BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
24-47, set. 2021.
possível compreender as dimensões
simbólicas da CdS, no contexto da
cena cultural carioca, sem observar
minimamente o histórico da categoria
“barracão”. Segundo ele, “um dos
primeiros espaços ocupados com a
preparação das alegorias para a fe
foi o antigo Pavilhão de São Cristóvão”
(BARBIERI, 2009, p. 127). A
carnavalesca Rosa Magalhães
trabalhou no Pavilhão
5
de 1970 e 1980. É da artista um
interessante relato sobre o processo
de transição para os armazéns
portuários:
Como o antigo Pavilhão de São
Cristóvão desabou e não foi
reconstruído, as escolas ficaram
sem ter um local onde trabalhar. A
saída foi invadir espaços ociosos,
numa postura contemporânea.
Assim, pouco a pouco um galpão
foi adquirindo ares de local de
trab
alho, ou seja, se humanizando.
Reformas foram feitas, como por
exemplo a instalação de luz
elétrica, o que tornou o local mais
5
Uma configuração análoga à do antigo
Pavilhão de São Cristóvão pode ser
encontrada, hoje, no “Barracão do Samba”, o
galpão onde mais de 30 escolas de samba
que desfilam na Estrada Intendente
Magalhães produzem, sem divisór
alegorias. Localizado no bairro de Madureira,
tal espaço ainda é chamado de “Barracão do
Falcon”, uma vez que era administrado pelo
ex-
policial e dirigente da Portela Marcos
Falcon, assassinado em 2016. Sobre o lugar,
ver MOTTA, 2016.
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
possível compreender as dimensões
simbólicas da CdS, no contexto da
cena cultural carioca, sem observar
minimamente o histórico da categoria
“barracão”. Segundo ele, “um dos
primeiros espaços ocupados com a
preparação das alegorias para a fe
sta
foi o antigo Pavilhão de São Cristóvão”
(BARBIERI, 2009, p. 127). A
carnavalesca Rosa Magalhães
de 1970 e 1980. É da artista um
interessante relato sobre o processo
de transição para os armazéns
Como o antigo Pavilhão de São
Cristóvão desabou e não foi
reconstruído, as escolas ficaram
sem ter um local onde trabalhar. A
saída foi invadir espaços ociosos,
numa postura contemporânea.
Assim, pouco a pouco um galpão
foi adquirindo ares de local de
alho, ou seja, se humanizando.
Reformas foram feitas, como por
exemplo a instalação de luz
elétrica, o que tornou o local mais
[...]
Uma configuração análoga à do antigo
Pavilhão de São Cristóvão pode ser
encontrada, hoje, no “Barracão do Samba”, o
galpão onde mais de 30 escolas de samba
que desfilam na Estrada Intendente
Magalhães produzem, sem divisór
ias, as suas
alegorias. Localizado no bairro de Madureira,
tal espaço ainda é chamado de “Barracão do
Falcon”, uma vez que era administrado pelo
policial e dirigente da Portela Marcos
Falcon, assassinado em 2016. Sobre o lugar,
precaríssimas, sobretudo no que
vez, trabalhei com Lícia Lacerda,
carnavalesca também, em dois
galpões que não tinham banheiro.
O jeito era almoçar em botequins e
ficar amiga do dono, para poder ir
ao toalete, em geral muito sujo.
algumas es
voltar a abrigar-
de exposições e feiras, o ant
Pavilhão de São Cristóvão. [
manutenção; o telhado de zinco
marcávamos com tinta, no chão, o
excesso de consumo e nunca era
suficiente para as necessidades;
além do mais, não havia nenhuma
incêndio, o que de fato acabou
acontecendo, depois de um
carnaval, destruindo tudo o que
estava lá dentro; das máquinas d
solda e de costura e estruturas dos
carros a serras, mesas, bancadas,
tudo foi perdido (MAGALHÃES,
1997, p. 19-20).
O depoimento de Magalhães
reforça o entendimento de que, em
termos históricos, a ideia de “barracão”
está ligada a um flagrante quadro de
conforme será visto adiante, serve de
moldura para precárias relações
trabalhistas. Salta aos olhos a crença
de que os galpões, aos poucos, foram
“se humanizando”. É sabido que paira
sobre o fazer carnavalesco certa
“roman
tização do precário” (RUFINO
29
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
precaríssimas, sobretudo no que
stalações. Certa
vez, trabalhei com Lícia Lacerda,
carnavalesca também, em dois
galpões que não tinham banheiro.
O jeito era almoçar em botequins e
ficar amiga do dono, para poder ir
ao toalete, em geral muito sujo.
[...]
de exposições e feiras, o ant
igo
Pavilhão de São Cristóvão. [
...] O
manutenção; o telhado de zinco
marcávamos com tinta, no chão, o
luz caía pelo
excesso de consumo e nunca era
suficiente para as necessidades;
além do mais, não havia nenhuma
incêndio, o que de fato acabou
acontecendo, depois de um
carnaval, destruindo tudo o que
estava lá dentro; das máquinas d
e
solda e de costura e estruturas dos
carros a serras, mesas, bancadas,
tudo foi perdido (MAGALHÃES,
O depoimento de Magalhães
reforça o entendimento de que, em
termos históricos, a ideia de “barracão”
está ligada a um flagrante quadro de
– o que,
conforme será visto adiante, serve de
moldura para precárias relações
trabalhistas. Salta aos olhos a crença
de que os galpões, aos poucos, foram
“se humanizando”. É sabido que paira
sobre o fazer carnavalesco certa
tização do precário” (RUFINO
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