DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 20
, p.
109
-
13
, março 202
"Quem Sabe de Mim Sou Eu"
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade
DOI:
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v11i20.45794
Resumo:
O presente artigo propõe uma reflexão teórico
acumulada no âmbito de um projeto universitário de caráter extensionista que, ao longo dos últimos
oito
anos, promove atividades voltadas para jovens em situação de vulnerabilidade social. Ao
apresentar as ferramentas usadas e refletir sobre as questões e desafios enfrentados, buscamos
desenvolver uma metodologia que seja capaz de acessar esses jovens. Nossa
é possível articular práticas culturais e ferramentas comunicacionais, capazes de contribuir para um
processo de subjetivação emancipador, com a finalidade de desarmar “profecias auto
comuns às trajetórias desses joven
trazer para o plano do visível a experiência, a memória, a corporalidade e a fala como possibilidades
de expressão das subjetividades singulares desses jovens, ainda assim constantemente
atravessad
as por relações de poder estruturais, violentas e hierárquicas.
Palavras-Chave: Cultura e e
ducação;
1
Flora Côrtes Daemon de Souza Pinto.
Fluminense, p
rofessora Adjunta do curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ), Brasil. Email:
floradaemon@yahoo.com.br
2
Kleber Santos de Mendonça.
Doutor em Comunicação
p
rofessor Associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia e dos Programas de Pós
Graduação em Co
municação (PPGCOM) e em Cultura e Territorialidades (PPCULT) da
Universidade Federal Fluminense (UFF)
https://orcid.org/0000-0001-
8055
3
Marildo José Nercolini.
Doutor em Ciência da Literatura (UFRJ 2005), Professor Associado do
Departamento e Estudos Culturais e Mídia (GEC/IACS) e do Programa de Pós
e Territorialidades (PPCU
LT) da Universidade Federal Fluminense (UFF)
mjnercolini@gmail.com -
https://orcid.org/0000
Texto recebido em 06/09/20
20
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
1
.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
"Quem Sabe de Mim Sou Eu"
: práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v11i20.45794
Kleber Mendonça
Marildo José Nercolini
O presente artigo propõe uma reflexão teórico
-
metodológica a partir da experiência
acumulada no âmbito de um projeto universitário de caráter extensionista que, ao longo dos últimos
anos, promove atividades voltadas para jovens em situação de vulnerabilidade social. Ao
apresentar as ferramentas usadas e refletir sobre as questões e desafios enfrentados, buscamos
desenvolver uma metodologia que seja capaz de acessar esses jovens. Nossa
meta é explicitar como
é possível articular práticas culturais e ferramentas comunicacionais, capazes de contribuir para um
processo de subjetivação emancipador, com a finalidade de desarmar “profecias auto
comuns às trajetórias desses joven
s. Acionamos, ao longo de nossa atuação, modos potentes de
trazer para o plano do visível a experiência, a memória, a corporalidade e a fala como possibilidades
de expressão das subjetividades singulares desses jovens, ainda assim constantemente
as por relações de poder estruturais, violentas e hierárquicas.
ducação;
favela; juventude; universidade; e
xtensionismo
Flora Côrtes Daemon de Souza Pinto.
Doutora em Comunicação
pela Universidade Federal
rofessora Adjunta do curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de
floradaemon@yahoo.com.br
-
https://orcid.org/0000
Doutor em Comunicação
pela Universidade Federal Fluminense
rofessor Associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia e dos Programas de Pós
municação (PPGCOM) e em Cultura e Territorialidades (PPCULT) da
Universidade Federal Fluminense (UFF)
, Niterói/RJ, Brasil. Email:
klebermendonca@id.uff.br
8055
-7447
Doutor em Ciência da Literatura (UFRJ 2005), Professor Associado do
Departamento e Estudos Culturais e Mídia (GEC/IACS) e do Programa de Pós
-
Graduação em Cultura
LT) da Universidade Federal Fluminense (UFF)
, Niterói/RJ, Brasil
https://orcid.org/0000
-0003-0465-0011
20
, aceito para publicação em 24/11/2020
e disponibilizado online
em 01/03/2021.
109
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
: práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade
Flora Daemon
1
Kleber Mendonça
2
Marildo José Nercolini
3
metodológica a partir da experiência
acumulada no âmbito de um projeto universitário de caráter extensionista que, ao longo dos últimos
anos, promove atividades voltadas para jovens em situação de vulnerabilidade social. Ao
apresentar as ferramentas usadas e refletir sobre as questões e desafios enfrentados, buscamos
meta é explicitar como
é possível articular práticas culturais e ferramentas comunicacionais, capazes de contribuir para um
processo de subjetivação emancipador, com a finalidade de desarmar “profecias auto
rrealizáveis”,
s. Acionamos, ao longo de nossa atuação, modos potentes de
trazer para o plano do visível a experiência, a memória, a corporalidade e a fala como possibilidades
de expressão das subjetividades singulares desses jovens, ainda assim constantemente
xtensionismo
.
pela Universidade Federal
rofessora Adjunta do curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de
https://orcid.org/0000
-0001-9652-1748
pela Universidade Federal Fluminense
,
rofessor Associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia e dos Programas de Pós
-
municação (PPGCOM) e em Cultura e Territorialidades (PPCULT) da
klebermendonca@id.uff.br
-
Doutor em Ciência da Literatura (UFRJ 2005), Professor Associado do
Graduação em Cultura
, Niterói/RJ, Brasil
. Email:
e disponibilizado online
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 20
, p.
109
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, março 202
"Quem Sabe de Mim Sou Eu": prácticas culturales y comunicativas como herramientas
pedagógicas para
jóvenes vulnerables
Resumen:
Este artículo propone una reflexión teórico
acumulada en el ámbito de un proyecto universitario de extensión que, durante los últimos ocho años,
promueve actividades dirigidas a jóvenes
herramientas utilizadas y reflexionar sobre los problemas y desafíos enfrentados, buscamos
desarrollar una metodología que sea capaz de acceder a estos jóvenes. Nuestro objetivo es explicar
cómo es po
sible articular prácticas culturales y herramientas de comunicación, capaces de contribuir
a un proceso de subjetivación emancipatorio, con el propósito de desarmar “profecías
autocumplidas”, comunes a las trayectorias de estos jóvenes. A lo largo de nuest
activado formas de acercar la experiencia, la memoria, la corporeidad y el discurso como
posibilidades de expresión de las subjetividades singulares de estos jóvenes, que todavía son
atravesados
constantemente por estructuras, violencia
Palabras clave: Cultura y e
ducación;
"Quem Sabe de Mim Sou Eu": cultural and communicative practices as pedagogical tools for
vulnerable young people
Abstract:
This article proposes a
experience in the field of a university extension project that, during the last eight years, promotes
activities aimed at young people in social vulnerability situations. By presenting the tool
reflecting on the problems and challenges faced, we seek to develop a methodology that could be
able to access these young people. Our goal is to explain how it is possible to use cultural practices
and communication tools as a support for an em
of dismantling "self-
fulfilling prophecies" common to the trajectories of these young people.
Throughout our work, we have activated ways of bringing experience, memory, corporeity and speech
as possib
ilities of expression of the unique subjectivities of these young people, who are still
constantly traversed by structures, violence and hierarchy.
Keywords: Culture and e
ducation;
"Quem Sabe de Mim Sou Eu"
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade
1. Introdução
Propomos uma reflexão a partir
da experiência acumulada no âmbito
de um projeto universitário de caráter
extensionista que, ao longo dos
últimos oito anos, promove atividades
voltadas para jovens em situação de
vulnerabilidade social. Objetivamos
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
1
.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
"Quem Sabe de Mim Sou Eu": prácticas culturales y comunicativas como herramientas
jóvenes vulnerables
Este artículo propone una reflexión teórico
-
metodológica a partir de la experiencia
acumulada en el ámbito de un proyecto universitario de extensión que, durante los últimos ocho años,
promueve actividades dirigidas a jóvenes
en situación de vulnerabilidad social. Al presentar las
herramientas utilizadas y reflexionar sobre los problemas y desafíos enfrentados, buscamos
desarrollar una metodología que sea capaz de acceder a estos jóvenes. Nuestro objetivo es explicar
sible articular prácticas culturales y herramientas de comunicación, capaces de contribuir
a un proceso de subjetivación emancipatorio, con el propósito de desarmar “profecías
autocumplidas”, comunes a las trayectorias de estos jóvenes. A lo largo de nuest
activado formas de acercar la experiencia, la memoria, la corporeidad y el discurso como
posibilidades de expresión de las subjetividades singulares de estos jóvenes, que todavía son
constantemente por estructuras, violencia
y jerárquico.
ducación;
favela; juventud; universidad; e
xtensionismo
"Quem Sabe de Mim Sou Eu": cultural and communicative practices as pedagogical tools for
This article proposes a
theoretical-
methodological reflection based on the accumulated
experience in the field of a university extension project that, during the last eight years, promotes
activities aimed at young people in social vulnerability situations. By presenting the tool
reflecting on the problems and challenges faced, we seek to develop a methodology that could be
able to access these young people. Our goal is to explain how it is possible to use cultural practices
and communication tools as a support for an em
ancipatory process of subjectivation, with the purpose
fulfilling prophecies" common to the trajectories of these young people.
Throughout our work, we have activated ways of bringing experience, memory, corporeity and speech
ilities of expression of the unique subjectivities of these young people, who are still
constantly traversed by structures, violence and hierarchy.
ducation;
favela; youth; university; extensionism.
"Quem Sabe de Mim Sou Eu"
: prát
icas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade
Propomos uma reflexão a partir
da experiência acumulada no âmbito
de um projeto universitário de caráter
extensionista que, ao longo dos
últimos oito anos, promove atividades
voltadas para jovens em situação de
vulnerabilidade social. Objetivamos
apresenta
r as ferramentas usadas,
questões e desafios enfrentados, bem
como desenvolver um referencial
teórico metodológico norteador das
ações. Nossa meta é pensar como
articular práticas culturais e
ferramentas comunicacionais capazes
de contribuir para um proces
110
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
"Quem Sabe de Mim Sou Eu": prácticas culturales y comunicativas como herramientas
metodológica a partir de la experiencia
acumulada en el ámbito de un proyecto universitario de extensión que, durante los últimos ocho años,
en situación de vulnerabilidad social. Al presentar las
herramientas utilizadas y reflexionar sobre los problemas y desafíos enfrentados, buscamos
desarrollar una metodología que sea capaz de acceder a estos jóvenes. Nuestro objetivo es explicar
sible articular prácticas culturales y herramientas de comunicación, capaces de contribuir
a un proceso de subjetivación emancipatorio, con el propósito de desarmar “profecías
autocumplidas”, comunes a las trayectorias de estos jóvenes. A lo largo de nuest
ro trabajo, hemos
activado formas de acercar la experiencia, la memoria, la corporeidad y el discurso como
posibilidades de expresión de las subjetividades singulares de estos jóvenes, que todavía son
xtensionismo
.
"Quem Sabe de Mim Sou Eu": cultural and communicative practices as pedagogical tools for
methodological reflection based on the accumulated
experience in the field of a university extension project that, during the last eight years, promotes
activities aimed at young people in social vulnerability situations. By presenting the tool
s used and
reflecting on the problems and challenges faced, we seek to develop a methodology that could be
able to access these young people. Our goal is to explain how it is possible to use cultural practices
ancipatory process of subjectivation, with the purpose
fulfilling prophecies" common to the trajectories of these young people.
Throughout our work, we have activated ways of bringing experience, memory, corporeity and speech
ilities of expression of the unique subjectivities of these young people, who are still
icas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade
r as ferramentas usadas,
questões e desafios enfrentados, bem
como desenvolver um referencial
teórico metodológico norteador das
ações. Nossa meta é pensar como
articular práticas culturais e
ferramentas comunicacionais capazes
de contribuir para um proces
so de
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 20
, p.
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subjetivação emancipador que
desarme as chamadas “profecias auto
realizáveis”, comuns às trajetórias
desses jovens.
Ao longo de nossa atuação com
jovens em favelas cariocas, pudemos
constatar na vivência pedagógica as
dificuldades de elaborar e
implementar
ferramentas educacionais capazes de
mobilizar e engajar tal blico
Fomos nos deparando, gradualmente,
com o que chamamos de armadilhas
estruturais que, ao mesmo tempo,
ordenam a complexa e desigual
sociedade brasileira, e se atualizam no
plano dos indivíduos perpetuando os
processos de marginalização social e
de sujeição criminal de determinados
grupos.
As experiências profissional e
educacional dos integrantes do
projeto, bem como sua capacidades
de atuação junto aos jovens, se situam
na
interface entre o uso de
ferramentas comunicacionais e as
práticas culturais locais. Dessa forma,
nos dedicamos a construir uma linha
de atuação que pudesse usar
ferramentas diversas (a fotografia, o
audiovisual, a música e os relatos
pessoais memoráveis
locais, por
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
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(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
subjetivação emancipador que
desarme as chamadas “profecias auto
realizáveis”, comuns às trajetórias
Ao longo de nossa atuação com
jovens em favelas cariocas, pudemos
constatar na vivência pedagógica as
implementar
ferramentas educacionais capazes de
mobilizar e engajar tal blico
-alvo.
Fomos nos deparando, gradualmente,
com o que chamamos de armadilhas
estruturais que, ao mesmo tempo,
ordenam a complexa e desigual
sociedade brasileira, e se atualizam no
plano dos indivíduos perpetuando os
processos de marginalização social e
de sujeição criminal de determinados
As experiências profissional e
educacional dos integrantes do
projeto, bem como sua capacidades
de atuação junto aos jovens, se situam
interface entre o uso de
ferramentas comunicacionais e as
práticas culturais locais. Dessa forma,
nos dedicamos a construir uma linha
de atuação que pudesse usar
ferramentas diversas (a fotografia, o
audiovisual, a música e os relatos
locais, por
exemplo) como argumentos
pedagógicos de transformação.
Assim, elaboramos uma
metodologia que une reflexão teórica,
observação participante e prática
horizontalizada de reconhecimento e
troca de saberes múltiplos. Com isso,
passamos a implement
capacitação destinadas à
transformação, tanto dos jovens
moradores de favelas cariocas, como
dos estudantes universitários que
participaram do projeto ao longo dos
últimos oito anos. Partimos do
entendimento de que para que a
universidade "se p
inte de negro, se
pinte de mulato, não somente entre os
alunos, mas também entre os
professores; que se pinte de
trabalhador e de campesino, que se
pinte de pueblo"
4
, conforme defendeu
Ernesto Guevara, é necessário que
esta instituição se volte para esses
indivíduos, não somente na condição
de objetos ou interlocutores de
pesquisas científicas, mas
fundamentalmente como potenciais
ocupantes de posições relevantes em
sua estrutura.
4
Trata-
se de discurso proferido em
28/12/1959, no recebimento do título de doutor
honoris causa
na Faculdade de Pedagogia da
Universidad Central de Las Villas, Cuba.
111
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
exemplo) como argumentos
pedagógicos de transformação.
Assim, elaboramos uma
metodologia que une reflexão teórica,
observação participante e prática
horizontalizada de reconhecimento e
troca de saberes múltiplos. Com isso,
passamos a implement
ar ações de
capacitação destinadas à
transformação, tanto dos jovens
moradores de favelas cariocas, como
dos estudantes universitários que
participaram do projeto ao longo dos
últimos oito anos. Partimos do
entendimento de que para que a
inte de negro, se
pinte de mulato, não somente entre os
alunos, mas também entre os
professores; que se pinte de
trabalhador e de campesino, que se
, conforme defendeu
Ernesto Guevara, é necessário que
esta instituição se volte para esses
indivíduos, não somente na condição
de objetos ou interlocutores de
pesquisas científicas, mas
fundamentalmente como potenciais
ocupantes de posições relevantes em
se de discurso proferido em
28/12/1959, no recebimento do título de doutor
na Faculdade de Pedagogia da
Universidad Central de Las Villas, Cuba.
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
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Durante o desenvolvimento do
trabalho nos deparamos com a
dificuldade dos j
ovens de vislumbrar
se como parte do ensino superior
público. Para além da questão
concreta das barreiras de seleção
baseadas em controversos critérios de
acúmulo e competência, como o
rendimento no ENEM, identificamos
um sentimento recorrente de não
pertencimento a priori
àquele lugar
que, embora mais próximo em função
do contato com o projeto de extensão,
ainda conservava distância no que se
refere à ideia de fazer parte.
A vivência sistemática do
projeto apontou, no entanto, para dois
movimentos elementa
res na mudança
de entendimento do papel e lugar
político e simbólico -
da universidade
por parte dos jovens: o primeiro se
refere à ideia de revelação. Para
quase a totalidade dos participantes do
projeto, a universidade pública se
apresentava como uma a
Neste sentido, tomar contato com uma
instituição de ensino de reconhecida
relevância por meio de um projeto que
sustenta práticas horizontais pode ter
contribuído de maneira significativa
para o desejo de desvelar um espaço
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
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(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
Durante o desenvolvimento do
trabalho nos deparamos com a
ovens de vislumbrar
-
se como parte do ensino superior
público. Para além da questão
concreta das barreiras de seleção
baseadas em controversos critérios de
acúmulo e competência, como o
rendimento no ENEM, identificamos
um sentimento recorrente de não
àquele lugar
que, embora mais próximo em função
do contato com o projeto de extensão,
ainda conservava distância no que se
refere à ideia de fazer parte.
A vivência sistemática do
projeto apontou, no entanto, para dois
res na mudança
de entendimento do papel e lugar
-
da universidade
por parte dos jovens: o primeiro se
refere à ideia de revelação. Para
quase a totalidade dos participantes do
projeto, a universidade pública se
apresentava como uma a
bstração.
Neste sentido, tomar contato com uma
instituição de ensino de reconhecida
relevância por meio de um projeto que
sustenta práticas horizontais pode ter
contribuído de maneira significativa
para o desejo de desvelar um espaço
que, até então, o pa
direito e por princípio.
O segundo movimento,
decorrente do anterior, refere
introjeção do olhar do outro sobre si.
Sabemos que cotidianamente esses
jovens são interpelados como
criminosos -
concretos ou em potencial
- a partir de confo
rmação da sujeição
criminal (
MISSE, 2008)
entendimento deste mecanismo
perverso, por parte de meninos e
meninas pretos, pardos e pobres,
efetiva no próprio corpo uma interdição
que impossibilita postulações de
ocupação de lugares com os quais não
são id
entificados em função do caráter
racista e classista da sociedade.
Acreditamos que ao tomarem contato
com um novo olhar sobre si, partindo
de indivíduos associados ao Estado e
à coisa pública -
aqui materializados
pela ideia de universidade, seus
estudante
s e professores
sentirem interpelados pelo que
supostamente falta ou pela referência
ao risco, esses jovens começam a se
enxergar possíveis.
Uma das evidências de tal
embaralhamento de lugares político
sociais é a perceptível motivação de
vários
jovens que faziam parte do
112
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
que, até então, o pa
recia seu, por
direito e por princípio.
O segundo movimento,
decorrente do anterior, refere
-se à
introjeção do olhar do outro sobre si.
Sabemos que cotidianamente esses
jovens são interpelados como
concretos ou em potencial
rmação da sujeição
MISSE, 2008)
. O
entendimento deste mecanismo
perverso, por parte de meninos e
meninas pretos, pardos e pobres,
efetiva no próprio corpo uma interdição
que impossibilita postulações de
ocupação de lugares com os quais não
entificados em função do caráter
racista e classista da sociedade.
Acreditamos que ao tomarem contato
com um novo olhar sobre si, partindo
de indivíduos associados ao Estado e
aqui materializados
pela ideia de universidade, seus
s e professores
-, sem se
sentirem interpelados pelo que
supostamente falta ou pela referência
ao risco, esses jovens começam a se
Uma das evidências de tal
embaralhamento de lugares político
-
sociais é a perceptível motivação de
jovens que faziam parte do
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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Americana de Estudos em Cultura,
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projeto de extensão a se tornarem,
eles também, estudantes na
universidade pública. Foi dessa
maneira que alguns ingressaram no
ensino superior e, também, passaram
a desafiar a ideia de presença do
Estado nas favelas e periferia
como instrumento repressor das
populações.
A partir de tais postulados e
posturas ético-
políticas o projeto
Sabe de Mim Sou Eu
atuou, desde
2012, em favelas como Chapéu
Mangueira, Babilônia, Cantagalo e
Pavão-
Pavãozinho, bem como em
escolas p
úblicas próximas às
comunidades da zona norte do Rio de
Janeiro. Decidimos, atualmente,
ampliar o escopo e passar a trabalhar
também junto aos jovens que
cumprem medidas socioeducativas, na
cidade de Niterói. Essa ação passa a
ser desenvolvida no Centro de
Recursos Integrados de Atendimento
ao Adolescente de Niterói (CRIAAD),
envolvendo parceria entre a UFF e a
Prefeitura.
Quanto à equipe, o projeto
contou, ao longo desses anos, com 25
bolsistas de extensão, seis bolsistas
Pibic/CNPq e duas bolsistas PIBIC
Ensino Médio/CNPq. Alguns, inclusive,
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
projeto de extensão a se tornarem,
eles também, estudantes na
universidade pública. Foi dessa
maneira que alguns ingressaram no
ensino superior e, também, passaram
a desafiar a ideia de presença do
Estado nas favelas e periferia
s apenas
como instrumento repressor das
A partir de tais postulados e
políticas o projeto
Quem
atuou, desde
2012, em favelas como Chapéu
Mangueira, Babilônia, Cantagalo e
Pavãozinho, bem como em
úblicas próximas às
comunidades da zona norte do Rio de
Janeiro. Decidimos, atualmente,
ampliar o escopo e passar a trabalhar
também junto aos jovens que
cumprem medidas socioeducativas, na
cidade de Niterói. Essa ação passa a
ser desenvolvida no Centro de
Recursos Integrados de Atendimento
ao Adolescente de Niterói (CRIAAD),
envolvendo parceria entre a UFF e a
Quanto à equipe, o projeto
contou, ao longo desses anos, com 25
bolsistas de extensão, seis bolsistas
Pibic/CNPq e duas bolsistas PIBIC
-
Ensino Médio/CNPq. Alguns, inclusive,
moradores de favelas. Além disso, é
coordenado por três professores que
são docentes de duas universidades
federais e que possuem experiência
nos campos da Violência, da
Juventude, da Comunicação, da
Música e dos Estud
Quem Sabe de Mim Sou Eu
financiado por diferentes agências,
tendo sido contemplado, entre outros,
pelos editais PROEXT 2015
(CAPES/MEC) e Humanidades 2013,
da FAPERJ. Ressalta
fundamentais parcerias com iniciativas
de base c
omunitária tais como o
projeto
Teu Papo
Percussão Mirim do Mestre
projeto de passinho desenvolvido por
Key Tetra, o
Núcleo de Comunicação
Popular
(Nucopo), além de instituições
parceiras, como o
Agostinho Fincias
equipamentos culturais do Rio de
Janeiro.
2. Aspectos estruturais da
sociedade brasileira e as profecias
auto realizáveis
"Favela tem história. Uma longa
batalhadora história. E eu ainda
espero escrever relatando o dia
em que esses dois mundos forem
um só, com os mesmos direitos,
oportunidades e respeito. Eu não
113
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
moradores de favelas. Além disso, é
coordenado por três professores que
são docentes de duas universidades
federais e que possuem experiência
nos campos da Violência, da
Juventude, da Comunicação, da
Música e dos Estud
os de Gênero.
Quem Sabe de Mim Sou Eu
foi
financiado por diferentes agências,
tendo sido contemplado, entre outros,
pelos editais PROEXT 2015
(CAPES/MEC) e Humanidades 2013,
da FAPERJ. Ressalta
-se, ainda, as
fundamentais parcerias com iniciativas
omunitária tais como o
Teu Papo
, a Orquestra de
Percussão Mirim do Mestre
, o
projeto de passinho desenvolvido por
Núcleo de Comunicação
(Nucopo), além de instituições
parceiras, como o
CIEP 205 Frei
Agostinho Fincias
e alguns
equipamentos culturais do Rio de
2. Aspectos estruturais da
sociedade brasileira e as profecias
"Favela tem história. Uma longa
batalhadora história. E eu ainda
espero escrever relatando o dia
em que esses dois mundos forem
um só, com os mesmos direitos,
oportunidades e respeito. Eu não
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 20
, p.
109
-
13
, março 202
terei palavras para descrever o
sentimento. Mas espero um dia
que pessoas como vocês
enxerguem a gente."
(Thayná Rodrigues, Bolsista Pibic
Ensino Médio -
Quem Sabe de
Uma vez que
propomos uma
metodologia educacional de
atravessamento e de (re)construção
de subjetividades no momento mesmo
em que os jovens se apoderam de
ferramentas da comunicação e das
práticas culturais, é fundamental levar
em conta dois pontos de partida que
se inter-
relacionam: as características
específicas das localidades desses
jovens e a forma desigual e violenta
com a qual a sociedade brasileira
historicamente se organiza.
Notamos, assim, como as
potências criativas desses jovens,
ainda pouco percebidas por
mesmos e não reconhecidas
socialmente, acabam sendo
silenciadas por uma complexa trama
de agenciamentos e de controles
sociais. Tal modo de funcionamento
dos aparatos estatais de administração
de conflitos e de vigilância articula
aspectos ligados ao
(GOFFMAN, 2008) atribuído a esses
jovens, por meio de marcadores
raciais e de classe de modo a torná
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
1
.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
terei palavras para descrever o
sentimento. Mas espero um dia
que pessoas como vocês
enxerguem a gente."
(Thayná Rodrigues, Bolsista Pibic
Quem Sabe de
Mim Sou Eu)
propomos uma
metodologia educacional de
atravessamento e de (re)construção
de subjetividades no momento mesmo
em que os jovens se apoderam de
ferramentas da comunicação e das
práticas culturais, é fundamental levar
em conta dois pontos de partida que
relacionam: as características
específicas das localidades desses
jovens e a forma desigual e violenta
com a qual a sociedade brasileira
historicamente se organiza.
Notamos, assim, como as
potências criativas desses jovens,
ainda pouco percebidas por
eles
mesmos e não reconhecidas
socialmente, acabam sendo
silenciadas por uma complexa trama
de agenciamentos e de controles
sociais. Tal modo de funcionamento
dos aparatos estatais de administração
de conflitos e de vigilância articula
aspectos ligados ao
estigma
(GOFFMAN, 2008) atribuído a esses
jovens, por meio de marcadores
raciais e de classe de modo a torná
-los
alvos preferenciais de um complexo
mecanismo de sujeição criminal
(MISSE, 2008). Este processo se
apresenta de maneira dissimulada a
partir do
estabelecimento de
determinados tipos ideais que se
tornam, desde sempre, “suspeitos” de
condutas criminais antes mesmo da
prática de qualquer ação,
característica que não justificaria
como demandaria a vigilância
constante por parte dos agentes do
Esta
do. Uma combinação de
invisibilidade (dos sujeitos, de seus
direitos fundamentais e de suas
capacidades) com uma visibilidade
acionada apenas para inserir esses
jovens no aparato repressor e punitivo
das instituições de vigilância, punição
e encarceramento
(quando não das
ações de extermínio).
Em cada favela onde o projeto
aconteceu buscou-
se sempre inserir a
discussão a respeito dos saberes
locais conjuntamente com o seu
processo histórico de formação. Tal
estratégia se apresenta como um
antídoto ao risco
de homogeneizar
realidades a respeito da complexidade
inerente aos diferentes sítios que
compõem grandes cidades. Esta
preocupação é uma forma eficiente de
114
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
alvos preferenciais de um complexo
mecanismo de sujeição criminal
(MISSE, 2008). Este processo se
apresenta de maneira dissimulada a
estabelecimento de
determinados tipos ideais que se
tornam, desde sempre, “suspeitos” de
condutas criminais antes mesmo da
prática de qualquer ação,
característica que não justificaria
como demandaria a vigilância
constante por parte dos agentes do
do. Uma combinação de
invisibilidade (dos sujeitos, de seus
direitos fundamentais e de suas
capacidades) com uma visibilidade
acionada apenas para inserir esses
jovens no aparato repressor e punitivo
das instituições de vigilância, punição
(quando não das
ações de extermínio).
Em cada favela onde o projeto
se sempre inserir a
discussão a respeito dos saberes
locais conjuntamente com o seu
processo histórico de formação. Tal
estratégia se apresenta como um
de homogeneizar
realidades a respeito da complexidade
inerente aos diferentes sítios que
compõem grandes cidades. Esta
preocupação é uma forma eficiente de
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 20
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, março 202
problematizar o debate acerca da
implicação juvenil, bem como de seus
modos de instrumentalizar apar
comunicacionais a favor de suas
táticas e práticas culturais.
Do contrário incorreríamos no
erro, bastante habitual conforme
ressalta Valladares, de acreditar que
ter contato com uma favela é conhecer
a realidade de todas:
A favela é obrigatoriamente
morro, uma zona ocupada
ilegalmente, fora da lei, um espaço
subequipado, lugar de concentração
dos pobres na cidade. Numa mesma
denominação genérica, a palavra
favela unifica situações com
características muito diferentes nos
planos geográfico, demográf
urbanístico e social (VALLADARES,
2005, p. 152).
Percebe-
se, assim, como
instrumento fundamental de
mobilização e diálogo a preocupação
de levar em conta as especificidades
históricas, geográficas e culturais dos
diferentes lugares bem como as
caract
erísticas singulares de seus
jovens moradores. É tarefa prioritária
do educador atentar para o que é
diverso e múltiplo. Sem perder de
vista, igualmente, o caráter agenciador
de alguns padrões que acabam por se
replicar, uma vez que a estrutura
perversa da
sociedade brasileira, por
razões políticas e históricas, direciona
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
1
.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
problematizar o debate acerca da
implicação juvenil, bem como de seus
modos de instrumentalizar apar
atos
comunicacionais a favor de suas
Do contrário incorreríamos no
erro, bastante habitual conforme
ressalta Valladares, de acreditar que
ter contato com uma favela é conhecer
A favela é obrigatoriamente
um
morro, uma zona ocupada
ilegalmente, fora da lei, um espaço
subequipado, lugar de concentração
dos pobres na cidade. Numa mesma
denominação genérica, a palavra
favela unifica situações com
características muito diferentes nos
planos geográfico, demográf
ico,
urbanístico e social (VALLADARES,
se, assim, como
instrumento fundamental de
mobilização e diálogo a preocupação
de levar em conta as especificidades
históricas, geográficas e culturais dos
diferentes lugares bem como as
erísticas singulares de seus
jovens moradores. É tarefa prioritária
do educador atentar para o que é
diverso e múltiplo. Sem perder de
vista, igualmente, o caráter agenciador
de alguns padrões que acabam por se
replicar, uma vez que a estrutura
sociedade brasileira, por
razões políticas e históricas, direciona
sua
máquina de moer gente
(RIBEIRO, 1995) prioritariamente
àqueles mesmos cidadãos postos,
violentamente, à margem do processo
produtivo e, portanto, em situação de
vulnerabilidade socioec
expostos cotidianamente à
sociabilidade violenta (MACHADO
SILVA, 2008).
Por conta da natureza da
atuação do poder público que falhou
sistematicamente em garantir o acesso
a condições fundamentais de
subsistência, uma das facetas da
inclusão precá
ria capitalista apenas
pelo acesso a bens de consumo não
essenciais, as favelas foram
associadas historicamente à ideia de
berço de um certo tipo de violência.
Partilhamos da premissa de Misse
(2008) de que a emergência de grupos
de extermínio, nos anos 19
buscavam eliminar criminosos de
baixa periculosidade, efetivou a
impossibilidade de monopólio da
violência pelo Estado e fez insurgir, a
partir de suas ações, reações violentas
que culminaram no crescimento da
criminalidade, gerando o efeito
denomi
nado pelo sociólogo como
acumulação social da violência
115
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- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
máquina de moer gente
(RIBEIRO, 1995) prioritariamente
àqueles mesmos cidadãos postos,
violentamente, à margem do processo
produtivo e, portanto, em situação de
vulnerabilidade socioec
onômica e
expostos cotidianamente à
sociabilidade violenta (MACHADO
Por conta da natureza da
atuação do poder público que falhou
sistematicamente em garantir o acesso
a condições fundamentais de
subsistência, uma das facetas da
ria capitalista apenas
pelo acesso a bens de consumo não
essenciais, as favelas foram
associadas historicamente à ideia de
berço de um certo tipo de violência.
Partilhamos da premissa de Misse
(2008) de que a emergência de grupos
de extermínio, nos anos 19
50, que
buscavam eliminar criminosos de
baixa periculosidade, efetivou a
impossibilidade de monopólio da
violência pelo Estado e fez insurgir, a
partir de suas ações, reações violentas
que culminaram no crescimento da
criminalidade, gerando o efeito
nado pelo sociólogo como
acumulação social da violência
.
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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Ao analisar a forma peculiar
como se dá, historicamente, a
administração dos conflitos no Brasil,
Kant de Lima mostra como os
princípios igualitários do ideal
republicano esbarram em múltiplas
práticas hierárquicas que no Brasil se
mantém e se perpetuam em virtude de
nossa herança colonial ainda presente
e atuante. Neste arranjo paradoxal, a
ordem pública, que
seria o resultado do conflito oriundo
da oposição de interesses entre
iguais, de uma s
ociedade igualitária,
se transforma, no modelo brasileiro,
numa reunião de diferentes práticas
jurídicas cujo objetivo principal é
manter implícitos o conflito e a
estrutura desigual da sociedade
(KANT DE LIMA, 1996, p. 167).
Nossa experiência no campo
ta
mbém identificou a recorrência do
entendimento, por parte de alguns
moradores, de que o sentimento de
orgulho da história de resistência da
favela muitas vezes se situava ao lado
do discurso velado de
(auto)culpabilização pelo abandono do
poder público. Si
nteticamente, estas
falas pareciam apontar para uma
assunção de certa responsabilidade
pela concentração espacial da
violência no chão da favela que teve
início no momento de ocupação
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
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.
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(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
Ao analisar a forma peculiar
como se dá, historicamente, a
administração dos conflitos no Brasil,
Kant de Lima mostra como os
princípios igualitários do ideal
republicano esbarram em múltiplas
práticas hierárquicas que no Brasil se
mantém e se perpetuam em virtude de
nossa herança colonial ainda presente
e atuante. Neste arranjo paradoxal, a
seria o resultado do conflito oriundo
da oposição de interesses entre
ociedade igualitária,
se transforma, no modelo brasileiro,
numa reunião de diferentes práticas
jurídicas cujo objetivo principal é
manter implícitos o conflito e a
estrutura desigual da sociedade
(KANT DE LIMA, 1996, p. 167).
Nossa experiência no campo
mbém identificou a recorrência do
entendimento, por parte de alguns
moradores, de que o sentimento de
orgulho da história de resistência da
favela muitas vezes se situava ao lado
do discurso velado de
(auto)culpabilização pelo abandono do
nteticamente, estas
falas pareciam apontar para uma
assunção de certa responsabilidade
pela concentração espacial da
violência no chão da favela que teve
início no momento de ocupação
territorial dos espaços outros da
cidade:
A favela ficou também registra
oficialmente como a área de
habitações irregularmente
construídas, sem arruamentos, sem
plano urbano, sem esgotos, sem
água e sem luz. Dessa precariedade
urbana, resultado da pobreza de
seus habitantes e do descaso do
poder público, surgiram as imagens
que fizeram da favela o lugar da
carência, da falta, do vazio a ser
preenchido pelos sentimentos
humanitários, do perigo a ser
erradicado pelas estratégias políticas
(ZALUAR;
ALVITO, 2006, p. 6)
Parece-
nos central a percepção
das artimanhas capitalistas
h
istoricamente forjadas no processo
de gestão territorial das favelas.
Incapaz de garantir à totalidade de
seus cidadãos condições dignas, o
Estado brasileiro inverteu esta
interpretação por meio de discursos de
ascensão pelo esforço individual. A
consequên
cia visível deste projeto
político de cidade se materializou nas
diversas gerações de jovens que
encontraram nos mercados ilegais,
sobretudo aquele voltado para o
narcotráfico, a condição "ideal" (às
vezes única) de subsistência.
Concordamos com a
perspect
iva da Criminologia Crítica de
que se o crime é parte constitutiva das
sociedades, inevitavelmente este faz
116
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
territorial dos espaços outros da
A favela ficou também registra
da
oficialmente como a área de
habitações irregularmente
construídas, sem arruamentos, sem
plano urbano, sem esgotos, sem
água e sem luz. Dessa precariedade
urbana, resultado da pobreza de
seus habitantes e do descaso do
poder público, surgiram as imagens
que fizeram da favela o lugar da
carência, da falta, do vazio a ser
preenchido pelos sentimentos
humanitários, do perigo a ser
erradicado pelas estratégias políticas
ALVITO, 2006, p. 6)
nos central a percepção
das artimanhas capitalistas
istoricamente forjadas no processo
de gestão territorial das favelas.
Incapaz de garantir à totalidade de
seus cidadãos condições dignas, o
Estado brasileiro inverteu esta
interpretação por meio de discursos de
ascensão pelo esforço individual. A
cia visível deste projeto
político de cidade se materializou nas
diversas gerações de jovens que
encontraram nos mercados ilegais,
sobretudo aquele voltado para o
narcotráfico, a condição "ideal" (às
vezes única) de subsistência.
Concordamos com a
iva da Criminologia Crítica de
que se o crime é parte constitutiva das
sociedades, inevitavelmente este faz
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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parte de sua sociabilidade. Ainda
assim, jogar luz sobre isso não
significa fazer apologia ao crime, mas
compreender que não há sociedade
livre do d
elito e que definir quais ações
serão tipificadas ou criminalizadas é
também um gesto político. A questão
que se coloca é que muitos que
enveredaram pelas atividades ilegais
não o fizeram num cardápio justo de
oportunidades.
A história se repete pelo país:
sem escola, primeiramente, e sem
trabalho, num segundo momento,
seguem rumo às opções mais
perigosas e, por isso,
proporcionalmente, mais rentáveis. O
desenvolvimento desta narrativa
parece evidente: ao longo de décadas,
moradores das favelas assistiram a
emergência, ascensão e declínio fatal
de diversos jovens
seus filhos,
companheiros e vizinhos
se tornado parte da cadeia do
comércio ilegal de entorpecentes.
Torna-
seainda mais urgente
desenvolvermos metodologias
pedagógicas que consigam
es
tabelecer diálogo com essa parcela
da população de modo a
conseguirmos desarmar tal poderosa
armadilha histórica. Nesse sentido,
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
1
.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
parte de sua sociabilidade. Ainda
assim, jogar luz sobre isso não
significa fazer apologia ao crime, mas
compreender que não há sociedade
elito e que definir quais ações
serão tipificadas ou criminalizadas é
também um gesto político. A questão
que se coloca é que muitos que
enveredaram pelas atividades ilegais
não o fizeram num cardápio justo de
A história se repete pelo país:
sem escola, primeiramente, e sem
trabalho, num segundo momento,
seguem rumo às opções mais
perigosas e, por isso,
proporcionalmente, mais rentáveis. O
desenvolvimento desta narrativa
parece evidente: ao longo de décadas,
moradores das favelas assistiram a
emergência, ascensão e declínio fatal
seus filhos,
, por terem
se tornado parte da cadeia do
comércio ilegal de entorpecentes.
seainda mais urgente
desenvolvermos metodologias
pedagógicas que consigam
tabelecer diálogo com essa parcela
da população de modo a
conseguirmos desarmar tal poderosa
armadilha histórica. Nesse sentido,
concordamos com Faustini de que a
potência do trabalho junto à juventude
é, definitivamente, transformadora,
especialmente quan
alteridade: “Imagine a cabeça de um
jovem que sabe da sua potência, mas
só encontra enquadramentos na sua
frente. É um crime histórico, com
raízes nas estruturas elitizadas e
escravocratas da nossa cidade, mas
que não pode ser naturalizado”
(FAUSTINI, 2012, p.
169).
O caminho seria, então,
fortalecer uma nova chave conceitual
que permita "a invenção de um
espaço/tempo que potencialize
sobretudo a novidade
desse jovem, considerado por muitos
como inorgânico, de promover
invenções
de formas de se estar na
vida e expressões estéticas” (
Nesse cenário, focar parte das ações
utilizando ferramentas comunica
cionais contemporâneas e de fácil
manuseio (como o celular e os
aparatos de audiovisual) cumpre,
como veremos adiante, a f
articular, ao mesmo tempo, as
singularidades com as quais nos
deparamos e as possibilidades de
práticas culturais específicas que
117
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
concordamos com Faustini de que a
potência do trabalho junto à juventude
é, definitivamente, transformadora,
do exercita a
alteridade: “Imagine a cabeça de um
jovem que sabe da sua potência, mas
só encontra enquadramentos na sua
frente. É um crime histórico, com
raízes nas estruturas elitizadas e
escravocratas da nossa cidade, mas
que não pode ser naturalizado”
169).
O caminho seria, então,
fortalecer uma nova chave conceitual
que permita "a invenção de um
espaço/tempo que potencialize
sobretudo a novidade
a capacidade
desse jovem, considerado por muitos
como inorgânico, de promover
de formas de se estar na
vida e expressões estéticas” (
ibidem).
Nesse cenário, focar parte das ações
utilizando ferramentas comunica
-
cionais contemporâneas e de fácil
manuseio (como o celular e os
aparatos de audiovisual) cumpre,
como veremos adiante, a f
unção de
articular, ao mesmo tempo, as
singularidades com as quais nos
deparamos e as possibilidades de
práticas culturais específicas que
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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serão tematizadas pelos jovens em
suas produções.
É evidente o peso dos
processos históricos que fazem a
manutenção d
a exclusão de pobres
neste país e que limitam as
possibilidades de agência dos sujeitos
focalizados em nossas ações. Ainda
assim, nos alinhamos com a
perspectiva de Enne e Passos que
defendem ser importante
considerarmos que
as estruturas são estruturantes
também estruturadas, não perdendo
de vista o papel de sujeitos ativos,
agentes sociais, dessas múltiplas
juventudes. Entendemos que mesmo
diante de campos de possibilidades
diferenciados, sujeitos projetam e
constroem realidades, disputando
sentidos,
se reapropriando e
ressignificando o mundo. Mas, para
além das idiossincrasias das
subjetividades, compreendemos que
estruturas sociais diferenciadas vão
requerer estratégias e táticas
também múltiplas para que essas
várias juventudes agenciem e se
coloqu
em como sujeitos de suas
realidades (ENNE; PASSOS, 2018,
p. 130).
É justamente por entendermos
os jovens como sujeitos das próprias
narrativas e trajetórias, passíveis de
autorreflexão e dotados de capacidade
de agência e mobilidade, que
desenvolvemos as
ações do projeto.
Foi possível perceber vários
momentos nos quais rompeu
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
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de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
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.
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serão tematizadas pelos jovens em
É evidente o peso dos
processos históricos que fazem a
a exclusão de pobres
neste país e que limitam as
possibilidades de agência dos sujeitos
focalizados em nossas ações. Ainda
assim, nos alinhamos com a
perspectiva de Enne e Passos que
defendem ser importante
as estruturas são estruturantes
, mas
também estruturadas, não perdendo
de vista o papel de sujeitos ativos,
agentes sociais, dessas múltiplas
juventudes. Entendemos que mesmo
diante de campos de possibilidades
diferenciados, sujeitos projetam e
constroem realidades, disputando
se reapropriando e
ressignificando o mundo. Mas, para
além das idiossincrasias das
subjetividades, compreendemos que
estruturas sociais diferenciadas vão
requerer estratégias e táticas
também múltiplas para que essas
várias juventudes agenciem e se
em como sujeitos de suas
realidades (ENNE; PASSOS, 2018,
É justamente por entendermos
os jovens como sujeitos das próprias
narrativas e trajetórias, passíveis de
autorreflexão e dotados de capacidade
de agência e mobilidade, que
ações do projeto.
Foi possível perceber vários
momentos nos quais rompeu
-se o ciclo
perverso que acomete jovens em
posição de vulnerabilidade que, por
sua vez, poderiam se tornar vetores da
sociabilidade violenta como uma
profecia autorrealizável (SOARES
BILL;
ATHAYDE, 2005).
Uma das condições prioritárias
para o sucesso dessa empreitada, que
mereceu um olhar teórico mais detido
de nossa parte, foi justamente
problematizar lugares de poder que
atravessam, institucional e
subjetivamente, a forma como os
sab
eres agenciam professores e
hierarquizam sujeitos e possibilidades
de existência.
3. Embaralhando hierarquias: a
importância de descentrar o olhar
Foucault, ao mapear o
funcionamento das instituições
disciplinares e os modos como os
discursos se organizam, aponta como
as formas de saber, historicamente
produzidas, engendram estruturas
hierárquicas de poder (FOUCAULT,
1987). Assim, os grupos que ocupa
lugar daqueles que detém saber sobre
outrem autorizam-
se a exercer sobre
seus
objetos do conhecimento
relações de dominação e controle.
118
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
perverso que acomete jovens em
posição de vulnerabilidade que, por
sua vez, poderiam se tornar vetores da
sociabilidade violenta como uma
profecia autorrealizável (SOARES
;
ATHAYDE, 2005).
Uma das condições prioritárias
para o sucesso dessa empreitada, que
mereceu um olhar teórico mais detido
de nossa parte, foi justamente
problematizar lugares de poder que
atravessam, institucional e
subjetivamente, a forma como os
eres agenciam professores e
hierarquizam sujeitos e possibilidades
3. Embaralhando hierarquias: a
importância de descentrar o olhar
Foucault, ao mapear o
funcionamento das instituições
disciplinares e os modos como os
discursos se organizam, aponta como
as formas de saber, historicamente
produzidas, engendram estruturas
hierárquicas de poder (FOUCAULT,
1987). Assim, os grupos que ocupa
m o
lugar daqueles que detém saber sobre
se a exercer sobre
objetos do conhecimento
relações de dominação e controle.
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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Aspectos dos agenciamentos
presentes na articulação entre saber e
poder se reproduzem, muitas vezes,
no funcionament
o cotidiano das
instituições de ensino, em seus
diferentes níveis. Não raro, de modo
mais ou menos inconsciente, tais
relações hierárquicas acabam
norteando e se atualizando
em práticas pedagógicas que buscam,
de forma bem intencionada,
intervenções
empoderadoras junto aos
jovens atendidos.
Uma reflexão que pode ajudar a
explicitar essas matrizes hierárquicas
do pensamento e das práticas de
ensino e aprendizado é desenvolvida
por Doreen Massey (2008). A autora
propõe uma relação entre geografia,
polí
tica e estratégias de legitimação
dos saberes para pensar criticamente
a proliferação mundial de tecnopolos
universitários (
Science Parks)
moldes do Vale do Silício. A geógrafa
defende que tais espaços de
conhecimento atualizam historicidades
porque “a
rticulam, de forma física,
tanto a espacialidade social da
produção do conhecimento quanto
uma espacialidade imaginada da
relação do conhecimento” (MASSEY,
2008, p.
209). Nos tecnopólos uma
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
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Tramas entre cultura e educação")
Aspectos dos agenciamentos
presentes na articulação entre saber e
poder se reproduzem, muitas vezes,
o cotidiano das
instituições de ensino, em seus
diferentes níveis. Não raro, de modo
mais ou menos inconsciente, tais
relações hierárquicas acabam
norteando e se atualizando
, mesmo
em práticas pedagógicas que buscam,
de forma bem intencionada,
empoderadoras junto aos
Uma reflexão que pode ajudar a
explicitar essas matrizes hierárquicas
do pensamento e das práticas de
ensino e aprendizado é desenvolvida
por Doreen Massey (2008). A autora
propõe uma relação entre geografia,
tica e estratégias de legitimação
dos saberes para pensar criticamente
a proliferação mundial de tecnopolos
Science Parks)
nos
moldes do Vale do Silício. A geógrafa
defende que tais espaços de
conhecimento atualizam historicidades
rticulam, de forma física,
tanto a espacialidade social da
produção do conhecimento quanto
uma espacialidade imaginada da
relação do conhecimento” (MASSEY,
209). Nos tecnopólos uma
atualização de três trajetórias do
pensamento hegemônico
que dizem respeito aos modos como a
ciência e a educação são pensadas
hoje, quem pode praticá
saberes “legítimos” em nossa
sociedade.
A primeira trajetória materializa
uma ciência que se instaura pela
divisão e pela distância geogr
medida em que as universidade se
organizam em amplos espaços
confinados à margem das cidades (ou,
quando próximas, geograficamente,
ainda assim alijadas da vida cotidiana
local). Uma atualização
contemporânea da fuga monástica
medieval para o des
condição de buscar e manter o
conhecimento.
É a recapitulação de uma velha
estória da história ocidental: a
reclusão espacial do deserto para os
primeiros pensadores cristãos, o
surgimento de mosteiros como
lugares de elite e produção de
conheci
mento, as universidades
medievais. Todos eles lugares que
cristalizaram, através da
espacialização, uma separação entre
mente e corpo. (MASSEY, 2008, p.
207)
Esse
saber como produto do
afastamento do mundo se desdobra na
cesura entre
sujeito
objeto
do conhecimento, não por
119
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
atualização de três trajetórias do
pensamento hegemônico
ocidental
que dizem respeito aos modos como a
ciência e a educação são pensadas
hoje, quem pode praticá
-la e quais os
saberes “legítimos” em nossa
A primeira trajetória materializa
uma ciência que se instaura pela
divisão e pela distância geogr
áfica, na
medida em que as universidade se
organizam em amplos espaços
confinados à margem das cidades (ou,
quando próximas, geograficamente,
ainda assim alijadas da vida cotidiana
local). Uma atualização
contemporânea da fuga monástica
medieval para o des
erto como
condição de buscar e manter o
É a recapitulação de uma velha
estória da história ocidental: a
reclusão espacial do deserto para os
primeiros pensadores cristãos, o
surgimento de mosteiros como
lugares de elite e produção de
mento, as universidades
medievais. Todos eles lugares que
cristalizaram, através da
espacialização, uma separação entre
mente e corpo. (MASSEY, 2008, p.
saber como produto do
afastamento do mundo se desdobra na
sujeito
conhecedor e
do conhecimento, não por
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 20
, p.
109
-
13
, março 202
acaso o mesmo solo onde Foucault viu
florescer relações hierárquicas de
saber/poder. Além da objetividade
como paradigma, tal fuga estabelece
ainda outra paisagem na geografia do
saber: a distância dos homens em
relação às
mulheres. A hegemonia
masculina nos lugares de saber é
“resultado de uma história mais longa
e mais profunda da construção do
gênero que, ela própria foi/é incluída
espacialmente na construção de
“lugares de conhecimento” defensivos,
especializados” (ibid.,
Consolida-
se uma gestão da produção
de conhecimento calcada não nas
oposições sujeito/objeto e vida
cotidiana/isolamento reflexivo, mas
também na naturalização da hierarquia
entre “legítimos” pensadores fundada
em uma distinção (discriminação
histórica de gênero: pensar não seria,
evidentemente,
“coisa de mulher”.
uma última trajetória nas
instituições de saber contemporâneas:
a questão de classe: “esses lugares de
produção de conhecimento são,
também, lugares de elite, da produção
de con
hecimento legítimo,
reconhecido, autorizado” (
i
costura de objetividade distanciada,
masculinidade do pensamento e
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
1
.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
acaso o mesmo solo onde Foucault viu
florescer relações hierárquicas de
saber/poder. Além da objetividade
como paradigma, tal fuga estabelece
ainda outra paisagem na geografia do
saber: a distância dos homens em
mulheres. A hegemonia
masculina nos lugares de saber é
“resultado de uma história mais longa
e mais profunda da construção do
gênero que, ela própria foi/é incluída
espacialmente na construção de
“lugares de conhecimento” defensivos,
p. 208).
se uma gestão da produção
de conhecimento calcada não nas
oposições sujeito/objeto e vida
cotidiana/isolamento reflexivo, mas
também na naturalização da hierarquia
entre “legítimos” pensadores fundada
em uma distinção (discriminação
)
histórica de gênero: pensar não seria,
“coisa de mulher”.
uma última trajetória nas
instituições de saber contemporâneas:
a questão de classe: “esses lugares de
produção de conhecimento são,
também, lugares de elite, da produção
hecimento legítimo,
i
bidem). Tal
costura de objetividade distanciada,
masculinidade do pensamento e
legitimação dos saberes sedimenta um
amplo silenciamento de outras
possibilidades de conhecimento e
práticas. Tais formas outras,
situadas “para além dos muros”, são
constantemente aprimoradas,
repartidas e multiplicadas por parcelas
importantes e heterogêneas da
população.
Defendemos ser impossível
estabelecer atuações de fato efetivas
junto a jovens moradores de favelas
que
não sejam capazes de colocar em
diálogo os saberes universitários
quase sempre impregnados dessa
tripla relação de poder e distinção
com a sabedoria local, polifônica,
sedimentada e constantemente
atualizada por práticas culturais e
trocas cotidianas
silenciada como as formas de
conhecimento que são.
Reside igualmente na proposta
de desarmar as armadilhas de classe,
raça e gênero dessa geografia do
conhecimento o esforço pedagógico
proposto por bell hooks
diálogo com Paulo Fr
de uma educação para a liberdade.
Um dos desafios pedagógicos
5
Nota do editor: a grafia em letras minúsculas
é escolha da própria autora.
120
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
legitimação dos saberes sedimenta um
amplo silenciamento de outras
possibilidades de conhecimento e
práticas. Tais formas outras,
mesmo
situadas “para além dos muros”, são
constantemente aprimoradas,
repartidas e multiplicadas por parcelas
importantes e heterogêneas da
Defendemos ser impossível
estabelecer atuações de fato efetivas
junto a jovens moradores de favelas
não sejam capazes de colocar em
diálogo os saberes universitários
-
quase sempre impregnados dessa
tripla relação de poder e distinção
- ,
com a sabedoria local, polifônica,
sedimentada e constantemente
atualizada por práticas culturais e
muitas vezes
silenciada como as formas de
conhecimento que são.
Reside igualmente na proposta
de desarmar as armadilhas de classe,
raça e gênero dessa geografia do
conhecimento o esforço pedagógico
proposto por bell hooks
5
(2013), em
diálogo com Paulo Fr
eire, na defesa
de uma educação para a liberdade.
Um dos desafios pedagógicos
Nota do editor: a grafia em letras minúsculas
é escolha da própria autora.
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 20
, p.
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, março 202
enfrentados em nossa atuação foi
justamente criar condições de colocar
em diálogo saberes diversos (locais e
universitários) ao mesmo tempo em
que desconstruíamos, pela prática
c
rítica coletiva, o que hooks define
como “voz privilegiada da autoridade”.
Ela defende que uma das
possibilidades mais potentes de
atuação é abrir espaços para que a
experiência se converta em elemento
facilitador dos processos ativos de
ensino e aprendizagem:
o ato de ouvir coletivamente uns aos
outros afirma o valor e a unicidade
de cada voz. Esse exercício ressalta
a experiência sem privilegiar as
vozes dos alunos de um grupo
qualquer. Ajuda a criar uma
consciência comunitária da
diversidade de nossas ex
e proporciona uma certa noção
daquelas experiências que podem
informar o modo como pensamos e
que dizemos. (...) Esse exercício
transforma a sala de aula num
espaço onde a experiência é
valorizada, não negada nem
considerada sem significado
(HOOKS, 2013, p. 114
-
A eficácia da incorporação da
experiência como ferramenta de
atuação pedagógica, capaz de
horizontalizar as relações nas ações
extensionistas, ficou evidenciada em
diversos momentos ao longo desses
oito anos do projeto. Podemos
dest
acar dois aspectos fundamentais:
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
1
.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
enfrentados em nossa atuação foi
justamente criar condições de colocar
em diálogo saberes diversos (locais e
universitários) ao mesmo tempo em
que desconstruíamos, pela prática
rítica coletiva, o que hooks define
como “voz privilegiada da autoridade”.
Ela defende que uma das
possibilidades mais potentes de
atuação é abrir espaços para que a
experiência se converta em elemento
facilitador dos processos ativos de
o ato de ouvir coletivamente uns aos
outros afirma o valor e a unicidade
de cada voz. Esse exercício ressalta
a experiência sem privilegiar as
vozes dos alunos de um grupo
qualquer. Ajuda a criar uma
consciência comunitária da
diversidade de nossas ex
periências
e proporciona uma certa noção
daquelas experiências que podem
informar o modo como pensamos e
que dizemos. (...) Esse exercício
transforma a sala de aula num
espaço onde a experiência é
valorizada, não negada nem
considerada sem significado
-
115).
A eficácia da incorporação da
experiência como ferramenta de
atuação pedagógica, capaz de
horizontalizar as relações nas ações
extensionistas, ficou evidenciada em
diversos momentos ao longo desses
oito anos do projeto. Podemos
acar dois aspectos fundamentais:
os espaços de troca e de conversa e
os acionamentos memoráveis por
parte dos integrantes. O
estabelecimento de rodas de debate,
mais do que momentos de catarse ou
relaxamento, permitem a todas as
pessoas em contato naquela
(estudantes universitários, professores
e jovens moradores de favelas) a
explicitação de singularidades no
mesmo gesto em que pressupõe o
contato com diferentes formas de
conhecimento, possibilidades
de trajetórias pessoais e modos
singulares d
e compartilhamento e
reconhecimento de saberes.
as atividades que
demandavam o acionamento da
memória (individual e coletiva) faziam
emergir a interface entre as vivências
pessoais de cada um dos jovens e os
acontecimentos históricos importantes
para a
localidade. Em uma das ações,
por exemplo, uma capacitação em
audiovisual propunha que os jovens se
dividissem em grupos que teriam a
função de caminhar pela favela e
buscar ouvir pessoas mais velhas
consideradas importantes nas suas
localidades. O objetiv
algumas seus saberes específicos que
desejassem compartilhar e, em outra
121
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
os espaços de troca e de conversa e
os acionamentos memoráveis por
parte dos integrantes. O
estabelecimento de rodas de debate,
mais do que momentos de catarse ou
relaxamento, permitem a todas as
pessoas em contato naquela
ação
(estudantes universitários, professores
e jovens moradores de favelas) a
explicitação de singularidades no
mesmo gesto em que pressupõe o
contato com diferentes formas de
conhecimento, possibilidades
-outras
de trajetórias pessoais e modos
e compartilhamento e
reconhecimento de saberes.
as atividades que
demandavam o acionamento da
memória (individual e coletiva) faziam
emergir a interface entre as vivências
pessoais de cada um dos jovens e os
acontecimentos históricos importantes
localidade. Em uma das ações,
por exemplo, uma capacitação em
audiovisual propunha que os jovens se
dividissem em grupos que teriam a
função de caminhar pela favela e
buscar ouvir pessoas mais velhas
consideradas importantes nas suas
localidades. O objetiv
o era ouvir de
algumas seus saberes específicos que
desejassem compartilhar e, em outra
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 20
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frente, recolher relatos sobre
acontecimentos memoráveis da favela
que atribuíssem sentidos coletivos aos
diferentes sítios que constituem sua
região. Assim, mais do qu
e meramente
ensinar os jovens a filmar e a gravar
registros para um documentário, o
objetivo era percebermos, todos, como
cada comunidade se constitui de uma
riqueza e pluralidade de vivências,
lugares, gestos, pessoas, conflitos,
contradições, memórias e
bem como promover o exercício de
uma escuta qualificada.
Esse exemplo de atividade
evidencia como articulamos os pilares
teórico-
pedagógico acionados de
modo prático ao longo da atuação
extensionista. É por essa razão que o
objetivo principal
da metodologia,
centrada na interface entre ações
culturais locais e uso de ferramentas
comunicacionais, não é o resultado
artístico final dos conteúdos.
Queremos, isso sim, acionar modos
potentes de trazer para o plano do
visível a experiência, a memória,
corporalidade e a fala como
possibilidades de expressão das
subjetividades singulares desses
jovens, ainda assim constantemente
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
1
.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
frente, recolher relatos sobre
acontecimentos memoráveis da favela
que atribuíssem sentidos coletivos aos
diferentes sítios que constituem sua
e meramente
ensinar os jovens a filmar e a gravar
registros para um documentário, o
objetivo era percebermos, todos, como
cada comunidade se constitui de uma
riqueza e pluralidade de vivências,
lugares, gestos, pessoas, conflitos,
contradições, memórias e
trajetórias,
bem como promover o exercício de
Esse exemplo de atividade
evidencia como articulamos os pilares
pedagógico acionados de
modo prático ao longo da atuação
extensionista. É por essa razão que o
da metodologia,
centrada na interface entre ações
culturais locais e uso de ferramentas
comunicacionais, não é o resultado
artístico final dos conteúdos.
Queremos, isso sim, acionar modos
potentes de trazer para o plano do
visível a experiência, a memória,
a
corporalidade e a fala como
possibilidades de expressão das
subjetividades singulares desses
jovens, ainda assim constantemente
atravessadas por relações de poder
estruturais, violentas e hierárquicas.
Após esse primeiro movimento
de expressão, o contat
com os saberes universitários pode ser
melhor convertido em ferramenta de
transformação. Especialmente porque
a troca horizontalizada materializa
condições que reduzem o seu
potencial repressor
(usualmente materializado no corpo
invisibilizado no gesto constante e
paradoxal de vigilância e na voz
silenciada de possibilidades de
expressão da experiência e da
memória singulares).
entendermos melhor esse
acionamento, cabe explicitar alguns
outros aspectos teóricos bem como
relacioná-
los aos relatos críticos da
nossa experiência no campo.
4. Pilares teóricos e análise do
funcionamento da metodologia de
atuação
Um caso emblemático da
complexidade envolvida na atuação
junto a jovens moradores de favelas foi
vivenciado pelos integrantes do projeto
em uma ação ocorrida no ano de
2014. Estávamos, então, realizando
uma série de registros em vídeo com
122
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
atravessadas por relações de poder
estruturais, violentas e hierárquicas.
Após esse primeiro movimento
de expressão, o contat
o dos jovens
com os saberes universitários pode ser
melhor convertido em ferramenta de
transformação. Especialmente porque
a troca horizontalizada materializa
condições que reduzem o seu
potencial repressor
-disciplinador
(usualmente materializado no corpo
invisibilizado no gesto constante e
paradoxal de vigilância e na voz
silenciada de possibilidades de
expressão da experiência e da
memória singulares).
Para
entendermos melhor esse
acionamento, cabe explicitar alguns
outros aspectos teóricos bem como
los aos relatos críticos da
nossa experiência no campo.
4. Pilares teóricos e análise do
funcionamento da metodologia de
Um caso emblemático da
complexidade envolvida na atuação
junto a jovens moradores de favelas foi
vivenciado pelos integrantes do projeto
em uma ação ocorrida no ano de
2014. Estávamos, então, realizando
uma série de registros em vídeo com
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
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alguns adolescent
es dos Morros do
Cantagalo e Pavão Pavãozinho que
fariam relatos sobre as visitas guiadas
que aconteceram em diferentes
centros culturais do município do Rio
de Janeiro. A ideia era construir uma
memória sobre tais ações, bem como
refletir sobre os modos d
e apropriação
de tais equipamentos de cultura por
sujeitos que, até então, não haviam
tido experiência similar.
Neste sentido, nos
direcionamos ao Instituto de Arte e
Comunicação da UFF juntamente com
quatro jovens da referida favela.
Coincidentemente, aco
ntecia naquele
momento um evento organizado por
alunos. Ao ingressarmos no ambiente
nos deparamos com um show de uma
banda de rock estudantil, o que
mobilizou a atenção dos participantes
do projeto e postergou nossa entrada
no estúdio. Percebendo um vislum
de encantamento diante da cena
festiva, um dos coordenadores do
projeto perguntou sobre o que
estavam achando da experiência
inédita de estar nas dependências de
uma universidade. A resposta de uma
das integrantes surpreendeu:
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
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.
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(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
es dos Morros do
Cantagalo e Pavão Pavãozinho que
fariam relatos sobre as visitas guiadas
que aconteceram em diferentes
centros culturais do município do Rio
de Janeiro. A ideia era construir uma
memória sobre tais ações, bem como
e apropriação
de tais equipamentos de cultura por
sujeitos que, até então, não haviam
Neste sentido, nos
direcionamos ao Instituto de Arte e
Comunicação da UFF juntamente com
quatro jovens da referida favela.
ntecia naquele
momento um evento organizado por
alunos. Ao ingressarmos no ambiente
nos deparamos com um show de uma
banda de rock estudantil, o que
mobilizou a atenção dos participantes
do projeto e postergou nossa entrada
no estúdio. Percebendo um vislum
bre
de encantamento diante da cena
festiva, um dos coordenadores do
projeto perguntou sobre o que
estavam achando da experiência
inédita de estar nas dependências de
uma universidade. A resposta de uma
das integrantes surpreendeu:
amando. Parece que e
de um episódio de
Glee
Após o susto inicial diante da
associação da experiência
universitária com uma série
estadunidense, considerada inusitada
pelo professor que havia feito a
pergunta (em parte por seu
desconhecimento a respeito do que
tratava a referida produção
audiovisual), fomos apresentados a
uma rica complexidade que,
evidentemente, compunha a
subjetividade daquela jovem. A
resposta explicitava, de certa forma,
aquilo que Martin
-
define como "competência
comunicacion
al". Percebemos uma
geração de jovens moradores das
favelas das grandes cidades
plenamente capazes de reconhecer,
assimilar e negociar os códigos
compartilhados e veiculados por uma
cultura de massa global.
Estávamos diante de uma
jovem que, em sua locali
residência, exercia a função de mediar
6
Trata-
se de uma série musical americana na
qual estudantes de ensino médio vivem suas
peripécias e dão os primeiros passos
artísticos, especialmente ligados à dança e à
música, o
que explica a associação feita pela
adolescente. No momento da pergunta, a
banda tocava uma música de
123
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
amando. Parece que e
u estou dentro
Glee
6
”.
Após o susto inicial diante da
associação da experiência
universitária com uma série
estadunidense, considerada inusitada
pelo professor que havia feito a
pergunta (em parte por seu
desconhecimento a respeito do que
tratava a referida produção
audiovisual), fomos apresentados a
uma rica complexidade que,
evidentemente, compunha a
subjetividade daquela jovem. A
resposta explicitava, de certa forma,
-
Barbero (1997)
define como "competência
al". Percebemos uma
geração de jovens moradores das
favelas das grandes cidades
plenamente capazes de reconhecer,
assimilar e negociar os códigos
compartilhados e veiculados por uma
cultura de massa global.
Estávamos diante de uma
jovem que, em sua locali
dade de
residência, exercia a função de mediar
se de uma série musical americana na
qual estudantes de ensino médio vivem suas
peripécias e dão os primeiros passos
artísticos, especialmente ligados à dança e à
que explica a associação feita pela
adolescente. No momento da pergunta, a
banda tocava uma música de
Lady Gaga.
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
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as instruções do professor de uma
orquestra de percussão mirim e que,
simultaneamente, consumia, entre
outros conteúdos, a série que
descrevia as agruras e peripécias de
jovens estudantes americanos de sua
ida
de. Em resumo, o momento de
surpresa ofereceu uma oportunidade
de aprendizado, também para os
integrantes do projeto: derrubar por
terra eventuais resquícios que ainda
existissem do equívoco iluminista de
considerar o fato de trazer os jovens
"excluídos" p
ara a Universidade como
um gesto que apresenta o
esclarecimento e o lugar do saber a
alguém desprovido de recursos
simbólicos.
Ficava evidente de que forma
tal visão simplista não dava conta da
complexidade desses sujeitos. É um
fato que esses jovens são
a
travessados pela falta, fruto da
inclusão precária num processo de
consumo que regala a muitos o papel
do extermínio, da sujeição criminal ou
de permanecer à margem das
possibilidades de formação
educacional de qualidade. A breve
resposta, no entanto, tamb
luz a subjetividades que praticam a
cidade em seus mais diversos
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
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Tramas entre cultura e educação")
as instruções do professor de uma
orquestra de percussão mirim e que,
simultaneamente, consumia, entre
outros conteúdos, a série que
descrevia as agruras e peripécias de
jovens estudantes americanos de sua
de. Em resumo, o momento de
surpresa ofereceu uma oportunidade
de aprendizado, também para os
integrantes do projeto: derrubar por
terra eventuais resquícios que ainda
existissem do equívoco iluminista de
considerar o fato de trazer os jovens
ara a Universidade como
um gesto que apresenta o
esclarecimento e o lugar do saber a
alguém desprovido de recursos
Ficava evidente de que forma
tal visão simplista não dava conta da
complexidade desses sujeitos. É um
fato que esses jovens são
travessados pela falta, fruto da
inclusão precária num processo de
consumo que regala a muitos o papel
do extermínio, da sujeição criminal ou
de permanecer à margem das
possibilidades de formação
educacional de qualidade. A breve
resposta, no entanto, tamb
ém jogava
luz a subjetividades que praticam a
cidade em seus mais diversos
espaços, que consomem e se
identificam com conteúdos globais de
comunicação de massa e que
negociam esses sentidos veiculados
com suas práticas cotidianas,
igualmente em diálogo com
miríades de informações e estímulos.
O episódio ensinava para os
integrantes do projeto como as
negociações entre tais jovens e os
saberes acadêmicos poderia assumir
aspectos mais ricos e contraditórios do
que simples modos de esclarecimento
e apresen
tação a eles dos lugares de
erudição. Assim, competência
comunicacional associada aos gestos
identitários estabelecidos a partir de
práticas culturais locais se articulam e
se entrelaçam naqueles jovens. Cabia,
então, ao projeto, estimular essas
potências
em funcionamento e
acrescentar, nessa mistura, elementos
dos saberes universitários que
estavam, por sua vez, sendo também
afetados pelos curtos circuitos que
esses (des)encontros passaram a
acionar.
Após essa conversa, fomos
para o estúdio de gravação
as técnicas de registro e de edição
utilizadas por profissionais de
comunicação. Após a entrada no
124
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Tramas entre cultura e educação")
espaços, que consomem e se
identificam com conteúdos globais de
comunicação de massa e que
negociam esses sentidos veiculados
com suas práticas cotidianas,
igualmente em diálogo com
uma
miríades de informações e estímulos.
O episódio ensinava para os
integrantes do projeto como as
negociações entre tais jovens e os
saberes acadêmicos poderia assumir
aspectos mais ricos e contraditórios do
que simples modos de esclarecimento
tação a eles dos lugares de
erudição. Assim, competência
comunicacional associada aos gestos
identitários estabelecidos a partir de
práticas culturais locais se articulam e
se entrelaçam naqueles jovens. Cabia,
então, ao projeto, estimular essas
em funcionamento e
acrescentar, nessa mistura, elementos
dos saberes universitários que
estavam, por sua vez, sendo também
afetados pelos curtos circuitos que
esses (des)encontros passaram a
Após essa conversa, fomos
para o estúdio de gravação
apresentar
as técnicas de registro e de edição
utilizadas por profissionais de
comunicação. Após a entrada no
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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espaço de saber ter sido “suavizada”
por práticas culturais negociáveis
simbolicamente pelos jovens, o
contato com o conhecimento formal se
realiz
ou de forma mais potente.
Sabemos, todos, como estar diante do
saber institucionalizado pode ser
violento e excludente.
O episódio ilustra bem,
portanto, os três eixos que dão
sustentação à metodologia aqui
proposta e que se entrelaçam: a)
articulação, nos
jovens, da noção de
projeto e de construção de futuro; b)
de modo a deslocar o entendimento de
suas localidades do lugar prioritário da
violência na cidade para um lugar
legítimo de saber; c) no qual se
desenvolvem práticas culturais que
podem se tornar i
nstrumentos
potentes, especialmente quando
postos em diálogo com práticas
comunicacionais resultando na
produção de conteúdos informativos e
artísticos.
Estimulamos, em síntese, um
processo de capacitação cnica e
transformação de suas subjetividades
ao m
esmo tempo em que nos
alimentamos da convergência entre os
conteúdos consumidos pelos jovens
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
1
.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
espaço de saber ter sido “suavizada”
por práticas culturais negociáveis
simbolicamente pelos jovens, o
contato com o conhecimento formal se
ou de forma mais potente.
Sabemos, todos, como estar diante do
saber institucionalizado pode ser
O episódio ilustra bem,
portanto, os três eixos que dão
sustentação à metodologia aqui
proposta e que se entrelaçam: a)
jovens, da noção de
projeto e de construção de futuro; b)
de modo a deslocar o entendimento de
suas localidades do lugar prioritário da
violência na cidade para um lugar
legítimo de saber; c) no qual se
desenvolvem práticas culturais que
nstrumentos
potentes, especialmente quando
postos em diálogo com práticas
comunicacionais resultando na
produção de conteúdos informativos e
Estimulamos, em síntese, um
processo de capacitação cnica e
transformação de suas subjetividades
esmo tempo em que nos
alimentamos da convergência entre os
conteúdos consumidos pelos jovens
e as práticas culturais às quais têm
acesso prévio.
4.1 Das profecias que se
autocumprem aos projetos de
futuros-outros
A constatação da importância
de um dos principais pilares
norteadores de nossas ações se deu
ao longo dos primeiros anos de
atuação junto aos jovens. Era comum,
ao propormos exercícios de reflexão
sobre si e de questionamentos a
respeito do futuro, a ausên
falas e nas práticas desses jovens da
noção de projeto
. A temporalidade dos
discursos sustentados nas rodas de
conversa, bem como nos exercícios
propostos, tendia a congelar
agora e, quando muito, em eventuais
rememorações pontuais de momento
marcantes das trajetórias individuais.
O futuro era uma ausência tão
incômoda, para nós, como constante
nos relatos.
Sabe-
se que a construção da
identidade pressupõe a articulação
entre presente, passado e futuro, em
um jogo interconectado de resgate e
a
rticulação de vivências e
aprendizados vividos ou adquiridos,
feitos no presente, tendo em vista a
125
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
e as práticas culturais às quais têm
4.1 Das profecias que se
autocumprem aos projetos de
A constatação da importância
de um dos principais pilares
norteadores de nossas ações se deu
ao longo dos primeiros anos de
atuação junto aos jovens. Era comum,
ao propormos exercícios de reflexão
sobre si e de questionamentos a
respeito do futuro, a ausên
cia nas
falas e nas práticas desses jovens da
. A temporalidade dos
discursos sustentados nas rodas de
conversa, bem como nos exercícios
propostos, tendia a congelar
-se no
agora e, quando muito, em eventuais
rememorações pontuais de momento
s
marcantes das trajetórias individuais.
O futuro era uma ausência tão
incômoda, para nós, como constante
se que a construção da
identidade pressupõe a articulação
entre presente, passado e futuro, em
um jogo interconectado de resgate e
rticulação de vivências e
aprendizados vividos ou adquiridos,
feitos no presente, tendo em vista a
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 20
, p.
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-
13
, março 202
elaboração de projetos de vida para o
futuro. As temporalidades, portanto,
enredam-
se de forma a darem uma
certa conformação identitária, sempre
sujeita a novos rearranjos.
Resgatando Gilberto Velho
(1994), e dialogando também com
Pollak (1992) e Halbwachs (1990),
passamos a ressaltar e aprofundar
junto a esses jovens esse processo de
construção do eu, da própria
identidade. Se, por um lado, o resgate
da m
emória permite uma visão
retrospectiva, criando uma narrativa de
si que seleciona, ordena e
coerência à trajetória pessoal, ela, em
continuação, precisa vir articulada com
a ideia de PROJETO
, isto é, o
exercício de antecipar o futuro,
organizar os meios
necessários para
atingir os fins. Se essa dimensão
projetual não existe, a construção
identitária se fragiliza, pois o sujeito
não consegue estabelecer uma linha
de continuidade que sentido ao seu
agir no presente.
Defendemos, então, o uso
constante de
elementos pedagógicos
que estimulem os processos de
autorreflexão de modo a fomentar a
análise da própria trajetória de vida por
meio da atenção às dimensões de
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
1
.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
elaboração de projetos de vida para o
futuro. As temporalidades, portanto,
se de forma a darem uma
certa conformação identitária, sempre
Resgatando Gilberto Velho
(1994), e dialogando também com
Pollak (1992) e Halbwachs (1990),
passamos a ressaltar e aprofundar
junto a esses jovens esse processo de
construção do eu, da própria
identidade. Se, por um lado, o resgate
emória permite uma visão
retrospectiva, criando uma narrativa de
si que seleciona, ordena e
coerência à trajetória pessoal, ela, em
continuação, precisa vir articulada com
, isto é, o
exercício de antecipar o futuro,
necessários para
atingir os fins. Se essa dimensão
projetual não existe, a construção
identitária se fragiliza, pois o sujeito
não consegue estabelecer uma linha
de continuidade que sentido ao seu
Defendemos, então, o uso
elementos pedagógicos
que estimulem os processos de
autorreflexão de modo a fomentar a
análise da própria trajetória de vida por
meio da atenção às dimensões de
presente, passado e futuro, sempre
em relação causal. Aos poucos, a
combinação entre a auto
atividades culturais e comunicacionais
vão permitindo, nos jovens, o
surgimento cada vez mais evidente de
planos e desejos de transformação de
si, além da construção de futuros
outros que não apenas a mera
reprodução dos lugares sociais
apresen
tados, até então, como únicos
para aqueles jovens.
Antes, porém, de apresentar
concretamente a universidade como
um desses sítios de futuros
possíveis, trabalhamos ações que
promovem a releitura das suas
próprias localidades como igualmente
potentes
e não apenas sítio onde
residiria a carência e a falta (material,
de horizontes e de perspectivas).
4.2 Da dor da perda à potência dos
saberes locais
Vimos de que forma uma
centralidade colonialista e ocidental
organizou, historicamente, um duplo
proces
so que permitia a legitimação de
determinadas formas de conhe
cimento, no mesmo movimento em
que silenciava outras possibilidades de
saber, especialmente aqueles
126
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
presente, passado e futuro, sempre
em relação causal. Aos poucos, a
combinação entre a auto
-reflexão e as
atividades culturais e comunicacionais
vão permitindo, nos jovens, o
surgimento cada vez mais evidente de
planos e desejos de transformação de
si, além da construção de futuros
-
outros que não apenas a mera
reprodução dos lugares sociais
tados, até então, como únicos
Antes, porém, de apresentar
concretamente a universidade como
um desses sítios de futuros
-outros
possíveis, trabalhamos ações que
promovem a releitura das suas
próprias localidades como igualmente
e não apenas sítio onde
residiria a carência e a falta (material,
de horizontes e de perspectivas).
4.2 Da dor da perda à potência dos
Vimos de que forma uma
centralidade colonialista e ocidental
organizou, historicamente, um duplo
so que permitia a legitimação de
determinadas formas de conhe
-
cimento, no mesmo movimento em
que silenciava outras possibilidades de
saber, especialmente aqueles
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instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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Americana de Estudos em Cultura,
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1, n. 20
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cotidianos e locais. Um
desdobramento, às vezes involuntário,
de tal gesto de enquadramento po
ser percebido na eventual dificuldade
de algumas rotinas pedagógicas de
incorporar, como elementos centrais,
aspectos da vida cotidiana dos jovens
moradores de favela. Percebemos que
dialogar de modo mais aberto com as
ferramentas habituais dos jovens,
como o uso ativo do celular e das
redes sociais, suas danças e
manifestações musicais e poéticas
(como o rap, o funk e o hip hop),
facilita o acesso às diferentes
propostas de aprendizagem sugeridas
nas nossas atividades.
Ao relacionar os processos de
letr
amento no Brasil com a luta dos
sujeitos pelo direito de construir
espaços de significação (e de vida),
Orlandi lança um olhar sobre as
estratégias desenvolvidas por
pichadores e grafiteiros nos muros das
cidades. Para além do debate sobre
criminalização d
a prática e levando em
conta a dificuldade de acesso aos
bancos das escolas, esses jovens
"têm, no muro recém pintado, a página
em branco onde inscrever
simbolicamente, onde escrever"
(ORLANDI, 2004, p. 107).
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instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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.
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Tramas entre cultura e educação")
cotidianos e locais. Um
desdobramento, às vezes involuntário,
de tal gesto de enquadramento po
de
ser percebido na eventual dificuldade
de algumas rotinas pedagógicas de
incorporar, como elementos centrais,
aspectos da vida cotidiana dos jovens
moradores de favela. Percebemos que
dialogar de modo mais aberto com as
ferramentas habituais dos jovens,
como o uso ativo do celular e das
redes sociais, suas danças e
manifestações musicais e poéticas
(como o rap, o funk e o hip hop),
facilita o acesso às diferentes
propostas de aprendizagem sugeridas
Ao relacionar os processos de
amento no Brasil com a luta dos
sujeitos pelo direito de construir
espaços de significação (e de vida),
Orlandi lança um olhar sobre as
estratégias desenvolvidas por
pichadores e grafiteiros nos muros das
cidades. Para além do debate sobre
a prática e levando em
conta a dificuldade de acesso aos
bancos das escolas, esses jovens
"têm, no muro recém pintado, a página
em branco onde inscrever
-se
simbolicamente, onde escrever"
Trata-
se de uma grafia urbana
que muitas ve
zes se converte em rara
possibilidade para determinados
sujeitos, ao elaborarem conteúdos
próprios, estabelecerem processos de
comunicação, protagonismo e
reconhecimento com seus pares.
Diante da emergência desses traços
compartilhados, produz
(re)significação dos espaços locais a
partir do olhar dos próprios moradores.
Nesse sentido, nossa proposta de
metodologia busca estimular, nos
jovens, o mesmo gesto autoral de
potencializar as capacidades de
inscrição de si na vida da cidade.
Um exemp
lo dessa potência
pôde ser visto durante uma caminhada
no Cantagalo e Pavão
Poucos dias antes, o dançarino
Douglas Rafael da Silva Pereira, o
morador e cuja carreira havia
transcendido os limites da favela,
havia sido assassinado durante
ação policial. Ao passarem por um
grafite recém pintado por Acme, um
artista local consagrado no Brasil,
participantes do projeto silenciaram
para contemplar. Em seguida
começaram a entoar, quase em
uníssono, os versos de um funk
composto por outro ar
127
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
se de uma grafia urbana
zes se converte em rara
possibilidade para determinados
sujeitos, ao elaborarem conteúdos
próprios, estabelecerem processos de
comunicação, protagonismo e
reconhecimento com seus pares.
Diante da emergência desses traços
compartilhados, produz
-se, ainda, uma
(re)significação dos espaços locais a
partir do olhar dos próprios moradores.
Nesse sentido, nossa proposta de
metodologia busca estimular, nos
jovens, o mesmo gesto autoral de
potencializar as capacidades de
inscrição de si na vida da cidade.
lo dessa potência
pôde ser visto durante uma caminhada
no Cantagalo e Pavão
-Pavãozinho.
Poucos dias antes, o dançarino
Douglas Rafael da Silva Pereira, o
DG,
morador e cuja carreira havia
transcendido os limites da favela,
havia sido assassinado durante
uma
ação policial. Ao passarem por um
grafite recém pintado por Acme, um
artista local consagrado no Brasil,
participantes do projeto silenciaram
para contemplar. Em seguida
começaram a entoar, quase em
uníssono, os versos de um funk
composto por outro ar
tista local, MC
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instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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Cabelinho, em homenagem ao DG.
Ficou claro para os bolsistas do projeto
que aquela ferida, ainda aberta, estava
sendo elaborada por meio da arte nos
muros e das palavras incorporadas
aos demais sons da favela.
4.3 Comunicação e Cultura c
elementos da prática pedagógica
Vimos como estamos diante de
jovens que convivem, cotidianamente,
com ferramentas de comunicação e
delas fazem uso para se conectar e se
expressar, inclusive artisticamente.
Nesse sentido, o gesto de utilizar
recursos a
udiovisuais e comunica
cionais nas ações têm um caráter
e não fim
. O ensino das técnicas de
registro e compartilhamento de
conteúdos artísticos e comuni
cacionais, bem como as visitas aos
laboratórios e demais espaços da
Universidade, buscam mais a
tr
ansformação das subjetividades do
que a excelência artística.
Tal opção se justifica ao
acionarmos os usos contemporâneos
da artes, incluindo as de origem
periférica, como instrumentos de
sociabilidade. Entendemos a cultura
como campo de embate a partir do
qual práticas, valores e significados
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
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instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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.
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(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
Cabelinho, em homenagem ao DG.
Ficou claro para os bolsistas do projeto
que aquela ferida, ainda aberta, estava
sendo elaborada por meio da arte nos
muros e das palavras incorporadas
aos demais sons da favela.
4.3 Comunicação e Cultura c
omo
elementos da prática pedagógica
Vimos como estamos diante de
jovens que convivem, cotidianamente,
com ferramentas de comunicação e
delas fazem uso para se conectar e se
expressar, inclusive artisticamente.
Nesse sentido, o gesto de utilizar
udiovisuais e comunica
-
cionais nas ações têm um caráter
meio
. O ensino das técnicas de
registro e compartilhamento de
conteúdos artísticos e comuni
-
cacionais, bem como as visitas aos
laboratórios e demais espaços da
Universidade, buscam mais a
ansformação das subjetividades do
Tal opção se justifica ao
acionarmos os usos contemporâneos
da artes, incluindo as de origem
periférica, como instrumentos de
sociabilidade. Entendemos a cultura
como campo de embate a partir do
qual práticas, valores e significados
(do mundo e de si mesmo) se
(re)constroem de modo dinâmico a
partir de relações de forças, sempre
desiguais (WILLIAMS, 2011). Trata
do terreno privilegiado no qual os
sujeitos buscam narrar
espaço em
que vivem, contribuindo
assim para a criação de memória e
identidade sociais, cujas teias de
significados estão constantemente em
disputa (GEERTZ, 1989).
Ao entendermos o território
como espaço construído histórico
socialmente, o que implica tanto uma
apropriação simbólica/cultural (em seu
sentido mais imaterial), quanto um
“domínio” político/econômico (com
traços mais propriamente materiais),
trabalhamos a dimensão das práticas
culturais de modo a contribuir para
transformação individual a partir de
es
tímulos diversos. Norteamos, assim,
tanto a oferta de oficinas como a
busca da ampliação de referências dos
jovens, sem perder de vista o estímulo
à expressão.
Tal junção entre saberes e
práticas culturais locais e modos de
produção de territorialidades
es
pecíficas, bem como os demais
pilares que fundamentam nossa
metodologia de atuação foram
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Tramas entre cultura e educação")
(do mundo e de si mesmo) se
(re)constroem de modo dinâmico a
partir de relações de forças, sempre
desiguais (WILLIAMS, 2011). Trata
-se
do terreno privilegiado no qual os
sujeitos buscam narrar
-se e narrar o
que vivem, contribuindo
assim para a criação de memória e
identidade sociais, cujas teias de
significados estão constantemente em
disputa (GEERTZ, 1989).
Ao entendermos o território
como espaço construído histórico
-
socialmente, o que implica tanto uma
apropriação simbólica/cultural (em seu
sentido mais imaterial), quanto um
“domínio” político/econômico (com
traços mais propriamente materiais),
trabalhamos a dimensão das práticas
culturais de modo a contribuir para
transformação individual a partir de
tímulos diversos. Norteamos, assim,
tanto a oferta de oficinas como a
busca da ampliação de referências dos
jovens, sem perder de vista o estímulo
Tal junção entre saberes e
práticas culturais locais e modos de
produção de territorialidades
pecíficas, bem como os demais
pilares que fundamentam nossa
metodologia de atuação foram
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instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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observados de modo bastante
evidente em uma atividade realizada
junto com os jovens nas dependências
da universidade.
5. "Hoje o Cantagalo é aqui": corpos
e práticas
que deslocam sentidos e
mobilizam saberes
Nas etapas anteriores
apresentamos um percurso teórico
metodológico a partir do qual foram
idealizadas as ações do projeto de
extensão. Cabe, agora, refletir sobre
uma série de atividades desenvolvidas
no âmbito d
a ação intitulada como
"Hoje o Cantagalo é Aqui", em
referência ao nome da favela de onde
partiram os jovens sicos da
Orquestra Mirim de Percussão do
Mestre e os dançarinos de
passinho, e ao movimento de
ocupação das dependências da UFF,
em setembro de 2014.
Durante dois dias, o Instituto de
Arte e Comunicação se tornou,
conforme as palavras do Mestre Dá,
"um pedacinho da favela". Essa fala,
embora poética, poderia apresentar
contradições reveladoras justamente
do que o projeto de extensão não
gosta
ria de ser. O pressuposto de
nosso trabalho parte da ideia de que
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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observados de modo bastante
evidente em uma atividade realizada
junto com os jovens nas dependências
5. "Hoje o Cantagalo é aqui": corpos
que deslocam sentidos e
Nas etapas anteriores
apresentamos um percurso teórico
-
metodológico a partir do qual foram
idealizadas as ações do projeto de
extensão. Cabe, agora, refletir sobre
uma série de atividades desenvolvidas
a ação intitulada como
"Hoje o Cantagalo é Aqui", em
referência ao nome da favela de onde
partiram os jovens sicos da
Orquestra Mirim de Percussão do
Mestre e os dançarinos de
passinho, e ao movimento de
ocupação das dependências da UFF,
Durante dois dias, o Instituto de
Arte e Comunicação se tornou,
conforme as palavras do Mestre Dá,
"um pedacinho da favela". Essa fala,
embora poética, poderia apresentar
contradições reveladoras justamente
do que o projeto de extensão não
ria de ser. O pressuposto de
nosso trabalho parte da ideia de que
tanto os polos distintivos, quanto os
muros invisíveis, precisam ser
evidenciados para que seja possível
promover uma intervenção efetiva nas
perversas inclusões precárias de
pretos, pobres
e periféricos. Para
tanto, não bastava ser um "pedaço" da
favela ou um dia em sua referência.
Era necessário que nossa atuação
incluísse a consciência de seus limites,
tanto quanto o desejo de gerar
afetações profundas em todos os
presentes, de modo a impl
projeto de transformação da própria
ideia de universidade.
Dessa forma, para pensar a
presença de jovens oriundos da favela
na qualidade de corpos da exceção
num campus universitário, a equipe do
projeto debateu intensamente sobre o
lugar que
essas pessoas teriam
durante a ação. O cuidado era,
justamente, não resvalar numa
exotização de tais figuras ou em
contatos objetificados. Assim,
chegamos à conclusão de que o
princípio norteador das ações deveria
ser a reafirmação do caráter
pedagógico da
universidade. Desta
vez, com a contribuição de sujeitos
que, não raro, são observados a partir
do viés da desconfiança. Dito de outra
129
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tanto os polos distintivos, quanto os
muros invisíveis, precisam ser
evidenciados para que seja possível
promover uma intervenção efetiva nas
perversas inclusões precárias de
e periféricos. Para
tanto, não bastava ser um "pedaço" da
favela ou um dia em sua referência.
Era necessário que nossa atuação
incluísse a consciência de seus limites,
tanto quanto o desejo de gerar
afetações profundas em todos os
presentes, de modo a impl
icá-los num
projeto de transformação da própria
ideia de universidade.
Dessa forma, para pensar a
presença de jovens oriundos da favela
na qualidade de corpos da exceção
num campus universitário, a equipe do
projeto debateu intensamente sobre o
essas pessoas teriam
durante a ação. O cuidado era,
justamente, não resvalar numa
exotização de tais figuras ou em
contatos objetificados. Assim,
chegamos à conclusão de que o
princípio norteador das ações deveria
ser a reafirmação do caráter
universidade. Desta
vez, com a contribuição de sujeitos
que, não raro, são observados a partir
do viés da desconfiança. Dito de outra
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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forma, determinamos que a presença
dos jovens deveria reafirmar,
precisamente, seu lugar e capacidade
de promover saberes.
Foi dessa maneira que foram
desenhadas três atividades
complementares em que moradores
das favelas figuravam na posição de
educadores junto ao corpo discente,
docente e administrativo da UFF. A
primeira era uma oficina de percussão
com cerca 25 jovens
que ensinaram o
manuseio dos instrumentos, as
diferenças entre ritmos e sonoridades
e, principalmente, demonstraram ao
público presente formas diversas de
ocupar o espaço "canônico" do saber,
entremeando o som seco do surdo, a
estridência do tamborim, com
das favelas e movimentos de quadril.
Na segunda atividade, uma
oficina de passinho, percebemos que
os limites espaciais originalmente
estabelecidos para concentrar o olhar
do público e, assim, forjar um palco,
eram, na verdade, restritivos da
po
tência daquela ação. Em poucos
minutos, jovens de idades diversas,
oriundos de favelas, tomando posse
de seus lugares de professores,
quebraram o protocolo idealizado, e
passaram a orientar os participantes a
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
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instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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forma, determinamos que a presença
dos jovens deveria reafirmar,
precisamente, seu lugar e capacidade
Foi dessa maneira que foram
desenhadas três atividades
complementares em que moradores
das favelas figuravam na posição de
educadores junto ao corpo discente,
docente e administrativo da UFF. A
primeira era uma oficina de percussão
que ensinaram o
manuseio dos instrumentos, as
diferenças entre ritmos e sonoridades
e, principalmente, demonstraram ao
público presente formas diversas de
ocupar o espaço "canônico" do saber,
entremeando o som seco do surdo, a
estridência do tamborim, com
histórias
das favelas e movimentos de quadril.
Na segunda atividade, uma
oficina de passinho, percebemos que
os limites espaciais originalmente
estabelecidos para concentrar o olhar
do público e, assim, forjar um palco,
eram, na verdade, restritivos da
tência daquela ação. Em poucos
minutos, jovens de idades diversas,
oriundos de favelas, tomando posse
de seus lugares de professores,
quebraram o protocolo idealizado, e
passaram a orientar os participantes a
transitar por todo campus fazendo o
uso de seus
corpos a partir de
movimentos atípicos ao local. A cena,
emblemática, revelava mais do que
eventuais dificuldades de mover os
pés com destreza e graça ao som do
funk. Ela demonstrava aos presentes
que todos os corpos que habitam
cotidiana ou excepcional
universidade são inevitavelmente
políticos e por isso, passíveis de
reflexão a seu respeito e,
fundamentalmente, inclusão efetiva.
Ainda no esteio das revelações
proporcionadas pela oficina de
passinho, a equipe se deparou com
um acontecimento d
Num dado momento, olhar para o
IACS-
UFF era visualizar a
possibilidade de quebra de rígidas
estruturas que historicamente
instituíram valorações e exclusões
diversas. Os corpos dedicados
seriedade no ensaio dos movimentos e
a batida do f
unk instigaram, também, o
olhar de dois meninos negros que
passavam pela rua. Possíveis
moradores da favela vizinha, as
crianças permaneceram interessadas
por tudo o que era aquela universidade
que elas até então não enxergavam.
Embora próxima e corriqueir
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transitar por todo campus fazendo o
corpos a partir de
movimentos atípicos ao local. A cena,
emblemática, revelava mais do que
eventuais dificuldades de mover os
pés com destreza e graça ao som do
funk. Ela demonstrava aos presentes
que todos os corpos que habitam
-
cotidiana ou excepcional
mente - a
universidade são inevitavelmente
políticos e por isso, passíveis de
reflexão a seu respeito e,
fundamentalmente, inclusão efetiva.
Ainda no esteio das revelações
proporcionadas pela oficina de
passinho, a equipe se deparou com
um acontecimento d
esestabilizador.
Num dado momento, olhar para o
UFF era visualizar a
possibilidade de quebra de rígidas
estruturas que historicamente
instituíram valorações e exclusões
diversas. Os corpos dedicados
à
seriedade no ensaio dos movimentos e
unk instigaram, também, o
olhar de dois meninos negros que
passavam pela rua. Possíveis
moradores da favela vizinha, as
crianças permaneceram interessadas
por tudo o que era aquela universidade
que elas até então não enxergavam.
Embora próxima e corriqueir
a, a UFF
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
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dos muros invisíveis e eficientes, se
tornara um espaço possível para
aqueles corpos. Ainda assim, diante
do convite de um dos coordenadores
do projeto, os meninos titubeantes,
declinaram do gesto político de
permanecer. Talvez por saberem, com
al
gum grau de consciência possível a
crianças, que aquilo se tratava de uma
exceção.
A última atividade era uma
mesa intitulada como "O fazer cultural
na favela, saber midiático e
protagonismo social". Sua composição
contou com Anderson José Ribeiro, do
pro
jeto Dá Teu Papo, Beatriz Pimentel,
produtora cultural, Eduardo Baptista,
da Maneh Produções, Key Tetra,
coreógrafo de passinho e produtor
cultural, além dos coordenadores do
projeto.
O debate girou em torno da
politização daquelas presenças
externas à UF
F. Num dado momento,
uma aluna que estava na plateia
apresentou sua história, na qualidade
de mulher negra e moradora de favela,
e falou da importância da constituição
de reflexões e práticas que partam da
favela para pensar a universidade e
não o contrári
o. Tal provocação se
alinha com o que norteia o projeto
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
1
.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
dos muros invisíveis e eficientes, se
tornara um espaço possível para
aqueles corpos. Ainda assim, diante
do convite de um dos coordenadores
do projeto, os meninos titubeantes,
declinaram do gesto político de
permanecer. Talvez por saberem, com
gum grau de consciência possível a
crianças, que aquilo se tratava de uma
A última atividade era uma
mesa intitulada como "O fazer cultural
na favela, saber midiático e
protagonismo social". Sua composição
contou com Anderson José Ribeiro, do
jeto Dá Teu Papo, Beatriz Pimentel,
produtora cultural, Eduardo Baptista,
da Maneh Produções, Key Tetra,
coreógrafo de passinho e produtor
cultural, além dos coordenadores do
O debate girou em torno da
politização daquelas presenças
F. Num dado momento,
uma aluna que estava na plateia
apresentou sua história, na qualidade
de mulher negra e moradora de favela,
e falou da importância da constituição
de reflexões e práticas que partam da
favela para pensar a universidade e
o. Tal provocação se
alinha com o que norteia o projeto
Quem Sabe de Mim Sou Eu
toa, esse nome permanece como uma
diretriz no estabelecimento dos
princípios de nossa atuação, assim
como lembrete das armadilhas de
tutela e exotização das quais
buscamos desviar.
6. Conclusões (provisórias)
"Do alto da favela a gente
enxerga o mundo lá embaixo e
sonha que um dia aquele mundo
enxergue a gente como gente que
é humano. A gente sonha em um
dia tudo ser uma coisa só, sem
desvalorizar e diminuir ninguém.
A
gente sonha em ser valorizado
e respeitado. A gente sonha em
ter voz. Mas a gente não quer só
sonhar, a gente quer ter, fazer,
(Thayná Rodrigues, Bolsista Pibic
Ensino Médio
O projeto
Quem Sabe de Mim
Sou
completou oito anos. Ao longo
dessa trajetória ainda em curso,
acumulamos histórias felizes,
equívocos e, principalmente, o desejo
de colocarmo-
nos disponíveis para
rever o que fosse necessário.
Trabalhar com gente demanda um
esforço contínuo de não acomo
capacidade inventiva e, sobretudo, de
se perceber como sujeito relacional.
Foi dessa forma, inclusive, que
nos deparamos com um dos episódios
131
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
Quem Sabe de Mim Sou Eu
. Não à
toa, esse nome permanece como uma
diretriz no estabelecimento dos
princípios de nossa atuação, assim
como lembrete das armadilhas de
tutela e exotização das quais
6. Conclusões (provisórias)
"Do alto da favela a gente
enxerga o mundo lá embaixo e
sonha que um dia aquele mundo
enxergue a gente como gente que
é humano. A gente sonha em um
dia tudo ser uma coisa só, sem
desvalorizar e diminuir ninguém.
gente sonha em ser valorizado
e respeitado. A gente sonha em
ter voz. Mas a gente não quer só
sonhar, a gente quer ter, fazer,
realizar["
(Thayná Rodrigues, Bolsista Pibic
Ensino Médio
- Quem Sabe de
Mim Sou Eu)
Quem Sabe de Mim
completou oito anos. Ao longo
dessa trajetória ainda em curso,
acumulamos histórias felizes,
equívocos e, principalmente, o desejo
nos disponíveis para
rever o que fosse necessário.
Trabalhar com gente demanda um
esforço contínuo de não acomo
dação,
capacidade inventiva e, sobretudo, de
se perceber como sujeito relacional.
Foi dessa forma, inclusive, que
nos deparamos com um dos episódios
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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mais marcantes de nossa caminhada.
Durante anos tivemos como parceiro
um rapaz morador da Babilônia.
Sempr
e implicado com questões de
cunho social, mobilizador de atividades
comunitárias, ele se apresentava como
uma liderança, especialmente para os
mais jovens. O início dessa relação,
porém, não foi simples justamente
porque ele nos enxergava como o
Estado, co
m o qual estava
acostumado a lidar, que ora rompia as
portas das casas da favela sem
licença ou respeito, ora se aproximava
para usá-
los enquanto objetos e não
tratá-
los como interlocutores.
Acreditamos que a forma que
escolhemos para entrar, permanecer e
nos relacionar nas favelas foi
determinante para que esse olhar de
desconfiança se desvanecesse a partir
das interações implicadas. Com
respeito às temporalidades de todos,
os vínculos se fortaleciam, as relações
se embaralhavam e geravam impactos
até ent
ão inéditos. Foi dessa maneira
que recebemos as palavras do tal
rapaz, liderança da Babilônia, com um
misto de surpresa e alegria. Ele nos
procurou para dizer que sua visão
sobre o que era a universidade havia
mudado em função do que nós
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
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.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
mais marcantes de nossa caminhada.
Durante anos tivemos como parceiro
um rapaz morador da Babilônia.
e implicado com questões de
cunho social, mobilizador de atividades
comunitárias, ele se apresentava como
uma liderança, especialmente para os
mais jovens. O início dessa relação,
porém, não foi simples justamente
porque ele nos enxergava como o
m o qual estava
acostumado a lidar, que ora rompia as
portas das casas da favela sem
licença ou respeito, ora se aproximava
los enquanto objetos e não
los como interlocutores.
Acreditamos que a forma que
escolhemos para entrar, permanecer e
nos relacionar nas favelas foi
determinante para que esse olhar de
desconfiança se desvanecesse a partir
das interações implicadas. Com
respeito às temporalidades de todos,
os vínculos se fortaleciam, as relações
se embaralhavam e geravam impactos
ão inéditos. Foi dessa maneira
que recebemos as palavras do tal
rapaz, liderança da Babilônia, com um
misto de surpresa e alegria. Ele nos
procurou para dizer que sua visão
sobre o que era a universidade havia
mudado em função do que nós
apresentamos para
soubesse que, de alguma maneira,
não éramos a regra da instituição,
mostrávamos o que ela poderia ser,
sobretudo se mais pessoas como ele
tivessem condições de transformá
Disse-
nos, ainda, que passou a
se pensar possível no ensino superior
porque viu, em nossos olhos, que o
enxergávamos dessa maneira. E foi
assim que resolveu voltar a estudar,
finalizou os estudos referentes ao
ensino médio num supletivo e se
inscreveu no E
NEM. Conseguiu, na
segunda tentativa, uma vaga no curso
de Pedagogia na UFF. O contato com
Paulo Freire, sobretudo com o livro
Pedagogia da Autonomia
profundamente nessa decisão.
Valladares desenvolveu uma
pesquisa sobre mobilidade social de
mor
adores de favelas por meio do
ingresso ao ensino superior. A
socióloga, identificou a ênfase
recorrente no “ser alguém e “ser
diferente dos outros” como agente
motivador. “Lembremo
Brasil, obter um diploma universitário é
indicador de ascen
são social. (...). Ser
detentor de um título universitário
permitiria, assim, a alguns moradores
de favelas, sobressair em meio a uma
132
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
apresentamos para
ele. Ainda que
soubesse que, de alguma maneira,
não éramos a regra da instituição,
mostrávamos o que ela poderia ser,
sobretudo se mais pessoas como ele
tivessem condições de transformá
-la.
nos, ainda, que passou a
se pensar possível no ensino superior
porque viu, em nossos olhos, que o
enxergávamos dessa maneira. E foi
assim que resolveu voltar a estudar,
finalizou os estudos referentes ao
ensino médio num supletivo e se
NEM. Conseguiu, na
segunda tentativa, uma vaga no curso
de Pedagogia na UFF. O contato com
Paulo Freire, sobretudo com o livro
Pedagogia da Autonomia
, impactou
profundamente nessa decisão.
Valladares desenvolveu uma
pesquisa sobre mobilidade social de
adores de favelas por meio do
ingresso ao ensino superior. A
socióloga, identificou a ênfase
recorrente no “ser alguém e “ser
diferente dos outros” como agente
motivador. “Lembremo
-nos de que, no
Brasil, obter um diploma universitário é
são social. (...). Ser
detentor de um título universitário
permitiria, assim, a alguns moradores
de favelas, sobressair em meio a uma
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
PragMATIZES - Revista Latino-
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multidão de ‘iguais’” (VALLADARES,
2010, p. 168).
Essa tendência distintiva se
choca, justamente, com o olhar desse
jovem
universitário, morador da
Babilônia, para si. Comumente
celebrado na favela como alguém que
"chegou lá" por ter ingressado no
ensino superior público ele repete,
como uma espécie de mantra
politizado, que ele não é a exceção da
favela, mas a regra. Tal po
embora quantitativamente contraditória
no que diz respeito à ainda minoritária
presença de pretos e pobres nos
bancos universitários, reitera
justamente o que mobiliza e justifica
nossa atuação no sentido de fomentar
o desejo de transformação
.
O
rapaz, antes parceiro por ser
um morador mobilizado da favela é,
atualmente, integrante do projeto de
extensão na qualidade de aluno da
UFF. Ele continua sendo uma
liderança comunitária, pai e
mototaxista. Não raro é possível
encontrá-
lo, no intervalo de
trabalho de translado, lendo um livro
ou equilibrando páginas xerocadas dos
conteúdos das aulas. A vida dele é,
atualmente, mais complexa do que era
antes. Mas ele se tornou alguém que
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
. "Quem Sabe
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
1
.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
multidão de ‘iguais’” (VALLADARES,
Essa tendência distintiva se
choca, justamente, com o olhar desse
universitário, morador da
Babilônia, para si. Comumente
celebrado na favela como alguém que
"chegou lá" por ter ingressado no
ensino superior público ele repete,
como uma espécie de mantra
politizado, que ele não é a exceção da
favela, mas a regra. Tal po
sição,
embora quantitativamente contraditória
no que diz respeito à ainda minoritária
presença de pretos e pobres nos
bancos universitários, reitera
justamente o que mobiliza e justifica
nossa atuação no sentido de fomentar
.
rapaz, antes parceiro por ser
um morador mobilizado da favela é,
atualmente, integrante do projeto de
extensão na qualidade de aluno da
UFF. Ele continua sendo uma
liderança comunitária, pai e
mototaxista. Não raro é possível
lo, no intervalo de
seu
trabalho de translado, lendo um livro
ou equilibrando páginas xerocadas dos
conteúdos das aulas. A vida dele é,
atualmente, mais complexa do que era
antes. Mas ele se tornou alguém que
pensa a universidade a partir da favela
e não o contrário. E busca
disputar, inclusive, os sentidos do que
é ser um intelectual.
Jailson de Souza e Silva,
professor da UFF nascido na periferia
do Rio de Janeiro, reflete sobre o
desafio posto para jovens das favelas
diante do sonho de acessar e
permanecer no ensi
apresenta uma bula popular para
refletir sobre as dificuldades de
mobilidade social num país desigual,
racista e classista como o Brasil:
O corvo, insatisfeito com sua
condição, admirava à distância a
comunidade dos pombos
pela
elegância, pela cultura e pela
beleza. Até que, certo dia, toma uma
posição radical: pega uma lata de
tinta branca e pinta
Com essa nova roupagem, dirige
ao pombal; chegando, é
rapidamente identificado pelos
pombos originais, que
seu ingresso na sociedade.
Decepcionado, decide voltar ao
convívio dos seus pares
Lá chegando, todavia, a decepção se
faz mais profunda: seus antigos
irmãos não o reconhecem e
repudiam. Assim, sem ter o que tinha
e não alcançando o
ficou o pobre corvo só, lamentando
sua singular condição
SILVA, 2011, p. 137)
Partimos da ciência de tais
muros invisíveis e eficientes que ainda
restringem o acesso e permanência de
jovens periféricos nas universidades,
133
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Tramas entre cultura e educação")
pensa a universidade a partir da favela
e não o contrário. E busca
, assim,
disputar, inclusive, os sentidos do que
Jailson de Souza e Silva,
professor da UFF nascido na periferia
do Rio de Janeiro, reflete sobre o
desafio posto para jovens das favelas
diante do sonho de acessar e
permanecer no ensi
no superior. Ele
apresenta uma bula popular para
refletir sobre as dificuldades de
mobilidade social num país desigual,
racista e classista como o Brasil:
O corvo, insatisfeito com sua
condição, admirava à distância a
comunidade dos pombos
- marcada
elegância, pela cultura e pela
beleza. Até que, certo dia, toma uma
posição radical: pega uma lata de
tinta branca e pinta
-se inteiramente.
Com essa nova roupagem, dirige
-se
ao pombal; chegando, é
rapidamente identificado pelos
pombos originais, que
o permitem
seu ingresso na sociedade.
Decepcionado, decide voltar ao
convívio dos seus pares
- os corvos.
Lá chegando, todavia, a decepção se
faz mais profunda: seus antigos
irmãos não o reconhecem e
repudiam. Assim, sem ter o que tinha
e não alcançando o
que desejava,
ficou o pobre corvo só, lamentando
sua singular condição
. (SOUZA E
SILVA, 2011, p. 137)
Partimos da ciência de tais
muros invisíveis e eficientes que ainda
restringem o acesso e permanência de
jovens periféricos nas universidades,
DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
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bem como
do impacto das políticas de
ação afirmativa, como as cotas, para
pleitear uma defesa: acreditamos que
a renovação da universidade não deva
passar pela adaptação dos indivíduos
que a compõe e justificam. Ao
contrário, se a universidade quer ser,
de fato, um
lugar de potencialização
do conhecimento e de formação de
quadros necessários para a
sociedade, será ela quem precisará se
adequar. A questão que permanece é:
afinal, quem é a universidade? As
ainda minoritárias, porém insurgentes
presenças periféricas, a
linhadas com
aqueles que, mesmo não partindo das
mesmas condições de vulnerabilidade,
têm um papel histórico nesta luta.
Quem Sabe de Mim Sou Eu
permanece alinhado a esse desafio.
Referências
bibliográficas
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. PASSOS, Pâmel
Juve
ntudes e apropriações urbanas
em uma leitura polissêmica.
Culturais em Revista
, Salvador, v. 11,
n. 2, p. 123-
145, jul./dez. 2018.
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DAEMON, Flora; MENDONÇA, Kleber; NERCOLINI, Marildo
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de Mim Sou Eu": práticas culturais e comunicacionais como
instrumentos pedagógicos junto a jovens em vulnerabilidade.
Americana de Estudos em Cultura,
, março 202
1
.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Tramas entre cultura e educação")
do impacto das políticas de
ação afirmativa, como as cotas, para
pleitear uma defesa: acreditamos que
a renovação da universidade não deva
passar pela adaptação dos indivíduos
que a compõe e justificam. Ao
contrário, se a universidade quer ser,
lugar de potencialização
do conhecimento e de formação de
quadros necessários para a
sociedade, será ela quem precisará se
adequar. A questão que permanece é:
afinal, quem é a universidade? As
ainda minoritárias, porém insurgentes
linhadas com
aqueles que, mesmo não partindo das
mesmas condições de vulnerabilidade,
têm um papel histórico nesta luta.
Quem Sabe de Mim Sou Eu
parte e
permanece alinhado a esse desafio.
bibliográficas
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la.
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em uma leitura polissêmica.
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5-6 - jul-dez 2010.
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da Sociedade Contemporânea. R
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