LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
“Os saraus são as bibliotecas sonoras das periferias”:
letramentos e o direito à cidade
DOI:
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v11i20.45797
Resumo
: As produções culturais
trabalho e de participação político
uma poderosa agência de letramento (KLEIMAN, 1995). Fundamentadas pela nossa experiência e
um sarau periférico, chamado Sarau V (de Viral), realizado na cidade de Nova Iguaçu, região
metropolitana do estado do Rio de Janeiro, idealizado e organizado pela coautora Janaina Tavares;
tecemos uma narrativa constituída por uma ‘dupla autoria’ em doi
(BAKHTIN, 1997), que chamamos de escrita
Fundamentadas pelo campo de estudos dos letramentos (STREET, 2001), argumentamos que as
práticas do sarau evidenciam uma escrita multissemiótic
desnaturaliza as projeções escalares hegemônicas (
urbanos (GUATTARI; ROLNIK, 2010) e reivindica o direito à cidade (HARVEY, 2016).
Palavras-chave: L
“Los saraos son las bibliotecas sonoras de las periferias”
el derecho a la ciudad
Resumen:
Las producciones culturales periféricas, además de ser una opción de recreo, producción,
trabajo y participación político-
cultural para los jóvenes periféricos, pueden entenderse como una
poderosa agencia de letramiento (KLEIMAN, 1995). A partir de nuestra
periférica, denominada Sarau V (Viral), realizada en la ciudad de Nova Iguaçu, región metropolitana
del estado de Río de Janeiro, idealizada y organizada por Janaina Tavares, una de las autoras de
este texto, tejemos una narrativ
(BAKTHIN, 1997), que llamamos escritura de escena y escritura de fondo (GOFFMAN, 1985).
Partiendo del campo de los estudios de letramiento (STREET, 2001), argumentamos que las
prácticas do Sarau
V muestran una escritura multisemiótica y multisensorial (MILLS, 2016) que
1
Adriana Carvalho Lopes. Doutora em Linguística
Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro (IM/UFRRJ). Professora do Programa de Pós
Demandas Populares –
PPGDUC/UFRRJ e do Programa Interdiscipl
Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PIPGLA/UFRJ), Brasil.
adrianaclopes14@gmail.com -
https://orcid.org/
2
Janaina Tavares. Mestranda no Programa Interdisciplinar de Pós
Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro
janaa.tavaresv@gmail.com -
https://orcid.org/0000
Texto recebido em 06/09/20
20
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
“Os saraus são as bibliotecas sonoras das periferias”:
uma narrativa sobre
letramentos e o direito à cidade
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v11i20.45797
Adriana Carvalho Lopes
Janaina Tavares
: As produções culturais
periféricas, além de serem uma
opção de lazer, de produção, de
trabalho e de participação político
-
cultural para as juventudes periféricas, podem ser entendidas como
uma poderosa agência de letramento (KLEIMAN, 1995). Fundamentadas pela nossa experiência e
um sarau periférico, chamado Sarau V (de Viral), realizado na cidade de Nova Iguaçu, região
metropolitana do estado do Rio de Janeiro, idealizado e organizado pela coautora Janaina Tavares;
tecemos uma narrativa constituída por uma ‘dupla autoria em doi
s gêneros textuais distintos
(BAKHTIN, 1997), que chamamos de escrita
-cena e de escrita-
bastidor (GOFFMAN,1985).
Fundamentadas pelo campo de estudos dos letramentos (STREET, 2001), argumentamos que as
práticas do sarau evidenciam uma escrita multissemiótic
a e multissensória (MILLS, 2016) que
desnaturaliza as projeções escalares hegemônicas (
CARR; LEMPERT, 2016),
reterritorializa espaços
urbanos (GUATTARI; ROLNIK, 2010) e reivindica o direito à cidade (HARVEY, 2016).
etramentos; juventudes
periféricas; direito à cidade.
“Los saraos son las bibliotecas sonoras de las periferias”
: una narrativa sobre letramientos y
Las producciones culturales periféricas, además de ser una opción de recreo, producción,
cultural para los jóvenes periféricos, pueden entenderse como una
poderosa agencia de letramiento (KLEIMAN, 1995). A partir de nuestra
experiencia en una velada
periférica, denominada Sarau V (Viral), realizada en la ciudad de Nova Iguaçu, región metropolitana
del estado de Río de Janeiro, idealizada y organizada por Janaina Tavares, una de las autoras de
este texto, tejemos una narrativ
a por una "doble autoría" en dos neros textuales distintos
(BAKTHIN, 1997), que llamamos escritura de escena y escritura de fondo (GOFFMAN, 1985).
Partiendo del campo de los estudios de letramiento (STREET, 2001), argumentamos que las
V muestran una escritura multisemiótica y multisensorial (MILLS, 2016) que
Adriana Carvalho Lopes. Doutora em Linguística
pela Universidade de Campinas.
Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro (IM/UFRRJ). Professora do Programa de Pós
-
Graduação em Educação e
PPGDUC/UFRRJ e do Programa Interdiscipl
inar de Pós-
Graduação em
Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PIPGLA/UFRJ), Brasil.
https://orcid.org/
0000-0002-6068-8308
Janaina Tavares. Mestranda no Programa Interdisciplinar de Pós
-Gradu
ação em Linguística
Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro
– PIPGLA/UFRJ, Brasil. E-
mail:
https://orcid.org/0000
-02-8436-4842
20
, aceito para publicação em 12/10/2020
e disponibilizado onlin
em 01/03/2021.
51
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
uma narrativa sobre
Adriana Carvalho Lopes
1
Janaina Tavares
2
opção de lazer, de produção, de
cultural para as juventudes periféricas, podem ser entendidas como
uma poderosa agência de letramento (KLEIMAN, 1995). Fundamentadas pela nossa experiência e
m
um sarau periférico, chamado Sarau V (de Viral), realizado na cidade de Nova Iguaçu, região
metropolitana do estado do Rio de Janeiro, idealizado e organizado pela coautora Janaina Tavares;
s gêneros textuais distintos
bastidor (GOFFMAN,1985).
Fundamentadas pelo campo de estudos dos letramentos (STREET, 2001), argumentamos que as
a e multissensória (MILLS, 2016) que
reterritorializa espaços
urbanos (GUATTARI; ROLNIK, 2010) e reivindica o direito à cidade (HARVEY, 2016).
: una narrativa sobre letramientos y
Las producciones culturales periféricas, además de ser una opción de recreo, producción,
cultural para los jóvenes periféricos, pueden entenderse como una
experiencia en una velada
periférica, denominada Sarau V (Viral), realizada en la ciudad de Nova Iguaçu, región metropolitana
del estado de Río de Janeiro, idealizada y organizada por Janaina Tavares, una de las autoras de
a por una "doble autoría" en dos neros textuales distintos
(BAKTHIN, 1997), que llamamos escritura de escena y escritura de fondo (GOFFMAN, 1985).
Partiendo del campo de los estudios de letramiento (STREET, 2001), argumentamos que las
V muestran una escritura multisemiótica y multisensorial (MILLS, 2016) que
pela Universidade de Campinas.
Professora de
Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural
Graduação em Educação e
Graduação em
Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PIPGLA/UFRJ), Brasil.
E-mail:
ação em Linguística
mail:
e disponibilizado onlin
e
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
desnaturaliza las proyecciones escalares hegemónicas (CARR; LEMPERT, 2016), reterritorializa los
espacios urbanos (GUATTARI; ROLNIK, 2010) y reivindica el derecho a la ciudad (HARVE
Palabras clave
: Letramientos; juventud periférica; derecho a la ciudad
“The soirées are the sound
libraries
right to the city
Abstract
: Peripheral cultural productions, in addition
and political-
cultural participation for peripheral youths, can be understood as a powerful literacy
agency (KLEIMAN, 1995). Based on our experience in a peripheral soirée, Sarau V (Viral), held in the
city
of Nova Iguaçu, metropolitan region of the state of Rio de Janeiro, idealized and organized by
coauthor Janaina Tavares, we weave a narrative by a 'double authorship' in two distinct textual genres
(BAKTHIN, 1997), which we call scene
of literacy studies (STREET, 2001), we argue that the practices of the Sarau V show a multisemiotic
and multisensory writing (MILLS, 2016) that denaturalizes hegemonic scalar projections (CARR;
LEMPERT, 2016), re-te
rritorializes urban spaces (GUATTARI; ROLNIK, 2010) and claims the right to
the city (HARVEY, 2016).
Keywords: Literacies; p
eripheral youth;
“Os saraus são as bibliotecas sonoras das periferias”:
le
Eu amo a rua. Esse
sentimento de natureza toda
íntima não vos seria revelado
por mim se não julgasse, e
razões não tivesse para julgar,
que este amor assim absoluto
e assim exagerado é
pa
rtilhado por todos vós. Nós
somos irmãos, nós nos
sentimos parecidos e iguais,
nas cidades, nas aldeias, nos
povoados, não porque
soframos, com a dor e os
desprazeres, a lei e a polícia,
mas porque nos une, nos
nivela e agremia o amor da
rua.
A Rua. João d
As
produções culturais
periféricas, além de serem uma
de lazer, de produção, de trabalho e
de participação político-
cultural para as
juventudes que habitam territórios que
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
desnaturaliza las proyecciones escalares hegemónicas (CARR; LEMPERT, 2016), reterritorializa los
espacios urbanos (GUATTARI; ROLNIK, 2010) y reivindica el derecho a la ciudad (HARVE
: Letramientos; juventud periférica; derecho a la ciudad
.
libraries
of the peripheries”: A narrative
about
: Peripheral cultural productions, in addition
to being an option for leisure, production, labor
cultural participation for peripheral youths, can be understood as a powerful literacy
agency (KLEIMAN, 1995). Based on our experience in a peripheral soirée, Sarau V (Viral), held in the
of Nova Iguaçu, metropolitan region of the state of Rio de Janeiro, idealized and organized by
coauthor Janaina Tavares, we weave a narrative by a 'double authorship' in two distinct textual genres
(BAKTHIN, 1997), which we call scene
-writing and back-wri
ting (GOFFMAN, 1985). Based on the field
of literacy studies (STREET, 2001), we argue that the practices of the Sarau V show a multisemiotic
and multisensory writing (MILLS, 2016) that denaturalizes hegemonic scalar projections (CARR;
rritorializes urban spaces (GUATTARI; ROLNIK, 2010) and claims the right to
eripheral youth;
right to the city.
“Os saraus são as bibliotecas sonoras das periferias”:
uma narrativa sobre
le
tramentos e o direito à cidade
Eu amo a rua. Esse
sentimento de natureza toda
íntima não vos seria revelado
por mim se não julgasse, e
razões não tivesse para julgar,
que este amor assim absoluto
e assim exagerado é
rtilhado por todos vós. Nós
somos irmãos, nós nos
sentimos parecidos e iguais,
nas cidades, nas aldeias, nos
povoados, não porque
soframos, com a dor e os
desprazeres, a lei e a polícia,
mas porque nos une, nos
nivela e agremia o amor da
A Rua. João d
o Rio.
produções culturais
periféricas, além de serem uma
opção
de lazer, de produção, de trabalho e
cultural para as
juventudes que habitam territórios que
margeiam centros geográficos,
econômicos e urbanos, podem ser
entendidas também como uma
poderosa agência de letramento
(KLEIMAN, 1995). Nos saraus, nos
slams
ou batalhas de poesia, nos
bailes funk e nas diversas
manifestações do hip hop (break,
grafite,rap) circulam
es
critas que desafiam um
racionalista, economicista e
individualista (SCOLLON; SCOLLON,
1995) sobre os letramentos.
Considerando as nossas vivências, em
um sarau periférico, chamado Sarau V
(de Viral), realizado na cidade de Nova
52
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
desnaturaliza las proyecciones escalares hegemónicas (CARR; LEMPERT, 2016), reterritorializa los
espacios urbanos (GUATTARI; ROLNIK, 2010) y reivindica el derecho a la ciudad (HARVE
Y, 2016).
about
literacies and the
to being an option for leisure, production, labor
cultural participation for peripheral youths, can be understood as a powerful literacy
agency (KLEIMAN, 1995). Based on our experience in a peripheral soirée, Sarau V (Viral), held in the
of Nova Iguaçu, metropolitan region of the state of Rio de Janeiro, idealized and organized by
coauthor Janaina Tavares, we weave a narrative by a 'double authorship' in two distinct textual genres
ting (GOFFMAN, 1985). Based on the field
of literacy studies (STREET, 2001), we argue that the practices of the Sarau V show a multisemiotic
and multisensory writing (MILLS, 2016) that denaturalizes hegemonic scalar projections (CARR;
rritorializes urban spaces (GUATTARI; ROLNIK, 2010) and claims the right to
uma narrativa sobre
margeiam centros geográficos,
econômicos e urbanos, podem ser
entendidas também como uma
poderosa agência de letramento
(KLEIMAN, 1995). Nos saraus, nos
ou batalhas de poesia, nos
bailes funk e nas diversas
manifestações do hip hop (break,
vários tipos de
critas que desafiam um
a visão
racionalista, economicista e
individualista (SCOLLON; SCOLLON,
1995) sobre os letramentos.
Considerando as nossas vivências, em
um sarau periférico, chamado Sarau V
(de Viral), realizado na cidade de Nova
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
Iguaçu, região metrop
olitana do estado
do Rio de Janeiro, idealizado e
organizado por Janaina
Tavares,tecemos uma narrativa
multissemiótica
constituída por uma
‘dupla autoria’
resultante de um
diálogo entre orientadora/orientanda,
mas também da interação entre
vozes
3
que ocupa
m distintos espaços
de observação e atuação
produção cultural
4
.
Tomamos de empréstimo as
metáforas ‘bastidor’ e ‘cena’ de Erving
Goffman (1985) como uma forma de
organizar a nossa construção textual,
pois assim como Goffman argumenta
que a definiçã
o das situações
cotidianas não são uma prerrogativa
individual, mas um trabalho de
equipe”, entendemos que este artigo é
também um tipo de ação escalar
coletiva, ou melhor, uma perspectiva
de equipe que se constrói permeada
por duas
formas de linguagem
si
tuadas em locais e gêneros
discursivos diferentes
: uma escrita
3
Utilizamos vozes sociais como distintas
posições sócio-
históricas que comparecem em
textos (cf. BLOMMAERT, 2008)
4
Enquanto Janaína Tavares pode ser
compreendida como um ator do evento social
em análise, uma vez que é a produtora do
Sarau, Adriana Lopes, ainda que tenha
participado de uma das edições do Sarau,
ocupa um espaço de analista.
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
olitana do estado
do Rio de Janeiro, idealizado e
organizado por Janaina
Tavares,tecemos uma narrativa
constituída por uma
resultante de um
diálogo entre orientadora/orientanda,
mas também da interação entre
m distintos espaços
de observação e atuação
nessa
Tomamos de empréstimo as
metáforas ‘bastidor’ e ‘cena’ de Erving
Goffman (1985) como uma forma de
organizar a nossa construção textual,
pois assim como Goffman argumenta
o das situações
cotidianas não são uma prerrogativa
individual, mas um trabalho de
equipe”, entendemos que este artigo é
também um tipo de ação escalar
coletiva, ou melhor, uma perspectiva
de equipe que se constrói permeada
formas de linguagem
tuadas em locais e gêneros
: uma escrita
-
Utilizamos vozes sociais como distintas
históricas que comparecem em
textos (cf. BLOMMAERT, 2008)
Enquanto Janaína Tavares pode ser
compreendida como um ator do evento social
em análise, uma vez que é a produtora do
Sarau, Adriana Lopes, ainda que tenha
participado de uma das edições do Sarau,
bastidor, que segue um gênero
discursivo acadêmico teorizando as
práticas; e uma
escrita
por fotografias e por pequenos
fragmentos
que chamaremos de
cartas, que foram escritas em
poética na primeira pessoa e
endereçadas à rua,
memórias das cenas vividas. Isso não
quer dizer que essas escritas possam
ser compreendidas de forma
separada, tampouco que a
escrita/cena seja objeto de análise da
escrita/bastidor. Organiz
gêneros discursivos distintos, ambas
têm como objeto de reflexão as
práticas de letramentos do Sarau V
trata-
se, portanto, de escritas que
dialogam, se complementam e se
contaminam, construindo uma
perspectiva narrativa para a nossa
dupla observação.
De saída, vale destacar que
integramos grupos de interlocução e
de pesquisa
5
que investigam
sobretudo práticas de letramentos que
5
As reflexões aqui apresenta
fruto do diálogo em grupos de pesquisa
interdisciplinares, Oicult e CELeC, que reúnem
pesquisadoras/es das áreas da cultura, da
educação e da linguística que investigam as
produções culturais periféricas e suas práticas
de letramentos (cf.
MAIA, 2017; LOPES
Adriana et al.,
2017; SILVA, 2019; LOPES;
FACINA; SILVA, 2019)
53
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
bastidor, que segue um gênero
discursivo acadêmico teorizando as
escrita
-cena composta
por fotografias e por pequenos
que chamaremos de
cartas, que foram escritas em
prosa-
poética na primeira pessoa e
endereçadas à rua,
trazendo as
memórias das cenas vividas. Isso não
quer dizer que essas escritas possam
ser compreendidas de forma
separada, tampouco que a
escrita/cena seja objeto de análise da
escrita/bastidor. Organiz
adas como
gêneros discursivos distintos, ambas
têm como objeto de reflexão as
práticas de letramentos do Sarau V
se, portanto, de escritas que
dialogam, se complementam e se
contaminam, construindo uma
perspectiva narrativa para a nossa
De saída, vale destacar que
integramos grupos de interlocução e
que investigam
sobretudo práticas de letramentos que
As reflexões aqui apresenta
das também são
fruto do diálogo em grupos de pesquisa
interdisciplinares, Oicult e CELeC, que reúnem
pesquisadoras/es das áreas da cultura, da
educação e da linguística que investigam as
produções culturais periféricas e suas práticas
MAIA, 2017; LOPES
,
2017; SILVA, 2019; LOPES;
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
tem lugar em contextos não
escolarizados, pois um
entendimento de que essas práticas
possibilitam certa desconstr
alargamento das fronteiras daquilo
que, tradicionalmente, foi entendido
como leitura e escrita não nas
práticas pedagógicas escolarizadas,
mas nos discursos hegemônicos que
circulam em espaços de poder. Como
enfatiza Roy Harrys (2000), repensa
escrita escolarizada e alfabética é, de
alguma maneira, refletir sobre algo que
está para além das práticas
comunicacionais, que, nas
narrativas coloniais, o mundo moderno
foi dividido, ranqueado e hierarquizado
territorialmente, de acordo com
crité
rios civilizacionais, medidos em
função das
práticas de letramentos
dos grupos sociais.
A história recente de
ocidentalização do mundo foi
acompanhada pela difusão da escrita
alfabética. Para Walter Mignolo
(2000), a colonização foi um momento
em que im
portava fornecer a escrita e
a história para aqueles povos que, em
uma perspectiva grafocêntrica e
eurocêntrica, seriam considerados
povos ‘sem escrita’ e ‘sem história.’
Em diálogo com os Novos Estudos dos
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
tem lugar em contextos não
-
escolarizados, pois um
entendimento de que essas práticas
possibilitam certa desconstr
ução e um
alargamento das fronteiras daquilo
que, tradicionalmente, foi entendido
como leitura e escrita não nas
práticas pedagógicas escolarizadas,
mas nos discursos hegemônicos que
circulam em espaços de poder. Como
enfatiza Roy Harrys (2000), repensa
r a
escrita escolarizada e alfabética é, de
alguma maneira, refletir sobre algo que
está para além das práticas
comunicacionais, que, nas
narrativas coloniais, o mundo moderno
foi dividido, ranqueado e hierarquizado
territorialmente, de acordo com
rios civilizacionais, medidos em
práticas de letramentos
A história recente de
ocidentalização do mundo foi
acompanhada pela difusão da escrita
alfabética. Para Walter Mignolo
(2000), a colonização foi um momento
portava fornecer a escrita e
a história para aqueles povos que, em
uma perspectiva grafocêntrica e
eurocêntrica, seriam considerados
povos ‘sem escrita’ e ‘sem história.’
Em diálogo com os Novos Estudos dos
Letramentos (STREET, 2001), que
compreendem a esc
prática social atravessada por relações
de poder, trazemos essa reflexão pós
colonial por dois motivos. Primeiro,
para mostrar como a disseminação da
escrita não é a difusão de uma técnica
neutra, mas está, intrinsecamente,
relacionada às ide
processos de dominação dos povos.
Segundo, porque entendemos que os
sujeitos não são passivos diante desse
movimento. Pelo contrário, nesse
processo não a escrita alfabética é
modificada, como também a maneira
pela qual essa passa a ser
co
mpreendida e utilizada.
Considerando a escrita
alfabética como uma tecnologia de
poder, algumas perguntas sobre
escritas produzidas por sujeitos
periféricos são norteadoras de nossas
pesquisas e moldam as reflexões
construídas neste texto. Uma questão
cara para nós
é compreender o que as
pessoas produzem em termos de
cultura e de letramentos em contextos
não-
escolarizados. Desse modo, com
um olhar etnográfico
6
6
A postura etnográfica diante das práticas de
escrita é colocada pelos Novos Estudos dos
Letramentos (STREET, 2014). Já que a escrita
não é uma técnica de valor universal,ob
54
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
Letramentos (STREET, 2001), que
compreendem a esc
rita como uma
prática social atravessada por relações
de poder, trazemos essa reflexão pós
-
colonial por dois motivos. Primeiro,
para mostrar como a disseminação da
escrita não é a difusão de uma técnica
neutra, mas está, intrinsecamente,
relacionada às ide
ologias e aos
processos de dominação dos povos.
Segundo, porque entendemos que os
sujeitos não são passivos diante desse
movimento. Pelo contrário, nesse
processo não a escrita alfabética é
modificada, como também a maneira
pela qual essa passa a ser
mpreendida e utilizada.
Considerando a escrita
alfabética como uma tecnologia de
poder, algumas perguntas sobre
escritas produzidas por sujeitos
periféricos são norteadoras de nossas
pesquisas e moldam as reflexões
construídas neste texto. Uma questão
é compreender o que as
pessoas produzem em termos de
cultura e de letramentos em contextos
escolarizados. Desse modo, com
observamos qual
A postura etnográfica diante das práticas de
escrita é colocada pelos Novos Estudos dos
Letramentos (STREET, 2014). Já que a escrita
não é uma técnica de valor universal,ob
servá-
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
o movimento da escrita quando esta
passa a ser uma tecnologia central na
organização das práticas de pessoas
que habitam as periferias brasileiras
locais que, hegemonicamente, são
imaginados como territórios marcados
pela “carência”, pela “falta” de cultu
pela “ausência” de educação e pelo
iletramento. Tendo, então, essa
reflexão em mente é que
nossa dupla experiência no Sarau V.
No ano de 2013, Janaína
Tavares deu início ao
primeiro sarau
de artes integradas (audiovisual,
teatro, dança, mús
ica etc.) que
debateu política, direito à cidade,
cultura e direitos humanos, em uma
praça pública de Nova Iguaçu.
dois anos, o Sarau, que ocorria
mensalmente, fomentou e movimentou
uma nova geração de leitoras, de
escritoras, de poetas, de atrizes
fazedoras culturais, promovendo um
contrafluxo da juventude na cidade. O
V, como era carinhosamente chamado
por suas frequentadoras, buscava
chamar a atenção de certos grupos de
jovens de que não era necessário
deslocar-
se da periferia para o centro
la envolve uma reflexividade crítica da
pesquisadora para um fenômeno global que
sempre adquire valores, sentidos e usos
locais.
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
o movimento da escrita quando esta
passa a ser uma tecnologia central na
organização das práticas de pessoas
que habitam as periferias brasileiras
locais que, hegemonicamente, são
imaginados como territórios marcados
pela “carência”, pela “falta” de cultu
ra,
pela “ausência” de educação e pelo
iletramento. Tendo, então, essa
reflexão em mente é que
trazemos a
nossa dupla experiência no Sarau V.
No ano de 2013, Janaína
primeiro sarau
de artes integradas (audiovisual,
ica etc.) que
debateu política, direito à cidade,
cultura e direitos humanos, em uma
praça pública de Nova Iguaçu.
Durante
dois anos, o Sarau, que ocorria
mensalmente, fomentou e movimentou
uma nova geração de leitoras, de
escritoras, de poetas, de atrizes
e de
fazedoras culturais, promovendo um
contrafluxo da juventude na cidade. O
V, como era carinhosamente chamado
por suas frequentadoras, buscava
chamar a atenção de certos grupos de
jovens de que não era necessário
se da periferia para o centro
la envolve uma reflexividade crítica da
pesquisadora para um fenômeno global que
sempre adquire valores, sentidos e usos
em busca de diversão e de cultura
(nesse caso, sair da região da Baixada
Fluminense em direção à cidade do
Rio de Janeiro). Aliás, podemos
observar um movimento contrário:
várias vezes
o V contou com a
presença de jovens habitantes de
áreas centrais da cid
Janeiro, não apenas como convidados
especiais para debater sobre alguma
temática, mas também como
expectadoras que ali estavam para
ouvirem o que a Baixada produz e tem
a dizer. O Sarau V,durante seus dois
anos de existência, estimulou a idei
de produção e de consumo de cultura
dentro do próprio território, conectando
pessoas de diversos locais com
a
quelas que escrevem e são escritas
na/pela periferia.
Vale lembrar que “centro” e
“periferia” não são conceitos
essenciais, termos que apenas
r
efletem ou descrevem, de forma
neutra, os espaços físicos e urbanos
das cidades. Em diálogo com os
estudos da linguagem, Silva (2019), ao
teorizar sobre os letramentos em
periferias brasileiras, destaca como
periferia é um conceito escalar, ou
seja, são p
rojeções simbólicas
construídas por processos formais de
55
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
em busca de diversão e de cultura
(nesse caso, sair da região da Baixada
Fluminense em direção à cidade do
Rio de Janeiro). Aliás, podemos
observar um movimento contrário:
o V contou com a
presença de jovens habitantes de
áreas centrais da cid
ade do Rio de
Janeiro, não apenas como convidados
especiais para debater sobre alguma
temática, mas também como
expectadoras que ali estavam para
ouvirem o que a Baixada produz e tem
a dizer. O Sarau V,durante seus dois
anos de existência, estimulou a idei
a
de produção e de consumo de cultura
dentro do próprio território, conectando
pessoas de diversos locais com
quelas que escrevem e são escritas
Vale lembrar que “centro” e
“periferia” não são conceitos
essenciais, termos que apenas
efletem ou descrevem, de forma
neutra, os espaços físicos e urbanos
das cidades. Em diálogo com os
estudos da linguagem, Silva (2019), ao
teorizar sobre os letramentos em
periferias brasileiras, destaca como
periferia é um conceito escalar, ou
rojeções simbólicas
construídas por processos formais de
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
significação e de distinção social. Vale
lembrar que o conceito de escala,
oriundo da geografia, relaciona
as formas de organização espaço
temporal da experiência humana e
que, nos últimos ano
s, foi apropriado
por diversos campos do saber. Desse
modo, em consonância com debates
da sociolinguística da globalização e
da antropologia linguística (
2019),
entendemos que definir
e a “periferia” como escala
que as circunscriç
ões desses espaços
sociais são
perspectivas (
LEMPERT, 2016)
interessadas e investidas por relações
de poder e por disputas institucionais
que definem as formas de segmentar,
de separar, de territorializar e de dizer,
logo de circular e de
viver na cidade.
Nas palavras de Silva, (2019, p.17)
A organização de uma escala sobre
esse espaço confere a ele
relevância, em condições e lutas
institucionais específicas. Escalas
são úteis para nos lembrar que
diferenças são acompanhadas de
hierarquias e disputas pelo poder
encaixadas na ação de
contextualizar.
Nesse sentido, vale lembrar o
trabalho etnográfico de É
rica Peçanha
do Nascimento sobre um dos primeiros
saraus na periferia da cidade de São
Paulo, o Sarau da Cooperifa,
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
significação e de distinção social. Vale
lembrar que o conceito de escala,
oriundo da geografia, relaciona
-se com
as formas de organização espaço
-
temporal da experiência humana e
s, foi apropriado
por diversos campos do saber. Desse
modo, em consonância com debates
da sociolinguística da globalização e
da antropologia linguística (
SILVA,
entendemos que definir
“centro”
e a “periferia” como escala
é assumir
ões desses espaços
perspectivas (
CARR;
socialmente
interessadas e investidas por relações
de poder e por disputas institucionais
que definem as formas de segmentar,
de separar, de territorializar e de dizer,
viver na cidade.
Nas palavras de Silva, (2019, p.17)
A organização de uma escala sobre
esse espaço confere a ele
relevância, em condições e lutas
institucionais específicas. Escalas
são úteis para nos lembrar que
diferenças são acompanhadas de
hierarquias e disputas pelo poder
encaixadas na ação de
Nesse sentido, vale lembrar o
rica Peçanha
do Nascimento sobre um dos primeiros
saraus na periferia da cidade de São
Paulo, o Sarau da Cooperifa,
idealizado e organizado pelo artista e
poeta Sergio Vaz. A autora argumenta
que a cultura de periferia não é algo
dado, mas é
produzida por ativistas e
artistas por meio da
junção de modos
de vida, de comportamentos coletivos,
de valores, de práticas, de linguagens
e de vestimentas dos membros das
classes populares situados nos b
ditos periféricos.Desse modo, essa
cultura fez emergir “novos sujeitos
políticos” que publicizam discursos,
demandas e práticas coletivas que
estão relacionadas às esferas de
produção e de consumo cultural.
Nesse movimento, novos sujeitos
aparecem n
a cena, tomam a palavra e
a periferia é (res)significada. Segundo
Nascimento (2011, p.11),
Favelados, periféricos, suburbanos,
marginais e marginalizados, que
sempre foram tema ou inspiração de
criações artísticas, passam de
objetos a sujeitos e esforçam
transformar suas próprias
experiências em linguagem
específica. E tudo aquilo que um dia
faltou
acesso, infraestrutura, bens,
técnica, dentre outros
matéria-
prima para a estética que
está sendo edificada.
Podemos compreender,
portant
o, que nessa cultura periférica,
a projeção escalar centro
questionada.
De acordo com
Lempert (2016), modelos escalares
56
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
idealizado e organizado pelo artista e
poeta Sergio Vaz. A autora argumenta
que a cultura de periferia não é algo
produzida por ativistas e
junção de modos
de vida, de comportamentos coletivos,
de valores, de práticas, de linguagens
e de vestimentas dos membros das
classes populares situados nos b
airros
ditos periféricos.Desse modo, essa
cultura fez emergir “novos sujeitos
políticos” que publicizam discursos,
demandas e práticas coletivas que
estão relacionadas às esferas de
produção e de consumo cultural.
Nesse movimento, novos sujeitos
a cena, tomam a palavra e
a periferia é (res)significada. Segundo
Nascimento (2011, p.11),
Favelados, periféricos, suburbanos,
marginais e marginalizados, que
sempre foram tema ou inspiração de
criações artísticas, passam de
objetos a sujeitos e esforçam
-se para
transformar suas próprias
experiências em linguagem
específica. E tudo aquilo que um dia
acesso, infraestrutura, bens,
técnica, dentre outros
torna-se
prima para a estética que
está sendo edificada.
Podemos compreender,
o, que nessa cultura periférica,
a projeção escalar centro
-periferia é
De acordo com
Carr e
Lempert (2016), modelos escalares
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
que são altamente naturalizados, ou
seja, um apagamento de sua
perspectiva sócio-
histórica, como se
fossem vind
os de “lugar nenhum”, um
modelo objetivo de descrição dos
espaços. Nesse sentido, uma região
densamente povoada e diversa
a Baixada Fluminense
(onde vivem
mais de dezesseis milhões de
pessoas, distribuídas em nove
municípios)
é, como diria a escritora
Chimamanda
Adichie (2010), vítima de
uma “história única”, pois essa é
naturalizada nos discursos somente
como um lugar homogêneo e carente
de tudo (de saneamento, de esgoto,
de cultura, de educação etc.) e,
extremante, “temida pelo seu excesso
de violência
, simbolizada nas imagens
de grupos de extermínio e seus
assassinos sanguinários” (HERALDO
HB, 2013, p.13).No entanto, como
veremos nas escritas/bastidores de
Janaina Tavares, tal projeção escalar
é questionada, uma vez que a Baixada
Fluminense transforma-
se em periferia
recontextualizada, ou melhor, periferia
reterritorializada (GUATARRI;
ROLNIK, 2010)
como local de
habitação, de afirmação de
identidades e de abundância de
culturas e de letramentos, afetando,
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
que são altamente naturalizados, ou
seja, um apagamento de sua
histórica, como se
os de “lugar nenhum”, um
modelo objetivo de descrição dos
espaços. Nesse sentido, uma região
densamente povoada e diversa
como
(onde vivem
mais de dezesseis milhões de
pessoas, distribuídas em nove
é, como diria a escritora
Adichie (2010), vítima de
uma “história única”, pois essa é
naturalizada nos discursos somente
como um lugar homogêneo e carente
de tudo (de saneamento, de esgoto,
de cultura, de educação etc.) e,
extremante, “temida pelo seu excesso
, simbolizada nas imagens
de grupos de extermínio e seus
assassinos sanguinários” (HERALDO
HB, 2013, p.13).No entanto, como
veremos nas escritas/bastidores de
Janaina Tavares, tal projeção escalar
é questionada, uma vez que a Baixada
se em periferia
recontextualizada, ou melhor, periferia
reterritorializada (GUATARRI;
como local de
habitação, de afirmação de
identidades e de abundância de
culturas e de letramentos, afetando,
assim, a maneira como as juventudes
experienc
iam o território e circulam
nas cidades. Passemos, então, para
as cartas, escritas/cenas do Sarau V.
Escritas-
cena: cartas de memória
Foram dois anos e mais de vinte
edições na rua.“Primeiro Beijo”,
“Projetando o nosso amor”,“Rua,
substantivo feminino”,
território”, “Pixo, logo existo”, “Alma
versada”, “Quadrilha de ideias” e
“Brincadeira é coisa séria” são os
títulos de sete cartas endereçadas à
rua que narram algumas edições. O
escritor e ativista Eduardo Galeano
(2001) disse, “a memória guard
que valer a pena. A memória sabe de
mim mais do que eu; e ela não perde o
que merece ser salvo”. As edições
narradas
guardam o que mais valeu a
pena e foram, afetuosamente,
recontextualizada
sem fotos e cartas
escritas por uma das autoras deste
texto e MC
7
do Sarau,
Tavares.
7
Abreviação para Mestre de Cerimônia; uma
abreviação que tem origem na cultura hip
para designar o rapper que canta
é utilizada também para nomear aqueles que
apresentam o Sarau.
57
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(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
assim, a maneira como as juventudes
iam o território e circulam
nas cidades. Passemos, então, para
as cartas, escritas/cenas do Sarau V.
cena: cartas de memória
Foram dois anos e mais de vinte
edições na rua.“Primeiro Beijo”,
“Projetando o nosso amor”,“Rua,
substantivo feminino”,
“Ação no
território”, “Pixo, logo existo”, “Alma
versada”, “Quadrilha de ideias” e
“Brincadeira é coisa séria” são os
títulos de sete cartas endereçadas à
rua que narram algumas edições. O
escritor e ativista Eduardo Galeano
(2001) disse, “a memória guard
ará o
que valer a pena. A memória sabe de
mim mais do que eu; e ela não perde o
que merece ser salvo”. As edições
guardam o que mais valeu a
pena e foram, afetuosamente,
sem fotos e cartas
escritas por uma das autoras deste
do Sarau,
Janaina
Abreviação para Mestre de Cerimônia; uma
abreviação que tem origem na cultura hip
-hop
para designar o rapper que canta
as músicas;
é utilizada também para nomear aqueles que
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
Carta 1
O primeiro Beijo
No dia 2 de Agosto de 2013, dei meu
primeiro beijo na Praça dos Direitos
Humanos, na Via Light, em Nova
Iguaçu. Senti gosto de concreto, senti
frio, senti eco. As palavras invadiam
meus ouvidos como língua molhada e
saíam da minha boca cortando as vias,
at
ravessando o sinal, observando nas
esquinas. Alguns foram brindar o
nosso primeiro encontro. Com seus
papéis, tablets
, celulares, falavam para
nós os poemas guardados nas
gavetas da alma. Uns tiravam do
bolso, outros do improviso. A gente
mal conhecia aque
las pessoas, mas
sabíamos que as
veríamos outras
tantas vezes. Estavam ali reunidos, um
grande número de poetas que
marcaram a história literária de Nova
Iguaçu nos anos de 1980 e 1990. Eles
andavam nos bares e nas esquinas,
no tempo em que eu ainda chorav
cólica, babava com o crescer dos
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
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(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
No dia 2 de Agosto de 2013, dei meu
primeiro beijo na Praça dos Direitos
Humanos, na Via Light, em Nova
Iguaçu. Senti gosto de concreto, senti
frio, senti eco. As palavras invadiam
meus ouvidos como língua molhada e
saíam da minha boca cortando as vias,
ravessando o sinal, observando nas
esquinas. Alguns foram brindar o
nosso primeiro encontro. Com seus
, celulares, falavam para
nós os poemas guardados nas
gavetas da alma. Uns tiravam do
bolso, outros do improviso. A gente
las pessoas, mas
veríamos outras
tantas vezes. Estavam ali reunidos, um
grande número de poetas que
marcaram a história literária de Nova
Iguaçu nos anos de 1980 e 1990. Eles
andavam nos bares e nas esquinas,
no tempo em que eu ainda chorav
a de
cólica, babava com o crescer dos
dentes e engatinhava pelo azulejo
vermelho de casa. Eles escreviam a
cidade e eram escritos por ela.
Carta 2
Projetando nosso amor
Naquela noite amarelada recebemos a
primeira projeção na praça. O tema
era carn
aval de rua. Máscaras
gigantes enfeitavam as entradas do
palco urbano. Lembra das
performances do poeta ciclista?
Escrevi na entrada “Resistir para
existir” ao invés de bem
projeção de um curta metragem em
preto e branco te desenha uma nova
estam
pa. Te olho e suspiro ainda mais
apaixonada, mais uma noite em que
solidificamos o nosso amor. O jazz
local embala nossa dança no final da
noite. Te beijo de um jeito diferente.
Você me abraça e me conforta. A lua
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(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
dentes e engatinhava pelo azulejo
vermelho de casa. Eles escreviam a
cidade e eram escritos por ela.
Projetando nosso amor
Naquela noite amarelada recebemos a
primeira projeção na praça. O tema
aval de rua. Máscaras
gigantes enfeitavam as entradas do
palco urbano. Lembra das
performances do poeta ciclista?
Escrevi na entrada “Resistir para
existir” ao invés de bem
-vindos. A
projeção de um curta metragem em
preto e branco te desenha uma nova
pa. Te olho e suspiro ainda mais
apaixonada, mais uma noite em que
solidificamos o nosso amor. O jazz
local embala nossa dança no final da
noite. Te beijo de um jeito diferente.
Você me abraça e me conforta. A lua
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
celebra mais um encontro nas tuas
veias e vias abertas.
Carta 3
Rua, substantivo feminino
Nossa voz amplificada. noites que
trazemos megafone e temos sempre o
microfone aberto. Qualquer pessoa
que queira,
pode se expressar, se
expandir e tomar a palavra no espaço
público. A praça é um espaço
predominantemente ocupado por
homens: jovens, skatistas, roqueiros e
a galera “legalize”. O senhor palhaço
conseguiu chamar a atenção de uns
duzentos jovens com seus t
Passado o chapéu, uma música
regional foi fundo musical de uma
ciranda ao redor de uma das antigas
árvores do lugar. Girávamos no círculo
do amor por você. Por tudo que você
dança em nós.
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
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(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
celebra mais um encontro nas tuas
Rua, substantivo feminino
Nossa voz amplificada. noites que
trazemos megafone e temos sempre o
microfone aberto. Qualquer pessoa
pode se expressar, se
expandir e tomar a palavra no espaço
público. A praça é um espaço
predominantemente ocupado por
homens: jovens, skatistas, roqueiros e
a galera “legalize”. O senhor palhaço
conseguiu chamar a atenção de uns
duzentos jovens com seus t
ruques.
Passado o chapéu, uma música
regional foi fundo musical de uma
ciranda ao redor de uma das antigas
árvores do lugar. Girávamos no círculo
do amor por você. Por tudo que você
Carta 4
Ação no território
O brechó ambulante era o fun
palco aberto. Um colorido, cheiro de
guardado e estilos diferentes presos
na arara de rodinha. O WG de Rua
equilibra a bola de basquete na ponta
do lápis, Zona Oeste presente! DJ, um
jovem de Magé, fala da opressão
policial que os secundaristas sofre
na Praça em que realizam o Sarau
Corra que a Polícia Vem
obrigados a atravessar a rua em busca
de um ponto de luz para ligar o
equipamento de som. As cidades se
encontram do outro lado, se
comunicam, convergem e agem. É a
partir do agir dentro
do nosso território
que o modificamos. É o pensar global
e agir local. O V se preocupa com a
cultura local, aquela que fala de nós e
para nós, aquela cultura que é
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(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
O brechó ambulante era o fun
do do
palco aberto. Um colorido, cheiro de
guardado e estilos diferentes presos
na arara de rodinha. O WG de Rua
equilibra a bola de basquete na ponta
do lápis, Zona Oeste presente! DJ, um
jovem de Magé, fala da opressão
policial que os secundaristas sofre
m
na Praça em que realizam o Sarau
Corra que a Polícia Vem
. Fomos
obrigados a atravessar a rua em busca
de um ponto de luz para ligar o
equipamento de som. As cidades se
encontram do outro lado, se
comunicam, convergem e agem. É a
do nosso território
que o modificamos. É o pensar global
e agir local. O V se preocupa com a
cultura local, aquela que fala de nós e
para nós, aquela cultura que é
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
produzida e vivida por nós periféricos.
As luzes das grandes torres de energia
na Via Light
recebem meninas com
poesias escritas em seu corpo. O
corpo é o nosso primeiro território, os
saraus são nossas bibliotecas. Tantos
caminhos percorremos em nós.
Carta 5
Alma versada
Exibimos um pedaço do documentário
Luz, mera, PiXação,
do Gustavo
Coelho. De todas nossas memórias,
não sei se eu te confessei, mas essa
noite foi uma das minhas preferidas.
Você que me ensinava tanto sobre
representatividade, me conduziu a
convidar pichadores e ex
pra contarem suas experiências.
A
lguns falaram da adrenalina, outros
do vício em sentir o perigo, o frio da
madrugada e o cheiro do Jet. Os que
não mais pichavam, disseram que
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sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
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(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
produzida e vivida por nós periféricos.
As luzes das grandes torres de energia
recebem meninas com
poesias escritas em seu corpo. O
corpo é o nosso primeiro território, os
saraus são nossas bibliotecas. Tantos
caminhos percorremos em nós.
Exibimos um pedaço do documentário
do Gustavo
Coelho. De todas nossas memórias,
não sei se eu te confessei, mas essa
noite foi uma das minhas preferidas.
Você que me ensinava tanto sobre
representatividade, me conduziu a
convidar pichadores e ex
-pichadores
pra contarem suas experiências.
lguns falaram da adrenalina, outros
do vício em sentir o perigo, o frio da
madrugada e o cheiro do Jet. Os que
não mais pichavam, disseram que
queriam ser vistos e chamar a atenção
quando saía pra “pixar”, pois é com “x”
que se escreve a pichação ou o Xarp
do Rio de Janeiro. Era como se
quisessem superar os seus limites. Se
a cidade é projetada para os sufocar,
eles iriam empurrar goela abaixo seus
códigos secretos em seus rabiscos. O
rap rolava nos intervalos nas batalhas
de rima. Essa edição foi mágica,
lembra quando vejo uma pichação em
um lugar tão improvável que penso:
não tem como ir até sendo um
humano, rs! Intelectuais,
universitários, artistas, sentados numa
praça ouvindo os marginalizados, os
invisíveis, os expulsos. Fechamos o
encontro com
um violão acústico
tocado por um ex-
morador de rua. Te
cheirei de um jeito diferente naquela
noite. Te “pixei” em mim.
Carta 6
Quadrilha de Ideias
60
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(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
queriam ser vistos e chamar a atenção
quando saía pra “pixar”, pois é com “x”
que se escreve a pichação ou o Xarp
i
do Rio de Janeiro. Era como se
quisessem superar os seus limites. Se
a cidade é projetada para os sufocar,
eles iriam empurrar goela abaixo seus
códigos secretos em seus rabiscos. O
rap rolava nos intervalos nas batalhas
de rima. Essa edição foi mágica,
me
lembra quando vejo uma pichação em
um lugar tão improvável que penso:
não tem como ir até sendo um
humano, rs! Intelectuais,
universitários, artistas, sentados numa
praça ouvindo os marginalizados, os
invisíveis, os expulsos. Fechamos o
um violão acústico
morador de rua. Te
cheirei de um jeito diferente naquela
noite. Te “pixei” em mim.
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
Enchemos a praça com lambe
de poetas locais. Um grande varal com
um acervo de cordéis coloria o lu
junto de fitilho, papel crepom e sorrisos
das crianças que rabiscavam no chão
com giz cor de rosa, amarelo, verde e
azul. Severino declamava sua terra,
seu sotaque e suas origens. O cristão
e a candomblecista falam sobre
respeito e intolerância religio
produtores locais falam da importância
do V pra cidade e anunciamos a
despedid
a da Praça dos Direitos
Humanos. Levaram uma cachaça
paraibana pra integrar na nossa mesa
de doces típicos de São João. A
panela com caldo de ervilha ainda
estava quen
te. Era como se
tivéssemos casadas. Eu e você,
prontas para lua de mel: o Sarau V
itinerante. Os convidados dançaram a
dança da laranja e levaram livros do
Moduan
Matus de brinde. Fomos
embora com a sensação de dever
cumprido. Mas tinha um vazio do lado
de dentro.
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
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Enchemos a praça com lambe
-lambe
de poetas locais. Um grande varal com
um acervo de cordéis coloria o lu
gar
junto de fitilho, papel crepom e sorrisos
das crianças que rabiscavam no chão
com giz cor de rosa, amarelo, verde e
azul. Severino declamava sua terra,
seu sotaque e suas origens. O cristão
e a candomblecista falam sobre
respeito e intolerância religio
sa. Alguns
produtores locais falam da importância
do V pra cidade e anunciamos a
a da Praça dos Direitos
Humanos. Levaram uma cachaça
paraibana pra integrar na nossa mesa
de doces típicos de São João. A
panela com caldo de ervilha ainda
te. Era como se
tivéssemos casadas. Eu e você,
prontas para lua de mel: o Sarau V
itinerante. Os convidados dançaram a
dança da laranja e levaram livros do
Matus de brinde. Fomos
embora com a sensação de dever
cumprido. Mas tinha um vazio do lado
Carta 7
Brincadeira é coisa séria
Depois de quase dois anos ocupando
a Praça dos Direitos Humanos,
entendemos que mesmo estando
numa cidade periférica, existe uma
periferia dentro da periferia, que
produz e precisa ser alcançada e
ganhar visibilidade. Com isso, fomos
para o Bairro Valve
acontecia a Batalha do Federa,
produzida e mobilizada por
adolescentes e jovens do bairro.
Realizamos em conjunto a primeira
edição itinerante do Sarau V. Era um
novo ambiente, com outros ares, cores
e sons. Quando cheguei, te olhei com
um b
rilho nos olhos, depois de tanto
tempo de namoro, as coisas entre nós
esfriaram e precisávamos inovar. O sol
estava se pondo lentamente, parecia
pedir pra ser fotografado. Vi o
movimento ao redor pelo retrovisor do
carro. Os meninos fazendo a barba
61
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
Brincadeira é coisa séria
Depois de quase dois anos ocupando
a Praça dos Direitos Humanos,
entendemos que mesmo estando
numa cidade periférica, existe uma
periferia dentro da periferia, que
produz e precisa ser alcançada e
ganhar visibilidade. Com isso, fomos
para o Bairro Valve
rde, em que
acontecia a Batalha do Federa,
produzida e mobilizada por
adolescentes e jovens do bairro.
Realizamos em conjunto a primeira
edição itinerante do Sarau V. Era um
novo ambiente, com outros ares, cores
e sons. Quando cheguei, te olhei com
rilho nos olhos, depois de tanto
tempo de namoro, as coisas entre nós
esfriaram e precisávamos inovar. O sol
estava se pondo lentamente, parecia
pedir pra ser fotografado. Vi o
movimento ao redor pelo retrovisor do
carro. Os meninos fazendo a barba
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
num sal
ão improvisado na calçada da
casa. O churrasquinho já estava sendo
preparado e bem em frente, o açaí
cremoso sendo batido. As meninas
enfeitavam a grade da quadra de
futebol. Tivemos que negociar o
término da pelada antes da hora.
Chegou um grupo que ia en
dance
e pediu um espaço na tomada
pra ligar o som. Ao fundo da quadra,
os skatistas faziam manobras. Os
meninos subiam no poste de luz pra
prender a tela em que projetaríamos o
filme Tarja Branca. O tema era
Brincadeira é coisa séria. E não
po
diam faltar as crianças. Fizemos um
“Vezinho”, um espaço para crianças
pintarem com tinta guache, pularem
corda, escrever com giz. O rio é escrito
com caneta d’água no ventre da
mulher. E sorrio por dentro. A gente se
reconcilia. Daiana, a palhaça, tira, s
muito esforço, altas gargalhadas das
crianças. Eu não sei exatamente o
porquê, mas o pessoal estava com riso
frouxo, solto e gostoso. Todos
sentaram no chão da quadra para
assistir ao filme, crianças sentaram ao
meu lado e pediam pirulito. Inventário
de
bikes. Nelson Mandela é grafitado
no muro da vizinha. Reggae e rap
fazem ‘as novinhas’ cantarem até
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
ão improvisado na calçada da
casa. O churrasquinho já estava sendo
preparado e bem em frente, o açaí
cremoso sendo batido. As meninas
enfeitavam a grade da quadra de
futebol. Tivemos que negociar o
término da pelada antes da hora.
Chegou um grupo que ia en
saiar street
e pediu um espaço na tomada
pra ligar o som. Ao fundo da quadra,
os skatistas faziam manobras. Os
meninos subiam no poste de luz pra
prender a tela em que projetaríamos o
filme Tarja Branca. O tema era
Brincadeira é coisa séria. E não
diam faltar as crianças. Fizemos um
“Vezinho”, um espaço para crianças
pintarem com tinta guache, pularem
corda, escrever com giz. O rio é escrito
com caneta d’água no ventre da
mulher. E sorrio por dentro. A gente se
reconcilia. Daiana, a palhaça, tira, s
em
muito esforço, altas gargalhadas das
crianças. Eu não sei exatamente o
porquê, mas o pessoal estava com riso
frouxo, solto e gostoso. Todos
sentaram no chão da quadra para
assistir ao filme, crianças sentaram ao
meu lado e pediam pirulito. Inventário
bikes. Nelson Mandela é grafitado
no muro da vizinha. Reggae e rap
fazem ‘as novinhas’ cantarem até
ficarem roucas. A Anistia Internacional
recruta uma meninada pra campanha
Jovem Negro Vivo. é quase meia
noite. É hora de voltar pra casa. Des
produzir.
Guardar os fios, as tomadas,
as caixas de som, as telas, o projetor e
os livros. Começa a esfriar. Sinto uma
batida na barriga. Na boca. Do
estômago.
Escrita-b
astidor: letramentos
multissensórios e o direito à cidade
Com as cartas endereçadas à
rua e
as fotos, encenamos fragmentos
de
uma pequena história sobre o
Sarau V. Como destacamos neste
texto, o Sarau V muda a projeção
escalar centro-
periferia, pois traz a
perspectiva daquelas/es que habitam
os espaços considerados à margem.
Antes da realizaçã
o do Sarau, a praça
era
chamada por seus frequentadores
de Praça do Coliseu, uma refer
ao formato de sua construção.
Localizada às margens de uma
importante via da cidade, Via Light, a
praça era o lugar de passagem,
frequentada quase que,
exclusivamen
te, por skatistas. No
entanto, a praça foi batizada pela
Prefeitura como “Praça dos Direitos
Humanos”, em memória às 29 vítimas
62
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
ficarem roucas. A Anistia Internacional
recruta uma meninada pra campanha
Jovem Negro Vivo. é quase meia
-
noite. É hora de voltar pra casa. Des
-
Guardar os fios, as tomadas,
as caixas de som, as telas, o projetor e
os livros. Começa a esfriar. Sinto uma
batida na barriga. Na boca. Do
astidor: letramentos
multissensórios e o direito à cidade
Com as cartas endereçadas à
as fotos, encenamos fragmentos
uma pequena história sobre o
Sarau V. Como destacamos neste
texto, o Sarau V muda a projeção
periferia, pois traz a
perspectiva daquelas/es que habitam
os espaços considerados à margem.
o do Sarau, a praça
chamada por seus frequentadores
de Praça do Coliseu, uma refer
ência
ao formato de sua construção.
Localizada às margens de uma
importante via da cidade, Via Light, a
praça era o lugar de passagem,
frequentada quase que,
te, por skatistas. No
entanto, a praça foi batizada pela
Prefeitura como “Praça dos Direitos
Humanos”, em memória às 29 vítimas
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
assassinadas em uma chacina
ocorrida na cidade de Nova Iguaçu e
de Queimados, ambas na região da
Baixada Fluminense, no ano de 2
Porém, até a realização do Sarau V
esse nome não era utilizado para a
designar tal espaço.
Vale lembrar que foi apenas
quando Janaina Tavares foi à
prefeitura pedir autorização para a
realização da primeira edição do
Sarau, que ela descobriu o
registro da praça.
Porém, o nome
direitos humanos era apenas um
“simulacro teórico” que olha de cima e
não se entrelaça aos fazeres espaciais
do dia-a-dia (CERTE
AU, 1994, p.
Aquele lugar era delimitado e
enunciado como a Praça do Coliseu.
Os
letramentos do Sarau
uma intervenção espacial ali,
reescrevendo e colocando em prática
o nome oficial.“Se é a ação que
qualifica o espaço” (CERTEAU, 1994,
p. 171) foram
as práticas de
letramentos do Sarau que
reterritorializaram a praça, colocan
em prática o seu nome oficial. Guattari
e Rolnik (2010) argumentam que a
8
https://www.brasildefatorj.com.br/2019/03/30/
maior-chacina-da-historia-do-rio
-
anos
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
assassinadas em uma chacina
ocorrida na cidade de Nova Iguaçu e
de Queimados, ambas na região da
Baixada Fluminense, no ano de 2
005
8
.
Porém, até a realização do Sarau V
,
esse nome não era utilizado para a
Vale lembrar que foi apenas
quando Janaina Tavares foi à
prefeitura pedir autorização para a
realização da primeira edição do
Sarau, que ela descobriu o
nome de
Porém, o nome
direitos humanos era apenas um
“simulacro teórico” que olha de cima e
não se entrelaça aos fazeres espaciais
AU, 1994, p.
171).
Aquele lugar era delimitado e
enunciado como a Praça do Coliseu.
letramentos do Sarau
realizaram
uma intervenção espacial ali,
reescrevendo e colocando em prática
o nome oficial.“Se é a ação que
qualifica o espaço” (CERTEAU, 1994,
as práticas de
letramentos do Sarau que
reterritorializaram a praça, colocan
do
em prática o seu nome oficial. Guattari
e Rolnik (2010) argumentam que a
https://www.brasildefatorj.com.br/2019/03/30/
-
completa-14-
reterritorialização é indissociável da
desterritorialização. Trata
agenciamentos de humanos e de não
humanos em que
"a reterritorialização
consistirá numa tentativa de
recomp
osição de um território
engajado num processo
desterritorializante" (
ROLNIK, 2010, p.
Sarau V desterritorializa a Praça do
Coliseu, apenas como um lugar de
passagem ou dos skatistas, projetando
outra escala que reterritorializa o
e
spaço como Praça dos Direitos
Humanos.
Entendemos que esse
movimento de reterritorialização
realizado pelo Sarau V estabelece
uma relação intrínseca entre os
letramentos ali encenados e os direitos
humanos. Para compreendermos essa
relação, vale fazermos
aproximação entre as práticas
letramentos
do Sarau daquilo que o
crí
tico literário, Antônio Cândido
(1995), conceitua como sendo
literatura. Para o escritor, a literatura
(assim como toda e qualquer forma de
fabulação
todas as criações de
toque poético, ficcional ou dramático
em todos os níveis de uma sociedade”
(CÂNDIDO, 1995,
p.
63
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
reterritorialização é indissociável da
desterritorialização. Trata
-se de
agenciamentos de humanos e de não
-
"a reterritorialização
consistirá numa tentativa de
osição de um território
engajado num processo
desterritorializante" (
GUATTARI;
388). Assim, o
Sarau V desterritorializa a Praça do
Coliseu, apenas como um lugar de
passagem ou dos skatistas, projetando
outra escala que reterritorializa o
spaço como Praça dos Direitos
Entendemos que esse
movimento de reterritorialização
realizado pelo Sarau V estabelece
uma relação intrínseca entre os
letramentos ali encenados e os direitos
humanos. Para compreendermos essa
relação, vale fazermos
uma breve
aproximação entre as práticas
de
do Sarau daquilo que o
tico literário, Antônio Cândido
(1995), conceitua como sendo
literatura. Para o escritor, a literatura
(assim como toda e qualquer forma de
todas as criações de
toque poético, ficcional ou dramático
em todos os níveis de uma sociedade”
p.
188) é um
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
direito humano, pois permitiria
pessoas (re)inventarem
o cotidiano,
seja como um maneira de dar
aos sentimentos para libertação do
caos”, s
eja como “um instrumento
consciente de desmascaramento, pelo
fato de focalizar as situações de
restrição dos direitos, ou de negação
deles, como a miséria, a servidão”
(p.189).
Atentas às tensões entre
universais e as especificidades
culturais, Silva e Palma
(2018, p.
pensam os direitos humanos como
“um corpo discursivo de disputas, de
reivindicações e de aspirações” de
populações vulneráveis ao redor do
mundo. Alinhadas com essas autoras,
entendemos que os letramento
Sarau V são um corpo
discursivo que
reivindica a (res)significação
territórios e o direito à
cidade,reinventando
a escrita
alfabética universal de acordo com os
fazeres e demandas locais. Como é
narrada na escrita/cena,
(re)territorializar a praça é ficcionalizar
por meio
de uma profusão de escritas
multissemióticas (STREET, 2001) e
9
Como nos ensina Geertz (1978),
consideramos ficção “no sentido original de
fictio
como algo construído, algo modelado” e
não como um falseamento.
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
direito humano, pois permitiria
às
o cotidiano,
seja como um maneira de dar
“forma
aos sentimentos para libertação do
eja como “um instrumento
consciente de desmascaramento, pelo
fato de focalizar as situações de
restrição dos direitos, ou de negação
deles, como a miséria, a servidão”
Atentas às tensões entre
ideais
universais e as especificidades
(2018, p.
604)
pensam os direitos humanos como
“um corpo discursivo de disputas, de
reivindicações e de aspirações” de
populações vulneráveis ao redor do
mundo. Alinhadas com essas autoras,
entendemos que os letramento
s do
discursivo que
reivindica a (res)significação
dos
territórios e o direito à
a escrita
alfabética universal de acordo com os
fazeres e demandas locais. Como é
narrada na escrita/cena,
(re)territorializar a praça é ficcionalizar
9
de uma profusão de escritas
multissemióticas (STREET, 2001) e
Como nos ensina Geertz (1978),
consideramos ficção “no sentido original de
como algo construído, algo modelado” e
multissensórias (MILLS, 2016)
de fanzines, a biblioteca sonora com
seus amplificadores (do microfone ao
megafone), as projeções audiovisuais,
o giz no chão, o “pixo” (com X),
grafite
e o corpo que dança.
Para refletir sobre essa
diversidade de
escritas como práticas
de letramentos, lembraremos de
debates recentes deste campo. Nos
últimos quinze anos, os estudos dos
letramentos foram afetados pelo que
Mills (2016) chama
de “virada
pois as práticas de escritas foram
profundamente alteradas pelas
transformação das mídias e das
tecnologias, bem como pelas novas
formas de comunicação e de
interação. Ainda segundo Mills (2016),
as tecnologias digitais
pesquisas a co
dimensões sócio material e sensorial
não como algo periférico ou
complementar às escritas
contemporâneas, mas como algo
intrínseco
às práticas. Se o
Estudos dos Letramentos
a heterogeneidade de escritas e a
multimodalidade d
os textos (STREET,
2001; GEE, 1990; BARON
HAMILTON;
IVANIC, 2000; KLEIMAN,
2006;
ROJO, 2009)
64
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
multissensórias (MILLS, 2016)
– o varal
de fanzines, a biblioteca sonora com
seus amplificadores (do microfone ao
megafone), as projeções audiovisuais,
o giz no chão, o “pixo” (com X),
o
e o corpo que dança.
Para refletir sobre essa
escritas como práticas
de letramentos, lembraremos de
debates recentes deste campo. Nos
últimos quinze anos, os estudos dos
letramentos foram afetados pelo que
de “virada
digital”,
pois as práticas de escritas foram
profundamente alteradas pelas
transformação das mídias e das
tecnologias, bem como pelas novas
formas de comunicação e de
interação. Ainda segundo Mills (2016),
as tecnologias digitais
forçaram as
pesquisas a co
nsideraram as
dimensões sócio material e sensorial
não como algo periférico ou
complementar às escritas
contemporâneas, mas como algo
às práticas. Se o
s Novos
Estudos dos Letramentos
destacaram
a heterogeneidade de escritas e a
os textos (STREET,
2001; GEE, 1990; BARON
;
IVANIC, 2000; KLEIMAN,
ROJO, 2009)
ou seja, todo
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
texto é constituído por semioses
verbais e não-verbais –
, a virada digital
ênfase à materialidade e a
multissensorialidade
situada e
corporifi
cada dos letramentos, ou seja,
toda prática de escrita é uma prática
corporal sinestésica composta e
atravessada
por uma profusão de
matérias tangíveis. Em uma
perspectiva semiótica semelhante,
Kress (apud
MENEZES, 2001, p.170)
critica o “visualismo” e enf
sinestesia na construção de
significados:
Maneiras diferentes de construir o
significado envolvem formas
diferentes de engajamento corporal
com o mundo
isto é, não apenas
através da visão (...) mas também
através do tato, do olfato, do gosto,
da
sensação. (...) Essa habilidade e
esse fato da sinestesia é essencial
para que os seres humanos
compreendam o mundo.
Desse modo, a ênfase
sinestésica amplia as fronteiras do
conceito ocidental sobre ‘o que é’ e
‘como se’ produz a escrita. Nas cartas
à
rua, o encenadas muitas
sensações -
do frio da madrugada com
cheiro do Jet -
, lembrando
não é, apenas, a ‘visão’ o sentido
engajado
nos letramentos, o olfato
também participa das práticas de
escrita da praça. A foto que
acompanha a
carta “Ação no
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
texto é constituído por semioses
, a virada digital
ênfase à materialidade e a
situada e
cada dos letramentos, ou seja,
toda prática de escrita é uma prática
corporal sinestésica composta e
por uma profusão de
matérias tangíveis. Em uma
perspectiva semiótica semelhante,
MENEZES, 2001, p.170)
critica o “visualismo” e enf
atiza a
sinestesia na construção de
Maneiras diferentes de construir o
significado envolvem formas
diferentes de engajamento corporal
isto é, não apenas
através da visão (...) mas também
através do tato, do olfato, do gosto,
sensação. (...) Essa habilidade e
esse fato da sinestesia é essencial
para que os seres humanos
compreendam o mundo.
Desse modo, a ênfase
sinestésica amplia as fronteiras do
conceito ocidental sobre ‘o que é’ e
‘como se’ produz a escrita. Nas cartas
rua, o encenadas muitas
do frio da madrugada com
, lembrando
-nos que
não é, apenas, a ‘visão’ o sentido
nos letramentos, o olfato
também participa das práticas de
escrita da praça. A foto que
carta “Ação no
território”
traz a foto de uma camiseta utilizada
por uma jovem com a estampa em que
se lê: o Sarau
é a biblioteca sonora da
periferia.
Poderíamos dizer, então, que
a biblioteca do V
acentua a presença
dos corpos e da audição
espaço onde a leitura e
nada se aproximam das práticas que,
tradicionalmente, imaginamos como
aquelas pertencentes a uma biblioteca
espaço silencioso, onde se organiza
e se esquadrinha tradição. Com
Foucault (2009), poderíamos imaginar
a biblioteca sonora como um
em movimento, que está além dos
livros da civilização selecionados como
saberes sacralizados; uma biblioteca
onde um alarido de sons e uma
pluralidade de vozes poéticas
daquelas que, na perspectiva colonial,
foram consideradas “sem
(FOUCAULT, 2009).
Além da multissensorialidade, o
Sarau nos permite refletir sobre a
dimensão sócio material e o
agenciamento dos objetos nas práticas
de leitura e de escrita. Não estamos
querendo dizer que objetos agem por
si só, mas que eles são determi
e
m um papel formativo na educação
e nos letramentos (MILLS, 2016;
DUSSEL, 2017). Na biblioteca sonora
65
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
traz a foto de uma camiseta utilizada
por uma jovem com a estampa em que
é a biblioteca sonora da
Poderíamos dizer, então, que
acentua a presença
dos corpos e da audição
em um
espaço onde a leitura e
a escrita em
nada se aproximam das práticas que,
tradicionalmente, imaginamos como
aquelas pertencentes a uma biblioteca
espaço silencioso, onde se organiza
e se esquadrinha tradição. Com
Foucault (2009), poderíamos imaginar
a biblioteca sonora como um
“arquivo”
em movimento, que está além dos
livros da civilização selecionados como
saberes sacralizados; uma biblioteca
onde um alarido de sons e uma
pluralidade de vozes poéticas
daquelas que, na perspectiva colonial,
foram consideradas “sem
-história”
Além da multissensorialidade, o
Sarau nos permite refletir sobre a
dimensão sócio material e o
agenciamento dos objetos nas práticas
de leitura e de escrita. Não estamos
querendo dizer que objetos agem por
si só, mas que eles são determi
nantes
m um papel formativo na educação
e nos letramentos (MILLS, 2016;
DUSSEL, 2017). Na biblioteca sonora
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
do V, há uma profusão de coisas
megafone, o microfone, os alto
o projetor, o giz, a caneta, o jet
compõem a cena, a identidade das
autoras e as formas de interação e de
ação coletiva,pois como encenamos
na carta “Rua, substantivo feminino”, o
microfone é aberto
, qualquer pessoa
que queira pode se expressar, se
expandir e tomar a palavra no espaço
público.
Palavras Finais
Fundamentada por uma prática
pedagógica dialógica que durou quase
todo o período de graduação em
Letras da, então, estudante Janaína
Tavares, construímos esta pequena
narrativa do Sarau V. Compreendemos
que essas práticas são
experiências
de extrema importância não só para os
campo de investigação e de estudos
dos letramentos, como também para a
própria escola. Compreender e
valorizar as práticas das juventudes
periféricas que têm lugar fora da
escola, principalmente, em territ
imaginados hegemonicamente como
desertos culturais e de letramentos, é
fundamental para que possamos
construir pedagogias mais sensíveis
às formas pelas quais as estudantes
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
Americana de Estudos em Cultura,
, março 2021.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
do V, há uma profusão de coisas
o
megafone, o microfone, os alto
-falante,
o projetor, o giz, a caneta, o jet
–que
compõem a cena, a identidade das
autoras e as formas de interação e de
ação coletiva,pois como encenamos
na carta “Rua, substantivo feminino”, o
, qualquer pessoa
que queira pode se expressar, se
expandir e tomar a palavra no espaço
Fundamentada por uma prática
pedagógica dialógica que durou quase
todo o período de graduação em
Letras da, então, estudante Janaína
Tavares, construímos esta pequena
narrativa do Sarau V. Compreendemos
experiências
de extrema importância não só para os
campo de investigação e de estudos
dos letramentos, como também para a
própria escola. Compreender e
valorizar as práticas das juventudes
periféricas que têm lugar fora da
escola, principalmente, em territ
órios
imaginados hegemonicamente como
desertos culturais e de letramentos, é
fundamental para que possamos
construir pedagogias mais sensíveis
às formas pelas quais as estudantes
mobilizam recursos simbólicos e
materiais específicos no interior de
suas com
unidades, estabelecendo
pontes (e não muros) entre saberes e
letramentos.
Em nossa polifonia textual,
endereçamos cartas à
terminamos este texto, lembrando da
etimologia de tal palavra, pois
entendemos que ela aponta não
para a relevância desses
para as sementes de esperança
presentes nos letramentos das
juventudes dos subúrbios, das favelas
e das periferias. N
o dicionário Oxford
encontramos a seguinte referência
etimologia da palavra rua: do
'ruga' (uma ‘dobra’ na pele em fo
de ‘sulco’). Isso porque as ruas na
Roma Antiga
tinham a função primária
de servir como canais de escoamento
das águas das chuvas.
Subsidiariamente, as ruas
funcionavam também como via de
circulação.
Nas cidades modernas,
porém, a prioridade da rua inv
Aproveitamos aqui a ideia de ‘dobra’ e
de ‘sulco’ como um traço que persiste
na rua das cidades modernas; um
traço que nos lembra que a rua não é
o local, apenas, de circulação, ela é
também um certo percurso de fuga
66
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
(Dossiê "Tramas entre cultura e educação")
mobilizam recursos simbólicos e
materiais específicos no interior de
unidades, estabelecendo
pontes (e não muros) entre saberes e
Em nossa polifonia textual,
endereçamos cartas à
rua e
terminamos este texto, lembrando da
etimologia de tal palavra, pois
entendemos que ela aponta não
para a relevância desses
saberes, mas
para as sementes de esperança
presentes nos letramentos das
juventudes dos subúrbios, das favelas
o dicionário Oxford
encontramos a seguinte referência
à
etimologia da palavra rua: do
latim
'ruga' (uma ‘dobra’ na pele em fo
rma
de ‘sulco’). Isso porque as ruas na
tinham a função primária
de servir como canais de escoamento
das águas das chuvas.
Subsidiariamente, as ruas
funcionavam também como via de
Nas cidades modernas,
porém, a prioridade da rua inv
erteu-se.
Aproveitamos aqui a ideia de ‘dobra’ e
de ‘sulco’ como um traço que persiste
na rua das cidades modernas; um
traço que nos lembra que a rua não é
o local, apenas, de circulação, ela é
também um certo percurso de fuga
LOPES, Adriana C.; TAVARES, Janaina. "Os saraus são as bibliotecas
sonoras as periferias": uma narrativa sobre letramentos e o direito à
cidade. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 11, n. 20, p. 51-68
, março 2021.
dos mapas hegemônicos; um per
onde a juventude ficcionaliza e “sonha
acordada” (BLOCH, 2006) com um
futuro melhor; uma dobra de
esperança onde nascem e florescem
letramentos periféricos que, em
alguma medida,
transformam
coletivamente as vidas precárias das
cidades, reterritorial
izam as projeções
escalares desiguais e reivindicam o
direito à cidade que, como coloca o
geógrafo e ativista David Harvey
(2012), é
mais do que a liberdade
individual para acessar os recursos
urbanos: é o direito de mudar a nós
mesmos, mudando a cidade. T
da liberdade de “recriar nossas
cidades e a nós mesmos
mais preciosos e dos mais
negligenciados
dos nossos direitos
humanos” (p.74)
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direito à cidade que, como coloca o
geógrafo e ativista David Harvey
mais do que a liberdade
individual para acessar os recursos
urbanos: é o direito de mudar a nós
mesmos, mudando a cidade. T
rata-se
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