GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
Porto, praça e palco: as ruas da cidade como espaços de educação
DOI:
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v11i20.45784
Resumo:
A partir das narrativas de encontros que se dão nas ruas, em aulas de teatro feitas em uma
praça da zona portuária do Rio de Janeiro, esse artigo busca discutir as potencialidades do fazer
teatral com crianças em espaços públicos. O texto contextualiza e
modificações urbanas na zona portuária, área central do Rio de Janeiro, desde a constituição do
Morro da Favela, hoje Morro da Providência, até a atualidade. Nesse processo de transformações
impostas pelo poder público, a articulação
sentido de articular com os moradores e habitantes da zona portuária outros usos para o espaço. O
encontro de dois projetos educativos, o Viaduto Literário e o Projeto Teatro made, que trabalha
desde 2018 na fronteira entre os morros do Pinto e da Providência, coloca novas questões sobre a
ocupação desse espaço urbano, que se apresenta então como palco e sala de aula, como um espaço
de ensino-aprendizagem.
Palavras-chave: Morro da
Providência;
Puerto, plaza, escenario: las calles de la ciudad como espacios de educación
Resumen
plaza de la zona portuaria de la
ciudad de Río de Janeiro, el artículo propone abrir un debate sobre el
potencial del ejercicio del arte teatral con niños en espacios públicos. El texto contextualiza y examina
el proceso de transformaciones urbanas en esta región central de la ciudad llev
autoridades públicas en diferentes momentos, desde la constitución del Morro da Favela, hoy Morro
da Providência, hasta la actualidad. En este proceso de transformaciones impuestas por el poder
público, la articulación de los proyectos c
con los residentes y habitantes del área portuaria otros usos del espacio. El
proyectos educativos, el Viaduto Literário (Viaducto Literario) y el Projeto Teatro Nômade (Proy
Teatro Nómada), que funcionan desde 2018 en la frontera entre el Morro da Providência y el Morro do
Pinto, plantea nuevos interrogantes sobre la ocupación de este espacio urbano, que se presenta
entonces como escenario y aula, como espacio de enseñanz
Palabras clave: Morro da
Providência; Porto Maravilha; pedagogía teatral; c
1
João Luiz Guerreiro Mendes.
Doutor em Políticas Públicas de Cultura pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do Bacharelado em Produção Cultural do
de Janeiro (IFRJ), Brasil.E-mail:
joao.mendes@ifrj.edu.br
2
Luísa Valença Reis. Mestranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Br
E-mail:luisavreis@gmail.com -
https://orcid.org/0000
Texto recebido em 06/09/20
20
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
Porto, praça e palco: as ruas da cidade como espaços de educação
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v11i20.45784
A partir das narrativas de encontros que se dão nas ruas, em aulas de teatro feitas em uma
praça da zona portuária do Rio de Janeiro, esse artigo busca discutir as potencialidades do fazer
teatral com crianças em espaços públicos. O texto contextualiza e
examina
modificações urbanas na zona portuária, área central do Rio de Janeiro, desde a constituição do
Morro da Favela, hoje Morro da Providência, até a atualidade. Nesse processo de transformações
impostas pelo poder público, a articulação
dos projetos culturais e sociais do e no território atuam no
sentido de articular com os moradores e habitantes da zona portuária outros usos para o espaço. O
encontro de dois projetos educativos, o Viaduto Literário e o Projeto Teatro made, que trabalha
desde 2018 na fronteira entre os morros do Pinto e da Providência, coloca novas questões sobre a
ocupação desse espaço urbano, que se apresenta então como palco e sala de aula, como um espaço
Providência;
Porto Maravilha; pedagogia do teatro; r
ua.
Puerto, plaza, escenario: las calles de la ciudad como espacios de educación
: Con base en las narrativas de los encuentros en la calle y en las clases de teatro en una
ciudad de Río de Janeiro, el artículo propone abrir un debate sobre el
potencial del ejercicio del arte teatral con niños en espacios públicos. El texto contextualiza y examina
el proceso de transformaciones urbanas en esta región central de la ciudad llev
autoridades públicas en diferentes momentos, desde la constitución del Morro da Favela, hoy Morro
da Providência, hasta la actualidad. En este proceso de transformaciones impuestas por el poder
público, la articulación de los proyectos c
ulturales y sociales de y en el territorio actúan para articular
con los residentes y habitantes del área portuaria otros usos del espacio. El
proyectos educativos, el Viaduto Literário (Viaducto Literario) y el Projeto Teatro Nômade (Proy
Teatro Nómada), que funcionan desde 2018 en la frontera entre el Morro da Providência y el Morro do
Pinto, plantea nuevos interrogantes sobre la ocupación de este espacio urbano, que se presenta
entonces como escenario y aula, como espacio de enseñanz
a y aprendizaje.
Providência; Porto Maravilha; pedagogía teatral; c
alle.
Doutor em Políticas Públicas de Cultura pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do Bacharelado em Produção Cultural do
Instituto Federal do Rio
joao.mendes@ifrj.edu.br
- https://orcid.org/0000-
0003
Luísa Valença Reis. Mestranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Br
https://orcid.org/0000
-0001-6085-8218
20
, aceito para publicação em 12/10/2020
e disponibilizado online
em 01/03/2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
Porto, praça e palco: as ruas da cidade como espaços de educação
João Guerreiro
1
Luísa Reis
2
A partir das narrativas de encontros que se dão nas ruas, em aulas de teatro feitas em uma
praça da zona portuária do Rio de Janeiro, esse artigo busca discutir as potencialidades do fazer
examina
as constantes
modificações urbanas na zona portuária, área central do Rio de Janeiro, desde a constituição do
Morro da Favela, hoje Morro da Providência, até a atualidade. Nesse processo de transformações
dos projetos culturais e sociais do e no território atuam no
sentido de articular com os moradores e habitantes da zona portuária outros usos para o espaço. O
encontro de dois projetos educativos, o Viaduto Literário e o Projeto Teatro made, que trabalha
m
desde 2018 na fronteira entre os morros do Pinto e da Providência, coloca novas questões sobre a
ocupação desse espaço urbano, que se apresenta então como palco e sala de aula, como um espaço
ua.
Puerto, plaza, escenario: las calles de la ciudad como espacios de educación
: Con base en las narrativas de los encuentros en la calle y en las clases de teatro en una
ciudad de Río de Janeiro, el artículo propone abrir un debate sobre el
potencial del ejercicio del arte teatral con niños en espacios públicos. El texto contextualiza y examina
el proceso de transformaciones urbanas en esta región central de la ciudad llev
ada a cabo por las
autoridades públicas en diferentes momentos, desde la constitución del Morro da Favela, hoy Morro
da Providência, hasta la actualidad. En este proceso de transformaciones impuestas por el poder
ulturales y sociales de y en el territorio actúan para articular
con los residentes y habitantes del área portuaria otros usos del espacio. El
encuentro de dos
proyectos educativos, el Viaduto Literário (Viaducto Literario) y el Projeto Teatro Nômade (Proy
ecto
Teatro Nómada), que funcionan desde 2018 en la frontera entre el Morro da Providência y el Morro do
Pinto, plantea nuevos interrogantes sobre la ocupación de este espacio urbano, que se presenta
Doutor em Políticas Públicas de Cultura pela Universidade Federal do
Instituto Federal do Rio
0003
-1788-4132
Luísa Valença Reis. Mestranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Br
asil.
e disponibilizado online
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
Port, square, stage: city streets as educations places
Abstract:
Based on the narratives of encounters that take place on the streets, in drama classes in a
square in the port area of Rio de Janeiro, this article seeks to discuss the potential of making theatre
with children in public spaces. The text contextualizes th
central area of Rio de Janeiro, from the constitution of Morro da Favela, today called Morro da
Providência, to the present day. In this process of transformations imposed by the public authorities,
the articulati
on of cultural and social projects in the territory act to articulate other uses for space with
residents and inhabitants of the port area. The meeting between two educational projects, the Viaduto
Literário (Literary Viaduct) and the Projeto Teatro Nômade
been working since 2018 on the border between Morro do Pinto and Morro da Providência, raises new
questions about the occupation of this urban space, which then presents itself as a stage and
classroom, as a teaching-
learning space.
Keywords:
Morro da Providência; Porto Maravilha; theater pedagogy; street.
Porto, praça e palco: as ruas da cidade como espaços de educação
Apresentação
Esse é um texto sobre
fronteiras,
encontros e potências.
Iremos narrar o encontro entre dois
projetos realizados na fronteira entre o
Morro da Providência e o Morro do
Pinto, na zona portuária do Rio de
Janeiro. Apresentaremos como o
“Projeto Teatro Nômade”, que ocupa
cenicamente espaços p
cidade, começou sua caminhada sob o
Viaduto São Pedro/São Paulo ao se
encontrar com o projeto “Viaduto
Literário”.
Inicialmente apresentaremos a
constituição da região portuária do Rio
de Janeiro, a sua ocupação e suas
transformações no decorrer
séculos até chegarmos aos projetos
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
Port, square, stage: city streets as educations places
Based on the narratives of encounters that take place on the streets, in drama classes in a
square in the port area of Rio de Janeiro, this article seeks to discuss the potential of making theatre
with children in public spaces. The text contextualizes th
e constant urban changes in the port area,
central area of Rio de Janeiro, from the constitution of Morro da Favela, today called Morro da
Providência, to the present day. In this process of transformations imposed by the public authorities,
on of cultural and social projects in the territory act to articulate other uses for space with
residents and inhabitants of the port area. The meeting between two educational projects, the Viaduto
Literário (Literary Viaduct) and the Projeto Teatro Nômade
(Nomadic Theater Project), which have
been working since 2018 on the border between Morro do Pinto and Morro da Providência, raises new
questions about the occupation of this urban space, which then presents itself as a stage and
learning space.
Morro da Providência; Porto Maravilha; theater pedagogy; street.
Porto, praça e palco: as ruas da cidade como espaços de educação
Esse é um texto sobre
encontros e potências.
Iremos narrar o encontro entre dois
projetos realizados na fronteira entre o
Morro da Providência e o Morro do
Pinto, na zona portuária do Rio de
Janeiro. Apresentaremos como o
“Projeto Teatro Nômade”, que ocupa
cenicamente espaços p
úblicos da
cidade, começou sua caminhada sob o
Viaduto São Pedro/São Paulo ao se
encontrar com o projeto “Viaduto
Inicialmente apresentaremos a
constituição da região portuária do Rio
de Janeiro, a sua ocupação e suas
transformações no decorrer
dos
séculos até chegarmos aos projetos
culturais que hoje marcam o território.
A seguir, narraremos a chegada do
“Nômade” e discutiremos as
construções, potencialidades, as
aprendizagens em fazer teatro junto
com crianças e adolescentes de uma
região peri
férica, mesmo que inserida
em uma das áreas com maior
quantidade e qualidade de
infraestrutura da cidade do Rio de
Janeiro.
E a nau retorna ao porto
A Praça da Marquês, situada
embaixo do Viaduto São Pedro/São
Paulo, divisão de concreto que delimita
os espaços dos morros do Pinto e da
Providência, é um ponto de encontro
para os moradores do seu entorno. A
29
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
Based on the narratives of encounters that take place on the streets, in drama classes in a
square in the port area of Rio de Janeiro, this article seeks to discuss the potential of making theatre
e constant urban changes in the port area,
central area of Rio de Janeiro, from the constitution of Morro da Favela, today called Morro da
Providência, to the present day. In this process of transformations imposed by the public authorities,
on of cultural and social projects in the territory act to articulate other uses for space with
residents and inhabitants of the port area. The meeting between two educational projects, the Viaduto
(Nomadic Theater Project), which have
been working since 2018 on the border between Morro do Pinto and Morro da Providência, raises new
questions about the occupation of this urban space, which then presents itself as a stage and
Porto, praça e palco: as ruas da cidade como espaços de educação
culturais que hoje marcam o território.
A seguir, narraremos a chegada do
“Nômade” e discutiremos as
construções, potencialidades, as
aprendizagens em fazer teatro junto
com crianças e adolescentes de uma
férica, mesmo que inserida
em uma das áreas com maior
quantidade e qualidade de
infraestrutura da cidade do Rio de
E a nau retorna ao porto
A Praça da Marquês, situada
embaixo do Viaduto São Pedro/São
Paulo, divisão de concreto que delimita
os espaços dos morros do Pinto e da
Providência, é um ponto de encontro
para os moradores do seu entorno. A
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
praça, ou o Viaduto, como chamamos,
tem sido um
espaço de convivência,
festa, troca, criação e educação.
Desde 2018, o Projeto Teatro
Nômade também ocupa a Praça da
Marquês. O Nômade é um projeto
artístico-
educativo que entende que o
teatro é uma prática de todos e em
todos os espaços. Não lugar, c
ou pessoa ideal para “fazer teatro”. Ele
oferece aulas e apresentações teatrais
em condições possíveis: nas ruas,
bibliotecas, pátios de escolas, salas de
casas, plays de condomínios.É
Nômade, pois onde houver alguém
disposto a produzir
conhecimentoss
ignificações
teatro, esta lá, e assim poderá criar
redes artístico-
educativas para além
do momento presente de uma aula ou
de uma apresentação. Esse
entendimento dialoga com
Boal, diretor, pesquisador e
sistematizador do Teatro do Oprimido,
que pode ser considerado
um conjunto
de jogos e exercícios que visam a
3
Neste texto, usamos as expressões
conhecimentossignificações e
aprenderensinar
de forma aglutinada para enfatizar o quanto
compõem a mesma ação, buscando romper
com a dicotomia que separa os processos de
produção
do conhecimento em dimensões
internas e externas da escola e os processos
de aprender e ensinar.
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
praça, ou o Viaduto, como chamamos,
espaço de convivência,
festa, troca, criação e educação.
Desde 2018, o Projeto Teatro
Nômade também ocupa a Praça da
Marquês. O Nômade é um projeto
educativo que entende que o
teatro é uma prática de todos e em
todos os espaços. Não lugar, c
orpo
ou pessoa ideal para “fazer teatro”. Ele
oferece aulas e apresentações teatrais
em condições possíveis: nas ruas,
bibliotecas, pátios de escolas, salas de
casas, plays de condomínios.É
Nômade, pois onde houver alguém
disposto a produzir
ignificações
3
com o
teatro, esta lá, e assim poderá criar
educativas para além
do momento presente de uma aula ou
de uma apresentação. Esse
entendimento dialoga com
Augusto
Boal, diretor, pesquisador e
sistematizador do Teatro do Oprimido,
um conjunto
de jogos e exercícios que visam a
Neste texto, usamos as expressões
aprenderensinar
de forma aglutinada para enfatizar o quanto
compõem a mesma ação, buscando romper
com a dicotomia que separa os processos de
do conhecimento em dimensões
internas e externas da escola e os processos
transformação social por meio do
teatro.
Todos os seres humanos são atores,
porque agem, e espectadores,
porqu
e observam. Somos todos
espect-
atores. (...) A palavra teatro é
tão rica em significados diferentes
(...) que nunca sabemos ao certo
sobre o que estamos falando quando
falamos de teatro. (...) No sentido
mais arcaico do termo, porém, teatro
é a capacidade
(ausente nos animais) de se
observarem a si mesmos em ação.
Os humanos são capazes de se ver
no ato de ver, capazes de pensar
suas emoções e de se emocionar
com seus pensamentos. Podem se
ver aqui e se imaginar adiante,
podem se ver como
imaginar como serão amanhã.
(BOAL, 2011, p. ix, xiii, xiv)
Mas antes de chegarmos sob o
viaduto que separa o Morro da
Providência do Morro do Pinto, e que
faz a ligação entre a zona sul e a zona
portuária do Rio de Janeiro, achamos
importan
te mostrar a constituição
deste espaço periférico que ladeia a
área de negócios central da cidade do
Rio de Janeiro, e como essa formação
histórica perpassa até hoje os
encontros que se dão nesse território.
No decorrer de séculos a região
portuária da cid
ade do Rio de Janeiro
passou por diversas mudanças.
Considerada por muitos pesquisadores
como o primeiro grande marco na
ocupação dessa área, em meados da
década de 1770, ocorreu a
30
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
transformação social por meio do
Todos os seres humanos são atores,
porque agem, e espectadores,
e observam. Somos todos
atores. (...) A palavra teatro é
tão rica em significados diferentes
(...) que nunca sabemos ao certo
sobre o que estamos falando quando
falamos de teatro. (...) No sentido
mais arcaico do termo, porém, teatro
é a capacidade
dos seres humanos
(ausente nos animais) de se
observarem a si mesmos em ação.
Os humanos são capazes de se ver
no ato de ver, capazes de pensar
suas emoções e de se emocionar
com seus pensamentos. Podem se
ver aqui e se imaginar adiante,
podem se ver como
são agora e se
imaginar como serão amanhã.
(BOAL, 2011, p. ix, xiii, xiv)
Mas antes de chegarmos sob o
viaduto que separa o Morro da
Providência do Morro do Pinto, e que
faz a ligação entre a zona sul e a zona
portuária do Rio de Janeiro, achamos
te mostrar a constituição
deste espaço periférico que ladeia a
área de negócios central da cidade do
Rio de Janeiro, e como essa formação
histórica perpassa até hoje os
encontros que se dão nesse território.
No decorrer de séculos a região
ade do Rio de Janeiro
passou por diversas mudanças.
Considerada por muitos pesquisadores
como o primeiro grande marco na
ocupação dessa área, em meados da
década de 1770, ocorreu a
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
transferência do mercado de pessoas
escravizadas da atual Praça Quinze e
ar
redores para a região do Valongo
(hoje bairros da Saúde, Gamboa e
Santo Cristo). Nas palavras do então
Vice-
Rei, Marquês do Lavradio,
responsável pela transferência, e que
hoje é homenageado em uma rua que
reúne ironicamente uma famosa feira
na cidade no p
rimeiro sábado de cada
mês,
as pessoas honestas não se
atreviam a chegar às janelas; as que
eram inocentes ali aprendiam o que
ignoravam e não deviam saber. Logo
que desembarcavam, vinham para
as ruas, cheios de infinitas
moléstias... e ali mesmos faziam
t
odo que a natureza lhes lembrava,
não causando o maior fétido...
mas até sendo o espetáculo mais
horroroso que se podia apresentar
aos olhos. (ATHAYDE, 2001, p. 8)
A capital tinha sido transferida
de Salvador para o Rio de Janeiro uma
década antes e, a
ssim, aos olhos do
governante geral da colônia, o centro
da sua nova capital precisava se
modernizar e tornar
-
embelezada para as elites.
A mudança do local de
recebimento dos negros escravizados
provocou o surgimento de novas
atividades econômicas na região. As
antigas chácaras foram loteadas e as
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
transferência do mercado de pessoas
escravizadas da atual Praça Quinze e
redores para a região do Valongo
(hoje bairros da Saúde, Gamboa e
Santo Cristo). Nas palavras do então
Rei, Marquês do Lavradio,
responsável pela transferência, e que
hoje é homenageado em uma rua que
reúne ironicamente uma famosa feira
rimeiro sábado de cada
as pessoas honestas não se
atreviam a chegar às janelas; as que
eram inocentes ali aprendiam o que
ignoravam e não deviam saber. Logo
que desembarcavam, vinham para
as ruas, cheios de infinitas
moléstias... e ali mesmos faziam
odo que a natureza lhes lembrava,
não causando o maior fétido...
mas até sendo o espetáculo mais
horroroso que se podia apresentar
aos olhos. (ATHAYDE, 2001, p. 8)
A capital tinha sido transferida
de Salvador para o Rio de Janeiro uma
ssim, aos olhos do
governante geral da colônia, o centro
da sua nova capital precisava se
-
se mais
A mudança do local de
recebimento dos negros escravizados
provocou o surgimento de novas
atividades econômicas na região. As
antigas chácaras foram loteadas e as
hortas que abasteciam o núcleo
urbano da cidade foram
paulatinamente dando lugar aos
armazéns,
trapiches e pequenas
manufaturas. Os pântanos foram
aterrados e começaram a dar lugares
às ruas e pequenos ancoradouros.
Surgiria, inclusive, o cemitério dos
Pretos Novos.
O cemitério recebeu esse nome
por ser um local onde foram
depositados os restos mor
milhares de africanos que foram
escravizados e foram trazidos para o
Brasil. Muitos que estão chegaram
ao país mortos. Outros morriam
assim que chegavam e outros,
também enterrados nesse cemitério,
teriam morrido no processo de
trabalho. E
m comum, está o
anonimato desses africanos. Segundo
pesquisas realizadas pelo Instituto
Pretos Novos
4
, o cemitério foi
construído no mesmo ano da
transferência do mercado dos
escravizados, em 1770, e desativado
em 1831.
Se o Oceano Atlântico,
chamado por P
aul Gilroy como o
Atlântico Negro, é para muitos, o lugar
4
Entrevista concedida pela coordenadora do
IPN a um dos autores desse artigo em 2013.
31
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
hortas que abasteciam o núcleo
urbano da cidade foram
paulatinamente dando lugar aos
trapiches e pequenas
manufaturas. Os pântanos foram
aterrados e começaram a dar lugares
às ruas e pequenos ancoradouros.
Surgiria, inclusive, o cemitério dos
O cemitério recebeu esse nome
por ser um local onde foram
depositados os restos mor
tais de
milhares de africanos que foram
escravizados e foram trazidos para o
Brasil. Muitos que estão chegaram
ao país mortos. Outros morriam
assim que chegavam e outros,
também enterrados nesse cemitério,
teriam morrido no processo de
m comum, está o
anonimato desses africanos. Segundo
pesquisas realizadas pelo Instituto
, o cemitério foi
construído no mesmo ano da
transferência do mercado dos
escravizados, em 1770, e desativado
Se o Oceano Atlântico,
aul Gilroy como o
Atlântico Negro, é para muitos, o lugar
Entrevista concedida pela coordenadora do
IPN a um dos autores desse artigo em 2013.
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
das trocas culturais exercidas durante
a diáspora africana no auge da
escravidão negra, o cemitério
acompanha esta trajetória pelo
Atlântico. Sempre próximo aos
mercados de escravos nas praias, os
cemitérios tornaram-
se o fim da
diáspora para muitos.
No decorrer do século XIX,
principalmente a partir da vinda da
família real portuguesa em 1808 para
o Brasil até a proibição do tráfico de
negros escravizados, em 1850, as
chácaras nas áreas de planície
região portuária continuaram sofrendo
um processo de loteamento. Segundo
Mello (2003), esse processo vai gerar
as bases para o surgimento de três
bairros: Saúde, Gamboa e Santo
Cristo. E, mais, pelo tipo de atividade
econômica surgida desde o culo
XV
III, a região vai se articular com o
núcleo da cidade através das
atividades portuárias e atividades
relacionadas ao mercado de pessoas
negras escravizadas. Começava a ser
estabelecida uma hierarquia
secundarizada da região, apesar de
ser importante para o
desenvolvimento
da cidade (MELLO, 2003). Em outras
palavras, a região portuária passava a
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
das trocas culturais exercidas durante
a diáspora africana no auge da
escravidão negra, o cemitério
acompanha esta trajetória pelo
Atlântico. Sempre próximo aos
mercados de escravos nas praias, os
se o fim da
No decorrer do século XIX,
principalmente a partir da vinda da
família real portuguesa em 1808 para
o Brasil até a proibição do tráfico de
negros escravizados, em 1850, as
chácaras nas áreas de planície
da
região portuária continuaram sofrendo
um processo de loteamento. Segundo
Mello (2003), esse processo vai gerar
as bases para o surgimento de três
bairros: Saúde, Gamboa e Santo
Cristo. E, mais, pelo tipo de atividade
econômica surgida desde o culo
III, a região vai se articular com o
núcleo da cidade através das
atividades portuárias e atividades
relacionadas ao mercado de pessoas
negras escravizadas. Começava a ser
estabelecida uma hierarquia
secundarizada da região, apesar de
desenvolvimento
da cidade (MELLO, 2003). Em outras
palavras, a região portuária passava a
se configurar como uma periferia do
núcleo da região central da cidade.
Para alguns autores, como
Lamarão (1984) e Benchimol (1982), o
processo de loteamento e
fraci
onamento das chácaras e quintais
na região portuária levou seus antigos
moradores a se transferirem para as
novas áreas de expansão urbana com
nível de renda mais elevado, como os
bairros do Flamengo e Botafogo
ambos localizados no que se
convencionou ch
amar de zona sul da
cidade do Rio de Janeiro. Lamarão
chega a afirmar que a região sofreu
um processo de homogeneização dos
estratos sociais “de baixo” e, com isso,
chega ao século XX carregada de
adjetivos que a desqualificam, que a
estigmatizam frente à
Identificada como a parte do centro
urbano que concentrava o grosso
das atividades portuárias, onde os
navios mercantes ancoravam e as
mercadorias ficavam depositadas,
reduzida a um labirinto de becos e
vielas, a uma infinidade de trapiches
e ofici
nas, ela é uma nódoa, algo que
incomoda concretamente uma elite
que incorpora com rapidez os
valores burgueses, substrato
ideológico do processo de transição
para o capitalismo.
Ela incomoda porque sua numerosa
e concentrada população
composta de brancos
brasileiros e estrangeiros, operários,
trabalhadores da estiva, biscateiros,
ambulantes desempregados,
pobre, amontoa
32
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
se configurar como uma periferia do
núcleo da região central da cidade.
Para alguns autores, como
Lamarão (1984) e Benchimol (1982), o
processo de loteamento e
onamento das chácaras e quintais
na região portuária levou seus antigos
moradores a se transferirem para as
novas áreas de expansão urbana com
nível de renda mais elevado, como os
bairros do Flamengo e Botafogo
ambos localizados no que se
amar de zona sul da
cidade do Rio de Janeiro. Lamarão
chega a afirmar que a região sofreu
um processo de homogeneização dos
estratos sociais “de baixo” e, com isso,
chega ao século XX carregada de
adjetivos que a desqualificam, que a
estigmatizam frente à
cidade.
Identificada como a parte do centro
urbano que concentrava o grosso
das atividades portuárias, onde os
navios mercantes ancoravam e as
mercadorias ficavam depositadas,
reduzida a um labirinto de becos e
vielas, a uma infinidade de trapiches
nas, ela é uma nódoa, algo que
incomoda concretamente uma elite
que incorpora com rapidez os
valores burgueses, substrato
ideológico do processo de transição
para o capitalismo.
Ela incomoda porque sua numerosa
e concentrada população
composta de brancos
e negros,
brasileiros e estrangeiros, operários,
trabalhadores da estiva, biscateiros,
ambulantes desempregados,
- é
pobre, amontoa
-se em precários
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
cortiços, e morre aos montes,
vitimada pelas epidemias. Área
densa, populosa, pobre, insalubre...
e
perigosa. Os quarteirões
marítimos, o bairro “rubro” da cidade
e, o “homizio predileto dos valentões”
servem de cenário a crimes que
levam a Saúde, a Gamboa e o saco
de Alferes às primeiras páginas dos
jornais. (LAMARÃO, 1984, p. 115)
E é no final do sécu
a consolidação desse processo
com o surgimento da primeira favela
do país: o Morro da Favella.
Localizada entre o Morro da
Conceição e o Morro do Pinto, o Morro
da Favella, atual Morro da Providência,
tem o início de sua ocupação nesse
períod
o. Mesmo não sendo possível
designar eventos que expliquem a sua
ocupação, temos um somatório de
acontecimentos que ajudaram a gerar
hipóteses sobre o surgimento da
habitação no local.
De Paula (2004) sustenta que a
destruição do maior cortiço da então
cap
ital nacional, o Cabeça de Porco,
iria iniciar uma prática de ocupação
dos morros da capital do país,
iniciando pelo Morro da Providência.
Segundo o autor,
Num ato de magnânima bondade, o
prefeito [Barata Ribeiro] permitiu aos
moradores recolherem madeiras que
sobraram sob os escombros, onde,
sem demora, os moradores que não
conseguiram outros locais de
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
cortiços, e morre aos montes,
vitimada pelas epidemias. Área
densa, populosa, pobre, insalubre...
perigosa. Os quarteirões
marítimos, o bairro “rubro” da cidade
e, o “homizio predileto dos valentões”
servem de cenário a crimes que
levam a Saúde, a Gamboa e o saco
de Alferes às primeiras páginas dos
jornais. (LAMARÃO, 1984, p. 115)
E é no final do sécu
lo XIX que
a consolidação desse processo
com o surgimento da primeira favela
do país: o Morro da Favella.
Localizada entre o Morro da
Conceição e o Morro do Pinto, o Morro
da Favella, atual Morro da Providência,
tem o início de sua ocupação nesse
o. Mesmo não sendo possível
designar eventos que expliquem a sua
ocupação, temos um somatório de
acontecimentos que ajudaram a gerar
hipóteses sobre o surgimento da
De Paula (2004) sustenta que a
destruição do maior cortiço da então
ital nacional, o Cabeça de Porco,
iria iniciar uma prática de ocupação
dos morros da capital do país,
iniciando pelo Morro da Providência.
Num ato de magnânima bondade, o
prefeito [Barata Ribeiro] permitiu aos
moradores recolherem madeiras que
sobraram sob os escombros, onde,
sem demora, os moradores que não
conseguiram outros locais de
moradia construíram barracos na
encosta que ficava no fu
terreno, que ainda pertencia aos
antigos proprietários do cortiço.
Dessa forma, plantou
de habitação no morro que pouco
mais tarde, em 1897, seria ocupado
pelos soldados que retornaram de
Canudos. Com a queda do célebre
cortiço, o Rio d
e Janeiro presenciou
o início da transição de uma era, ‘a
semente de favela’ saiu do cortiço,
deixou a cidade e subiu o morro (DE
PAULA, 2004, p. 53)
Conforme apresentado pelo
autor, outro grupo que iria ocupar o
Morro da Favella, é o formado por
soldados
que retornaram da Guerra de
Canudos (BA
), em 1897. Ao não
receberem o que lhes havia sido
prometido pelo governo, subiram o
morro atrás do então Ministério da
Guerra, e ficaram aguardando a
recompensa. Abreu e Vaz (1991)
sustentam a tese que a falta de
mo
radias suficientes para atender a
população que, por motivos diversos,
chegava à capital do país demonstra a
contradição das transformações que
vão ocorrer na região central do Rio de
Janeiro. E é essa separação entre os
usos e as classes na cidade que a
o
cupação do Morro da Favella
evidencia (ABREU, 1988).
Cabe-
nos fazer um parêntese
para ressaltar que ao se dar o nome
de Morro da Favella
primeira ocupação por moradores de
33
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
moradia construíram barracos na
encosta que ficava no fu
ndo do
terreno, que ainda pertencia aos
antigos proprietários do cortiço.
Dessa forma, plantou
-se um núcleo
de habitação no morro que pouco
mais tarde, em 1897, seria ocupado
pelos soldados que retornaram de
Canudos. Com a queda do célebre
e Janeiro presenciou
o início da transição de uma era, ‘a
semente de favela’ saiu do cortiço,
deixou a cidade e subiu o morro (DE
PAULA, 2004, p. 53)
Conforme apresentado pelo
autor, outro grupo que iria ocupar o
Morro da Favella, é o formado por
que retornaram da Guerra de
), em 1897. Ao não
receberem o que lhes havia sido
prometido pelo governo, subiram o
morro atrás do então Ministério da
Guerra, e ficaram aguardando a
recompensa. Abreu e Vaz (1991)
sustentam a tese que a falta de
radias suficientes para atender a
população que, por motivos diversos,
chegava à capital do país demonstra a
contradição das transformações que
vão ocorrer na região central do Rio de
Janeiro. E é essa separação entre os
usos e as classes na cidade que a
cupação do Morro da Favella
evidencia (ABREU, 1988).
nos fazer um parêntese
para ressaltar que ao se dar o nome
de Morro da Favella
para essa
primeira ocupação por moradores de
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
baixa renda, que originariamente seria
o de uma planta existente em Canudo
ou de um morro existente no então
Arraiá de Canudos, o morro acaba
assumindo uma nova classificação. A
ocupação dos morros por população
de baixa renda, com pouca ou
nenhuma infraestrutura sanitária ou
serviços públicos, sem arruamento e
com habitações p
rovisórias, acaba
sendo sinônimo de um reduto de
pobreza. Assim, o Morro da Favella
acaba representando o que Lamarão
chamou de reduto dos estratos sociais
“de baixo”.
Porém, Zylberberg (1992) vai
salientar que a região onde está
localizado o Morro da
Providência teve
outras denominações antes de ser
“rebatizada” de Morro da Favella:
“Paulo Caieiro”, “Formiga”,
“Livramento”, “Valongo”, “Santana”,
“São Lourenço”. Segundo a autora,
“Morro da Providência” aparecia, em
1850, para denominar a parte da
reg
ião que fica próxima ao Morro do
Pinto. a parte que faz fronteira com
o Morro da Conceição
era conhecida
como Morro do Livramento. Mas a
denominação “Morro da Providência”
voltará a designar toda a região. E o
termo “favela” passa a designar as
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
baixa renda, que originariamente seria
o de uma planta existente em Canudo
s
ou de um morro existente no então
Arraiá de Canudos, o morro acaba
assumindo uma nova classificação. A
ocupação dos morros por população
de baixa renda, com pouca ou
nenhuma infraestrutura sanitária ou
serviços públicos, sem arruamento e
rovisórias, acaba
sendo sinônimo de um reduto de
pobreza. Assim, o Morro da Favella
acaba representando o que Lamarão
chamou de reduto dos estratos sociais
Porém, Zylberberg (1992) vai
salientar que a região onde está
Providência teve
outras denominações antes de ser
“rebatizada” de Morro da Favella:
“Paulo Caieiro”, “Formiga”,
“Livramento”, “Valongo”, “Santana”,
“São Lourenço”. Segundo a autora,
“Morro da Providência” aparecia, em
1850, para denominar a parte da
ião que fica próxima ao Morro do
Pinto. a parte que faz fronteira com
era conhecida
como Morro do Livramento. Mas a
denominação “Morro da Providência”
voltará a designar toda a região. E o
termo “favela” passa a designar as
habita
ções provisórias que irão
constituir as moradias da população de
baixa renda, inicialmente, nos diversos
morros da cidade e, posteriormente,
atravessarão as fronteiras da cidade,
estado e até do país.
E é em uma das fronteiras
cidade -
entre o Morro do
atual Morro da Providência
Projeto Teatro Nômade atua. Uma das
autoras desse artigo é professora do
Nômade, dando aulas de teatro nas
ruas para adolescentes desde 2017,
em praças variadas da zona sul da
cidade. Em 2019, o projeto iniciou
turma infantil de teatro de rua na Praça
da Marquês, que fica sob o viaduto
que hoje marca, para os moradores, a
fronteira entre as duas favelas. Essa
turma conta também com a professora
Lorrana Mousinho, e as duas
educadoras, logo nos primeiros dias
de
encontros com as crianças,
puderam perceber que ali as
dificuldades pareciam as mesmas de
ocupar as ruas da zona sul com
adolescentes,mas carregavam muitas
diferenças.
Quando começamos a dar aula
de teatro na rua, nos habituamos a
perder a atenção da turma
cachorros que passavam querendo
34
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
ções provisórias que irão
constituir as moradias da população de
baixa renda, inicialmente, nos diversos
morros da cidade e, posteriormente,
atravessarão as fronteiras da cidade,
E é em uma das fronteiras
da
entre o Morro do
Pinto e o
atual Morro da Providência
- que o
Projeto Teatro Nômade atua. Uma das
autoras desse artigo é professora do
Nômade, dando aulas de teatro nas
ruas para adolescentes desde 2017,
em praças variadas da zona sul da
cidade. Em 2019, o projeto iniciou
a
turma infantil de teatro de rua na Praça
da Marquês, que fica sob o viaduto
que hoje marca, para os moradores, a
fronteira entre as duas favelas. Essa
turma conta também com a professora
Lorrana Mousinho, e as duas
educadoras, logo nos primeiros dias
encontros com as crianças,
puderam perceber que ali as
dificuldades pareciam as mesmas de
ocupar as ruas da zona sul com
adolescentes,mas carregavam muitas
Quando começamos a dar aula
de teatro na rua, nos habituamos a
perder a atenção da turma
para os
cachorros que passavam querendo
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
carinho dos alunos. Na Praça da
Marquês, embora também tivéssemos
uma grande circulação de animais
durante a aula, era na passagem da
patrulhinha da PM que as crianças se
alvoroçavam, com reações que iam do
medo ao
enfrentamento.A ocupação
histórica desse território, narrada até
aqui, se inicia com violência e
abandono do poder instituído e aponta
para uma profunda discriminação dos
moradores que passaram a habitar os
morros da região. A reação das
crianças, com idad
es de quatro a dez
anos, ao verem a polícia chegar, pode
significar que a relação com o Estado
parece não ter se alterado ao longo
dos séculos, apesar das tentativas de
novas modificações urbanas na área,
como veremos a seguir.
O porto, os projetos urbano
cultura local
Se o século XIX é o de delinear
a nova forma de ocupação da região
portuária e com a inauguração do que
é conhecido como Porto do Rio, na
primeira década do século XX, é nas
décadas seguintes que veremos
diferentes planos e projetos
gov
ernamentais de intervenção tendo
a zona portuária do Rio de Janeiro
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
carinho dos alunos. Na Praça da
Marquês, embora também tivéssemos
uma grande circulação de animais
durante a aula, era na passagem da
patrulhinha da PM que as crianças se
alvoroçavam, com reações que iam do
enfrentamento.A ocupação
histórica desse território, narrada até
aqui, se inicia com violência e
abandono do poder instituído e aponta
para uma profunda discriminação dos
moradores que passaram a habitar os
morros da região. A reação das
es de quatro a dez
anos, ao verem a polícia chegar, pode
significar que a relação com o Estado
parece não ter se alterado ao longo
dos séculos, apesar das tentativas de
novas modificações urbanas na área,
O porto, os projetos urbano
s e a
Se o século XIX é o de delinear
a nova forma de ocupação da região
portuária e com a inauguração do que
é conhecido como Porto do Rio, na
primeira década do século XX, é nas
décadas seguintes que veremos
diferentes planos e projetos
ernamentais de intervenção tendo
a zona portuária do Rio de Janeiro
como objeto. Diversas em seus
objetivos, as propostas apresentaram
em comum uma falta de uma política
habitacional para a região e para o
Morro da Providência, em particular.
Com nomenclat
renovação urbana, revitalização ou
mesmo reabilitação urbana
projetos e planos visam gerar novas
dinâmicas, principalmente
econômicas, na área do entorno do
Porto do Rio. Cabe uma pequena
lembrança em relação a estas
denomina
ções. Segundo Ferrara
(1988), os nomes dados às
intervenções urbanas representam
projetos diferentes. Segundo a autora,
renovações urbanas são próprias dos
projetos de
destruição/demolição/desmonte que
buscam dar um ar de modernidade e
racionalidade antes
da emergência do
novo, do construído. o termo
“revitalização urbana” representaria
um projeto que daria uma nova
vitalidade
econômica, cultural, física
e simbólica
às áreas. Entendemos
que pode ser considerado, também,
como um projeto que vise a “da
às áreas degradadas. O termo
“reabilitação urbana” parece
traz, ainda, um conceito da medicina
35
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
como objeto. Diversas em seus
objetivos, as propostas apresentaram
em comum uma falta de uma política
habitacional para a região e para o
Morro da Providência, em particular.
Com nomenclat
uras alternativas
renovação urbana, revitalização ou
mesmo reabilitação urbana
todos os
projetos e planos visam gerar novas
dinâmicas, principalmente
econômicas, na área do entorno do
Porto do Rio. Cabe uma pequena
lembrança em relação a estas
ções. Segundo Ferrara
(1988), os nomes dados às
intervenções urbanas representam
projetos diferentes. Segundo a autora,
renovações urbanas são próprias dos
projetos de
destruição/demolição/desmonte que
buscam dar um ar de modernidade e
da emergência do
novo, do construído. o termo
“revitalização urbana” representaria
um projeto que daria uma nova
econômica, cultural, física
às áreas. Entendemos
que pode ser considerado, também,
como um projeto que vise a “da
r vida”
às áreas degradadas. O termo
“reabilitação urbana” parece
-nos que
traz, ainda, um conceito da medicina
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
para um “paciente enfermo” ou mesmo
um conceito sociológico de tratar o
espaço urbano “marginal” visando
torná-
lo um novo e funcional espaço.
Alg
o como uma segunda chance
urbana. E essa outra chance seria
obtida através da revalorização
econômica, social e funcional da
região.
O desenvolvimento de novas
tecnologias provocou a diminuição da
necessidade de mão de obra para
trabalhar nas atividades po
Além disso, o armazenamento dos
produtos exportados/importados
passou a ser realizado em
contêineres. Assim, com o tempo, os
grandes armazéns perdem as suas
funções e diminuem o número de
trabalhadores na região portuária.
Com isso, toda uma gama
atividades de comércio e serviço
ancoradas na carga e descarga de
mercadoria que articulavam, também,
a população e o perfil habitacional dos
bairros da Saúde, Gamboa e Santo
Cristo vai ser afetada.
Os estivadores, arrumadores de
carga, conferentes e p
ortuários junto
com seus familiares se estabeleciam
na Região
notadamente no Morro da
Conceição, Morro da Providência,
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
para um “paciente enfermo” ou mesmo
um conceito sociológico de tratar o
espaço urbano “marginal” visando
lo um novo e funcional espaço.
o como uma segunda chance
urbana. E essa outra chance seria
obtida através da revalorização
econômica, social e funcional da
O desenvolvimento de novas
tecnologias provocou a diminuição da
necessidade de mão de obra para
trabalhar nas atividades po
rtuárias.
Além disso, o armazenamento dos
produtos exportados/importados
passou a ser realizado em
contêineres. Assim, com o tempo, os
grandes armazéns perdem as suas
funções e diminuem o número de
trabalhadores na região portuária.
Com isso, toda uma gama
de
atividades de comércio e serviço
ancoradas na carga e descarga de
mercadoria que articulavam, também,
a população e o perfil habitacional dos
bairros da Saúde, Gamboa e Santo
Os estivadores, arrumadores de
ortuários junto
com seus familiares se estabeleciam
notadamente no Morro da
Conceição, Morro da Providência,
Morro do Pinto e Morro da Saúde.
Ainda hoje, ao se percorrer a região
encontramos aposentados e familiares
de trabalhadores do porto em
diversas funções. E, junto com eles, as
práticas, relações sociais e possíveis
identidades que povoam a zona
portuária.
Tratando-
se de uma área com
infraestrutura urbana na planície e nos
Morros da Conceição e do Pinto, a
região passou a ser objeto d
de empresários para reocuparem o
lugar, mudarem seus usos e garantir
lucros imobiliários. Mas, dos diversos
projetos e programas pensados para a
região, o único projeto que acabou
saindo do papel foi o denominado
“Porto Maravilha”.
O projeto Porto
elaborado no bojo da candidatura da
cidade do Rio de Janeiro à sede dos
Jogos Olímpicos no espírito instituído
no Plano Estratégico da cidade. É um
projeto que traz como novidade a
ancoragem cultural como dinamizador
do território. A concepç
construção de instituições que
ancorariam a nova ocupação do
território. A nau volta ao porto, agora
como empreendimento cultural: o
Museu de Arte do Rio (MAR), o Museu
36
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
Morro do Pinto e Morro da Saúde.
Ainda hoje, ao se percorrer a região
encontramos aposentados e familiares
de trabalhadores do porto em
suas
diversas funções. E, junto com eles, as
práticas, relações sociais e possíveis
identidades que povoam a zona
se de uma área com
infraestrutura urbana na planície e nos
Morros da Conceição e do Pinto, a
região passou a ser objeto d
e desejo
de empresários para reocuparem o
lugar, mudarem seus usos e garantir
lucros imobiliários. Mas, dos diversos
projetos e programas pensados para a
região, o único projeto que acabou
saindo do papel foi o denominado
O projeto Porto
Maravilha foi
elaborado no bojo da candidatura da
cidade do Rio de Janeiro à sede dos
Jogos Olímpicos no espírito instituído
no Plano Estratégico da cidade. É um
projeto que traz como novidade a
ancoragem cultural como dinamizador
do território. A concepç
ão é a
construção de instituições que
ancorariam a nova ocupação do
território. A nau volta ao porto, agora
como empreendimento cultural: o
Museu de Arte do Rio (MAR), o Museu
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
do Amanhã e o Aquário Marinho do
Rio de Janeiro – AquaRio.
No projeto original t
pensada uma novidade: uma política
habitacional que iria trazer novos
moradores e garantiria uma mistura de
atividades na região: moradias,
instituições culturais, comércio e
serviços.
Porém, do projeto inicial,
apenas a ancoragem cultural se
mante
ve. Sem uma política de
incentivo à moradia, apenas os
moradores anteriores ao projeto se
mantiveram. E, mais, a única política
habitacional foi o projeto de remoção
de parte dos pouco mais de 4 mil
moradores do Morro da Providência.
Neste ponto vale a pen
lembrarmos que o Projeto Porto
Maravilha abrange os bairros da
Saúde, Gamboa e Santo Cristo
deixando do lado de fora apenas o
Morro da Providência. Assim, a política
habitacional de remoção ficou a cargo
da Secretaria Municipal de Habitação.
Quando estiv
esse concluída, sim, o
Morro da Providência passaria a
integrar o projeto “Porto Maravilha”. O
ônus da remoção ficaria com o poder
público e o bônus de um morro
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
do Amanhã e o Aquário Marinho do
No projeto original t
ambém é
pensada uma novidade: uma política
habitacional que iria trazer novos
moradores e garantiria uma mistura de
atividades na região: moradias,
instituições culturais, comércio e
Porém, do projeto inicial,
apenas a ancoragem cultural se
ve. Sem uma política de
incentivo à moradia, apenas os
moradores anteriores ao projeto se
mantiveram. E, mais, a única política
habitacional foi o projeto de remoção
de parte dos pouco mais de 4 mil
moradores do Morro da Providência.
Neste ponto vale a pen
a
lembrarmos que o Projeto Porto
Maravilha abrange os bairros da
Saúde, Gamboa e Santo Cristo
deixando do lado de fora apenas o
Morro da Providência. Assim, a política
habitacional de remoção ficou a cargo
da Secretaria Municipal de Habitação.
esse concluída, sim, o
Morro da Providência passaria a
integrar o projeto “Porto Maravilha”. O
ônus da remoção ficaria com o poder
público e o bônus de um morro
“embelezado” ficaria com a iniciativa
privada.
Mas, outra constatação do
projeto “Porto Mara
vilha” era que o
conceito de revitalização urbana
ancorado nos grandes
empreendimentos culturais negavam
ou “esqueciam” a produção cultural
existente no território.
Conforme apresentado por
Guerreiro (2013), antes do projeto ser
apresentado ao Comitê Ol
(2009), os coletivos culturais, artistas e
instituições culturais existentes
estavam se organizando em rede.
Em 2007, no Centro Cultural
Ação da Cidadania (atual Armazém
Cidadania e Cultura) foi lançado o I
Fórum de Dinamização Cultural da
Zona P
ortuária. Resultado de um
levantamento sociocultural realizado
por integrantes do Instituto Bandeira
Branca de Desenvolvimento Social
(IBB)
responsável pelo projeto
Batucadas Brasileiras
identificadas 30 (trinta) instituições
formalizadas ou não
associações de moradores, sindicatos,
movimentos culturais, sociais e
comunitárias da Zona Portuária. A
área onde ocorreu o levantamento
corresponde ao mesmo território que
37
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
“embelezado” ficaria com a iniciativa
Mas, outra constatação do
vilha” era que o
conceito de revitalização urbana
ancorado nos grandes
empreendimentos culturais negavam
ou “esqueciam” a produção cultural
existente no território.
Conforme apresentado por
Guerreiro (2013), antes do projeto ser
apresentado ao Comitê Ol
ímpico
(2009), os coletivos culturais, artistas e
instituições culturais existentes
estavam se organizando em rede.
Em 2007, no Centro Cultural
Ação da Cidadania (atual Armazém
Cidadania e Cultura) foi lançado o I
Fórum de Dinamização Cultural da
ortuária. Resultado de um
levantamento sociocultural realizado
por integrantes do Instituto Bandeira
Branca de Desenvolvimento Social
responsável pelo projeto
Batucadas Brasileiras
foram
identificadas 30 (trinta) instituições
formalizadas ou não
como
associações de moradores, sindicatos,
movimentos culturais, sociais e
comunitárias da Zona Portuária. A
área onde ocorreu o levantamento
corresponde ao mesmo território que
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
depois será objeto de intervenção do
projeto Porto Maravilha.
De acordo com um
a reportagem
da revista Batucadas Brasileiras
(2007) intitulada “Zona Portuária se
une no Porto Cultural” representantes
do Fórum Porto Cultural informaram,
na ocasião, que “após décadas como
meros joguetes de diatribes políticas e
especulação imobiliária,
os moradores
e trabalhadores da Zona Portuária
pretendem tomar o timão do futuro da
região.” (p. 42).
A construção do Fórum se deu
durante todo ano de 2007 com a
participação mais efetiva das
seguintes instituições que assinam a
carta manifesto de fundaçã
Cultural
: Centro Cultural Ação da
Cidadania -
CCAC, IBB
Bandeira Branca de Desenvolvimento
Social, Associação Cultural Recreativa
Afoxé Filhos de Gandhi, Instituto de
Pesquisa e Memória Pretos Novos,
Centro Cultural dos Rodoviários,
Grande Companhia Brasileira da
Mystérios e Novidades, Sparta
Associação Esportiva do Morro da
Providência, Tonpi-
Nheco 07, Ribeiro
Promoções e Eventos, Instituto
Sociocultural Favelarte, Spectaculu e
Instituto Nacional de Tecnologia.
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
depois será objeto de intervenção do
a reportagem
da revista Batucadas Brasileiras
(2007) intitulada “Zona Portuária se
une no Porto Cultural” representantes
do Fórum Porto Cultural informaram,
na ocasião, que “após décadas como
meros joguetes de diatribes políticas e
os moradores
e trabalhadores da Zona Portuária
pretendem tomar o timão do futuro da
A construção do Fórum se deu
durante todo ano de 2007 com a
participação mais efetiva das
seguintes instituições que assinam a
carta manifesto de fundaçã
o do Porto
: Centro Cultural Ação da
CCAC, IBB
Instituto
Bandeira Branca de Desenvolvimento
Social, Associação Cultural Recreativa
Afoxé Filhos de Gandhi, Instituto de
Pesquisa e Memória Pretos Novos,
Centro Cultural dos Rodoviários,
Grande Companhia Brasileira da
Mystérios e Novidades, Sparta
Associação Esportiva do Morro da
Nheco 07, Ribeiro
Promoções e Eventos, Instituto
Sociocultural Favelarte, Spectaculu e
Instituto Nacional de Tecnologia.
Assim, o objetivo d
Cultural seria o de provocar a sinergia
entre as diversas ações existentes
na região, ajuda mútua para a
consolidação de outras e procurar uma
agenda comum que agregasse todas
as entidades num Plano de Ação onde
pudessem executar atividades e
pr
essionar o poder público para as
melhorias que a região necessita.
A proposta era tomar a frente
das políticas públicas socioculturais de
forma com que os grupos participantes
garantissem sua autonomia e
sustentabilidade.
Resumindo, a articulação
política
dos atores socioculturais da
Região Portuária autodenominada
Porto Cultural tinha como ambição
agregar as ações culturais e sociais da
Zona Portuária e interferir nos projetos
pré-
existentes e que, até então, não
tinham saído do papel. A busca era
para que
a dinamização que estava
prestes a acontecer levasse em conta,
principalmente, a população local,
inserindo-
a e não a expulsando.
O Nômade chegou ao Morro da
Providência a partir do convite de outro
projeto, o Viaduto Literário, criado pela
moradora Marci
a Raquel, mãe de dois
ex-
alunos das nossas aulas de teatro.
38
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
Assim, o objetivo d
o Porto
Cultural seria o de provocar a sinergia
entre as diversas ações existentes
na região, ajuda mútua para a
consolidação de outras e procurar uma
agenda comum que agregasse todas
as entidades num Plano de Ação onde
pudessem executar atividades e
essionar o poder público para as
melhorias que a região necessita.
A proposta era tomar a frente
das políticas públicas socioculturais de
forma com que os grupos participantes
garantissem sua autonomia e
Resumindo, a articulação
dos atores socioculturais da
Região Portuária autodenominada
Porto Cultural tinha como ambição
agregar as ações culturais e sociais da
Zona Portuária e interferir nos projetos
existentes e que, até então, não
tinham saído do papel. A busca era
a dinamização que estava
prestes a acontecer levasse em conta,
principalmente, a população local,
a e não a expulsando.
O Nômade chegou ao Morro da
Providência a partir do convite de outro
projeto, o Viaduto Literário, criado pela
a Raquel, mãe de dois
alunos das nossas aulas de teatro.
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
O Viaduto também propõe uma
ocupação coletiva da Praça da
Marquês com as crianças, produzindo
rodas de leituras, contações de
histórias, oficinas e compartilhamento
de afetos. Embora nem o Nômade
nem o Viaduto existissem no momento
do Porto Cultural, nessas ações
questões que se assemelham.
Segundo Deleuze (1997), não é
necessariamente deslocamento que
caracteriza o nomadismo, mas sim a
relação com o território que ocupa. O
nômade, no sentido di
cionarizado, é
aquele errante, o que não tem pouso
fixo, o que vaga. Em Deleuze, o que
faz nomadismo é o percurso
permanente, pois o nômade não toma
território, se apropria daquele espaço
por meio do uso que se faz dele. O
nômade não é aquele que quer a
pr
opriedade do espaço, ele quer
atravessar o espaço, usar o espaço, e
assim, modificá-lo.
Para Certeau, uma distinção
entre lugar e espaço
. Enquanto o
primeiro aponta para uma estabilidade,
o segundo indica variável, movimento.
Um não é a exclusão do outr
se transformam num e noutro por meio
dos relatos, dos efeitos que se
produzem nas operações de usos.
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
O Viaduto também propõe uma
ocupação coletiva da Praça da
Marquês com as crianças, produzindo
rodas de leituras, contações de
histórias, oficinas e compartilhamento
de afetos. Embora nem o Nômade
nem o Viaduto existissem no momento
do Porto Cultural, nessas ações
questões que se assemelham.
Segundo Deleuze (1997), não é
necessariamente deslocamento que
caracteriza o nomadismo, mas sim a
relação com o território que ocupa. O
cionarizado, é
aquele errante, o que não tem pouso
fixo, o que vaga. Em Deleuze, o que
faz nomadismo é o percurso
permanente, pois o nômade não toma
território, se apropria daquele espaço
por meio do uso que se faz dele. O
nômade não é aquele que quer a
opriedade do espaço, ele quer
atravessar o espaço, usar o espaço, e
Para Certeau, uma distinção
. Enquanto o
primeiro aponta para uma estabilidade,
o segundo indica variável, movimento.
Um não é a exclusão do outr
o, ambos
se transformam num e noutro por meio
dos relatos, dos efeitos que se
produzem nas operações de usos.
“Em suma,
o espaço é um lugar
praticado
. Assim a rua
geometricamente definida por um
urbanismo é transformada em espaço
pelos pedestres.” (CERTEAU
184) Lugar é aquilo que define, que
ordena, enquanto espaço está em
variação a partir das ações dos
sujeitos históricos. Não se trata aqui
de ser espaço ou
estriado. Ao trabalhar o estriado como
liso, o nômade faz uma operação de
afeto, de transformação pelo hábito,
pelo uso. E aqui, mais uma vez, nos
aproximamos de Certeau (2014), que
vê, nos movimentos de caminhada,
uma falta, uma errância que priva de
lugar, e, portanto, de identidade.
Dessa forma, é o habitar, o hábito, que
desvela um espaço.
Era esse habitar, que fala de
uma relação direta desses moradores
com o espaço, podendo ele ser ao
mesmo tempo praça, porto, palco e
muito mais, que estava sendo
ignorado. Mais uma vez, os moradores
locais não foram ouvidos pelo poder
público e o projeto P
além de não implementar a política
habitacional para a região,
desconsiderou os fazedores culturais
do território. E, esses, se viram no
39
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
o espaço é um lugar
. Assim a rua
geometricamente definida por um
urbanismo é transformada em espaço
pelos pedestres.” (CERTEAU
, 2014, p.
184) Lugar é aquilo que define, que
ordena, enquanto espaço está em
variação a partir das ações dos
sujeitos históricos. Não se trata aqui
lugar, liso ou
estriado. Ao trabalhar o estriado como
liso, o nômade faz uma operação de
afeto, de transformação pelo hábito,
pelo uso. E aqui, mais uma vez, nos
aproximamos de Certeau (2014), que
vê, nos movimentos de caminhada,
uma falta, uma errância que priva de
lugar, e, portanto, de identidade.
Dessa forma, é o habitar, o hábito, que
Era esse habitar, que fala de
uma relação direta desses moradores
com o espaço, podendo ele ser ao
mesmo tempo praça, porto, palco e
muito mais, que estava sendo
ignorado. Mais uma vez, os moradores
locais não foram ouvidos pelo poder
público e o projeto P
orto Maravilha,
além de não implementar a política
habitacional para a região,
desconsiderou os fazedores culturais
do território. E, esses, se viram no
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
meio de um processo de criação de
grandes empreendimentos de
entretenimento e atração de novos
artistas
e grupos para a região.
Como consequência, o Porto
Cultural se enfraqueceu e se
desarticulou. Como no projeto “Porto
Maravilha” havia recurso para financiar
atividades culturais pré-
existentes no
território, a relação com o órgão gestor
do projeto se deu
individualmente.
Divididos, ficaram mais fracos nas
negociações.
Assim, quando o Projeto Teatro
Nômade desembarca em um território
da região portuária que não se
caracteriza nem como Morro da
Providência, nem Morro do Pinto e,
muito menos é considerado par
bairro do Santo Cristo, muitas lutas,
resistências e produções artístico
culturais tinham marcado essa
região. Organizados na época do
Porto Cultural ou fazendo parcerias e
ações solidárias como agora, os
grupos culturais da região do
“festejado”
projeto imobiliário Porto
Maravilha continuam seu caminho
apesar e a despeito do poder público
que muitas vezes os invisibilizam.
Mas, tragamos luz à fronteira!
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
meio de um processo de criação de
grandes empreendimentos de
entretenimento e atração de novos
e grupos para a região.
Como consequência, o Porto
Cultural se enfraqueceu e se
desarticulou. Como no projeto “Porto
Maravilha” havia recurso para financiar
existentes no
território, a relação com o órgão gestor
individualmente.
Divididos, ficaram mais fracos nas
Assim, quando o Projeto Teatro
Nômade desembarca em um território
da região portuária que não se
caracteriza nem como Morro da
Providência, nem Morro do Pinto e,
muito menos é considerado par
te do
bairro do Santo Cristo, muitas lutas,
resistências e produções artístico
-
culturais tinham marcado essa
região. Organizados na época do
Porto Cultural ou fazendo parcerias e
ações solidárias como agora, os
grupos culturais da região do
projeto imobiliário Porto
Maravilha continuam seu caminho
apesar e a despeito do poder público
que muitas vezes os invisibilizam.
Mas, tragamos luz à fronteira!
Todo menino é um rei
Em seu livro
oprimido e outras poéticas políticas
Augusto
Boal afirma que “todo teatro é
necessariamente político, porque
políticas são todas as atividades do
homem, e o teatro é uma delas.”
(BOAL, 2010, p. 11). Para Luiz Antônio
Simas (2019)
, as ruas da cidade estão
em permanente disputa política entre
as classe
s dominantes e os
subalternizados. Entendemos que o
trabalho desenvolvido pelo Nômade é
político na encruzilhada dessas duas
dimensões.
No princípio, o teatro era o canto
ditirâmbico: o povo livre cantando ao
ar livre. O carnaval. A festa.
Depois, as class
apropriaram do teatro e construíram
muros divisórios. Primeiro, dividiram
o povo, separando atores de
espectadores: gente que faz e gente
que observa. Terminou
Segundo, entre os atores, separou
os protagonistas das massas:
come
çou o doutrinamento coercitivo!
O povo oprimido se liberta. E outra
vez conquista o teatro. É necessário
derrubar muros!
(BOAL, 2010, p. 177)
O carnaval é perigoso. O controle
dos corpos sempre foi parte do
projeto de desqualificação das
camadas historica
subalternizadas como produtoras de
cultura. Esse projeto de
desqualificação da cultura é base da
repressão aos elementos lúdicos e
sagrados do cotidiano dos pobres,
dos descendentes dos escravizados,
e de todos que resistem ao
confinamento dos corpos
potência de vida. O corpo
carnavalizado (...) dono de si, é
40
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
Todo menino é um rei
Em seu livro
O teatro do
oprimido e outras poéticas políticas
,
Boal afirma que “todo teatro é
necessariamente político, porque
políticas são todas as atividades do
homem, e o teatro é uma delas.”
(BOAL, 2010, p. 11). Para Luiz Antônio
, as ruas da cidade estão
em permanente disputa política entre
s dominantes e os
subalternizados. Entendemos que o
trabalho desenvolvido pelo Nômade é
político na encruzilhada dessas duas
No princípio, o teatro era o canto
ditirâmbico: o povo livre cantando ao
ar livre. O carnaval. A festa.
Depois, as class
es dominantes se
apropriaram do teatro e construíram
muros divisórios. Primeiro, dividiram
o povo, separando atores de
espectadores: gente que faz e gente
que observa. Terminou
-se a festa!
Segundo, entre os atores, separou
os protagonistas das massas:
çou o doutrinamento coercitivo!
O povo oprimido se liberta. E outra
vez conquista o teatro. É necessário
(BOAL, 2010, p. 177)
O carnaval é perigoso. O controle
dos corpos sempre foi parte do
projeto de desqualificação das
camadas historica
mente
subalternizadas como produtoras de
cultura. Esse projeto de
desqualificação da cultura é base da
repressão aos elementos lúdicos e
sagrados do cotidiano dos pobres,
dos descendentes dos escravizados,
e de todos que resistem ao
confinamento dos corpos
e criam
potência de vida. O corpo
carnavalizado (...) dono de si, é
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
aquele que escapa (...) ao
confinamento da existência como
projeto de desencanto e mera espera
da morte certa. O carnaval é o duelo
entre o corpo e a morte. (SIMAS,
2019, p. 110)
O corpo
teatral carnavalizado é
um corpo livre e consciente (mas o
que significa um corpo livre e
consciente? Livre do que? Consciente
de quê?), perturbador da ordem que
se pretende impor às ruas. Ao expor
nosso trabalho, nossa presença nas
ruas, reafirmamos um l
ugar político.
Um dos objetivos do ensino do teatro
na formação básica do sujeito é
justamente ir na contramão de
relações pré-
estabelecidas, mostrando
outras possibilidades de uso dos
corpos.
A escola ocidental, fundamentada no
ensino seriado e na fragmen
conteúdo, é geralmente normativa,
padroniza comportamentos e corpos.
E a diferença? A rua poderia resolver
isso. Se a escola normatiza, a rua
deveria ser o lugar capaz de permitir
o convívio entre os diferentes. (...)
Pedagogia infantil, insisto,
criança brincar e desenvolver
aptidões ludicamente. O resto é
formar gente triste para os currais do
mercado de trabalho. A criança
precisa da arrelia das brincadeiras, e
a humanização do mundo passa
como um espaço de folguedo, flozô e
furdunço -
pelo encantamento radical
da rua. (SIMAS, 2019, p. 134
Estendemos as considerações
de Luiz Antonio Simas para além das
crianças,
pois acreditamos que a
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
aquele que escapa (...) ao
confinamento da existência como
projeto de desencanto e mera espera
da morte certa. O carnaval é o duelo
entre o corpo e a morte. (SIMAS,
teatral carnavalizado é
um corpo livre e consciente (mas o
que significa um corpo livre e
consciente? Livre do que? Consciente
de quê?), perturbador da ordem que
se pretende impor às ruas. Ao expor
nosso trabalho, nossa presença nas
ugar político.
Um dos objetivos do ensino do teatro
na formação básica do sujeito é
justamente ir na contramão de
estabelecidas, mostrando
outras possibilidades de uso dos
A escola ocidental, fundamentada no
ensino seriado e na fragmen
tação de
conteúdo, é geralmente normativa,
padroniza comportamentos e corpos.
E a diferença? A rua poderia resolver
isso. Se a escola normatiza, a rua
deveria ser o lugar capaz de permitir
o convívio entre os diferentes. (...)
Pedagogia infantil, insisto,
é deixar a
criança brincar e desenvolver
aptidões ludicamente. O resto é
formar gente triste para os currais do
mercado de trabalho. A criança
precisa da arrelia das brincadeiras, e
a humanização do mundo passa
-
como um espaço de folguedo, flozô e
pelo encantamento radical
da rua. (SIMAS, 2019, p. 134
-136)
Estendemos as considerações
de Luiz Antonio Simas para além das
pois acreditamos que a
educação em todas as idades
necessite de encantamento
teatro é também espaço para o
em todas as idades, tomar conta. É
lugar de liberdade do corpo, do
convívio com o
outro, com o espaço.
Ser professora de teatro não significa
ensinar ninguém a ser ator. Significa
poder mostrar possibilidades outras de
estar no mundo. Não é "poder
outra pessoa", como ouvimos
diversas vezes, é poder ser a gente
mesmo.
Em uma educação para a
disciplinarização, é preciso ficar
sentado em uma mesma posição, sem
se mexer demais, sem deitar, sentar,
levantar, falar. Apenas na hora certa,
quando for solicitado. O ensino do
teatro, por permitir a exploração do
que pode um cor
po, transgride regras
e incomoda ambientes coercitivos
apenas pela sua existência.
Apesar das múltiplas
experiências dando aula na rua em
anos anteriores, o começo do trabalho
com essa turma foi muito difícil, e
quase sempre voltávamos das aulas
em desespe
ro. Muitas vezes,
absolutamente nada do nosso
planejamento era aproveitado, com o
sentimento de “
tudo deu errado” nos
dominando. Além dos narrados
41
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
educação em todas as idades
necessite de encantamento
. Aula de
teatro é também espaço para o
lúdico,
em todas as idades, tomar conta. É
lugar de liberdade do corpo, do
outro, com o espaço.
Ser professora de teatro não significa
ensinar ninguém a ser ator. Significa
poder mostrar possibilidades outras de
estar no mundo. Não é "poder
ser
outra pessoa", como ouvimos
diversas vezes, é poder ser a gente
Em uma educação para a
disciplinarização, é preciso ficar
sentado em uma mesma posição, sem
se mexer demais, sem deitar, sentar,
levantar, falar. Apenas na hora certa,
quando for solicitado. O ensino do
teatro, por permitir a exploração do
po, transgride regras
e incomoda ambientes coercitivos
apenas pela sua existência.
Apesar das múltiplas
experiências dando aula na rua em
anos anteriores, o começo do trabalho
com essa turma foi muito difícil, e
quase sempre voltávamos das aulas
ro. Muitas vezes,
absolutamente nada do nosso
planejamento era aproveitado, com o
tudo deu errado” nos
dominando. Além dos narrados
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
encontros com a PM, lidávamos com a
violência dos alunos entre eles
as dificuldades de constituir um
turma. Passamos então a
buscar parte
dos alunos em casa, desviando o
nosso caminho de chegada para
passar pela rua onde moram. Durante
muito tempo debatemos e nos
questionamos se isso contribuía para o
trabalho ou não, e até hoje não temos
uma resposta ú
nica e clara. Mas, ao
buscá-
los em casa criamos uma
turma, ainda que muito, muito fluida,
pois vários começavam a aula e iam
embora no meio, ou chegavam
atrasados. Havia também, claro, as
faltas por motivos diversos e as
aparições de um dia só, em geral de
crianças que estavam brincando na
praça quando chegávamos e quando
viam a movimentação vinham fazer a
aula. Com o tempo entendemos que o
nosso processo de
aprenderensinar
até mesmo aquilo
que fixamos como
conceito de aula, pode ser repensado
a parti
r do nosso encontro com essa
turma. Os caminhos de ida e volta não
eram
silenciosos e isentos de tensões,
eram também momentos em que
construíamos
conhecimentossignificações
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
encontros com a PM, lidávamos com a
violência dos alunos entre eles
e com
as dificuldades de constituir um
a
buscar parte
dos alunos em casa, desviando o
nosso caminho de chegada para
passar pela rua onde moram. Durante
muito tempo debatemos e nos
questionamos se isso contribuía para o
trabalho ou não, e até hoje não temos
nica e clara. Mas, ao
los em casa criamos uma
turma, ainda que muito, muito fluida,
pois vários começavam a aula e iam
embora no meio, ou chegavam
atrasados. Havia também, claro, as
faltas por motivos diversos e as
aparições de um dia só, em geral de
crianças que estavam brincando na
praça quando chegávamos e quando
viam a movimentação vinham fazer a
aula. Com o tempo entendemos que o
aprenderensinar
, e
que fixamos como
conceito de aula, pode ser repensado
r do nosso encontro com essa
turma. Os caminhos de ida e volta não
silenciosos e isentos de tensões,
eram também momentos em que
conhecimentossignificações
com eles.
Depois de alguns meses de
trabalho decidimos fazer uma aula
aberta que a
presentaríamos com eles,
e próximo à data que estipulamos
chegamos a uma frase que dizia muito
sobre nossas práticas. “Precisamos
estar preparadas para acontecer tudo,
inclusive para nada”. Mas o que é
“nada”? Nada do que planejamos,
nenhuma das expectativ
desejávamos depositar nos alunos.
Logo antes de seu duelo com
Laertes, Hamlet diz a Horácio que está
com um mau pressentimento. Esse
duelo virá a ser o de sua morte, mas
ele ainda não o sabe. Horácio pede
que o amigo respeite sua intuição, mas
Haml
et responde que o que tiver de
acontecer, acontecerá de qualquer
forma, e sentencia: “estar preparado é
tudo” (SHAKESPEARE, 1988, p. 613).
Assim como Hamlet, é preciso estar
preparado quando entramos em sala
de aula, para tudo que acontecerá,
principalment
e para a morte das
nossas expectativas.
Em
Jogos teatrais
Koudela, professora e pesquisadora
da pedagogia do teatro, afirma que:
O teatro, enquanto proposta de
educação, trabalha com o potencial
que todas as pessoas possuem,
transformando esse recu
em um processo consciente de
42
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
Depois de alguns meses de
trabalho decidimos fazer uma aula
presentaríamos com eles,
e próximo à data que estipulamos
chegamos a uma frase que dizia muito
sobre nossas práticas. “Precisamos
estar preparadas para acontecer tudo,
inclusive para nada”. Mas o que é
“nada”? Nada do que planejamos,
nenhuma das expectativ
as que
desejávamos depositar nos alunos.
Logo antes de seu duelo com
Laertes, Hamlet diz a Horácio que está
com um mau pressentimento. Esse
duelo virá a ser o de sua morte, mas
ele ainda não o sabe. Horácio pede
que o amigo respeite sua intuição, mas
et responde que o que tiver de
acontecer, acontecerá de qualquer
forma, e sentencia: “estar preparado é
tudo” (SHAKESPEARE, 1988, p. 613).
Assim como Hamlet, é preciso estar
preparado quando entramos em sala
de aula, para tudo que acontecerá,
e para a morte das
Jogos teatrais
, Ingrid
Koudela, professora e pesquisadora
da pedagogia do teatro, afirma que:
O teatro, enquanto proposta de
educação, trabalha com o potencial
que todas as pessoas possuem,
transformando esse recu
rso natural
em um processo consciente de
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
expressão e comunicação. A
representação ativa e integra
processos individuais, possibilitando
a ampliação do conhecimento da
realidade. (KOUDELA, 2009, p. 78)
A ideia de que o teatro é um
recurso natural de todos
humanos e que ao professor cabe o
papel de potencializador do aluno
aparece também em Boal:
O Teatro do Oprimido
, em todas as
suas formas, busca sempre a
transformação da sociedade no
sentido da libertação dos oprimidos.
É ação em si mesmo, e é pr
para ações futuras. “Não basta
interpretar a realidade: é necessário
transformá-la!”
disse Marx, com
admirável simplicidade. (BOAL,
2010, p. 19)
As reflexões de Boal, que
apontam o teatro como forma de
emancipação do ser humano,
encontram as de
Paulo Freire, que traz
a emancipação do sujeito pela
educação:
Por isso mesmo pensar certo coloca
ao professor ou, mais amplamente, à
escola, o dever de não só respeitar
os saberes com que os educandos,
sobretudo os das classes populares,
chegam a ela s
aberes socialmente
construídos na prática comunitária
mas também, como mais de trinta
anos venho sugerindo, discutir com
os alunos a razão de ser de alguns
desses saberes em relação com o
ensino dos conteúdos.(...)Por que
não discutir com os alunos a
realidade concreta a que se deva
associar a disciplina cujo conteúdo
se ensina, a realidade agressiva em
que a violência é a constante e a
convivência das pessoas é muito
maior com a morte do que com a
vida? (FREIRE, 1998, p.33)
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
expressão e comunicação. A
representação ativa e integra
processos individuais, possibilitando
a ampliação do conhecimento da
realidade. (KOUDELA, 2009, p. 78)
A ideia de que o teatro é um
recurso natural de todos
os seres
humanos e que ao professor cabe o
papel de potencializador do aluno
, em todas as
suas formas, busca sempre a
transformação da sociedade no
sentido da libertação dos oprimidos.
É ação em si mesmo, e é pr
eparação
para ações futuras. “Não basta
interpretar a realidade: é necessário
disse Marx, com
admirável simplicidade. (BOAL,
As reflexões de Boal, que
apontam o teatro como forma de
emancipação do ser humano,
Paulo Freire, que traz
a emancipação do sujeito pela
Por isso mesmo pensar certo coloca
ao professor ou, mais amplamente, à
escola, o dever de não só respeitar
os saberes com que os educandos,
sobretudo os das classes populares,
aberes socialmente
construídos na prática comunitária
mas também, como mais de trinta
anos venho sugerindo, discutir com
os alunos a razão de ser de alguns
desses saberes em relação com o
ensino dos conteúdos.(...)Por que
não discutir com os alunos a
realidade concreta a que se deva
associar a disciplina cujo conteúdo
se ensina, a realidade agressiva em
que a violência é a constante e a
convivência das pessoas é muito
maior com a morte do que com a
vida? (FREIRE, 1998, p.33)
Dessa forma, os alunos e s
produção artística, intelectual e cultural
aparecem como sujeitos ativos. Como
aponta Marina Henriques Coutinho em
seu livro
A favela como palco e
personagem
, no qual faz uma análise
das políticas sociais e culturais
implementadas em comunidades ao
long
o das últimas décadas, “(...) a
noção de participação foi adotada
pelas políticas desenvolvimentistas,
mas, em muitos casos, serviu mais
como um discurso conivente; bem
longe da práxis
eficiente, na qual
acreditava Paulo Freire.” (COUTINHO,
2012, p. 135).
beneficiados pelos programas sociais
como manequins em vitrines, tal qual
as alterações urbanas que abordamos
no início desse artigo, essas políticas
contribuem mais para manter a ordem
vigente do que para questioná
A efetiva presença da po
defendida pelos dois brasileiros [Boal
e Freire] depende das intenções do
“projeto”. E elas podem variar:
algumas comprometidas com a
verdadeira interação entre as
pessoas, o questionamento da
realidade e a necessidade de
mudança; outras, fruto de a
mais ocultas, servindo como
instrumento para objetivos ilusórios e
sem qualquer impacto na vida das
pessoas. (COUTINHO, 2012, p.136)
43
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
Dessa forma, os alunos e s
ua
produção artística, intelectual e cultural
aparecem como sujeitos ativos. Como
aponta Marina Henriques Coutinho em
A favela como palco e
, no qual faz uma análise
das políticas sociais e culturais
implementadas em comunidades ao
o das últimas décadas, “(...) a
noção de participação foi adotada
pelas políticas desenvolvimentistas,
mas, em muitos casos, serviu mais
como um discurso conivente; bem
eficiente, na qual
acreditava Paulo Freire.” (COUTINHO,
2012, p. 135).
Tomando os
beneficiados pelos programas sociais
como manequins em vitrines, tal qual
as alterações urbanas que abordamos
no início desse artigo, essas políticas
contribuem mais para manter a ordem
vigente do que para questioná
-la:
A efetiva presença da po
lítica
defendida pelos dois brasileiros [Boal
e Freire] depende das intenções do
“projeto”. E elas podem variar:
algumas comprometidas com a
verdadeira interação entre as
pessoas, o questionamento da
realidade e a necessidade de
mudança; outras, fruto de a
gendas
mais ocultas, servindo como
instrumento para objetivos ilusórios e
sem qualquer impacto na vida das
pessoas. (COUTINHO, 2012, p.136)
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
Assim, pretendíamos construir
uma relação com a turma na rua que
não se baseasse em pressupostos e
preconceitos, ma
s que estivesse
aberta à possibilidade de mudança e
transformação, entendendo que o
lugar do professor não pode passar
por uma hierarquia pré-
fundamentada
em relação aos alunos. Se para Boal o
papel do teatro é transformador, é
preciso fazer disso uma cons
apenas um objetivo salvador do outro,
mas de nós mesmos.
Mas não foi em Boal que
encontramos um caminho para os
problemas que enfrentávamos. Quem
nos valeu foi Beatriz Ângela Cabral e o
Drama como método de ensino
Chegando próximo à nossa aula
aberta
as duas professoras tinham a
sensação de que nada tinha
acontecido em todos aqueles meses,
quase um ano de trabalho, e que de
professoras de teatro tínhamos
passado a babás das crianças, que
queriam correr no p
arquinho em todas
as aulas e não tinham nenhum
interesse no que estávamos propondo.
Em um dia especialmente confuso, em
que elas não nos ouviam, corriam para
todo lado e se batiam a cada minuto,
gritamos um “chega, acabou a aula,
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
Assim, pretendíamos construir
uma relação com a turma na rua que
não se baseasse em pressupostos e
s que estivesse
aberta à possibilidade de mudança e
transformação, entendendo que o
lugar do professor não pode passar
fundamentada
em relação aos alunos. Se para Boal o
papel do teatro é transformador, é
preciso fazer disso uma cons
tante: não
apenas um objetivo salvador do outro,
Mas não foi em Boal que
encontramos um caminho para os
problemas que enfrentávamos. Quem
nos valeu foi Beatriz Ângela Cabral e o
Drama como método de ensino
(2006).
Chegando próximo à nossa aula
as duas professoras tinham a
sensação de que nada tinha
acontecido em todos aqueles meses,
quase um ano de trabalho, e que de
professoras de teatro tínhamos
passado a babás das crianças, que
arquinho em todas
as aulas e não tinham nenhum
interesse no que estávamos propondo.
Em um dia especialmente confuso, em
que elas não nos ouviam, corriam para
todo lado e se batiam a cada minuto,
gritamos um “chega, acabou a aula,
vamos embora”. A resposta
“mas já, tia? A gente nem fez aula”.
Bom, não tinham feito mesmo. Mas ali
descobrimos que eles percebiam isso,
que sabiam diferenciar o que era a
nossa aula com eles e o que era a
brincadeira entre eles.
Foi a partir dos usos do espaço
que fomos
construindo nossas trocas
na Praça da Marquês com as crianças.
E um dia encontramos um aluno que
tinha parado de frequentar as aulas de
teatro. Perguntamos por onde ele
andava, que ele era um dos mais
interessados, sempre. Ele disse que
nos dias da aul
a de teatro ele tinha
passado a ir em um outro projeto
social que atua na Providência, estava
fazendo aulas de futebol. “Mas que
horas é a aula lá?”“18h.”“Ah, então.
Nossa aula é às 17h, é tão pertinho,
você pode ficar aqui com a gente um
pouco e depois ir
para lá.” “Não dá, tia.
não pode atrasar. Se atrasar tem
que correr 10 vezes em volta da
quadra. E se atrasar várias vezes não
pode mais entrar. Lá é para quem
quer.”
“Lá é para quem quer” soou
estranho. O que isso significa? Anos
antes, em outra
s ocasiões,
havíamos feito algo semelhante,
44
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
vamos embora”. A resposta
deles foi:
“mas já, tia? A gente nem fez aula”.
Bom, não tinham feito mesmo. Mas ali
descobrimos que eles percebiam isso,
que sabiam diferenciar o que era a
nossa aula com eles e o que era a
brincadeira entre eles.
Foi a partir dos usos do espaço
construindo nossas trocas
na Praça da Marquês com as crianças.
E um dia encontramos um aluno que
tinha parado de frequentar as aulas de
teatro. Perguntamos por onde ele
andava, que ele era um dos mais
interessados, sempre. Ele disse que
a de teatro ele tinha
passado a ir em um outro projeto
social que atua na Providência, estava
fazendo aulas de futebol. “Mas que
horas é a aula lá?”“18h.”“Ah, então.
Nossa aula é às 17h, é tão pertinho,
você pode ficar aqui com a gente um
para lá.” “Não dá, tia.
não pode atrasar. Se atrasar tem
que correr 10 vezes em volta da
quadra. E se atrasar várias vezes não
pode mais entrar. Lá é para quem
“Lá é para quem quer” soou
estranho. O que isso significa? Anos
s ocasiões,
nós
havíamos feito algo semelhante,
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
limitando o número de faltas dos
alunos. Quando uma porta para
fechar existe um poder, mas quando
se está na rua esse poder é
retirado.Afinal, não somos donas da
rua. Ali, a aula é para quem veio ver a
aula e para quem estiver passando.
Todos que estiverem ali ouvindo estão
tendo aula também. Se houver atraso
fará aula, se não vier um mês e depois
aparecer de novo fará aula. Mas como
nós professoras lidamos em uma
mesma turma com quem vem a todos
os enco
ntros e com quem some dois
meses, aparece um dia, some mais
dois meses? O que se constrói? É
possível ter um trabalho continuado?
O poder não está mais na porta, e
agora? Em Andrade e Caldas (2017),
no artigo
Barulho de escola entre
grades e muros: o que é
escola?
, elas mostram que os muros
da escola são lidos como proteção por
uns e cerceamento da liberdade por
outros, e mostram as táticas dos
estudantes para subverter a lógica dos
muros e das grades. Andrade narra o
momento em que
percebeu “q
bastava abrir cadeados ou desfazer as
grades. Era preciso produzir novas
relações, mais emancipatórias, menos
opressoras, com mais protagonismo e
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
limitando o número de faltas dos
alunos. Quando uma porta para
fechar existe um poder, mas quando
se está na rua esse poder é
retirado.Afinal, não somos donas da
rua. Ali, a aula é para quem veio ver a
aula e para quem estiver passando.
Todos que estiverem ali ouvindo estão
tendo aula também. Se houver atraso
fará aula, se não vier um mês e depois
aparecer de novo fará aula. Mas como
nós professoras lidamos em uma
mesma turma com quem vem a todos
ntros e com quem some dois
meses, aparece um dia, some mais
dois meses? O que se constrói? É
possível ter um trabalho continuado?
O poder não está mais na porta, e
agora? Em Andrade e Caldas (2017),
Barulho de escola entre
ser livre na
, elas mostram que os muros
da escola são lidos como proteção por
uns e cerceamento da liberdade por
outros, e mostram as táticas dos
estudantes para subverter a lógica dos
muros e das grades. Andrade narra o
percebeu “q
ue não
bastava abrir cadeados ou desfazer as
grades. Era preciso produzir novas
relações, mais emancipatórias, menos
opressoras, com mais protagonismo e
menos proteção para que pudéssemos
romper de fato com as grades.”
Chorando no transporte público depois
de um dia de aula especialmente
exaustivo, também começávamos a
perceber que algo na nossa relação
com aqueles alunos precisava mudar.
Para que alguma coisa relevante
ocorra, é preciso criar um espaço
vazio. O espaço vazio permite que
surja um fenômeno no
tudo que diz respeito ao conteúdo,
significado, expressão, linguagem e
música pode existir se a
experiência for nova e original. Mas
nenhuma experiência nova e original
é possível se não houver um espaço
puro, virgem, pronto para recebê
Posso escolher qualquer espaço
vazio e considerá
Um homem atravessa este espaço
vazio enquanto outro o observa, e
isso é suficiente para criar uma ação
cênica. (BROOK, 2011, p. 4)
Embora voltado para atores e
diretores,
A porta aberta
Brook, diretor de teatro, mostrou
algumas reflexões possíveis. O espaço
vazio de Brook traz a lembrança de
que, para o teatro acontecer, o que
menos importa é o edifício teatral. O
nosso teatro acontecia a cada vez que
criávamos na praça um espaço va
Aliando essa perspectiva ao que
trazíamos do
Drama como método
nossas aulas ficaram mais leves,
nossa relação com os alunos se
aprofundou e eles começaram a nos
45
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
menos proteção para que pudéssemos
romper de fato com as grades.”
Chorando no transporte público depois
de um dia de aula especialmente
exaustivo, também começávamos a
perceber que algo na nossa relação
com aqueles alunos precisava mudar.
Para que alguma coisa relevante
ocorra, é preciso criar um espaço
vazio. O espaço vazio permite que
surja um fenômeno no
vo, porque
tudo que diz respeito ao conteúdo,
significado, expressão, linguagem e
música pode existir se a
experiência for nova e original. Mas
nenhuma experiência nova e original
é possível se não houver um espaço
puro, virgem, pronto para recebê
-la.
Posso escolher qualquer espaço
vazio e considerá
-lo um palco nu.
Um homem atravessa este espaço
vazio enquanto outro o observa, e
isso é suficiente para criar uma ação
cênica. (BROOK, 2011, p. 4)
Embora voltado para atores e
A porta aberta
, de Peter
Brook, diretor de teatro, mostrou
algumas reflexões possíveis. O espaço
vazio de Brook traz a lembrança de
que, para o teatro acontecer, o que
menos importa é o edifício teatral. O
nosso teatro acontecia a cada vez que
criávamos na praça um espaço va
zio.
Aliando essa perspectiva ao que
Drama como método
,
nossas aulas ficaram mais leves,
nossa relação com os alunos se
aprofundou e eles começaram a nos
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
esperar na porta de casa para a aula
de terça-feira.
O
Drama como método de
ensino foi cr
iado na Inglaterra e
chegou ao Brasil por meio do livro
homônimo de Beatriz Ângela Cabral.
Essa metodologia surge como um
contraponto ao “teatro tradicional” feito
nas escolas, em geral muito baseada
no sistema de Stanislavski, e avalia
professores e aluno
s por uma
apresentação final previamente
ensaiada. No drama como método
(entendendo por drama o próprio fazer
teatral, a criação de uma dramaturgia),
o foco está na criação do cotidiano da
sala de aula, em que os próprios
alunos desenvolvem uma história.
A
ssim, jogos teatrais e conteúdos do
ensino do teatro são inseridos dentro
de uma narrativa criada pelos alunos,
coletivamente. Ali na praça com os
nossos pequenos Nômades, o
ia muito além dos alunos, envolvendo
e fazendo rizoma (DELEUZE, 1997)
com os
brinquedos da praça, com
quem estivesse passando, com a
quadra de futebol. Não havia quarta
parede a ser quebrada, porque não
havia mais muros, não havia dentro e
fora.
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
esperar na porta de casa para a aula
Drama como método de
iado na Inglaterra e
chegou ao Brasil por meio do livro
homônimo de Beatriz Ângela Cabral.
Essa metodologia surge como um
contraponto ao “teatro tradicional” feito
nas escolas, em geral muito baseada
no sistema de Stanislavski, e avalia
s por uma
apresentação final previamente
ensaiada. No drama como método
(entendendo por drama o próprio fazer
teatral, a criação de uma dramaturgia),
o foco está na criação do cotidiano da
sala de aula, em que os próprios
alunos desenvolvem uma história.
ssim, jogos teatrais e conteúdos do
ensino do teatro são inseridos dentro
de uma narrativa criada pelos alunos,
coletivamente. Ali na praça com os
nossos pequenos Nômades, o
Drama
ia muito além dos alunos, envolvendo
e fazendo rizoma (DELEUZE, 1997)
brinquedos da praça, com
quem estivesse passando, com a
quadra de futebol. Não havia quarta
parede a ser quebrada, porque não
havia mais muros, não havia dentro e
Quando começamos a trabalhar
para a nossa aula aberta, ou seja,
costurar os fragmentos
vínhamos criando, dois irmãos nos
chamaram a atenção. Ambos estavam
sempre pela praça, muitas vezes
vinham lanchar com a gente no início
das aulas, mas poucas vezes
participavam do que estávamos
propondo como jogo. Um deles, no
início no n
osso processo com a turma,
tinha passado a aula rondando o
grupo, caçoando
do trabalho que
fazíamos e batendo nos mais novos.
Ao final, quando propusemos uma
atividade de desenho coletivo em uma
cartolina, ele pediu um lápis.
Desenhou um pênis enorme no me
da folha e foi embora, deixando as
crianças chorando porque o desenho
delas estava arruinado. Um dia,
estávamos construindo uma parte da
nossa dramaturgia em que s, como
marinheiros, desembarcávamos em
uma ilha, a praça. Um dos irmãos
estava no alto d
e um escorrega,
observando de longe. Apontamos para
ele: “marinheiros, ali está o castelo do
rei que estamos procurando! Vamos
falar com o rei.” Fomos até ele e
desenvolvemos uma cena de
improvisação dos marinheiros com o
46
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
Quando começamos a trabalhar
para a nossa aula aberta, ou seja,
costurar os fragmentos
de história que
vínhamos criando, dois irmãos nos
chamaram a atenção. Ambos estavam
sempre pela praça, muitas vezes
vinham lanchar com a gente no início
das aulas, mas poucas vezes
participavam do que estávamos
propondo como jogo. Um deles, no
osso processo com a turma,
tinha passado a aula rondando o
do trabalho que
fazíamos e batendo nos mais novos.
Ao final, quando propusemos uma
atividade de desenho coletivo em uma
cartolina, ele pediu um lápis.
Desenhou um pênis enorme no me
io
da folha e foi embora, deixando as
crianças chorando porque o desenho
delas estava arruinado. Um dia,
estávamos construindo uma parte da
nossa dramaturgia em que s, como
marinheiros, desembarcávamos em
uma ilha, a praça. Um dos irmãos
e um escorrega,
observando de longe. Apontamos para
ele: “marinheiros, ali está o castelo do
rei que estamos procurando! Vamos
falar com o rei.” Fomos até ele e
desenvolvemos uma cena de
improvisação dos marinheiros com o
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
rei. Nesse dia, ele veio pergun
poderia ter uma coroa. E nunca mais
deixou de fazer uma aula, assim como
seu irmão, que no dia em que
trouxemos a coroa (explicamos que
seria uma coroa para todos e todos
poderiam usar em algum momento, ao
que ele respondeu: “tudo bem, tia,
todo mun
do pode usar a coroa, eu sei
que o rei sou eu”), colocou na cabeça,
no alto do escorrega, e abriu o
primeiro sorriso que o havíamos visto
dar durante todo o ano. Quando
explicamos que depois da aula aberta
entraríamos de férias, os dois irmãos
se revoltara
m, dizendo que não tinha
motivo para entrar de férias e que
além disso a “apresentação” estava
muito curta.
A narrativa do rei no alto do
escorrega fala das táticas que nós
usávamos no momento oportuno
(CERTEAU, 1994
) para ampliar as
redes educativas que ali se davam.
Era no fazer e refazer constante do
nosso planejamento que íamos
formando os currículos do nosso
ensino ali, no qual como professoras
tínhamos mais liberdade do que
nunca. Nossa liberdade era tanta, que
não tínhamos nem mesmo um tempo
de aula definido, ela durava o tempo
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
rei. Nesse dia, ele veio pergun
tar se
poderia ter uma coroa. E nunca mais
deixou de fazer uma aula, assim como
seu irmão, que no dia em que
trouxemos a coroa (explicamos que
seria uma coroa para todos e todos
poderiam usar em algum momento, ao
que ele respondeu: “tudo bem, tia,
do pode usar a coroa, eu sei
que o rei sou eu”), colocou na cabeça,
no alto do escorrega, e abriu o
primeiro sorriso que o havíamos visto
dar durante todo o ano. Quando
explicamos que depois da aula aberta
entraríamos de férias, os dois irmãos
m, dizendo que não tinha
motivo para entrar de férias e que
além disso a “apresentação” estava
A narrativa do rei no alto do
escorrega fala das táticas que nós
usávamos no momento oportuno
) para ampliar as
redes educativas que ali se davam.
Era no fazer e refazer constante do
nosso planejamento que íamos
formando os currículos do nosso
ensino ali, no qual como professoras
tínhamos mais liberdade do que
nunca. Nossa liberdade era tanta, que
não tínhamos nem mesmo um tempo
de aula definido, ela durava o tempo
que conseguíssemos sustentar uma
relação de prazer e
aprendizagemensino.
No dia da aula aberta, apesar
de termos preparado tudo, comprado
material, criado figurinos e adereços,
chegamos n
a praça sem saber o que
ia acontecer. Os nossos alunos iriam?
Outras crianças estariam lá? Elas iriam
querer se apresentar ou estariam
naqueles dias em que queriam
correr, gritar e bater uns nos outros? A
aula aberta foi muito melhor do que
jamais poder
íamos imaginar. Havia
uma tranquilidade nunca antes
vista.Saímos de lá achando que, agora
sim, tínhamos uma turma unida,
presente, com desejo no teatro. Na
aula seguinte, nossa última antes das
férias, a praça parecia um filme de
apocalipse. s gritávamos
corriam, o planejamento estava no
chão. O jogo nunca está ganho.
Começamos a arrumar as coisas
arrasadas, quando algumas meninas
mais velhas, que tinham passado a
aula aberta caçoando dos menores,
vieram falar com a gente que no ano
seguinte seriam
queriam fazer teatro. O jogo também
nunca está perdido.
47
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
que conseguíssemos sustentar uma
relação de prazer e
No dia da aula aberta, apesar
de termos preparado tudo, comprado
material, criado figurinos e adereços,
a praça sem saber o que
ia acontecer. Os nossos alunos iriam?
Outras crianças estariam lá? Elas iriam
querer se apresentar ou estariam
naqueles dias em que queriam
correr, gritar e bater uns nos outros? A
aula aberta foi muito melhor do que
íamos imaginar. Havia
uma tranquilidade nunca antes
vista.Saímos de lá achando que, agora
sim, tínhamos uma turma unida,
presente, com desejo no teatro. Na
aula seguinte, nossa última antes das
férias, a praça parecia um filme de
apocalipse. s gritávamos
, eles
corriam, o planejamento estava no
chão. O jogo nunca está ganho.
Começamos a arrumar as coisas
arrasadas, quando algumas meninas
mais velhas, que tinham passado a
aula aberta caçoando dos menores,
vieram falar com a gente que no ano
seguinte seriam
nossas alunas,
queriam fazer teatro. O jogo também
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
Quando, depois das férias de
fim de ano, o Nômade retornou às
aulas em janeiro, fomos surpreendidos
pela ansiedade deles em voltar para
as aulas de teatro. Quando foi pedido
que eles su
bissem em um dos
brinquedos da praça para começarmos
a aula, um aluno de quatro anos disse
“vamos subir no barco!”. Na nossa
aula aberta, meses antes, quando
criamos a história dos marinheiros que
encontravam o rei, os jogos que
criamos nos levaram a estab
dos brinquedos como o barco dos
marinheiros. Esse reconhecimento
lembra o de uma outra aluna, que no
dia da aula aberta olhou o mural que
montamos com a exposição de
trabalhos feitos por eles ao longo
ano
e disse: “tia, aqui tem desenhos
meus”
. Ela apontou, no mar de
desenhos, colagens e pinturas, os que
ela havia feito e ainda disse em que
aula, como: “Esse aqui é o Minotauro.”
“Esse foi na aula do mar.”
Esses dois momentos mostram
que uma memória sendo produzida
nos nossos encontros. A pra
naquele momento, palco, ilha
encantada, sala de aula, mar aberto,
galeria de arte. A relação estabelecida
com o espaço urbano, habitado pelos
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
Quando, depois das férias de
fim de ano, o Nômade retornou às
aulas em janeiro, fomos surpreendidos
pela ansiedade deles em voltar para
as aulas de teatro. Quando foi pedido
bissem em um dos
brinquedos da praça para começarmos
a aula, um aluno de quatro anos disse
“vamos subir no barco!”. Na nossa
aula aberta, meses antes, quando
criamos a história dos marinheiros que
encontravam o rei, os jogos que
criamos nos levaram a estab
elecer um
dos brinquedos como o barco dos
marinheiros. Esse reconhecimento
lembra o de uma outra aluna, que no
dia da aula aberta olhou o mural que
montamos com a exposição de
trabalhos feitos por eles ao longo
do
e disse: “tia, aqui tem desenhos
. Ela apontou, no mar de
desenhos, colagens e pinturas, os que
ela havia feito e ainda disse em que
aula, como: “Esse aqui é o Minotauro.”
Esses dois momentos mostram
que uma memória sendo produzida
nos nossos encontros. A pra
ça é,
naquele momento, palco, ilha
encantada, sala de aula, mar aberto,
galeria de arte. A relação estabelecida
com o espaço urbano, habitado pelos
moradores a partir de diversos usos
criados nos cotidianos, transforma
território em terreiro (SIMAS, 2019),
espaço encantado de
conhecimentossignificações
portuária vem sendo parte de uma
cidade em constante disputa, desde
suas primeiras ocupações, passando
pelo Porto Cultural e chegando aos
dias de hoje com ações como o
Viaduto Literário e Projeto Teat
Nômade.
Historicamente, as estratégias
usadas pelo poder público para uma
apropriação do porto e das praças do
Rio de Janeiro têm contribuído para
um violento apartamento entre
moradores e seu território, apagando
direitos e pertencimentos. Por isso, se
faz importante pensar as ruas da
cidade como possíveis espaços
educativos a partir dos usos que os
próprios moradores fazem.
Referências bibliográficas
ABREU, Maurício de Almeida.
Evolução Urbana do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro: IPP, 1988.
ABREU, Maurí
cio de; VAZ, Lilian
Fessler. Sobre a origem das favelas.
Anais do IV Encontro Nacional da
ANPUR
, Salvador, 1991, p. 481
ANDRADE, Nívea; CALDAS,
Alessandra Nunes. Barulho de escola
48
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
moradores a partir de diversos usos
criados nos cotidianos, transforma
território em terreiro (SIMAS, 2019),
espaço encantado de
conhecimentossignificações
. A zona
portuária vem sendo parte de uma
cidade em constante disputa, desde
suas primeiras ocupações, passando
pelo Porto Cultural e chegando aos
dias de hoje com ações como o
Viaduto Literário e Projeto Teat
ro
Historicamente, as estratégias
usadas pelo poder público para uma
apropriação do porto e das praças do
Rio de Janeiro têm contribuído para
um violento apartamento entre
moradores e seu território, apagando
direitos e pertencimentos. Por isso, se
faz importante pensar as ruas da
cidade como possíveis espaços
educativos a partir dos usos que os
próprios moradores fazem.
Referências bibliográficas
ABREU, Maurício de Almeida.
Evolução Urbana do Rio de Janeiro
.
Rio de Janeiro: IPP, 1988.
cio de; VAZ, Lilian
Fessler. Sobre a origem das favelas.
Anais do IV Encontro Nacional da
, Salvador, 1991, p. 481
-492.
ANDRADE, Nívea; CALDAS,
Alessandra Nunes. Barulho de escola
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
entre grades e muros: o que é ser livre
na escola?
Revista Educação e
Realidade
, v.42, nº 2, 2017. Disponível
em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=
sci_arttext&pid=S2175-
62362017000200495&lng=pt&nrm=iso
&tlng=pt
. Acesso em: 02 jan. 2020
ANJOS, Ana Maria de la Merced
Gonzalez Grana Guimarães dos.
Entrevista concedida a João Guerreiro
Rio de Janeiro, 07 de janeiro de 2013.
ATHAYDE, Antonio Carlos.
da Exposição Africanos novos na
Gamboa: um portal
arqueológico
de Janeiro, Arquivo Geral da Cidade
do Rio de Janeiro, 2001, 32 p.
Disponível em:
http://www0.rio.rj.gov.br/arquivo/pdf/cat
alogo_exp_pdf/africanos_gamboa.pdf.
Acesso em: 25 mar. 2013.
BENCHIMOL, Jaime.
Pereira Passos,
um Haussmann tropical
transformações urbanas na cidade do
Rio de Janeiro no início do século XX
2 v. Dissertação (Mestrado em
Planejamento Urbano e Regional).
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 1982.
BOAL, Augusto.
Jogos para atores e
não-atores
. Rio de Janeiro: Civi
Brasileira, 2011.
BOAL, Augusto.
Teatro do oprimido e
outras poéticas políticas
Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
BROOK, Peter.
A porta aberta
Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
CABRAL, Beatriz Ângela Vieira.
Drama como mét
odo de ensino
Paulo: Hucitec, 2006.
CERTEAU, Michel de.
A invenção do
cotidiano
: 1. Artes de fazer. Rio de
Janeiro: Vozes, 2014.
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
entre grades e muros: o que é ser livre
Revista Educação e
, v.42, nº 2, 2017. Disponível
http://www.scielo.br/scielo.php?script=
62362017000200495&lng=pt&nrm=iso
. Acesso em: 02 jan. 2020
ANJOS, Ana Maria de la Merced
Gonzalez Grana Guimarães dos.
Entrevista concedida a João Guerreiro
.
Rio de Janeiro, 07 de janeiro de 2013.
ATHAYDE, Antonio Carlos.
Catálogo
da Exposição Africanos novos na
arqueológico
.Rio
de Janeiro, Arquivo Geral da Cidade
do Rio de Janeiro, 2001, 32 p.
Disponível em:
http://www0.rio.rj.gov.br/arquivo/pdf/cat
alogo_exp_pdf/africanos_gamboa.pdf.
Pereira Passos,
um Haussmann tropical
: as
transformações urbanas na cidade do
Rio de Janeiro no início do século XX
.
2 v. Dissertação (Mestrado em
Planejamento Urbano e Regional).
Universidade Federal do Rio de
Jogos para atores e
. Rio de Janeiro: Civi
lização
Teatro do oprimido e
outras poéticas políticas
. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
A porta aberta
. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
CABRAL, Beatriz Ângela Vieira.
odo de ensino
. São
A invenção do
: 1. Artes de fazer. Rio de
COUTINHO, Marina Henriques.
favela como palco e personagem
Petrópolis: DP et Alii/FAPERJ, 2012.
DE PAULA, Richard N. Semente de
favela: jornalistas e o espaço urbano
da capital federal nos primeiros anos
da República: o caso do Cabeça de
Porco.
Revista Eletrônica de História
do Brasil, 6(1), p. 36-
53, 2004.
DELEUZE, Gilles; GUATARI, Félix.
platôs
. São Paulo: Editora 34, 1997.
FERRARA, Lucrecia D'Alessio.
Cidade
. São Paulo: Nobel, 1988.
FREIRE, Paulo.
autonomia
. São Paulo: Paz e Terra,
1998.
GILROY, Paul.
O Atlântico Negro:
modernidade e dupla consciência
de Janeiro: Ed. 34, 200
GUERREIRO, João.
é a periferia: dinâmica cultural na
região portuária do Rio de Janeiro
Tese (Doutorado em Serviço Social).
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 2013.
KOUDELA, Ingrid Dormien.
teatrais
. São Paulo: Perspectiva, 2
LAMARÃO, Sérgio.
Dos trapiches ao
porto: uma contribuição ao estudo da
produção da área portuária do Rio de
Janeiro.
Dissertação (Mestrado em
Planejamento Urbano e Regional).
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 1984.
MELLO, Fernando Fernandes de.
zona portuária do Rio de Janeiro:
antecedentes e perspectivas
Dissertação. (Mestrado em
Planejamento Urbano e Regional).
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 2003.
SHAKESPARE, William.
completa
. Volume 1. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1988.
49
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
COUTINHO, Marina Henriques.
A
favela como palco e personagem
.
Petrópolis: DP et Alii/FAPERJ, 2012.
DE PAULA, Richard N. Semente de
favela: jornalistas e o espaço urbano
da capital federal nos primeiros anos
da República: o caso do Cabeça de
Revista Eletrônica de História
53, 2004.
DELEUZE, Gilles; GUATARI, Félix.
Mil
. São Paulo: Editora 34, 1997.
FERRARA, Lucrecia D'Alessio.
A
. São Paulo: Nobel, 1988.
FREIRE, Paulo.
Pedagogia da
. São Paulo: Paz e Terra,
O Atlântico Negro:
modernidade e dupla consciência
. Rio
de Janeiro: Ed. 34, 200
2.
GUERREIRO, João.
Quando o centro
é a periferia: dinâmica cultural na
região portuária do Rio de Janeiro
.
Tese (Doutorado em Serviço Social).
Universidade Federal do Rio de
KOUDELA, Ingrid Dormien.
Jogos
. São Paulo: Perspectiva, 2
009.
Dos trapiches ao
porto: uma contribuição ao estudo da
produção da área portuária do Rio de
Dissertação (Mestrado em
Planejamento Urbano e Regional).
Universidade Federal do Rio de
MELLO, Fernando Fernandes de.
A
zona portuária do Rio de Janeiro:
antecedentes e perspectivas
.
Dissertação. (Mestrado em
Planejamento Urbano e Regional).
Universidade Federal do Rio de
SHAKESPARE, William.
Obra
. Volume 1. Rio de Janeiro:
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
como espaços de educação. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 11, n. 20
, p.
SIMAS
, Luiz Antônio.
encantado das ruas
. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2019.
ZYLBERBERG, Sonia (coord.).
da Providência:
memórias da "favella"
Rio de Janeiro, Secretaria Municipal
de Cultura, Turismo e Esportes,
Departamento Geral de
Do
cumentação e Informação Cultural
(Coleção Memória das Favelas, vol.1).
1992.
GUERREIRO, João; REIS, Luísa. Porto, praça e palco: as ruas da cidade
Revista Latino
-Americana de
, p.
28-50, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
, Luiz Antônio.
O corpo
. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2019.
ZYLBERBERG, Sonia (coord.).
Morro
memórias da "favella"
.
Rio de Janeiro, Secretaria Municipal
de Cultura, Turismo e Esportes,
Departamento Geral de
cumentação e Informação Cultural
(Coleção Memória das Favelas, vol.1).
50
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")