na dissertação de mestrado de
Mayra Jucá
5
,
cujos dados são
analisados sob outra perspectiva neste
trabalho.
Nosso estudo de caso será o
material “garimpado” no acervo
do Viva Favela 2.0, que esteve no ar
entre 2010 e 2013, quando foi extinto.
Nos debruçamos sobre textos
postados num dos cam
usuário do site, intitulado “Sobre mim”,
cujo objetivo era permitir que o autor
se apresentasse diante da audiência,
associando informações pessoais e
profissionais ao conteúdo produzido. É
o uso deste espaço por parte do
“correspondente m
ultimídia” para a
criação de uma biografia, controlando
a própria narrativa
representação de seu território
se objetivou analisar nesta pesquisa.
5
Ver “Vozes ativas das favelas 2.0
autorrepresentações midiáticas numa rede de
comunicadores periféricos”, disponível em
https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10
438/12531
72
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
atuantes em diferentes funções na
quipe do portal, mas ambas tendo
acesso direto ao conteúdo produzido,
aos bastidores do projeto e aos
próprios correspondentes. Esta
aproximação facilitou a realização da
presente pesquisa, bem como a que
resulta na dissertação de mestrado de
cujos dados são
analisados sob outra perspectiva neste
Nosso estudo de caso será o
material “garimpado” no acervo
offline
do Viva Favela 2.0, que esteve no ar
entre 2010 e 2013, quando foi extinto.
Nos debruçamos sobre textos
postados num dos cam
pos do perfil do
usuário do site, intitulado “Sobre mim”,
cujo objetivo era permitir que o autor
se apresentasse diante da audiência,
associando informações pessoais e
profissionais ao conteúdo produzido. É
o uso deste espaço por parte do
ultimídia” para a
criação de uma biografia, controlando
a própria narrativa
- de si e da
representação de seu território
-, que
se objetivou analisar nesta pesquisa.
Ver “Vozes ativas das favelas 2.0
-
autorrepresentações midiáticas numa rede de
comunicadores periféricos”, disponível em
https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
Na próxima seção, trazemos uma
visão panorâmica e não sistemática,
muito menos exaustiva,
representações de favelas ao longo do
século XX, que contribuem para a
formação de um senso comum que
começa a ser questionado nas suas
décadas finais. O objetivo desta seção
é situar historicamente o crescimento
(mais lento que gradual) do espaço
ocup
ado pela perspectiva do morador
nestas representações, até que
estivesse montado o cenário que seria
pano de fundo para o desenvolvimento
do projeto Viva Favela em 2001 e o
seu desdobramento, que levaria à
reformulação do projeto em 2010.
Em seguida, apre
alguns elementos relevantes da
história do projeto Viva Favela,
contextualizando seu impacto na
construção das representações de
favelas no Rio de Janeiro,
especialmente entre 2001 e 2005.
Nesta seção apresentamos também
algumas etapas do proces
transição entre os dois modelos do
Viva Favela.
Finalmente, na quarta seção,
antecedendo as considerações finais,
trazemos uma ampla gama de
exemplos comentados dos textos
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
Na próxima seção, trazemos uma
visão panorâmica e não sistemática,
muito menos exaustiva,
das
representações de favelas ao longo do
século XX, que contribuem para a
formação de um senso comum que
começa a ser questionado nas suas
décadas finais. O objetivo desta seção
é situar historicamente o crescimento
(mais lento que gradual) do espaço
ado pela perspectiva do morador
nestas representações, até que
estivesse montado o cenário que seria
pano de fundo para o desenvolvimento
do projeto Viva Favela em 2001 e o
seu desdobramento, que levaria à
reformulação do projeto em 2010.
Em seguida, apre
sentaremos
alguns elementos relevantes da
história do projeto Viva Favela,
contextualizando seu impacto na
construção das representações de
favelas no Rio de Janeiro,
especialmente entre 2001 e 2005.
Nesta seção apresentamos também
algumas etapas do proces
so de
transição entre os dois modelos do
Finalmente, na quarta seção,
antecedendo as considerações finais,
trazemos uma ampla gama de
exemplos comentados dos textos
produzidos pelos colaboradores do
Viva Favela 2.0 para publicação na
página
de sua assinatura, sob o título
“sobre mim”.
2. Um passeio pelas representações
de favelas em voz passiva e voz
ativa
Ao longo do século XX a
representação das favelas, seja na
literatura, na imprensa ou no cinema,
foi marcada pela narrativa estrangeira
ou “de fora”, em que esses territórios
são desbravados e identificados pela
ausência, pelo que lhes falta, ou pelo
crime, a violência e a marginalidade
(VALLADARES, 2005; ZALUAR
ALVITO, 2006). A perspectiva negativa
e problemática, que se cristalizou e
virou o século, perdurando até os dias
atuais, começa a ser escrita antes
mesmo do termo “favela” passar a ser
usado como substantivo genérico para
designar essas áreas, o que
a
conteceria a partir dos anos 1920.
É de 1908 a
conhecida crônica
de João do Rio “Os livres
acampamentos da miséria”, que
contribui para fundar, na opinião
pública, a dicotomia “cidade x morro”
73
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
produzidos pelos colaboradores do
Viva Favela 2.0 para publicação na
de sua assinatura, sob o título
2. Um passeio pelas representações
de favelas em voz passiva e voz
Ao longo do século XX a
representação das favelas, seja na
literatura, na imprensa ou no cinema,
foi marcada pela narrativa estrangeira
ou “de fora”, em que esses territórios
são desbravados e identificados pela
ausência, pelo que lhes falta, ou pelo
crime, a violência e a marginalidade
(VALLADARES, 2005; ZALUAR
;
ALVITO, 2006). A perspectiva negativa
e problemática, que se cristalizou e
virou o século, perdurando até os dias
atuais, começa a ser escrita antes
mesmo do termo “favela” passar a ser
usado como substantivo genérico para
designar essas áreas, o que
conteceria a partir dos anos 1920.
conhecida crônica
de João do Rio “Os livres
acampamentos da miséria”, que
contribui para fundar, na opinião
pública, a dicotomia “cidade x morro”
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
atualizada mais tarde para “asfalto x
favela”
6
:
E quando de no
vo cheguei ao alto do
morro, dando outra vez com os olhos
na cidade, que embaixo dormia
iluminada, imaginei chegar de uma
longa viagem a um outro ponto da
terra, de uma corrida pelo arraial da
sordidez alegre, pelo horror
inconsciente da miséria cantadeira
com a visão dos casinhotos e das
caras daquele povo vigoroso,
refestelado de indigência em vez de
trabalhar, conseguindo bem no
centro de uma grande cidade a
construção inédita de um
acampamento de indolência, livre de
todas as leis.
no final do sécu
lo, a mais de
oito décadas de distância do desejo de
João do Rio de reafirmar uma cidade
moderna em oposição ao morro, um
“arraial” arcaico, o jornalista Zuenir
Ventura lançaria o livro “Cidade
Partida”, cujo título se tornou
expressão síntese da questão s
no Rio de Janeiro nos anos 90 e início
dos 2000.
As duas incursões de cronistas
interessados em reportar a favela para
o leitor externo, uma em 1908 e a
outra em 1994, ilustram a passagem
de um culo em que as favelas foram
6
Publicada pela primeira vez em 3 de
novembro de 1908 na Gazeta de Notícias com
o título “A cidade do morro de Santo
Antônio/Impressão noturna”, a crônica seria
incluída em 1911 na coletânea Vida
Vertiginosa com outro título, “Os livres
acampamentos da miséria”, como ficou mais
conhecida.
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
atualizada mais tarde para “asfalto x
vo cheguei ao alto do
morro, dando outra vez com os olhos
na cidade, que embaixo dormia
iluminada, imaginei chegar de uma
longa viagem a um outro ponto da
terra, de uma corrida pelo arraial da
sordidez alegre, pelo horror
inconsciente da miséria cantadeira
,
com a visão dos casinhotos e das
caras daquele povo vigoroso,
refestelado de indigência em vez de
trabalhar, conseguindo bem no
centro de uma grande cidade a
construção inédita de um
acampamento de indolência, livre de
lo, a mais de
oito décadas de distância do desejo de
João do Rio de reafirmar uma cidade
moderna em oposição ao morro, um
“arraial” arcaico, o jornalista Zuenir
Ventura lançaria o livro “Cidade
Partida”, cujo título se tornou
expressão síntese da questão s
ocial
no Rio de Janeiro nos anos 90 e início
As duas incursões de cronistas
interessados em reportar a favela para
o leitor externo, uma em 1908 e a
outra em 1994, ilustram a passagem
de um culo em que as favelas foram
Publicada pela primeira vez em 3 de
novembro de 1908 na Gazeta de Notícias com
o título “A cidade do morro de Santo
Antônio/Impressão noturna”, a crônica seria
incluída em 1911 na coletânea Vida
Vertiginosa com outro título, “Os livres
acampamentos da miséria”, como ficou mais
mantidas à margem da cid
visitadas por narradores de fora, e
cujas impressões, inevitavelmente
afetadas pelo distanciamento e pela
falta de identificação dos autores com
os locais e seus moradores,
influenciaram fortemente o senso
comum.
A produção de representações
internas
, criadas dentro das próprias
favelas em meio impresso
circulação se limitava ao seu território
se deu inicialmente através de jornais
comunitários como “A Voz do Morro”,
que começou a ser publicado em
março de 1935 como informativo da
Escola de
Samba Estação Primeira de
Mangueira. Muitos outros surgiram ao
longo do século XX, como o “União da
Maré”, que circulou de 1980 a 1982, e
“O Cidadão”, editado desde 1999 no
Complexo da Maré (CHAGAS, 2009).
A primeira narrativa sobre a vida
numa favela es
crita por alguém “de
dentro” a obter sucesso como obra
literária, alcançando um público amplo,
é o livro “Quarto de Despejo: diário de
uma favelada”, de Carolina Maria de
Jesus, lançado em 1960. Apesar da
mediação de um jornalista responsável
pela “descobe
rta” do manuscrito e sua
publicação, o relato do cotidiano da
74
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
mantidas à margem da cid
ade,
visitadas por narradores de fora, e
cujas impressões, inevitavelmente
afetadas pelo distanciamento e pela
falta de identificação dos autores com
os locais e seus moradores,
influenciaram fortemente o senso
A produção de representações
, criadas dentro das próprias
favelas em meio impresso
e cuja
circulação se limitava ao seu território
-
se deu inicialmente através de jornais
comunitários como “A Voz do Morro”,
que começou a ser publicado em
março de 1935 como informativo da
Samba Estação Primeira de
Mangueira. Muitos outros surgiram ao
longo do século XX, como o “União da
Maré”, que circulou de 1980 a 1982, e
“O Cidadão”, editado desde 1999 no
Complexo da Maré (CHAGAS, 2009).
A primeira narrativa sobre a vida
crita por alguém “de
dentro” a obter sucesso como obra
literária, alcançando um público amplo,
é o livro “Quarto de Despejo: diário de
uma favelada”, de Carolina Maria de
Jesus, lançado em 1960. Apesar da
mediação de um jornalista responsável
rta” do manuscrito e sua
publicação, o relato do cotidiano da
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
autora é um marco da entrada em
circulação de uma “fala” inédita de
uma representante da classe social
tida como “sem voz”.
A década de 1960 é marcada
pelo aumento do interesse de
historiadore
s e cientistas sociais pelo
estudo das populações pobres e
marginalizadas e o consequente
registro de entrevistas com seus
representantes. Surgem em artigos
acadêmicos e livros voltados para um
público intelectualizado,
as falas de
moradores de favelas, ta
mediadas pelos autores, editadas a
serviço de seus problemas de
pesquisa. Em uma reflexão sobre o
desenvolvimento da metodologia da
história oral neste período, Alberti
(2008) recorre à metáfora da voz,
muitas vezes acionada para se colocar
em questão
a representação e a
autorrepresentação dos que estão à
margem:
Na década de 1960, paralelamente
ao aperfeiçoamento do gravador
portátil, tornaram-
se frequentes
também as "entrevistas de história
de vida" com membros de grupos
sociais que, em geral, não de
registros escritos de suas
experiências e formas de ver o
mundo. Foi a fase conhecida como
da História oral "militante", praticada
por pesquisadores que identificavam
na nova metodologia uma solução
para "dar voz" às minorias e
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
autora é um marco da entrada em
circulação de uma “fala” inédita de
uma representante da classe social
A década de 1960 é marcada
pelo aumento do interesse de
s e cientistas sociais pelo
estudo das populações pobres e
marginalizadas e o consequente
registro de entrevistas com seus
representantes. Surgem em artigos
acadêmicos e livros voltados para um
as falas de
moradores de favelas, ta
mbém
mediadas pelos autores, editadas a
serviço de seus problemas de
pesquisa. Em uma reflexão sobre o
desenvolvimento da metodologia da
história oral neste período, Alberti
(2008) recorre à metáfora da voz,
muitas vezes acionada para se colocar
a representação e a
autorrepresentação dos que estão à
Na década de 1960, paralelamente
ao aperfeiçoamento do gravador
se frequentes
também as "entrevistas de história
de vida" com membros de grupos
sociais que, em geral, não de
ixavam
registros escritos de suas
experiências e formas de ver o
mundo. Foi a fase conhecida como
da História oral "militante", praticada
por pesquisadores que identificavam
na nova metodologia uma solução
para "dar voz" às minorias e
possibilitar a existê
História "vinda de baixo".
Se no ambiente acadêmico, no
campo das Ciências Humanas, a “voz”
dos moradores de favelas e periferias
passou a ser valorizada na segunda
metade do século XX, na imprensa
hegemônica a cobertura das favelas
se manteve
distante dos moradores.
As pautas foram, como ainda são,
geradas atendendo a demandas de
atores sociais externos, como órgãos
governamentais e a polícia. Uma
pesquisa divulgada em 2007 chega a
documentar o
meaculpa
pela cobertura estigmatizan
realiza sobre favelas e periferias. A
maioria dos profissionais ouvidos
reconhece que os seus veículos têm
grande responsabilidade na
caracterização dos territórios
populares como espaços exclusivos de
violência” (PAIVA;
RAMOS, 2007).
Passaram-
se
décadas desde o lançamento de
“Quarto de Despejo” até que um
segundo livro escrito por um morador
de favela fosse lançado e reconhecido
no meio literário brasileiro: o romance
“Cidade de Deus”, de Paulo Lins,
publicado em 1997. O aumento da
es
cala de produções textuais trazendo
75
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
possibilitar a existê
ncia de uma
História "vinda de baixo".
Se no ambiente acadêmico, no
campo das Ciências Humanas, a “voz”
dos moradores de favelas e periferias
passou a ser valorizada na segunda
metade do século XX, na imprensa
hegemônica a cobertura das favelas
distante dos moradores.
As pautas foram, como ainda são,
geradas atendendo a demandas de
atores sociais externos, como órgãos
governamentais e a polícia. Uma
pesquisa divulgada em 2007 chega a
meaculpa
da imprensa
pela cobertura estigmatizan
te que
realiza sobre favelas e periferias. A
maioria dos profissionais ouvidos
reconhece que os seus veículos têm
grande responsabilidade na
caracterização dos territórios
populares como espaços exclusivos de
RAMOS, 2007).
se
quase quatro
décadas desde o lançamento de
“Quarto de Despejo” até que um
segundo livro escrito por um morador
de favela fosse lançado e reconhecido
no meio literário brasileiro: o romance
“Cidade de Deus”, de Paulo Lins,
publicado em 1997. O aumento da
cala de produções textuais trazendo
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
relatos de experiências e do estilo de
vida da população pobre nas cidades,
a partir do olhar dos próprios
moradores e com espaço para
subjetividades, ocorreria de fato no
século XXI (DALCASTAGNÈ, 2007).
A subjetivid
ade do morador de
favela é destacada em obras pontuais
do fim do século XX, mas raramente
em “voz ativa”. Em “Cidade Partida”,
Zuenir Ventura observa com rara
proximidade o cotidiano de um dos
traficantes no comando de Vigário
Geral, comunidade que frequen
durante dez meses, durante os quais
realizou inúmeras e longas entrevistas
com moradores. o documentário
“Babilônia 2000”, de Eduardo
Coutinho, lançado em 2001, se
destaca por apresentar o morro da
Babilônia colocando a perspectiva
humana em primeir
o plano, uma
marca do diretor. Diversos filmes do
período, de ficção e documentário,
abordam a favela como cenário de
violência, mas buscando trazer
personagens menos estigmatizados,
abordando as trajetórias de vida que
conduziram alguns ao crime, outros
n
ão. De 2002, “Cidade de Deus”, de
Fernando Meirelles, baseado no
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
relatos de experiências e do estilo de
vida da população pobre nas cidades,
a partir do olhar dos próprios
moradores e com espaço para
subjetividades, ocorreria de fato no
século XXI (DALCASTAGNÈ, 2007).
ade do morador de
favela é destacada em obras pontuais
do fim do século XX, mas raramente
em “voz ativa”. Em “Cidade Partida”,
Zuenir Ventura observa com rara
proximidade o cotidiano de um dos
traficantes no comando de Vigário
Geral, comunidade que frequen
tou
durante dez meses, durante os quais
realizou inúmeras e longas entrevistas
com moradores. o documentário
“Babilônia 2000”, de Eduardo
Coutinho, lançado em 2001, se
destaca por apresentar o morro da
Babilônia colocando a perspectiva
o plano, uma
marca do diretor. Diversos filmes do
período, de ficção e documentário,
abordam a favela como cenário de
violência, mas buscando trazer
personagens menos estigmatizados,
abordando as trajetórias de vida que
conduziram alguns ao crime, outros
ão. De 2002, “Cidade de Deus”, de
Fernando Meirelles, baseado no
romance de Paulo Lins, é o exemplo
mais relevante desta categoria.
A perspectiva do morador de
favela ganha relevo nos cinemas com
a produção “Cinco X Favela
por nós mesmos”, de 2010
derivado do longa “Cinco Vezes
Favela”, de 1962, considerado um
clássico do Cinema Novo. O filme traz
cinco curtas dirigidos por Wagner
Novais, Rodrigo Felha, Cacau Amaral,
Luciano Vidigal, Luciana Bezerra,
Cadu Barcellos e Manaíra Carneiro,
jove
ns cineastas oriundos das favelas
representadas, sob coordenação de
Cacá Diegues, um dos diretores do
filme original. A esta altura, o
reconhecimento do direito dos
representantes das classes sociais
desfavorecidas à autorrepresentação,
ao lugar de autores
narrativas, era reconhecido e
defendido por uma parcela expressiva
da sociedade carioca e brasileira.
Neste mesmo ano, em meio a
diversas iniciativas como a de Cacá
Diegues, que apontavam para um
deslocamento simbólico “da periferia
p
ara o centro” e proclamavam a
emergência da cultura da periferia ou a
cultura da favela, o Viva Rio lançaria o
novo portal Viva Favela 2.0.
76
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
romance de Paulo Lins, é o exemplo
mais relevante desta categoria.
A perspectiva do morador de
favela ganha relevo nos cinemas com
a produção “Cinco X Favela
Agora
por nós mesmos”, de 2010
, projeto
derivado do longa “Cinco Vezes
Favela”, de 1962, considerado um
clássico do Cinema Novo. O filme traz
cinco curtas dirigidos por Wagner
Novais, Rodrigo Felha, Cacau Amaral,
Luciano Vidigal, Luciana Bezerra,
Cadu Barcellos e Manaíra Carneiro,
ns cineastas oriundos das favelas
representadas, sob coordenação de
Cacá Diegues, um dos diretores do
filme original. A esta altura, o
reconhecimento do direito dos
representantes das classes sociais
desfavorecidas à autorrepresentação,
de suas próprias
narrativas, era reconhecido e
defendido por uma parcela expressiva
da sociedade carioca e brasileira.
Neste mesmo ano, em meio a
diversas iniciativas como a de Cacá
Diegues, que apontavam para um
deslocamento simbólico “da periferia
ara o centro” e proclamavam a
emergência da cultura da periferia ou a
cultura da favela, o Viva Rio lançaria o
novo portal Viva Favela 2.0.
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
3. O Viva Favela 2.0, uma rede
colaborativa
O Viva Favela, lançado em
2001, fazia parte de um projeto
ambicioso – e bem-
sucedido durante
ao menos quatro anos
implementação de pontos de acesso
gratuito à internet, via sinal de rádio,
em cerca de uma dezena de favelas
cariocas. A Estação Futuro f
precursora das
lanhouses
comunidades e servia inicialmente de
escritório de redação para os
“correspondentes comunitários” do
Viva Favela, um jornal online que
oferecia notícias sobre favelas criadas
pelos próprios moradores, visando
influenciar a c
obertura da mídia para
uma representação mais humana. A
proposta principal era mostrar o lado
positivo da vida e da cultura das
favelas, afastando-
se do
enquadramento dominante que as
representava exclusivamente como
espaço da criminalidade.
Os computadore
s de cada
Estação Futuro tinham o Viva Favela
como página inicial. O conteúdo era
destinado ao consumo tanto de
moradores das comunidades quanto
do blico em geral. Desde o início o
portal atraía, entre os “de fora”,
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
3. O Viva Favela 2.0, uma rede
O Viva Favela, lançado em
2001, fazia parte de um projeto
sucedido durante
ao menos quatro anos
de
implementação de pontos de acesso
gratuito à internet, via sinal de rádio,
em cerca de uma dezena de favelas
cariocas. A Estação Futuro f
oi
lanhouses
nas
comunidades e servia inicialmente de
escritório de redação para os
“correspondentes comunitários” do
Viva Favela, um jornal online que
oferecia notícias sobre favelas criadas
pelos próprios moradores, visando
obertura da mídia para
uma representação mais humana. A
proposta principal era mostrar o lado
positivo da vida e da cultura das
se do
enquadramento dominante que as
representava exclusivamente como
s de cada
Estação Futuro tinham o Viva Favela
como página inicial. O conteúdo era
destinado ao consumo tanto de
moradores das comunidades quanto
do blico em geral. Desde o início o
portal atraía, entre os “de fora”,
principalmente jornalistas e
pesquisad
ores do tema.
Na fase inicial, foram
selecionados entre 12 e 15 moradores
de favelas com perfil de
comunicadores ou de lideranças
comunitárias para atuarem como
“correspondentes comunitários”.
Trabalhando em duplas de fotógrafo e
repórter, realizavam a cob
cotidiano de comunidades como
Cidade de Deus, Complexo da Maré,
Complexo do Alemão e Rocinha. Os
correspondentes produziam uma
primeira versão da matéria, que era
depois revisada pelos editores do site,
profissionais formados em
Comunicação Socia
l, a maioria com
passagem por redações de jornais
cariocas.
Reuniões de pauta semanais
definiam os temas a serem
trabalhados. Esses momentos eram a
materialização do encontro e do
diálogo entre “asfalto” e favela,
gerando debates calorosos, momentos
de em
oção e de surpresa, como
quando uma correspondente
descobriu, incrédula, que as mulheres
que formam grupos de estudantes em
suas casas para ajudar com as lições
da escola eram personagens
77
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
principalmente jornalistas e
ores do tema.
Na fase inicial, foram
selecionados entre 12 e 15 moradores
de favelas com perfil de
comunicadores ou de lideranças
comunitárias para atuarem como
“correspondentes comunitários”.
Trabalhando em duplas de fotógrafo e
repórter, realizavam a cob
ertura do
cotidiano de comunidades como
Cidade de Deus, Complexo da Maré,
Complexo do Alemão e Rocinha. Os
correspondentes produziam uma
primeira versão da matéria, que era
depois revisada pelos editores do site,
profissionais formados em
l, a maioria com
passagem por redações de jornais
Reuniões de pauta semanais
definiam os temas a serem
trabalhados. Esses momentos eram a
materialização do encontro e do
diálogo entre “asfalto” e favela,
gerando debates calorosos, momentos
oção e de surpresa, como
quando uma correspondente
descobriu, incrédula, que as mulheres
que formam grupos de estudantes em
suas casas para ajudar com as lições
da escola eram personagens
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
desconhecidos de quem não mora em
favela. “Meu Deus do u, vocês
sabem o que é explicadora!”
(RAMALHO, 2007, p. 74). Não raro,
pesquisadores participavam das
reuniões. Um deles, professor de
Direitos Humanos e Mídia da
Universidade de Nova York, escreveu
sobre a experiência:
Toda segunda-
feira à tarde, havia
uma
reunião de pauta na sede do
Viva Rio, no bairro da Glória. Os
fotógrafos, os jornalistas e editores
do projeto propunham ideias de
pautas, relatavam o andamento das
matérias que estavam fazendo e
entregavam as reportagens prontas.
(...) Um dos jornalistas
escrever sobre o preconceito que os
loiros naturais sofriam nas favelas.
Alguém falava sobre as pequenas
piscinas que as pessoas têm dentro
das comunidades. Um dos fotógrafos
mostrava imagens de uma mulher
que fazia e distribuía sopa para as
pessoas
famintas em sua
comunidade. Outro correspondente
descrevia o crescimento vertical das
casas e os problemas quando uma
laje extra de repente bloqueia a vista
de seu vizinho para o mar. Enquanto
isso, as manchetes da imprensa em
qualquer segunda-
feira grita
a violência do tráfico de drogas e a
brutalidade policial nas favelas
(LUCAS, 2012 p. 6).
Um ano depois da entrada do Viva
Favela na rede, a trágica morte do
jornalista Tim Lopes, executado por
traficantes da Vila Cruzeiro, marcaria
um distanciame
nto ainda mais
contundente entre a imprensa
convencional e as comunidades e
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
desconhecidos de quem não mora em
favela. “Meu Deus do u, vocês
o
sabem o que é explicadora!”
(RAMALHO, 2007, p. 74). Não raro,
pesquisadores participavam das
reuniões. Um deles, professor de
Direitos Humanos e Mídia da
Universidade de Nova York, escreveu
feira à tarde, havia
reunião de pauta na sede do
Viva Rio, no bairro da Glória. Os
fotógrafos, os jornalistas e editores
do projeto propunham ideias de
pautas, relatavam o andamento das
matérias que estavam fazendo e
entregavam as reportagens prontas.
(...) Um dos jornalistas
queria
escrever sobre o preconceito que os
loiros naturais sofriam nas favelas.
Alguém falava sobre as pequenas
piscinas que as pessoas têm dentro
das comunidades. Um dos fotógrafos
mostrava imagens de uma mulher
que fazia e distribuía sopa para as
famintas em sua
comunidade. Outro correspondente
descrevia o crescimento vertical das
casas e os problemas quando uma
laje extra de repente bloqueia a vista
de seu vizinho para o mar. Enquanto
isso, as manchetes da imprensa em
feira grita
m sobre
a violência do tráfico de drogas e a
brutalidade policial nas favelas
Um ano depois da entrada do Viva
Favela na rede, a trágica morte do
jornalista Tim Lopes, executado por
traficantes da Vila Cruzeiro, marcaria
nto ainda mais
contundente entre a imprensa
convencional e as comunidades e
alçaria o Viva Favela ao status de
referência central para repórteres e
editores (RAMALHO, 2005; RAMOS
PAIVA, 2007). Durante os anos
seguintes, o Viva Favela seria
procurado diari
amente por jornalistas
em busca de pautas, personagens,
contatos para entrevistas ou visitas
agendadas. O objetivo de influenciar a
cobertura da mídia sobre as favelas
cariocas seria atingido, embora isso
não significasse que as notícias
reportando as fave
las pelo viés da
carência e da violência parassem de
ser produzidas e publicadas.
Por cerca de quatro anos o Viva
Favela manteve o modelo original,
com algumas substituições nas
equipes de correspondentes e de
jornalistas profissionais, a entrada de
novas
favelas no raio de cobertura e
alterações pontuais no sistema de
trabalho. Em 2005, uma crise
financeira abalou o projeto, que sem
patrocinador passou por várias
rodadas de demissões na equipe,
transformou os correspondentes
inicialmente em
freelancers
voluntários, e por fim teve a produção
de conteúdo temporariamente
suspensa.
O período imediatamente posterior à
crise de 2005 foi marcado por uma
78
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
alçaria o Viva Favela ao status de
referência central para repórteres e
editores (RAMALHO, 2005; RAMOS
;
PAIVA, 2007). Durante os anos
seguintes, o Viva Favela seria
amente por jornalistas
em busca de pautas, personagens,
contatos para entrevistas ou visitas
agendadas. O objetivo de influenciar a
cobertura da mídia sobre as favelas
cariocas seria atingido, embora isso
não significasse que as notícias
las pelo viés da
carência e da violência parassem de
ser produzidas e publicadas.
Por cerca de quatro anos o Viva
Favela manteve o modelo original,
com algumas substituições nas
equipes de correspondentes e de
jornalistas profissionais, a entrada de
favelas no raio de cobertura e
alterações pontuais no sistema de
trabalho. Em 2005, uma crise
financeira abalou o projeto, que sem
patrocinador passou por várias
rodadas de demissões na equipe,
transformou os correspondentes
freelancers
, depois em
voluntários, e por fim teve a produção
de conteúdo temporariamente
O período imediatamente posterior à
crise de 2005 foi marcado por uma
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
sequência de tentativas de se manter
o Viva Favela no ar enquanto
buscava-
se novos patrocinadores.
M
as embora nunca tenha deixado de
funcionar nem tenha ficado
completamente à deriva, sem uma
equipe (por menor que fosse) que
zelasse por ele, o projeto foi
considerado extinto por muitos dos
que o conheceram na sua fase de
maior visibilidade (SANTOS, 2014)
A partir de 2006, com as
sucessivas transformações nas
Tecnologias de Comunicação e
Informação ampliando o potencial de
interação e colaboração do
consumidor/usuário nas plataformas
online, a ideia de que o Viva Favela
deveria ser atualizado para o mode
de colaboração aberta, acessível a
“correspondentes” de todo o Brasil,
sem a revisão de editores
profissionais, passou a circular no Viva
Rio.
Neste mesmo ano seria lançado
o site colaborativo Overmundo, tendo
Hermano Vianna como um dos
mentores. O Ove
rmundo seria a
principal referência para a elaboração
do projeto do Viva Favela 2.0. Seus
fundadores se tornaram parceiros da
equipe de comunicação do Viva Rio e
uma série de reuniões marcou a
criação das bases do novo portal, que
entraria de fato na WWW q
depois.
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
sequência de tentativas de se manter
o Viva Favela no ar enquanto
se novos patrocinadores.
as embora nunca tenha deixado de
funcionar nem tenha ficado
completamente à deriva, sem uma
equipe (por menor que fosse) que
zelasse por ele, o projeto foi
considerado extinto por muitos dos
que o conheceram na sua fase de
maior visibilidade (SANTOS, 2014)
.
A partir de 2006, com as
sucessivas transformações nas
Tecnologias de Comunicação e
Informação ampliando o potencial de
interação e colaboração do
consumidor/usuário nas plataformas
online, a ideia de que o Viva Favela
deveria ser atualizado para o mode
lo
de colaboração aberta, acessível a
“correspondentes” de todo o Brasil,
sem a revisão de editores
profissionais, passou a circular no Viva
Neste mesmo ano seria lançado
o site colaborativo Overmundo, tendo
Hermano Vianna como um dos
rmundo seria a
principal referência para a elaboração
do projeto do Viva Favela 2.0. Seus
fundadores se tornaram parceiros da
equipe de comunicação do Viva Rio e
uma série de reuniões marcou a
criação das bases do novo portal, que
entraria de fato na WWW q
uatro anos
Lançado em 2010, o Viva
Favela 2.0 era uma plataforma
multimídia e colaborativa. Moradores
de favelas e periferias de todo o Brasil
podiam, através de um cadastro no
site, enviar suas produções para o
portal. O acesso era livre para
qual
quer pessoa interessada, e as
contribuições eram publicadas sem
revisão ou mediação por parte de
editores. Além da ampliação da
abrangência geográfica, os conteúdos
deixaram de ser apenas em texto e
foto, com a possibilidade de postagem
de vídeos e áudios.
atraiu produtores de conteúdo
atuantes em rádios comunitárias e
projetos de produção audiovisual, que
então se multiplicavam pelas periferias
do país com apoio do programa dos
Pontos de Cultura, do Governo
Federal.
O modelo de gestão do
conte
údo não se inspirava numa
redação de jornal convencional. A
aprovação da pauta por editores era
restrita a uma única seção, a da
Revista Multimídia, uma publicação
mensal onde as colaborações ainda
eram remuneradas. No portal como
um todo, as colaboraçõ
voluntárias e livres, a escolha do tema,
79
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
Lançado em 2010, o Viva
Favela 2.0 era uma plataforma
multimídia e colaborativa. Moradores
de favelas e periferias de todo o Brasil
podiam, através de um cadastro no
site, enviar suas produções para o
portal. O acesso era livre para
quer pessoa interessada, e as
contribuições eram publicadas sem
revisão ou mediação por parte de
editores. Além da ampliação da
abrangência geográfica, os conteúdos
deixaram de ser apenas em texto e
foto, com a possibilidade de postagem
de vídeos e áudios.
Esta mudança
atraiu produtores de conteúdo
atuantes em rádios comunitárias e
projetos de produção audiovisual, que
então se multiplicavam pelas periferias
do país com apoio do programa dos
Pontos de Cultura, do Governo
O modelo de gestão do
údo não se inspirava numa
redação de jornal convencional. A
aprovação da pauta por editores era
restrita a uma única seção, a da
Revista Multimídia, uma publicação
mensal onde as colaborações ainda
eram remuneradas. No portal como
um todo, as colaboraçõ
es eram
voluntárias e livres, a escolha do tema,
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
estilo, e formato cabia exclusivamente
ao autor.
A hierarquia de destaques na
home
e página inicial de cada seção
era definida não mais por critérios
humanos, mas pela combinação da
atualidade do conteúdo c
quantidade de avaliações positivas dos
próprios usuários, e o cálculo era feito
por algoritmo. Também não havia
parceria entre o autor amador e um
jornalista profissional para o controle
de qualidade dos textos, áudios,
vídeos ou fotografias publicada
todas essas transformações, o Viva
Favela 2.0 se aproximava muito mais
de uma rede social do que de um
jornal online.
Se em 2001 os correspondentes
comunitários do Viva Favela não
possuíam acesso aos meios de
produção em suas casas, usando a
Estação
Futuro como escritório e
posteriormente a própria sede do Viva
Rio, na Glória, o contexto era outro em
2010. Embora uma sala
permanecesse equipada e disponível
para correspondentes do Rio de
Janeiro que quisessem usar algum
recurso específico, os novos
co
laboradores, que passaram a ser
identificados no projeto como
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
estilo, e formato cabia exclusivamente
A hierarquia de destaques na
e página inicial de cada seção
era definida não mais por critérios
humanos, mas pela combinação da
atualidade do conteúdo c
om a
quantidade de avaliações positivas dos
próprios usuários, e o cálculo era feito
por algoritmo. Também não havia
parceria entre o autor amador e um
jornalista profissional para o controle
de qualidade dos textos, áudios,
vídeos ou fotografias publicada
s. Com
todas essas transformações, o Viva
Favela 2.0 se aproximava muito mais
de uma rede social do que de um
Se em 2001 os correspondentes
comunitários do Viva Favela não
possuíam acesso aos meios de
produção em suas casas, usando a
Futuro como escritório e
posteriormente a própria sede do Viva
Rio, na Glória, o contexto era outro em
2010. Embora uma sala
permanecesse equipada e disponível
para correspondentes do Rio de
Janeiro que quisessem usar algum
recurso específico, os novos
laboradores, que passaram a ser
identificados no projeto como
“Correspondentes
Multimídia”, pos
suíam acesso a ferramentas de
trabalho como computadores e
Internet de alta velocidade (em casa
ou em lanhouses
), celulares com
câmeras, câmeras compactas que
f
ilmam em HD e fotografam com
muitos megapixels.
Em 2013, três anos depois de
lançado, o Viva Favela 2.0 possuía
2519usuários cadastrados, sendo que
365 destes eram “correspondentes”
contribuindo regularmente, e cujas
assinaturas levavam a uma página de
p
erfil onde era exibida a sua
autobiografia sob o título “Sobre Mim”.
4. “Sobre mim”:
autorrepresentações no Viva Favela
2.0
O “Sobre mim” do Viva Favela 2.0
era um campo de texto livre, cujo
preenchimento não era obrigatório,
onde o colaborador era estim
redigir uma apresentação pessoal.
Tanto os comentários quanto as
produções publicadas em seções de
conteúdo traziam a assinatura do autor
(não era pedido o nome completo,
muitos indicavam um apelido) com um
hiperlink
levando à página de seu
“perfil
”. Nela, era possível encontrar
80
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
Multimídia”, pos
-
suíam acesso a ferramentas de
trabalho como computadores e
Internet de alta velocidade (em casa
), celulares com
câmeras, câmeras compactas que
ilmam em HD e fotografam com
Em 2013, três anos depois de
lançado, o Viva Favela 2.0 possuía
2519usuários cadastrados, sendo que
365 destes eram “correspondentes”
contribuindo regularmente, e cujas
assinaturas levavam a uma página de
erfil onde era exibida a sua
autobiografia sob o título “Sobre Mim”.
autorrepresentações no Viva Favela
O “Sobre mim” do Viva Favela 2.0
era um campo de texto livre, cujo
preenchimento não era obrigatório,
onde o colaborador era estim
ulado a
redigir uma apresentação pessoal.
Tanto os comentários quanto as
produções publicadas em seções de
conteúdo traziam a assinatura do autor
(não era pedido o nome completo,
muitos indicavam um apelido) com um
levando à página de seu
”. Nela, era possível encontrar
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
sua apresentação pessoal em texto, o
local onde vivia (campo livre,
geralmente preenchido com o nome de
uma comunidade, um bairro ou
cidade), sua fotografia e outros dados,
como o endereço eletrônico de suas
contas em redes sociais.
As produções textuais enviadas
neste formulário ficavam armazenadas
no banco de dados que reunia a
totalidade do conteúdo do portal. A
fonte do material que ora analisamos é
uma cópia desta base de dados feita
em 2013
7
para fins da pesquisa que
resultou na citada dissertação que
analisa a rede de colaboradores do
Viva Favela 2.0 (SANTOS, 2014).
As autobiografias
postadas
campo “Sobre mim” revelam a
diversidade da rede de colaboradores.
Dos 560 textos analisados p
artigo, 117 eram de usuários que se
declaravam jornalistas e 24,
estudantes de jornalismo. Ainda que
os jornalistas e futuros jornalistas
representassem uma parcela
considerável da rede, estavam longe
de ser maioria (cerca de ¼ do total
7
Em 2014, uma nova versão do Viva Favela
substituiu a 2.0, ficando no ar por pouco mais
de um ano. Desde então, não há notícias de
que o Viva Rio possua uma cópia acessível da
plataforma do Viva Favela 2.0 e seu banco de
dados.
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
sua apresentação pessoal em texto, o
local onde vivia (campo livre,
geralmente preenchido com o nome de
uma comunidade, um bairro ou
cidade), sua fotografia e outros dados,
como o endereço eletrônico de suas
As produções textuais enviadas
neste formulário ficavam armazenadas
no banco de dados que reunia a
totalidade do conteúdo do portal. A
fonte do material que ora analisamos é
uma cópia desta base de dados feita
para fins da pesquisa que
resultou na citada dissertação que
analisa a rede de colaboradores do
Viva Favela 2.0 (SANTOS, 2014).
postadas
no
campo “Sobre mim” revelam a
diversidade da rede de colaboradores.
Dos 560 textos analisados p
ara este
artigo, 117 eram de usuários que se
declaravam jornalistas e 24,
estudantes de jornalismo. Ainda que
os jornalistas e futuros jornalistas
representassem uma parcela
considerável da rede, estavam longe
de ser maioria (cerca de ¼ do total
Em 2014, uma nova versão do Viva Favela
substituiu a 2.0, ficando no ar por pouco mais
de um ano. Desde então, não há notícias de
que o Viva Rio possua uma cópia acessível da
plataforma do Viva Favela 2.0 e seu banco de
avaliado).
Porém, em relação aos 14
correspondentes comunitários do Viva
Favela em sua fase inicial, eles
formariam uma redação com dez
vezes mais componentes, caso o
modelo jornalístico permanecesse e
este fosse um critério de seleção. No
auge do projeto 1.0, a equ
ter no máximo 30 integrantes, entre
amadores e profissionais.
Se nos primeiros anos do Viva
Favela a parceria entre moradores de
comunidades
8
e jornalistas
profissionais era uma exigência para
que o conteúdo pudesse de fato
competir com o da m
ídia convencional,
o que chegou a gerar tensão por conta
da assinatura compartilhada das
matérias (RAMALHO, 2007, p.68), a
presença de jornalistas profissionais
que eram, também, moradores de
favela, foi uma novidade na rede de
colaboradores do Viva Favela
Certamente as políticas públicas que
facilitaram o acesso de jovens de
baixa renda às universidades,
implementadas no período, tiveram
impacto sobre este dado.
8
Em 2001, os correspondente
não possuíam formação superior, mas ao
longo dos anos o próprio Viva Rio intermediou
a aquisição de bolsas de estudos para alguns,
que cursaram jornalismo e se
profissionalizaram.
81
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
Porém, em relação aos 14
correspondentes comunitários do Viva
Favela em sua fase inicial, eles
formariam uma redação com dez
vezes mais componentes, caso o
modelo jornalístico permanecesse e
este fosse um critério de seleção. No
auge do projeto 1.0, a equ
ipe chegou a
ter no máximo 30 integrantes, entre
amadores e profissionais.
Se nos primeiros anos do Viva
Favela a parceria entre moradores de
e jornalistas
profissionais era uma exigência para
que o conteúdo pudesse de fato
ídia convencional,
o que chegou a gerar tensão por conta
da assinatura compartilhada das
matérias (RAMALHO, 2007, p.68), a
presença de jornalistas profissionais
que eram, também, moradores de
favela, foi uma novidade na rede de
colaboradores do Viva Favela
2.0.
Certamente as políticas públicas que
facilitaram o acesso de jovens de
baixa renda às universidades,
implementadas no período, tiveram
impacto sobre este dado.
Em 2001, os correspondente
s selecionados
não possuíam formação superior, mas ao
longo dos anos o próprio Viva Rio intermediou
a aquisição de bolsas de estudos para alguns,
que cursaram jornalismo e se
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
Ser jornalista, entretanto, não era
mais tão relevante no Viva Favela 2.0
quanto teria si
do para um
correspondente do “1.0”. Mesmo entre
os jornalistas já formados, a identidade
“jornalista” não é a única mencionada
no “Sobre mim”. Alan de Jesus, de
Guapimirim
9
, é jornalista, mas também
publicitário, “atuando em jornais
impressos, assessoria d
comunicação, diagramação (...) e
produção cultural”. Paulo Campello, da
comunidade Santo Amaro, estudou
“comunicação, teatro, música e hoje
em dia estuda cinema”. Fica evidente
que os interesses e experiências
transitam entre disciplinas e
linguagens, fa
zendo dos
colaboradores indivíduos de múltiplas
habilidades ou potenciais, o que de
fato os aproxima do apelido
“correspondente multimídia”.
Para Grohmann (2016), as
mudanças do trabalho dos jornalistas
nas últimas décadas levaram a um
tensionamento da “f
igura criada e
mitificada como sendo ‘a’ única e
possível do jornalista (...): a do
jornalista que trabalha na redação de
9
Os nomes e localidades dos usuários são
citados exatamente
como foram inseridos
pelos autores. Não buscamos acrescentar
dados como nome completo ou a
cidade/estado onde a comu
nidade se insere.
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
Ser jornalista, entretanto, não era
mais tão relevante no Viva Favela 2.0
do para um
correspondente do “1.0”. Mesmo entre
os jornalistas já formados, a identidade
“jornalista” não é a única mencionada
no “Sobre mim”. Alan de Jesus, de
, é jornalista, mas também
publicitário, “atuando em jornais
impressos, assessoria d
e
comunicação, diagramação (...) e
produção cultural”. Paulo Campello, da
comunidade Santo Amaro, estudou
“comunicação, teatro, música e hoje
em dia estuda cinema”. Fica evidente
que os interesses e experiências
transitam entre disciplinas e
zendo dos
colaboradores indivíduos de múltiplas
habilidades ou potenciais, o que de
fato os aproxima do apelido
“correspondente multimídia”.
Para Grohmann (2016), as
mudanças do trabalho dos jornalistas
nas últimas décadas levaram a um
igura criada e
mitificada como sendo ‘a’ única e
possível do jornalista (...): a do
jornalista que trabalha na redação de
Os nomes e localidades dos usuários são
como foram inseridos
pelos autores. Não buscamos acrescentar
dados como nome completo ou a
nidade se insere.
uma grande empresa de comunicação
e que possui carteira de trabalho
assinada”. Hoje o jornalista pode ser
“um blogueiro, um vlogger, u
jornalista independente, um jornalista
freelancer, um jornalista
empreendedor, um jornalista gestor ou
um jornalista desempregado, por
exemplo” (GROHMANN, 2016, p. 12).
Esta “marca” atribuída a si próprio
compõe a “narrativa do eu”, o que para
o autor si
mboliza seu lugar de fala,
podendo também abarcar mais de
uma denominação: “a pessoa pode
escolher uma marca e não outra,
conviver com várias, ou ainda não
conviver com nenhuma, afastando
dos sentidos vinculados a sua
profissão”.
Outra percepção possív
destas apresentações é a de que as
qualificações profissionais muitas
vezes se misturam a traços de
personalidade ou a interesses mais
subjetivos. Evaduarte, de Ouro Preto,
é “jornalista, origamista, blogueira,
hedonista”. Érica Magni, da Vila
Kennedy, é “jornalista, poeta,
entusiasta e praticante da paz”. Vivian
Renata, de Jaú, é “poetisa, jornalista,
artista plástica e amante da arte”.
Marina Duarte, do ABC Paulista, se
82
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
uma grande empresa de comunicação
e que possui carteira de trabalho
assinada”. Hoje o jornalista pode ser
“um blogueiro, um vlogger, u
m
jornalista independente, um jornalista
freelancer, um jornalista
empreendedor, um jornalista gestor ou
um jornalista desempregado, por
exemplo” (GROHMANN, 2016, p. 12).
Esta “marca” atribuída a si próprio
compõe a “narrativa do eu”, o que para
mboliza seu lugar de fala,
podendo também abarcar mais de
uma denominação: “a pessoa pode
escolher uma marca e não outra,
conviver com várias, ou ainda não
conviver com nenhuma, afastando
-se
dos sentidos vinculados a sua
Outra percepção possív
el a partir
destas apresentações é a de que as
qualificações profissionais muitas
vezes se misturam a traços de
personalidade ou a interesses mais
subjetivos. Evaduarte, de Ouro Preto,
é “jornalista, origamista, blogueira,
hedonista”. Érica Magni, da Vila
Kennedy, é “jornalista, poeta,
entusiasta e praticante da paz”. Vivian
Renata, de Jaú, é “poetisa, jornalista,
artista plástica e amante da arte”.
Marina Duarte, do ABC Paulista, se
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
identifica como “jornalista e arteira”.
São outras “marcas”, outros lugare
de-
fala que vão sendo adicionados a
um perfil que não se enquadra em
uma categoria, seja ela o endereço
ou a profissão.
O Viva Favela 2.0 revelou
talentos para a escrita em prosa,
crônica, reportagem, conto e poesia.
Mesmo limitando esta análise ao
ca
mpo “sobre mim” do formulário de
perfil, encontramos diversos exemplos
de textos que se encaixam em alguns
dos estilos literários citados.
Rosalinabrito, da Cidade de Deus, se
apresenta assim: “Sou sobrevivente
das enchentes, / sou sobrevivente das
drogas,
/ sou sobrevivente da fome, /
sou sobrevivente de abandono, / do
poder público,
/ sou sobrevivente da
cidade de deus”. Marina Luna, de Vila
Valqueire, também traz poesia para
sua assinatura no portal:
Não tento ser outra pessoa
Não tento quase nada,mas
tentar ser eu mais vezes.
Queria correr por sem medo de ir
e não vir
Eu tenho tantos planos que eu não
faço
Eles
m sem que eu peça,me tirem
esses planos!
Queria apenas poder gozar dessa
vontade de tentar ser eu de uma
forma melhor.
O céu vai na
scer nublado hoje
Por que eu quero que seja
assim,mas não que eu seja Deus
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
identifica como “jornalista e arteira”.
São outras “marcas”, outros lugare
s-
fala que vão sendo adicionados a
um perfil que não se enquadra em
uma categoria, seja ela o endereço
O Viva Favela 2.0 revelou
talentos para a escrita em prosa,
crônica, reportagem, conto e poesia.
Mesmo limitando esta análise ao
mpo “sobre mim” do formulário de
perfil, encontramos diversos exemplos
de textos que se encaixam em alguns
dos estilos literários citados.
Rosalinabrito, da Cidade de Deus, se
apresenta assim: “Sou sobrevivente
das enchentes, / sou sobrevivente das
/ sou sobrevivente da fome, /
sou sobrevivente de abandono, / do
/ sou sobrevivente da
cidade de deus”. Marina Luna, de Vila
Valqueire, também traz poesia para
Não tento ser outra pessoa
Não tento quase nada,mas
queria
tentar ser eu mais vezes.
Queria correr por sem medo de ir
Eu tenho tantos planos que eu não
m sem que eu peça,me tirem
Queria apenas poder gozar dessa
vontade de tentar ser eu de uma
scer nublado hoje
Por que eu quero que seja
assim,mas não que eu seja Deus
Eu gosto de dias fechados pra
pensar no que eu acho que quero
pra mim
Se o que eu quero pra mim são dias
ensolarados,
então estaria eu entrando em
contradição?
A escolha da forma c
apresentam, ainda que o destaque
esteja na formação profissional, revela
a identidade que cada colaborador
deseja evidenciar na rede. Para
Polivanov (2019), a cultura digital
possibilita que “performatizemos a nós
mesmos através de plataformas como
Facebook, Twitter, dentre outras,
apresentando nossos selves de
diferentes modos”. Estas “narrativas
de si” seriam equivalentes a
performances que compõem as
dinâmicas de construção do próprio
sujeito e de sua identidade.
Em diversos perfis a narrativa
destaca a inconstância e as múltiplas
identidades, como que numa ilustração
direta da teoria de Hall (2006), sobre
identidades fragmentadas e
contraditórias. Anymoon, que não
indica sua comunidade/procedência,
se apresenta em apenas três palavras:
“eu mud
o constantemente”. Angelina
Miranda, do Capão Redondo, se
define como “jornalista, poeta,
83
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
Eu gosto de dias fechados pra
pensar no que eu acho que quero
Se o que eu quero pra mim são dias
então estaria eu entrando em
A escolha da forma c
omo se
apresentam, ainda que o destaque
esteja na formação profissional, revela
a identidade que cada colaborador
deseja evidenciar na rede. Para
Polivanov (2019), a cultura digital
possibilita que “performatizemos a nós
mesmos através de plataformas como
Facebook, Twitter, dentre outras,
apresentando nossos selves de
diferentes modos”. Estas “narrativas
de si” seriam equivalentes a
performances que compõem as
dinâmicas de construção do próprio
sujeito e de sua identidade.
Em diversos perfis a narrativa
destaca a inconstância e as múltiplas
identidades, como que numa ilustração
direta da teoria de Hall (2006), sobre
identidades fragmentadas e
contraditórias. Anymoon, que não
indica sua comunidade/procedência,
se apresenta em apenas três palavras:
o constantemente”. Angelina
Miranda, do Capão Redondo, se
define como “jornalista, poeta,
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
cronista, um ser oscilante”. Janaína
Oliveira, do Morro Agudo, tinha como
nome artístico Re.Fem, que significa
Revolta Feminina. Descreve
“Mulher, Negra, Femi
nista, Rapper,
Cineasta, Publicitária, Produtora,
Ativista dos Movimentos de Mulheres e
Juventude Negra”, e autora do
primeiro documentário carioca a tratar
do tema Hip Hop Feminino, Rap de
Saia (2006).
Sibilia (2004) ressalta que o “eu”,
uma “entidade
frágil e complexa”, seria
“primorosamente costurada na
linguagem: nas narrativas de si, a
própria experiência adquire forma e
conteúdo, ganha existência e se
alicerça em torno de um determinado
‘eu’” (SIBILIA, 2004, p.
Araújo, da Rocinha, costura
modo o seu “eu”:
Desde pequenininha eu brincava
com uma escova de cabelo na mão,
dizia que seria uma repórter. Lembro
que eu achava Paulo Francis um
chato com aquela vozinha irritante no
final de cada frase, mas mesmo
assim,
o imitava. Foi com esse
sonho que me formei em jornalismo,
trabalhando na faculdade em que
estudava para garantir a bolsa de
estudos. Na Rocinha, tenho amigos
que não gostam de me acompanhar
na descida das vielas, dizem que eu
paro em toda a esquina pra falar com
alguém, que eu d
candidatar. E assim vou... mostrando
que viver em uma comunidade não é
um bicho de sete cabeças e que
todos devem ter seu espaço. Pobre
ou rico, as pessoas são
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
cronista, um ser oscilante”. Janaína
Oliveira, do Morro Agudo, tinha como
nome artístico Re.Fem, que significa
Revolta Feminina. Descreve
-se como
nista, Rapper,
Cineasta, Publicitária, Produtora,
Ativista dos Movimentos de Mulheres e
Juventude Negra”, e autora do
primeiro documentário carioca a tratar
do tema Hip Hop Feminino, Rap de
Sibilia (2004) ressalta que o “eu”,
frágil e complexa”, seria
“primorosamente costurada na
linguagem: nas narrativas de si, a
própria experiência adquire forma e
conteúdo, ganha existência e se
alicerça em torno de um determinado
3). Landa
Araújo, da Rocinha, costura
desse
Desde pequenininha eu brincava
com uma escova de cabelo na mão,
dizia que seria uma repórter. Lembro
que eu achava Paulo Francis um
chato com aquela vozinha irritante no
final de cada frase, mas mesmo
o imitava. Foi com esse
sonho que me formei em jornalismo,
trabalhando na faculdade em que
estudava para garantir a bolsa de
estudos. Na Rocinha, tenho amigos
que não gostam de me acompanhar
na descida das vielas, dizem que eu
paro em toda a esquina pra falar com
alguém, que eu d
everia me
candidatar. E assim vou... mostrando
que viver em uma comunidade não é
um bicho de sete cabeças e que
todos devem ter seu espaço. Pobre
ou rico, as pessoas são
simplesmente humanos tentando
sobreviver no mesmo espaço. Sou
comum e quem não é?
Em
várias apresentações o
colaborador integra numa mesma
narrativa sua identidade profissional e
a de morador de favela ou periferia.
Em alguns casos, o mesmo texto
apresenta a procedência geográfica e
de classe social do autor. ainda os
que incluem refer
ências às raízes
familiares, à base educacional, à
religião, entre outras. Bruno Almeida,
de Magé, conta como se tornou
jornalista e insere diversos outros
elementos na sua composição:
No começo da minha adolescência,
meu pai tinha um depósito de
bebidas
e uma gráfica. Eu me
oscilava entre um comércio e outro.
Tomava porres escondido e ia
aprender a imprimir livros e jornais.
Nunca aprendi a operar nenhuma
máquina (me lembro agora que
quase perco a mão esquerda em
uma ocasião), mas o gosto pelo
impresso e
suas tintas, além do
rock'n'roll e do violão, ficou (benditas
tardes com Luís, Rui, Edinho e
companhia). (...) Mais tarde, o Novo
Testamento se revelou a mim como
um relato jornalístico fiel,
testemunhal mesmo, fantástico, e
tudo fez mais sentido. Minha mã
incentivou a estudar, e meu pai
também teria feito se a vida lhe
desse mais oportunidade. Pai, esse
diploma de jornalismo é para o
senhor, que tanto sonhou com ele.
Eliane Costa (2017), ao analisar
as relações entre territorialidades
urbanas e a cibe
rcultura, aponta para
84
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
simplesmente humanos tentando
sobreviver no mesmo espaço. Sou
comum e quem não é?
várias apresentações o
colaborador integra numa mesma
narrativa sua identidade profissional e
a de morador de favela ou periferia.
Em alguns casos, o mesmo texto
apresenta a procedência geográfica e
de classe social do autor. ainda os
ências às raízes
familiares, à base educacional, à
religião, entre outras. Bruno Almeida,
de Magé, conta como se tornou
jornalista e insere diversos outros
elementos na sua composição:
No começo da minha adolescência,
meu pai tinha um depósito de
e uma gráfica. Eu me
oscilava entre um comércio e outro.
Tomava porres escondido e ia
aprender a imprimir livros e jornais.
Nunca aprendi a operar nenhuma
máquina (me lembro agora que
quase perco a mão esquerda em
uma ocasião), mas o gosto pelo
suas tintas, além do
rock'n'roll e do violão, ficou (benditas
tardes com Luís, Rui, Edinho e
companhia). (...) Mais tarde, o Novo
Testamento se revelou a mim como
um relato jornalístico fiel,
testemunhal mesmo, fantástico, e
tudo fez mais sentido. Minha mã
e me
incentivou a estudar, e meu pai
também teria feito se a vida lhe
desse mais oportunidade. Pai, esse
diploma de jornalismo é para o
senhor, que tanto sonhou com ele.
Eliane Costa (2017), ao analisar
as relações entre territorialidades
rcultura, aponta para
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
“um contexto em que o território é
recurso simbólico mobilizado por
sujeitos para a construção/circulação
de suas narrativas”. Em sua tese, a
autora recorre à definição do geógrafo
Jorge Luiz Barbosa, para quem o
território é a “escri
ta de sujeitos no
chão de suas existências” (BARBOSA,
2015 apud
COSTA, 2017 p.
sujeito, ao construir suas narrativas no
ciberespaço, traz consigo o seu lugar,
mescla a sua identidade ao local onde
vive, talvez como uma forma de tornar
mais concreta
a sua presença.
O fato de estarem criando um
perfil individual numa plataforma cuja
proposta é apresentar conteúdo sobre
favelas certamente influencia a
decisão de evidenciar, em sua
autobiografia, a legitimidade de sua
produção sobre o tema. De certa
for
ma, este lugar de fala dos
correspondentes, o de morador de
uma favela, que pode falar “de dentro”,
não está dado. Ele pode ser anunciado
ou reivindicado no perfil, quando o
autor se identifica com ele. Viviane
Oliveira, da Vila do João, diz que
procura “p
or meio dos meus textos e
imagens contar um pouco das histórias
e do cotidiano dos moradores das 16
favelas que compõem o conjunto
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
“um contexto em que o território é
recurso simbólico mobilizado por
sujeitos para a construção/circulação
de suas narrativas”. Em sua tese, a
autora recorre à definição do geógrafo
Jorge Luiz Barbosa, para quem o
ta de sujeitos no
chão de suas existências” (BARBOSA,
COSTA, 2017 p.
16). O
sujeito, ao construir suas narrativas no
ciberespaço, traz consigo o seu lugar,
mescla a sua identidade ao local onde
vive, talvez como uma forma de tornar
a sua presença.
O fato de estarem criando um
perfil individual numa plataforma cuja
proposta é apresentar conteúdo sobre
favelas certamente influencia a
decisão de evidenciar, em sua
autobiografia, a legitimidade de sua
produção sobre o tema. De certa
ma, este lugar de fala dos
correspondentes, o de morador de
uma favela, que pode falar “de dentro”,
não está dado. Ele pode ser anunciado
ou reivindicado no perfil, quando o
autor se identifica com ele. Viviane
Oliveira, da Vila do João, diz que
or meio dos meus textos e
imagens contar um pouco das histórias
e do cotidiano dos moradores das 16
favelas que compõem o conjunto
Maré”. Jessicabalbino, da Zona Sul de
São Paulo, se descreve em terceira
pessoa: “Jéssica escreve para a
massa. E por não con
mão desse vício tornou
acreditou na utopia de mudar o
mundo. Hoje tenta mudar o local onde
vive”.
A articulação de experiências e
eventos na construção das
do campo “Sobre mim também
prescinde, em muitos casos,
referência a atividades profissionais.
Thiago Sena, da Maré, se descreve
como “carioca, mas com um pezinho
no Nordeste, mareense, amarrado em
arte (todas elas), na minha mãe, na
qual enxergo uma verdadeira lição de
vida, e nos meus amigos”. Monica
Lope
s, de Salvador, afirma ser “negra,
43 anos, duas filhas e tenho muito
interesse em temas relacionados a
comunidades e matrizes afro
religiosas”. Cita a monografia e o
desejo de fazer mestrado e doutorado,
mas não informa qual a sua área de
formação. Dani
ella Vieira, do
Terreirão, diz apenas qual seu objetivo
no site: “Com a intenção de tirar a
venda de hipocrisia dos olhos
burgueses, escrevo sobre a vida
garrida e alegre das favelas do RJ, pra
85
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
Maré”. Jessicabalbino, da Zona Sul de
São Paulo, se descreve em terceira
pessoa: “Jéssica escreve para a
massa. E por não con
seguir largar
mão desse vício tornou
-se jornalista.
acreditou na utopia de mudar o
mundo. Hoje tenta mudar o local onde
A articulação de experiências e
eventos na construção das
narrativas
do campo “Sobre mim também
prescinde, em muitos casos,
de
referência a atividades profissionais.
Thiago Sena, da Maré, se descreve
como “carioca, mas com um pezinho
no Nordeste, mareense, amarrado em
arte (todas elas), na minha mãe, na
qual enxergo uma verdadeira lição de
vida, e nos meus amigos”. Monica
s, de Salvador, afirma ser “negra,
43 anos, duas filhas e tenho muito
interesse em temas relacionados a
comunidades e matrizes afro
religiosas”. Cita a monografia e o
desejo de fazer mestrado e doutorado,
mas não informa qual a sua área de
ella Vieira, do
Terreirão, diz apenas qual seu objetivo
no site: “Com a intenção de tirar a
venda de hipocrisia dos olhos
burgueses, escrevo sobre a vida
garrida e alegre das favelas do RJ, pra
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
mostrar pro mundo que na favela não
existe só tiro, gritos de
desespero e
caos. também honestidade,
exemplos de vida e muita coisa boa
pra quem quiser enxergar!”. TAG
Pexe, de Ambaí, celebra sua entrada
na faculdade, também sem se
identificar profissionalmente. Em sua
narrativa, a história de vida ganha
mais relev
ância que o currículo:
Sou morador do bairro do Ambaí
desde os 8 anos de idade e cresci
dentre suas vielas almejando
modificar o meu bairro através de
minhas iniciativas. A princípio na
escola era o revolucionário, o dico
que acreditava e ainda acredita
pode mudar o mundo! E depois da
escola, provei ser possível sendo o
primeiro da minha família a entrar na
faculdade e ainda uma federal! Hoje,
depois de um ano como voluntário
sou funcionário da Casa do Menor
São Miguel Arcanjo, situada no
Bairro de
Miguel Couto próximo de
onde moro. A união de ideologias se
firmaram, esta ONG recupera jovens
sem oportunidades entregues às
drogas, violências sexuais e
problemas familiares... e é através
da arte, cultura e profissionalização
que devolvemos a sociedade,
jovens, antes marginalizados!
Em diversos perfis a história de
vida está presente na construção da
identidade. Resgatando a reflexão de
Alberti (2008) sobre a “história oral
militante” nos anos 60, pode
indagar se o Viva Favela 2.0 não teria
rep
resentado um avanço em relação
aos projetos que buscaram preencher
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
mostrar pro mundo que na favela não
desespero e
caos. também honestidade,
exemplos de vida e muita coisa boa
pra quem quiser enxergar!”. TAG
Pexe, de Ambaí, celebra sua entrada
na faculdade, também sem se
identificar profissionalmente. Em sua
narrativa, a história de vida ganha
ância que o currículo:
Sou morador do bairro do Ambaí
desde os 8 anos de idade e cresci
dentre suas vielas almejando
modificar o meu bairro através de
minhas iniciativas. A princípio na
escola era o revolucionário, o dico
que acreditava e ainda acredita
, que
pode mudar o mundo! E depois da
escola, provei ser possível sendo o
primeiro da minha família a entrar na
faculdade e ainda uma federal! Hoje,
depois de um ano como voluntário
sou funcionário da Casa do Menor
São Miguel Arcanjo, situada no
Miguel Couto próximo de
onde moro. A união de ideologias se
firmaram, esta ONG recupera jovens
sem oportunidades entregues às
drogas, violências sexuais e
problemas familiares... e é através
da arte, cultura e profissionalização
que devolvemos a sociedade,
esses
jovens, antes marginalizados!
Em diversos perfis a história de
vida está presente na construção da
identidade. Resgatando a reflexão de
Alberti (2008) sobre a “história oral
militante” nos anos 60, pode
-se
indagar se o Viva Favela 2.0 não teria
resentado um avanço em relação
aos projetos que buscaram preencher
lacunas de representação de atores
sociais sub representados. O portal
colaborativo teria oferecido, por seu
recorte temático, um espaço de
visibilidade a sujeitos que desejavam
conscientem
ente combater os
estigmas impostos à comunidade
“favelada” expressando
mesmos, se apropriando da
construção da sua identidade de
morador de favela.
Muitas biografias revelam
momentos de dificuldades, tornando
ainda mais íntimo e contundente o
contato do colaborador com sua
audiência. Limax, da Cidade de Deus,
afirma morar na comunidade desde os
4 anos. “Já vi de tudo e vivi coisas
escabrosas. Aos 1
6 anos comecei a
estudar teatro e essa seria minha
profissão se não fosse a dificuldade
em criar filho e sustentar mulher”.
Valéria Barbosa, do Anil, é ex
moradora da Praia do Pinto, de onde
foi removida para a Cidade de Deus.
Sua identidade é multifacetad
tantas outras que analisamos: “Sou
pedagoga, agente de cultura popular,
compositora de cantigas de umbanda,
poeta”.
A opção de postar áudios no
Viva Favela 2.0 atraiu sicos e
86
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
lacunas de representação de atores
sociais sub representados. O portal
colaborativo teria oferecido, por seu
recorte temático, um espaço de
visibilidade a sujeitos que desejavam
ente combater os
estigmas impostos à comunidade
“favelada” expressando
-se por si
mesmos, se apropriando da
construção da sua identidade de
Muitas biografias revelam
momentos de dificuldades, tornando
ainda mais íntimo e contundente o
contato do colaborador com sua
audiência. Limax, da Cidade de Deus,
afirma morar na comunidade desde os
4 anos. “Já vi de tudo e vivi coisas
6 anos comecei a
estudar teatro e essa seria minha
profissão se não fosse a dificuldade
em criar filho e sustentar mulher”.
Valéria Barbosa, do Anil, é ex
-
moradora da Praia do Pinto, de onde
foi removida para a Cidade de Deus.
Sua identidade é multifacetad
a, como
tantas outras que analisamos: “Sou
pedagoga, agente de cultura popular,
compositora de cantigas de umbanda,
A opção de postar áudios no
Viva Favela 2.0 atraiu sicos e
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
compositores. Diegoandrade, de
Guadalupe, se define como músico
não fo
rmado, mesmo tocando violão,
guitarra, contrabaixo, bateria e teclado.
Liu Mr, de Heliópolis, era estudante de
jornalismo e rapper, além de
apresentador de um programa na
Rádio Heliópolis. As seções Imagens e
Vídeos, por sua vez, atraíram
fotógrafos e vide
omakers
Schuindt, de Costa Barros, era
documentarista, professor de
audiovisual e Vice-
Presidente na ONG
Luz, Câmera e Ação em sua
comunidade. AF Rodrigues, da Nova
Holanda, define deste modo sua
atividade:
Eu, eu sou fotógrafo.
Fotografo os meus.
Pessoas iguais a
mim, que trabalham, estudam, se
divertem, que tem fé e os que não
tem...
Fotografar para mim é uma tentativa
feliz de entender o outro, o mundo
em que vivo. A fotografia que faço é
a minha percepção de mundo
apresentada aos outros. As pess
podem me conhecer um pouco mais
vendo as minhas fotografias.
Tento ter empatia pelo que fotografo
e assim me sinto a vontade para
fotografar. Caso o contrário me sinto
mal, como se estivesse furtando
algo.
Algumas pessoas gostam de jogar
bola, andar
de bicicleta, nadar..., eu
gosto é de fotografar. Fotografar
para mim não é trabalho, é lazer, é
diversão, é di – ver –
são!!!
Ao destacar as biografias cujo
conteúdo revela mais da subjetividade
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
compositores. Diegoandrade, de
Guadalupe, se define como músico
rmado, mesmo tocando violão,
guitarra, contrabaixo, bateria e teclado.
Liu Mr, de Heliópolis, era estudante de
jornalismo e rapper, além de
apresentador de um programa na
Rádio Heliópolis. As seções Imagens e
Vídeos, por sua vez, atraíram
omakers
. Renan
Schuindt, de Costa Barros, era
documentarista, professor de
Presidente na ONG
Luz, Câmera e Ação em sua
comunidade. AF Rodrigues, da Nova
Holanda, define deste modo sua
Pessoas iguais a
mim, que trabalham, estudam, se
divertem, que tem fé e os que não
Fotografar para mim é uma tentativa
feliz de entender o outro, o mundo
em que vivo. A fotografia que faço é
a minha percepção de mundo
apresentada aos outros. As pess
oas
podem me conhecer um pouco mais
vendo as minhas fotografias.
Tento ter empatia pelo que fotografo
e assim me sinto a vontade para
fotografar. Caso o contrário me sinto
mal, como se estivesse furtando
Algumas pessoas gostam de jogar
de bicicleta, nadar..., eu
gosto é de fotografar. Fotografar
para mim não é trabalho, é lazer, é
são!!!
Ao destacar as biografias cujo
conteúdo revela mais da subjetividade
do autor, estamos omitindo um volume
expressivo de textos
adequa perfeitamente ao que se
espera de um mini currículo
profissional, perfeitamente alinhado ao
tema da plataforma, como é o caso do
perfil de “Chico Serra, 32 anos, é
produtor e diretor de cinema e vídeo.
Trabalha como produtor de audiovi
da TV Morrinho, projeto da ONG
Morrinho(
www.morrinho.com
localizada na comunidade Pereira da
Silva, em Laranjeiras”. Nestes casos,
fica claro que o colaborador não era,
ou não tinha interesse em se dizer
morador de favela, e que utilizava a
plataforma como um portfólio para a
divulgação de seus trabalhos,
criaç
ões, projetos culturais ou
institucionais, desvinculando tais
atividades de sua identidade pessoal.
Sibilia (2004) se pergunta quem
seria o “eu que assina e protagoniza
“as narrativas de si, textos como os
blogs, os diários íntimos e as
autobiografias?”.
A resposta não é
simples: “o eu é uma unidade ilusória
construída na linguagem a partir da
multiplicidade caótica de toda e
qualquer existência individual”.
Os textos de apresentação dos
colaboradores publicados no campo
87
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
do autor, estamos omitindo um volume
expressivo de textos
cuja forma se
adequa perfeitamente ao que se
espera de um mini currículo
profissional, perfeitamente alinhado ao
tema da plataforma, como é o caso do
perfil de “Chico Serra, 32 anos, é
produtor e diretor de cinema e vídeo.
Trabalha como produtor de audiovi
sual
da TV Morrinho, projeto da ONG
www.morrinho.com
),
localizada na comunidade Pereira da
Silva, em Laranjeiras”. Nestes casos,
fica claro que o colaborador não era,
ou não tinha interesse em se dizer
morador de favela, e que utilizava a
plataforma como um portfólio para a
divulgação de seus trabalhos,
ões, projetos culturais ou
institucionais, desvinculando tais
atividades de sua identidade pessoal.
Sibilia (2004) se pergunta quem
seria o “eu que assina e protagoniza
“as narrativas de si, textos como os
blogs, os diários íntimos e as
A resposta não é
simples: “o eu é uma unidade ilusória
construída na linguagem a partir da
multiplicidade caótica de toda e
qualquer existência individual”.
Os textos de apresentação dos
colaboradores publicados no campo
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
“Sobre Mim” do Viva Favela 2.0
co
nstruíram um panorama rico e
diverso de “eus”, revelando a
“multiplicidade caótica” não dos
sujeitos, mas das comunidades
representadas e da própria rede social
que o portal constituiu.
5. Considerações finais
As representações de favelas na
mídia, d
esde as primeiras crônicas até
o final do século XX, quando esses
espaços populares completavam um
século de existência, reproduziam
(como ainda reproduzem) o estigma
da favela como território de ausências
e cenário de violência, impondo aos
seus habitante
s a constante
associação de suas identidades a
estas perspectivas negativas
(VALLADARES, 2005; ZALUAR
ALVITO, 2006).
A partir da virada para o século
XXI, entre meados da década de 1990
e 2010, cresce o volume de estudos,
livros, filmes e outros produto
culturais e de mídia que apontam para
um desejo de conhecer a favela “por
dentro”, “dar voz” aos moradores, e
uma busca por reparação contra a sua
“inferiorização simbólica”
(FERNANDES, 2019). Neste mesmo
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
“Sobre Mim” do Viva Favela 2.0
nstruíram um panorama rico e
diverso de “eus”, revelando a
“multiplicidade caótica” não dos
sujeitos, mas das comunidades
representadas e da própria rede social
As representações de favelas na
esde as primeiras crônicas até
o final do século XX, quando esses
espaços populares completavam um
século de existência, reproduziam
(como ainda reproduzem) o estigma
da favela como território de ausências
e cenário de violência, impondo aos
s a constante
associação de suas identidades a
estas perspectivas negativas
(VALLADARES, 2005; ZALUAR
;
A partir da virada para o século
XXI, entre meados da década de 1990
e 2010, cresce o volume de estudos,
livros, filmes e outros produto
s
culturais e de mídia que apontam para
um desejo de conhecer a favela “por
dentro”, “dar voz” aos moradores, e
uma busca por reparação contra a sua
“inferiorização simbólica”
(FERNANDES, 2019). Neste mesmo
período, as transformações das TICs
passam a perm
itir a participação de
pessoas comuns, antes apenas
consumidores de informação, na
produção e difusão de conteúdo
midiático, o que permite que a “vozde
atores sociais sub representados
ganhe projeção.
O portal Viva Favela, estudo de
caso analisado no pre
emerge como experimento icônico
deste período e contexto. O site surge
em 2001 como uma revista online
produzida por “correspondentes
comunitários” em parceria com
jornalistas profissionais. O objetivo era
combater o estigma que pesa sobre
mo
radores de favelas, construindo
novas representações, com a
perspectiva interna, mais humana,
destes territórios populares. Nove anos
depois, uma reformulação altera o
formato do portal e sua política
editorial. Surge no domínio
www.vivafavela.com
colaborativa aberta e descentralizada,
cujo conteúdo é “postado” sem
mediação por usuários cadastrados,
agora identificados como
“correspondentes multimídia”.
No modelo inicial, o conteúdo partia
“de dentro
da favela, mas a demanda
88
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
período, as transformações das TICs
itir a participação de
pessoas comuns, antes apenas
consumidores de informação, na
produção e difusão de conteúdo
midiático, o que permite que a “vozde
atores sociais sub representados
O portal Viva Favela, estudo de
caso analisado no pre
sente artigo,
emerge como experimento icônico
deste período e contexto. O site surge
em 2001 como uma revista online
produzida por “correspondentes
comunitários” em parceria com
jornalistas profissionais. O objetivo era
combater o estigma que pesa sobre
radores de favelas, construindo
novas representações, com a
perspectiva interna, mais humana,
destes territórios populares. Nove anos
depois, uma reformulação altera o
formato do portal e sua política
editorial. Surge no domínio
uma plataforma
colaborativa aberta e descentralizada,
cujo conteúdo é “postado” sem
mediação por usuários cadastrados,
agora identificados como
“correspondentes multimídia”.
No modelo inicial, o conteúdo partia
da favela, mas a demanda
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
por sua produção ainda era externa.
Com a mudança para o Viva Favela
2.0, a demanda parte dos próprios
correspondentes, que controlam todo o
processo, desde a “pauta” até a
publicação. Assim, os compositores
vão postar músicas de
sua autoria; os
fotógrafos, suas imagens; os cineastas
suas produções audiovisuais; os
poetas, suas poesias e os jornalistas,
suas reportagens. Aqueles que lutam
por moradia ou por melhores
condições de vida em suas
comunidades farão denúncias e
cobranças
às autoridades em suas
postagens. Os que trabalham na
promoção da cultura das periferias irão
promover eventos.
Mas em meio ao conteúdo que
os colaboradores desejaram
compartilhar nesta rede, são as
autobiografias que nos revelam com
maior contundência e
autenticidade a
perspectiva “de dentro” da favela,
impregnada de uma subjetividade
impraticável para as narrativas “de
fora”. Estas autonarrativas ou
autorrepresentações, que talvez
tenham passado despercebidas
enquanto o portal esteve no ar, nos
ajudam a
compreender, com maior
distanciamento, o que talvez tenha
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
por sua produção ainda era externa.
Com a mudança para o Viva Favela
2.0, a demanda parte dos próprios
correspondentes, que controlam todo o
processo, desde a “pauta” até a
publicação. Assim, os compositores
sua autoria; os
fotógrafos, suas imagens; os cineastas
suas produções audiovisuais; os
poetas, suas poesias e os jornalistas,
suas reportagens. Aqueles que lutam
por moradia ou por melhores
condições de vida em suas
comunidades farão denúncias e
às autoridades em suas
postagens. Os que trabalham na
promoção da cultura das periferias irão
Mas em meio ao conteúdo que
os colaboradores desejaram
compartilhar nesta rede, são as
autobiografias que nos revelam com
autenticidade a
perspectiva “de dentro” da favela,
impregnada de uma subjetividade
impraticável para as narrativas “de
fora”. Estas autonarrativas ou
autorrepresentações, que talvez
tenham passado despercebidas
enquanto o portal esteve no ar, nos
compreender, com maior
distanciamento, o que talvez tenha
justificado a reformulação do portal
Viva Favela em 2010 e sua passagem
do modelo jornalístico para o de uma
plataforma colaborativa: a demanda
destes atores sociais por um canal de
compartilhament
o de narrativas
identitárias e de demarcação de
territórios simbólicos ou lugares de
fala.
O resultado de nosso “garimpo”
na base de dados de apresentações
pessoais dos correspondentes
multimídia do Viva Favela 2.0 ilustra,
por um lado, esta demanda, ao m
tempo em que contribui para uma
visão mais viva, diversa e plural das
fave
las e periferias brasileiras.
Referências bibliográficas
ALBERTI, Verena.
Histórias dentro da
História.
In: PINSKY, Carla B
Históricas. São P
aulo: Contexto,
ANDERSON, C.
W
SHIRKY, Clay.
O jornalismo pós
industrial.
Revista de Jornalismo
ESPM,
5, ano 2, p.30
abr/mai/jun 2013.
BARBOSA, Jorge Luiz.
como conceito e prática social
Observatório de Favelas, 2015.
BOWMAN, Shayne;
WILLIS, Chris.
media. How
audiences are shaping
future of news
and
Stanford: The Media Center at The
American Press Institute, jul
CHAGAS, Viktor.
Por que é Cidadão o
Jornalista Cidadão?
89
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
justificado a reformulação do portal
Viva Favela em 2010 e sua passagem
do modelo jornalístico para o de uma
plataforma colaborativa: a demanda
destes atores sociais por um canal de
o de narrativas
identitárias e de demarcação de
territórios simbólicos ou lugares de
O resultado de nosso “garimpo”
na base de dados de apresentações
pessoais dos correspondentes
multimídia do Viva Favela 2.0 ilustra,
por um lado, esta demanda, ao m
esmo
tempo em que contribui para uma
visão mais viva, diversa e plural das
las e periferias brasileiras.
Referências bibliográficas
Histórias dentro da
In: PINSKY, Carla B
. Fontes
aulo: Contexto,
2008.
W
.; BELL, Emily;
O jornalismo pós
-
Revista de Jornalismo
5, ano 2, p.30
-88,
BARBOSA, Jorge Luiz.
O território
como conceito e prática social
.
Observatório de Favelas, 2015.
WILLIS, Chris.
We
audiences are shaping
the
and
information.
Stanford: The Media Center at The
American Press Institute, jul
. 2003.
Por que é Cidadão o
Jornalista Cidadão?
(Mestrado em
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 10, n. 1
9
, p.
69
-
90
,
2020.
História, Política e Bens
Fundação Getúlio Vargas, 2009.
COSTA, Eliane Sarmento.
Digital. Rio de Janeiro:
Rocco, 2011.
COSTA, Eliane Sarmento.
Territorialidades urbanas em
ciberculturas plurais
: o vital e o virtual
nas periferias do Rio de Janeiro.
(Doutorado em
História das Ciências e
das cnicas e Epistemologia).
Universidade Fe
deral do Rio de
Janeiro, 2017.
DALCASTAGNÈ, Regina
.
representação de grupos
marginalizados: tensões e estratégias
na narrativa contemporânea.
Hoje,
Porto Alegre, 2007. D
em:
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/in
dex.php/fale/article/viewFile/4110/3112
FERNANDES, Karla.
Favelados, não.
Cidadãos da favela”:
o discurso
audiovisual dos media alternativos
sobre as favelas.
Revista Mediação
Belo Horizonte, v. 21,
n.28, jan./jun.
2019.
GILLMOR, Dan. We
the media
grassroots journalism by
for the people.
Sebastopol: O’Reilly
2004.
HALL, Stuart.
A identidade cultural na
pós-modernidade
. Rio de Janeiro:
DP&A, 2006.
LUCAS, Peter.
Viva Favela
Fotojornalismo, inclusão visual e
direitos humanos. Disponível em
http://novo.vivafavela.com.br/publique/
cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=460
78etsid=15.
MORETZSOHN, Silvia.
contra os fatos:
jornalismo e cotidiano:
ROCHA, Daniella Guedes; SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos. Da
representação da favela à autorrepresentação: as narrativas de si nos
perfis dos correspondentes multimídia do portal Viva Favela 2.0
.
Americana de Estudos em Cultura,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Cultura, Tecnologia e
História, Política e Bens
Culturais)
Fundação Getúlio Vargas, 2009.
COSTA, Eliane Sarmento.
Jangada
Rocco, 2011.
COSTA, Eliane Sarmento.
Territorialidades urbanas em
: o vital e o virtual
nas periferias do Rio de Janeiro.
História das Ciências e
das cnicas e Epistemologia).
deral do Rio de
.
A auto-
representação de grupos
marginalizados: tensões e estratégias
na narrativa contemporânea.
Letras de
Porto Alegre, 2007. D
isponível
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/in
dex.php/fale/article/viewFile/4110/3112
Favelados, não.
o discurso
audiovisual dos media alternativos
Revista Mediação
,
n.28, jan./jun.
the media
:
the people,
Sebastopol: O’Reilly
,
A identidade cultural na
. Rio de Janeiro:
Viva Favela
:
Fotojornalismo, inclusão visual e
direitos humanos. Disponível em
http://novo.vivafavela.com.br/publique/
cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=460
MORETZSOHN, Silvia.
Pensando
jornalismo e cotidiano:
do senso comum ao senso crí
de Janeiro: Revan, 2007.
POLIVANOV, Beatriz Brandão.
Identidades na contemporaneidade:
uma reflexão sobre performances em
sites de redes sociais.
Centro de Pesquisa e Formação
jul. 2019.
RAMALHO, Cristiane.
Favela. R
io de Janeiro: Aeroplano,
2007.
RAMOS, Silvia; PAIVA, Anabela.
e violência:
tendências na cobertura da
criminalidade e segurança no Brasil.
Rio de Janeiro: Iuperj, 2007.
SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos.
Vozes ativas das favelas 2.0
Autorrepresentaçõe
s midiáticas numa
rede de comunicadores periféricos.
(Mestrado em História, Política e Bens
Culturais) Fundação Getúlio Vargas,
2014.
SIBILIA, Paula.
Autenticidade e
performance:
a construção de si como
personagem visível.
Revista Fronteiras
estudos midi
áticos
set./dez. 2015.
SIBILIA, Paula.
O “eu” dos blogs e das
webcams:
autor, narrador ou
personagem? IV Encontro dos Núcleos
de Pesquisa da Intercom, 2004.
VALLADARES, Licia do Prado.
invenção da favela.
Do mito de origem
à favela.com. Rio d
2005.
VENTURA, Zuenir.
São Paulo: Companhia das Letras,
1994.
ZALUAR, Alba;
ALVITO, Marcos.
século de favela.
Rio de Janeiro: FGV,
2006.
90
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Cultura, Tecnologia e
Sociedade")
do senso comum ao senso crí
tico. Rio
de Janeiro: Revan, 2007.
POLIVANOV, Beatriz Brandão.
Identidades na contemporaneidade:
uma reflexão sobre performances em
sites de redes sociais.
Revista do
Centro de Pesquisa e Formação
, 8,
RAMALHO, Cristiane.
Notícias da
io de Janeiro: Aeroplano,
RAMOS, Silvia; PAIVA, Anabela.
Mídia
tendências na cobertura da
criminalidade e segurança no Brasil.
Rio de Janeiro: Iuperj, 2007.
SANTOS, Mayra Coelho Jucá dos.
Vozes ativas das favelas 2.0
-
s midiáticas numa
rede de comunicadores periféricos.
(Mestrado em História, Política e Bens
Culturais) Fundação Getúlio Vargas,
Autenticidade e
a construção de si como
Revista Fronteiras
áticos
, Unisinos,
O “eu” dos blogs e das
autor, narrador ou
personagem? IV Encontro dos Núcleos
de Pesquisa da Intercom, 2004.
VALLADARES, Licia do Prado.
A
Do mito de origem
à favela.com. Rio d
e Janeiro: FGV,
VENTURA, Zuenir.
Cidade Partida.
São Paulo: Companhia das Letras,
ALVITO, Marcos.
Um
Rio de Janeiro: FGV,