BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
“Glória a quem trabalha o ano inteiro?”: notas sobre os “barracões” do
DOI:
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v11i21.49499
Resumo:
Sem a pretensão de encerrar conclusões,
cadeia produtiva dos desfiles das escolas de samba da cidade do Rio de Janeiro, tomando a
precariedade como chave interpretativa, a fim de questionar os limites da ideia d
atrelada ao complexo fabril da Cidade do Samba (CdS), inaugurado em 2006. Pretende
modo geral, observar até que ponto o discurso da “romantização do precário” serve para validar uma
série de riscos e abusos atrelados às rel
Terra”. De início, em diálogo com os cadernos de campo do antropólogo Ricardo José Barbieri e de
outros autores que transitam pelo “mundo do samba”, são apresentadas reflexões sobre a categoria
“barracão”, desvelando-
se um histórico quadro de precarização espacial
que tem gerado sucessivas interdições) que costura diferentes espaços da geografia carioca e que
desnuda relações de poder ligadas a múltiplos atores sociais, d
Depois, são enfocadas as relações trabalhistas que se entrechocam no interior desses espaços, com
base em relatos de trabalhadores das “fábricas do samba” (Marina Vergara, escultora, e Rafael
Vieira, pintor de arte) cotejado
inauguração da CdS. Nesse ponto, são brevemente debatidos aspectos como a existência ou não de
contratos formais, a avalanche de dívidas trabalhistas,o machismo e a insalubridade reinant
fim, diante do contexto pandêmico de Covid
em quase 100 anos de evento festivo, o artigo observa ações idealizadas para dar assistência aos
trabalhadores da folia, milhares de profissionais que
Palavras-Chave:
escolas de samba; Cidade do Samba; barracão; precariedade; Rio de Janeiro.
"¿Gloria a los que trabajan todo el año?": apuntes sobre los “barracões” del carnaval carioca
Resumen: Sin
intención de conclusiones
cadena
productiva de los desfiles de las
la
precariedad como clave interpretativa, con
“profesionalización” vinculada al complejo industrial de la “Cidade do Samba” (CdS), inaugurado en
2006. Se pretende, en general, observar hasta qué
precario” sirve para validar una serie de rie
apuntalan la realización
del “mayor
cuadernos de campo del antropólogo Ricardo José Barbieri y otros autores que caminam por el
“mundo do samba
”, se presentan reflexiones sobre la
1
Leonardo Augusto Bora. Doutor em Ciência da Literatura
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Culturais do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC)
UFRJ, Brasil. Email:
leonardobora@gmail.com
Recebido em 31/03/2021,
aceito para publicação em
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
“Glória a quem trabalha o ano inteiro?”: notas sobre os “barracões” do
carnaval carioca
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v11i21.49499
Leonardo Augusto Bora
Sem a pretensão de encerrar conclusões,
o trabalho lança um olhar panorâmico para a
cadeia produtiva dos desfiles das escolas de samba da cidade do Rio de Janeiro, tomando a
precariedade como chave interpretativa, a fim de questionar os limites da ideia d
e “profissionalização”
atrelada ao complexo fabril da Cidade do Samba (CdS), inaugurado em 2006. Pretende
modo geral, observar até que ponto o discurso da “romantização do precário” serve para validar uma
série de riscos e abusos atrelados às rel
ações trabalhistas que alicerçam a feitura do “maior show da
Terra”. De início, em diálogo com os cadernos de campo do antropólogo Ricardo José Barbieri e de
outros autores que transitam pelo “mundo do samba”, são apresentadas reflexões sobre a categoria
se um histórico quadro de precarização espacial
(e de graves acidentes, o
que tem gerado sucessivas interdições) que costura diferentes espaços da geografia carioca e que
desnuda relações de poder ligadas a múltiplos atores sociais, d
o poder público à contravenção.
Depois, são enfocadas as relações trabalhistas que se entrechocam no interior desses espaços, com
base em relatos de trabalhadores das “fábricas do samba” (Marina Vergara, escultora, e Rafael
s com os estudos etnográficos de Maria Laura Cavalcanti, anteriores à
inauguração da CdS. Nesse ponto, são brevemente debatidos aspectos como a existência ou não de
contratos formais, a avalanche de dívidas trabalhistas,o machismo e a insalubridade reinant
fim, diante do contexto pandêmico de Covid
-
19 e do cancelamento do carnaval de 2021, algo inédito
em quase 100 anos de evento festivo, o artigo observa ações idealizadas para dar assistência aos
trabalhadores da folia, milhares de profissionais que
se viram à deriva, mergulhados na instabilidade.
escolas de samba; Cidade do Samba; barracão; precariedade; Rio de Janeiro.
"¿Gloria a los que trabajan todo el año?": apuntes sobre los “barracões” del carnaval carioca
intención de conclusiones
encerradas, el trabajo
hace una mirada panorámica a
productiva de los desfiles de las
escuelas de samba de la
ciudad de Río de Janeiro, tomando
precariedad como clave interpretativa, con
el fin de cuestionar los
límit
“profesionalización” vinculada al complejo industrial de la “Cidade do Samba” (CdS), inaugurado en
2006. Se pretende, en general, observar hasta qué
punto
el discurso de la “romantización de lo
precario” sirve para validar una serie de rie
sgos y abusos vinculados a las relaciones laborales que
del “mayor
espectáculo
del mundo”. Inicialmente, en diálogo
cuadernos de campo del antropólogo Ricardo José Barbieri y otros autores que caminam por el
”, se presentan reflexiones sobre la
categoría “barracão”, desvelando un marco
Leonardo Augusto Bora. Doutor em Ciência da Literatura
Teoria Literária pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Pesquisador visitante do Programa de Pós-
Doutorado em Estudos
Culturais do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC)
da Faculdade de Letras da
leonardobora@gmail.com
- https://orcid.org/0000-0002-
9397
aceito para publicação em
03/06/2021 e
disponibilizado online em
01/09/2021.
24
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
“Glória a quem trabalha o ano inteiro?”: notas sobre os “barracões” do
Leonardo Augusto Bora
1
o trabalho lança um olhar panorâmico para a
cadeia produtiva dos desfiles das escolas de samba da cidade do Rio de Janeiro, tomando a
e “profissionalização”
atrelada ao complexo fabril da Cidade do Samba (CdS), inaugurado em 2006. Pretende
-se, de um
modo geral, observar até que ponto o discurso da “romantização do precário” serve para validar uma
ações trabalhistas que alicerçam a feitura do “maior show da
Terra”. De início, em diálogo com os cadernos de campo do antropólogo Ricardo José Barbieri e de
outros autores que transitam pelo “mundo do samba”, são apresentadas reflexões sobre a categoria
(e de graves acidentes, o
que tem gerado sucessivas interdições) que costura diferentes espaços da geografia carioca e que
o poder público à contravenção.
Depois, são enfocadas as relações trabalhistas que se entrechocam no interior desses espaços, com
base em relatos de trabalhadores das “fábricas do samba” (Marina Vergara, escultora, e Rafael
s com os estudos etnográficos de Maria Laura Cavalcanti, anteriores à
inauguração da CdS. Nesse ponto, são brevemente debatidos aspectos como a existência ou não de
contratos formais, a avalanche de dívidas trabalhistas,o machismo e a insalubridade reinant
es. Por
19 e do cancelamento do carnaval de 2021, algo inédito
em quase 100 anos de evento festivo, o artigo observa ações idealizadas para dar assistência aos
se viram à deriva, mergulhados na instabilidade.
escolas de samba; Cidade do Samba; barracão; precariedade; Rio de Janeiro.
"¿Gloria a los que trabajan todo el año?": apuntes sobre los “barracões” del carnaval carioca
hace una mirada panorámica a
la
ciudad de Río de Janeiro, tomando
límit
es de la idea de
“profesionalización” vinculada al complejo industrial de la “Cidade do Samba” (CdS), inaugurado en
el discurso de la “romantización de lo
sgos y abusos vinculados a las relaciones laborales que
del mundo”. Inicialmente, en diálogo
con los
cuadernos de campo del antropólogo Ricardo José Barbieri y otros autores que caminam por el
categoría “barracão”, desvelando un marco
Teoria Literária pela Universidade
Doutorado em Estudos
da Faculdade de Letras da
9397
-1417
disponibilizado online em
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
histórico de precariedad espacial (y de accidentes graves, que han dado lugar a sucesivas
interdicciones) que cosen diferentes espacios
relaciones de poder vinculadas a múltiples
poderes paralelos. Luego, se enfocan
a partir de relatos de trabajadores de las
Vieira, pintor de arte) comparados
la inauguración de la
CdS. En este punto, se debaten brevemente aspectos como la
d
e contratos formales, la avalancha de deudas
Finalmente, ante el contexto pandémico del Covid
inédito en
casi 100 años de evento festivo, el
trabajadores de las
escuelas, miles de profesionales que han encontrado ellos
sumidos em la inestabilidad.
Palabras clave: e
scuelas de samba; “Cidade do Samba”; “barracão”; precariedad; Rio de J
“Glory to those who work all year long?”: notes about the "barracões" of the carioca carnival
Abstract: Without the
intention
productive chain of the
parades
precariousness as an
interpretive
linked to
the industrial complex
general, to observe the extent
to
to validate a series of risks
and abuses linked
“greatest show on Earth”. Initially, in dialogue with
Barbieri and other authors
who
category are presented, unveiling a historic framework of
accidents, which have r
esulted in successive
Janeiro's geography and that
expose
authorities to
misdemeanors. Then, the labor relations
based on reports by workers
from
art painter) compared with
the
inauguration of the
CdS. At this point, aspects
avalanche of labor debts, gender
of the pandemic context
of Covid
unprecedented in almost 100 years
workers of the
revelry, thousands
instability.
Keywords: s
amba schools; “Cidade do
“Glória a quem trabalha o ano inteiro?”: notas sobre os “barracões” do
Introdução
São Sebastião do Rio de
Janeiro, verão. No início da manhã de
7 de fevereiro de 2011, segunda
feira,muitos sambistas brigavam com
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
histórico de precariedad espacial (y de accidentes graves, que han dado lugar a sucesivas
interdicciones) que cosen diferentes espacios
de la
geografía de Río de Janeiro y que e
relaciones de poder vinculadas a múltiples
actores
sociales, desde las autoridades públicas hasta los
poderes paralelos. Luego, se enfocan
las relaciones laborales que chocan dentro de estos
a partir de relatos de trabajadores de las
fábricas do samba” (Marina Vergara, escultora, y Rafael
Vieira, pintor de arte) comparados
con los
estudios etnográficos de María Laura Cavalcanti, previos a
CdS. En este punto, se debaten brevemente aspectos como la
e contratos formales, la avalancha de deudas
laborales, el machismo y las condiciones insalubres.
Finalmente, ante el contexto pandémico del Covid
-19 y la cancelación
del carnaval de 2021, algo
casi 100 años de evento festivo, el
trabajo observa
acciones idealizadas para asistir a los
escuelas, miles de profesionales que han encontrado ellos
scuelas de samba; “Cidade do Samba”; “barracão”; precariedad; Rio de J
“Glory to those who work all year long?”: notes about the "barracões" of the carioca carnival
intention
of concluding questions, the
work takes a panoramic look at
parades
of the samba schools in the city
of Rio de Janeiro, taking
interpretive
key, in order to question the limits of the idea
of
the industrial complex
of
“Cidade do Samba” (CdS), opened in 2006. It is
to
which the discourse of the “romanticization of
the
and abuses linked
to labor relations that
underpin
“greatest show on Earth”. Initially, in dialogue with
the field notebooks of
anthropologist Ricardo José
who
walk through
the “world of samba”, reflections
category are presented, unveiling a historic framework of
spatial
precariousness (and
esulted in successive
interdictions) that sew
different
expose
power relations linked to
multiple social actors, from
misdemeanors. Then, the labor relations
that clash within these
from
the “samba factories” (Marina Vergara, sculptor, and Rafael Vieira,
the
ethnographic studies
of Maria Laura Cavalcanti, prior to
CdS. At this point, aspects
such as the existence or not
of formal contracts, the
avalanche of labor debts, gender
issues and unhealthy conditions are briefly
debated. Finally, in view
of Covid
-19 and the cancellation of the carnival
unprecedented in almost 100 years
of festive event, the paper observes actions
idealized
revelry, thousands
of professionals who have found
themselves
amba schools; “Cidade do
Samba”; “barracão”; precariousness; Rio de Janeiro.
“Glória a quem trabalha o ano inteiro?”: notas sobre os “barracões” do
carnaval carioca
São Sebastião do Rio de
Janeiro, verão. No início da manhã de
7 de fevereiro de 2011, segunda
-
feira,muitos sambistas brigavam com
os despertadores, cansados
estavam da sequência de “ensaios
técnicos” ocorridos na noite anterior,
no Sambódromo da Avenida Marquês
de Sapucaí. Império Serrano, Império
25
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
histórico de precariedad espacial (y de accidentes graves, que han dado lugar a sucesivas
geografía de Río de Janeiro y que e
xponen las
sociales, desde las autoridades públicas hasta los
las relaciones laborales que chocan dentro de estos
espacios,
fábricas do samba” (Marina Vergara, escultora, y Rafael
estudios etnográficos de María Laura Cavalcanti, previos a
CdS. En este punto, se debaten brevemente aspectos como la
existencia o no
laborales, el machismo y las condiciones insalubres.
del carnaval de 2021, algo
acciones idealizadas para asistir a los
escuelas, miles de profesionales que han encontrado ellos
mismos a la deriva,
scuelas de samba; “Cidade do Samba”; “barracão”; precariedad; Rio de J
aneiro.
“Glory to those who work all year long?”: notes about the "barracões" of the carioca carnival
work takes a panoramic look at
the
of Rio de Janeiro, taking
of
“professionalization”
“Cidade do Samba” (CdS), opened in 2006. It is
intended, in
the
precarious” serves
underpin
the making of the
anthropologist Ricardo José
the “world of samba”, reflections
on the “barracão”
precariousness (and
of serious
different
spaces in Rio de
multiple social actors, from
public
spaces are focused,
the “samba factories” (Marina Vergara, sculptor, and Rafael Vieira,
of Maria Laura Cavalcanti, prior to
the
of formal contracts, the
debated. Finally, in view
of 2021, something
idealized
to assist the
themselves
adrift, plunged into
Samba”; “barracão”; precariousness; Rio de Janeiro.
“Glória a quem trabalha o ano inteiro?”: notas sobre os “barracões” do
os despertadores, cansados
que
estavam da sequência de “ensaios
técnicos” ocorridos na noite anterior,
no Sambódromo da Avenida Marquês
de Sapucaí. Império Serrano, Império
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
da Tijuca e Acadêmicos do Salgueiro
haviam ensaiado perante
arquibancadas lotadas de foliões
dispostos a canta
r os sambas que
embalariam os desfiles oficiais, na
primeira semana de março, durante o
carnaval. Mas o sol forte daquela
manhã se viu encoberto por uma
nuvem: por volta das seis horas, os
telejornais e os programas de rádio
começaram a noticiar um incêndi
grandes proporções em algum edifício
da região portuária. Em poucos
minutos, a nuvem
passou a ser vista
de bairros distantes, causando
espanto e temor. Foi quando a notícia
ganhou um nome e um endereço
concreto: Cidade do Samba (CdS), na
rua Arlindo Rodrigues
2
. Faltando
menos de um mês para os desfiles, o
fogaréu descontrolado consumia um
2
Arlindo Rodrigues foi um
carnavalesco
(artista responsável pelos quesitos plásticos
de um desfile e, geralmente, pelo
desenvolvimento do enredo), campeão em
escolas como Salgueiro, Mocidade
Independente de Padre Miguel e Imperatriz
Leopoldinense. Ele participou da comissão de
arti
stas que deu início à “Revolução
Salgueirense”, em 1960 –
movimento de
transformações e reconfigurações estéticas e
narrativas conectado à chegada vultuosa de
profissionais ligados ao Theatro Municipal e à
Escola de Belas Artes (representantes da
intelectu
alidade acadêmica e das classes
média e alta), nos barracões das agremiações
sambistas. Sobre o assunto, ver
2013.
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
da Tijuca e Acadêmicos do Salgueiro
haviam ensaiado perante
arquibancadas lotadas de foliões
r os sambas que
embalariam os desfiles oficiais, na
primeira semana de março, durante o
carnaval. Mas o sol forte daquela
manhã se viu encoberto por uma
nuvem: por volta das seis horas, os
telejornais e os programas de rádio
começaram a noticiar um incêndi
o de
grandes proporções em algum edifício
da região portuária. Em poucos
passou a ser vista
de bairros distantes, causando
espanto e temor. Foi quando a notícia
ganhou um nome e um endereço
concreto: Cidade do Samba (CdS), na
. Faltando
menos de um mês para os desfiles, o
fogaréu descontrolado consumia um
carnavalesco
(artista responsável pelos quesitos plásticos
de um desfile e, geralmente, pelo
desenvolvimento do enredo), campeão em
escolas como Salgueiro, Mocidade
Independente de Padre Miguel e Imperatriz
Leopoldinense. Ele participou da comissão de
stas que deu início à “Revolução
movimento de
transformações e reconfigurações estéticas e
narrativas conectado à chegada vultuosa de
profissionais ligados ao Theatro Municipal e à
Escola de Belas Artes (representantes da
alidade acadêmica e das classes
média e alta), nos barracões das agremiações
sambistas. Sobre o assunto, ver
BRUNO,
setor inteiro do complexo fabril
inaugurado em 4 de fevereiro de 2006
para albergar a produção de fantasias
e carros alegóricos das escolas do
Grupo Especial.
As cha
mas foram impiedosas
com a arte ali produzida e devoraram
milhares de peças que ocupavam os
quatro andares dos “barracões” (forma
como os galpões são chamados, no
meio carnavalesco) das escolas União
da Ilha do Governador, Portela e
Acadêmicos do Grande Ri
barracão da última foi o mais afetado:
houve o desabamento de paredes e do
teto, o que fez com que a agremiação
de Duque de Caxias perdesse todas
as fantasias e todos os carros
alegóricos, que estavam
finalização. Além desses três galpões,
o fogo destruiu os andares superiores
do galpão de número 1, então
reservado pela Liga Independente das
Escolas de Samba (Liesa) para a
feitura de eventos turísticos e
programas educacionais. Felizmente,
não houve vítimas
tamanho da dest
ruição material, ganha
ares miraculosos. Tanto mais por um
dado naturalizado no meio, mas que
deve ter causado estranheza nos
telespectadores que se depararam
26
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
setor inteiro do complexo fabril
inaugurado em 4 de fevereiro de 2006
para albergar a produção de fantasias
e carros alegóricos das escolas do
mas foram impiedosas
com a arte ali produzida e devoraram
milhares de peças que ocupavam os
quatro andares dos “barracões” (forma
como os galpões são chamados, no
meio carnavalesco) das escolas União
da Ilha do Governador, Portela e
Acadêmicos do Grande Ri
o. O
barracão da última foi o mais afetado:
houve o desabamento de paredes e do
teto, o que fez com que a agremiação
de Duque de Caxias perdesse todas
as fantasias e todos os carros
alegóricos, que estavam
em fase de
finalização. Além desses três galpões,
o fogo destruiu os andares superiores
do galpão de número 1, então
reservado pela Liga Independente das
Escolas de Samba (Liesa) para a
feitura de eventos turísticos e
programas educacionais. Felizmente,
o que, diante do
ruição material, ganha
ares miraculosos. Tanto mais por um
dado naturalizado no meio, mas que
deve ter causado estranheza nos
telespectadores que se depararam
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
com algumas entrevistas gravadas
enquanto as labaredas ainda
desafiavam os jatos d’água: dezenas,
quiçá centenas de trabalhadores
estavam dormindo nos barracões
quando o incêndio (definido no laudo
do Instituto de Criminalística como
“acidental”
3
, produto de “ação humana
involuntária”
4
) aconteceu.
O cenário descrito acima fez
com que as câmeras e os m
buscassem os rostos e as vozes de
pessoas invisibilizadas, à sombra dos
dirigentes, inseridas em teias
trabalhistas bastante específicas
complexas. Cada “fábrica de sonhos”
de uma escola de samba do Grupo
Especial reúne, nos meses que
anteced
em os desfiles, mais de
300trabalhadores e incontáveis
problemas e tensões sociais (de
gênero, religiosas, étnico
-
que são potencializadas em um
contexto de gambiarras e
3
A causa inicial do fogo ainda é alvo de
especulações, nos bastidores do carnaval.
Uma das histórias mais ouvidas é aquela
segundo a q
ual uma cafeteira elétrica foi
esquecida ligada, em uma das salas do
barracão de número 1, o que gerou um curto
circuito.
4
Informações presentes em:
http://g1.globo.com/rio-de-
janeiro/noticia/2011/03/laudo-diz
-
na-cidade-do-samba-foi-
acidental
em: 02 mar. 2021.
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
com algumas entrevistas gravadas
enquanto as labaredas ainda
desafiavam os jatos d’água: dezenas,
quiçá centenas de trabalhadores
estavam dormindo nos barracões
quando o incêndio (definido no laudo
do Instituto de Criminalística como
, produto de “ação humana
O cenário descrito acima fez
com que as câmeras e os m
icrofones
buscassem os rostos e as vozes de
pessoas invisibilizadas, à sombra dos
dirigentes, inseridas em teias
trabalhistas bastante específicas
e
complexas. Cada “fábrica de sonhos”
de uma escola de samba do Grupo
Especial reúne, nos meses que
em os desfiles, mais de
300trabalhadores e incontáveis
problemas e tensões sociais (de
-
raciais etc.)
que são potencializadas em um
contexto de gambiarras e
A causa inicial do fogo ainda é alvo de
especulações, nos bastidores do carnaval.
Uma das histórias mais ouvidas é aquela
ual uma cafeteira elétrica foi
esquecida ligada, em uma das salas do
barracão de número 1, o que gerou um curto
-
-
que-incendio-
acidental
.html. Acesso
precarizações. O objetivo deste
trabalho é lançar provocações sobre
tal c
onjuntura, a fim de sedimentar
algumas percepções anotadas graças
ao meu trânsito como carnavalesco
que assinou trabalhos em todos os
grupos do carnaval carioca (da série D
ao Especial), numa permanente fricção
com a pesquisa acadêmica
etnográ
ficos e o desejo de ler a
contrapelo a bibliografia que trata do
assunto.
Para isso, num primeiro
momento, serão enfocados os
“barracões”, lugares que concentram a
cadeia produtiva da visualidade (os
“quesitos visuais”: fantasias e carros
alegóricos) das e
scolas de samba.
Depois, serão tecidos apontamentos
acerca da precariedade, da
instabilidade financeira e de alguns
conflitos recorrentes no que diz
respeito à rotina de trabalho nesses
espaços. Tais centelhas críticas serão
extraídas de relatos de dois
tr
abalhadores do carnaval: o pintor
Rafael Vieira e a escultora Marina
Vergara. Por fim, serão observadas
ações realizadas
ao longo de 2020,
durante a pandemia de Covid
quando o ciclo de produção dos
desfiles se viu interrompido.
27
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
precarizações. O objetivo deste
trabalho é lançar provocações sobre
onjuntura, a fim de sedimentar
algumas percepções anotadas graças
ao meu trânsito como carnavalesco
que assinou trabalhos em todos os
grupos do carnaval carioca (da série D
ao Especial), numa permanente fricção
com a pesquisa acadêmica
os ecos
ficos e o desejo de ler a
contrapelo a bibliografia que trata do
Para isso, num primeiro
momento, serão enfocados os
“barracões”, lugares que concentram a
cadeia produtiva da visualidade (os
“quesitos visuais”: fantasias e carros
scolas de samba.
Depois, serão tecidos apontamentos
acerca da precariedade, da
instabilidade financeira e de alguns
conflitos recorrentes no que diz
respeito à rotina de trabalho nesses
espaços. Tais centelhas críticas serão
extraídas de relatos de dois
abalhadores do carnaval: o pintor
Rafael Vieira e a escultora Marina
Vergara. Por fim, serão observadas
ao longo de 2020,
durante a pandemia de Covid
-19,
quando o ciclo de produção dos
desfiles se viu interrompido.
O
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
cancelamento do carnav
al de 2021,
algo inédito em quase 100 anos de
evento, tirou de vez o véu de
“profissionalismo” do “maior show da
Terra” -
fato que deu alguma
visibilidade aos dramas de milhares de
trabalhadores que se viram
desempregados e desassistidos, em
busca de novas
atuações, militâncias e
organizações coletivas.
1.
Um lugar chamado
“barracão”
O incêndio de 2011
lona a ideia de “segurança” apregoada
quando da inauguração do complexo
fabril da CdS, depois de obras que
custaram mais de 80 milhões de reais
aos co
fres da Prefeitura (BARBIERI,
2009, p. 129). Não que os destroços
fossem uma novidade: desde o
começo do século XX, são incontáveis
as notícias de incêndios, inundações e
desabamentos
que afetaram ou
destruíram a produção carnavalesca
de ranchos, grandes s
ociedades e
escolas de samba. Antes de 2011, um
dos casos mais comentados era o do
incêndio que atingiu, em 2001, os
barracões de Imperatriz Leopoldinense
e Unidos do Viradouro, escolas do
Grupo Especial que, na época,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
al de 2021,
algo inédito em quase 100 anos de
evento, tirou de vez o véu de
“profissionalismo” do “maior show da
fato que deu alguma
visibilidade aos dramas de milhares de
trabalhadores que se viram
desempregados e desassistidos, em
atuações, militâncias e
Um lugar chamado
O incêndio de 2011
jogou na
lona a ideia de “segurança” apregoada
quando da inauguração do complexo
fabril da CdS, depois de obras que
custaram mais de 80 milhões de reais
fres da Prefeitura (BARBIERI,
2009, p. 129). Não que os destroços
fossem uma novidade: desde o
começo do século XX, são incontáveis
as notícias de incêndios, inundações e
que afetaram ou
destruíram a produção carnavalesca
ociedades e
escolas de samba. Antes de 2011, um
dos casos mais comentados era o do
incêndio que atingiu, em 2001, os
barracões de Imperatriz Leopoldinense
e Unidos do Viradouro, escolas do
Grupo Especial que, na época,
produziam fantasias e alegorias em
ar
mazéns do Cais do Porto, espaços
marcados pela “parca infraestrutura” e
por “histórias de ocupações
irregulares” (BARBIERI, 2009, p. 126).
Num destes cenários insalubres,
carnavalesco Chico Spinosa preparava
o desfile de 2002 da Viradouro. O
artista desc
reveu o ocorrido:
Luizinho Drumond, patrono da
Imperatriz, e eu assistimos do
meio-
fio à destruição dos dois
barracões, obra de um cigarro
aceso lançado do viaduto da
Perimetral no meio dos isopores e
tambores de resina. O fogo se
alastrou a o barracão da Beija
Flor, mas
conseguiram salvar a escola de
Nilópolis (SPINOSA, 2014, p. 209).
A construção da CdS foi
anunciada enquanto importante
iniciativa para a profissionalização da
cadeia produtiva do carnaval,
representando um primeiro grande
passo em direção
ocupações ilegais. Segundo o
antropólogo Ricardo Barbieri, “em
2005, nenhuma escola do Grupo
Especial tinha a efetiva posse desses
galpões” (BARBIERI, 2009, p. 126).Os
barracões novos em folha eram o
futuro que começava. Mas o
pesquisador des
taca que o é
28
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
produziam fantasias e alegorias em
mazéns do Cais do Porto, espaços
marcados pela “parca infraestrutura” e
por “histórias de ocupações
irregulares” (BARBIERI, 2009, p. 126).
Num destes cenários insalubres,
o
carnavalesco Chico Spinosa preparava
o desfile de 2002 da Viradouro. O
reveu o ocorrido:
Luizinho Drumond, patrono da
Imperatriz, e eu assistimos do
fio à destruição dos dois
barracões, obra de um cigarro
aceso lançado do viaduto da
Perimetral no meio dos isopores e
tambores de resina. O fogo se
alastrou a o barracão da Beija
-
Flor, mas
os bombeiros
conseguiram salvar a escola de
Nilópolis (SPINOSA, 2014, p. 209).
A construção da CdS foi
anunciada enquanto importante
iniciativa para a profissionalização da
cadeia produtiva do carnaval,
representando um primeiro grande
passo em direção
ao fim das
ocupações ilegais. Segundo o
antropólogo Ricardo Barbieri, “em
2005, nenhuma escola do Grupo
Especial tinha a efetiva posse desses
galpões” (BARBIERI, 2009, p. 126).Os
barracões novos em folha eram o
futuro que começava. Mas o
taca que o é
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
possível compreender as dimensões
simbólicas da CdS, no contexto da
cena cultural carioca, sem observar
minimamente o histórico da categoria
“barracão”. Segundo ele, “um dos
primeiros espaços ocupados com a
preparação das alegorias para a fe
foi o antigo Pavilhão de São Cristóvão”
(BARBIERI, 2009, p. 127). A
carnavalesca Rosa Magalhães
trabalhou no Pavilhão
5
, nas décadas
de 1970 e 1980. É da artista um
interessante relato sobre o processo
de transição para os armazéns
portuários:
Como o antigo Pavilhão de São
Cristóvão desabou e não foi
reconstruído, as escolas ficaram
sem ter um local onde trabalhar. A
saída foi invadir espaços ociosos,
numa postura contemporânea.
Assim, pouco a pouco um galpão
foi adquirindo ares de local de
trab
alho, ou seja, se humanizando.
Reformas foram feitas, como por
exemplo a instalação de luz
elétrica, o que tornou o local mais
habitável e acolhedor.
Houve um tempo em que se
trabalhava em condições
5
Uma configuração análoga à do antigo
Pavilhão de São Cristóvão pode ser
encontrada, hoje, no “Barracão do Samba”, o
galpão onde mais de 30 escolas de samba
que desfilam na Estrada Intendente
Magalhães produzem, sem divisór
alegorias. Localizado no bairro de Madureira,
tal espaço ainda é chamado de “Barracão do
Falcon”, uma vez que era administrado pelo
ex-
policial e dirigente da Portela Marcos
Falcon, assassinado em 2016. Sobre o lugar,
ver MOTTA, 2016.
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
possível compreender as dimensões
simbólicas da CdS, no contexto da
cena cultural carioca, sem observar
minimamente o histórico da categoria
“barracão”. Segundo ele, “um dos
primeiros espaços ocupados com a
preparação das alegorias para a fe
sta
foi o antigo Pavilhão de São Cristóvão”
(BARBIERI, 2009, p. 127). A
carnavalesca Rosa Magalhães
, nas décadas
de 1970 e 1980. É da artista um
interessante relato sobre o processo
de transição para os armazéns
Como o antigo Pavilhão de São
Cristóvão desabou e não foi
reconstruído, as escolas ficaram
sem ter um local onde trabalhar. A
saída foi invadir espaços ociosos,
numa postura contemporânea.
Assim, pouco a pouco um galpão
foi adquirindo ares de local de
alho, ou seja, se humanizando.
Reformas foram feitas, como por
exemplo a instalação de luz
elétrica, o que tornou o local mais
habitável e acolhedor.
[...]
Houve um tempo em que se
trabalhava em condições
Uma configuração análoga à do antigo
Pavilhão de São Cristóvão pode ser
encontrada, hoje, no “Barracão do Samba”, o
galpão onde mais de 30 escolas de samba
que desfilam na Estrada Intendente
Magalhães produzem, sem divisór
ias, as suas
alegorias. Localizado no bairro de Madureira,
tal espaço ainda é chamado de “Barracão do
Falcon”, uma vez que era administrado pelo
policial e dirigente da Portela Marcos
Falcon, assassinado em 2016. Sobre o lugar,
precaríssimas, sobretudo no que
diz respeito às in
vez, trabalhei com Lícia Lacerda,
carnavalesca também, em dois
galpões que não tinham banheiro.
O jeito era almoçar em botequins e
ficar amiga do dono, para poder ir
ao toalete, em geral muito sujo.
Em meados dos anos 80,
algumas es
colas conseguiram
voltar a abrigar-
se no velho galpão
de exposições e feiras, o ant
Pavilhão de São Cristóvão. [
lugar não tinha a menor
manutenção; o telhado de zinco
tinha furos e nós então
marcávamos com tinta, no chão, o
local das goteiras; a
excesso de consumo e nunca era
suficiente para as necessidades;
além do mais, não havia nenhuma
segurança para o caso de
incêndio, o que de fato acabou
acontecendo, depois de um
carnaval, destruindo tudo o que
estava dentro; das máquinas d
solda e de costura e estruturas dos
carros a serras, mesas, bancadas,
tudo foi perdido (MAGALHÃES,
1997, p. 19-20).
O depoimento de Magalhães
reforça o entendimento de que, em
termos históricos, a ideia de “barracão”
está ligada a um flagrante quadro de
precarização estrutural
conforme será visto adiante, serve de
moldura para precárias relações
trabalhistas. Salta aos olhos a crença
de que os galpões, aos poucos, foram
“se humanizando”. É sabido que paira
sobre o fazer carnavalesco certa
“roman
tização do precário” (RUFINO
29
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
precaríssimas, sobretudo no que
diz respeito às in
stalações. Certa
vez, trabalhei com Lícia Lacerda,
carnavalesca também, em dois
galpões que não tinham banheiro.
O jeito era almoçar em botequins e
ficar amiga do dono, para poder ir
ao toalete, em geral muito sujo.
[...]
Em meados dos anos 80,
colas conseguiram
se no velho galpão
de exposições e feiras, o ant
igo
Pavilhão de São Cristóvão. [
...] O
lugar não tinha a menor
manutenção; o telhado de zinco
tinha furos e nós então
marcávamos com tinta, no chão, o
local das goteiras; a
luz caía pelo
excesso de consumo e nunca era
suficiente para as necessidades;
além do mais, não havia nenhuma
segurança para o caso de
incêndio, o que de fato acabou
acontecendo, depois de um
carnaval, destruindo tudo o que
estava dentro; das máquinas d
e
solda e de costura e estruturas dos
carros a serras, mesas, bancadas,
tudo foi perdido (MAGALHÃES,
O depoimento de Magalhães
reforça o entendimento de que, em
termos históricos, a ideia de “barracão”
está ligada a um flagrante quadro de
precarização estrutural
o que,
conforme será visto adiante, serve de
moldura para precárias relações
trabalhistas. Salta aos olhos a crença
de que os galpões, aos poucos, foram
“se humanizando”. É sabido que paira
sobre o fazer carnavalesco certa
tização do precário” (RUFINO
;
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
SIMAS, 2019, p. 77) igualmente
observável em outras esferas da
produção cultural brasileira. Não é
incomum, nos dias que antecedem os
desfiles, a veiculação de reportagens
que destacam o suor dos rostos, os
machucados nas mãos
, as olheiras
provenientes das “noites viradas”.
Alguns enredos metalinguísticos
geraram belos sambas que exaltam a
“superação” e a “força de vontade”
encontradas nos barracões, caso de
Barracão, pregos, panos e paetês,
composto por Capelo, Marcus do
Cavac
o e Edimar para o desfile de
1991 do GRES Arranco. Os versos
celebram o trabalho em “mutirão”
outrora poetizado por Martinho da Vila,
na composição que embalou o desfile
da Unidos de Vila Isabel de 1984,
tudo se acabar na quarta-
feira
se extrai
o título deste trabalho
samba do Arranco, na mesma linha
“gloriosa” do poema de Martinho,
enxerga costureiras e bordadeiras
como “verdadeiras operárias da folia”.
O problema, daí o teor provocativo
observado na releitura do título (o uso
da interrogaçã
o), é que nem sempre
tais operárias levam um salário para
casa –
sem falar na insalubridade.
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
SIMAS, 2019, p. 77) igualmente
observável em outras esferas da
produção cultural brasileira. Não é
incomum, nos dias que antecedem os
desfiles, a veiculação de reportagens
que destacam o suor dos rostos, os
, as olheiras
provenientes das “noites viradas”.
Alguns enredos metalinguísticos
geraram belos sambas que exaltam a
“superação” e a “força de vontade”
encontradas nos barracões, caso de
Barracão, pregos, panos e paetês,
composto por Capelo, Marcus do
o e Edimar para o desfile de
1991 do GRES Arranco. Os versos
celebram o trabalho em “mutirão”
outrora poetizado por Martinho da Vila,
na composição que embalou o desfile
da Unidos de Vila Isabel de 1984,
Pra
feira
donde
o título deste trabalho
. O
samba do Arranco, na mesma linha
“gloriosa” do poema de Martinho,
enxerga costureiras e bordadeiras
como “verdadeiras operárias da folia”.
O problema, daí o teor provocativo
observado na releitura do título (o uso
o), é que nem sempre
tais operárias levam um salário para
sem falar na insalubridade.
Se o aspecto “mambembe” de
um desfile na avenida, segundo o
entendimento de alguns artistas, é
digno de
valorização, também
quem valorize (algo perceptível em
q
ualquer conversa informal, nas salas
diretivas) a visão de que no trabalho
voltado para o carnaval devem reinar
as máximas do “aqui se jeito pra
tudo” / “é preciso ter muito amor” /
“carnaval é assim mesmo e não
adianta tentar mudar”. Variações
podem se
r sublinhadas nos cadernos
de campo do pesquisador Nilton
Santos, que desenhou a visão de um
assistente do carnavalesco Alexandre
Louzada, de nome André, para com os
trabalhos no barracão da Portela, às
vésperas do carnaval de 2003, na
“bastante deteriorad
a e decadente”
(SANTOS, 2009, p. 23) zona portuária:
A admiração de André pelo
trabalho do pessoal de Parintins”,
que aprendeu “na prática” a
realizar carros alegóricos com
efeitos de impacto, se coaduna
com sua impressão de que “só se
aprende a fazer carnaval aqui (no
barracão).” (...)“Aqui no trabalho de
carnaval você não tem horário fixo,
deu cinco horas você vira as
costas, bate o cartão e vai embora.
Se tiver que virar a noite
trabalhando, não voltar para casa e
dormir no barracão, você acaba
fazendo.” (SANTOS, 2009, p. 27
28).
30
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
Se o aspecto “mambembe” de
um desfile na avenida, segundo o
entendimento de alguns artistas, é
valorização, também
quem valorize (algo perceptível em
ualquer conversa informal, nas salas
diretivas) a visão de que no trabalho
voltado para o carnaval devem reinar
as máximas do “aqui se jeito pra
tudo” / “é preciso ter muito amor” /
“carnaval é assim mesmo e não
adianta tentar mudar”. Variações
r sublinhadas nos cadernos
de campo do pesquisador Nilton
Santos, que desenhou a visão de um
assistente do carnavalesco Alexandre
Louzada, de nome André, para com os
trabalhos no barracão da Portela, às
vésperas do carnaval de 2003, na
a e decadente”
(SANTOS, 2009, p. 23) zona portuária:
A admiração de André pelo
trabalho do pessoal de Parintins”,
que aprendeu “na prática” a
realizar carros alegóricos com
efeitos de impacto, se coaduna
com sua impressão de que “só se
aprende a fazer carnaval aqui (no
barracão).” (...)“Aqui no trabalho de
carnaval você não tem horário fixo,
deu cinco horas você vira as
costas, bate o cartão e vai embora.
Se tiver que virar a noite
trabalhando, não voltar para casa e
dormir no barracão, você acaba
fazendo.” (SANTOS, 2009, p. 27
-
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
Tal ideário agregador e
falsamente inclusivo exerce, sem
dúvidas, um grande fascínio. É fácil se
sentir seduzido pelas intensas trocas
de saberes observáveis no interior de
um barracão. Conforme o narrado pelo
antropólogo Vinícius Natal, “se
pisa em um barracão
apenas
visitar e oferece ajuda,
quando
conta está com um
amontoado
placas de acetato no
colo
estará reclamando de
fome,
rindo e bebendo café ou
fofocando sobre o que
concorrentes irão
apresentar” (NATAL,
2019,
p. 178). Maria Laura Cavalcanti
observou tais aspectos
durante a sua
etnografia no barracão da Mocidade
Independente de Padre Miguel, em
1992:
No final, já em fevereiro, Renato
(Lage, um dos carnavalescos,
juntamente com Lilian Rabello)
cada vez mais ansioso e vários
quilos mais magro, reclamava do
stress enorme; até então, a escola
segurara o dinheiro, e apenas
naquele momento, a menos de um
mês
do carnaval, o material
chegava. Ao que tudo indica,
tratava-
se de um padrão, pois o
mesmo Renato tinha dito
anteriormente que o carnaval de
1991 “acontecera em 28 dias”: “A
Mocidade ficou um tempão pro
trabalho começar a pegar embalo.
Em cima da hora
é que vai resolver
tudo”. Nessa ocasião, mais
tranquilo, ele resignava
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
Tal ideário agregador e
falsamente inclusivo exerce, sem
dúvidas, um grande fascínio. É fácil se
sentir seduzido pelas intensas trocas
de saberes observáveis no interior de
um barracão. Conforme o narrado pelo
antropólogo Vinícius Natal, “se
alguém
apenas
para
quando
se
amontoado
de
colo
[...].
fome,
cansaço,
cerveja, ou
as escolas
apresentar” (NATAL,
p. 178). Maria Laura Cavalcanti
durante a sua
etnografia no barracão da Mocidade
Independente de Padre Miguel, em
No final, já em fevereiro, Renato
(Lage, um dos carnavalescos,
juntamente com Lilian Rabello)
cada vez mais ansioso e vários
quilos mais magro, reclamava do
stress enorme; até então, a escola
segurara o dinheiro, e apenas
naquele momento, a menos de um
do carnaval, o material
chegava. Ao que tudo indica,
se de um padrão, pois o
mesmo Renato tinha dito
anteriormente que o carnaval de
1991 “acontecera em 28 dias”: “A
Mocidade ficou um tempão pro
trabalho começar a pegar embalo.
é que vai resolver
tudo”. Nessa ocasião, mais
tranquilo, ele resignava
-se: “Acho
que carnaval tem essa coisa de
improviso. Motivação mesmo.
Barracão é motivação.”
pessoas começam a ter amor por
aquilo, se você puder, você mora
dentro.” (CAVALC
134-135).
Tanto Barbieri quanto
Cavalcanti tentam compreender as
teias sociais que enredam (ou é
melhor dizer aprisionam?) os
trabalhadores do carnaval, em
momentos históricos distintos: o olhar
de Barbieri, no final da década de
2000, enfo
ca o verniz de
profissionalismo que transformou a
CdS, logo após a inauguração, em um
potencial polo turístico, artístico e
educacional; o olhar de Cavalcanti,
mais de 15 anos antes, procurava
entender o carnaval do Rio de Janeiro
enquanto “arena de enfren
(CAVALCANTI, 1994, p. 71). Natal
oferece ingredientes adicionais, nas
pesquisas que vem desenvolvendo: ao
mostrar que a categoria “barracão
aparecia em publicações jornalísticas
da virada dos séculos XIX e XX, revela
que se pode estar diante d
prenhe de histórias ocultas
apreço pelos estudos biográficos.
Fato é que mesmo antes do
incêndio de 2011, a
31
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
que carnaval tem essa coisa de
improviso. Motivação mesmo.
Barracão é motivação.”
[...] As
pessoas começam a ter amor por
aquilo, se você puder, você mora
dentro.” (CAVALC
ANTI, 1994, p.
Tanto Barbieri quanto
Cavalcanti tentam compreender as
teias sociais que enredam (ou é
melhor dizer aprisionam?) os
trabalhadores do carnaval, em
momentos históricos distintos: o olhar
de Barbieri, no final da década de
ca o verniz de
profissionalismo que transformou a
CdS, logo após a inauguração, em um
potencial polo turístico, artístico e
educacional; o olhar de Cavalcanti,
mais de 15 anos antes, procurava
entender o carnaval do Rio de Janeiro
enquanto “arena de enfren
tamento”
(CAVALCANTI, 1994, p. 71). Natal
oferece ingredientes adicionais, nas
pesquisas que vem desenvolvendo: ao
mostrar que a categoria “barracão
aparecia em publicações jornalísticas
da virada dos séculos XIX e XX, revela
que se pode estar diante d
e algo
prenhe de histórias ocultas
- daí o
apreço pelos estudos biográficos.
Fato é que mesmo antes do
incêndio de 2011, a
CdS gerava
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
debates sobre a real dimensão do selo
“profissional”. Sem dúvidas, os
galpões apresentam
“grandioso porte”
e “sofisticada
infraestrutura, que
possibilita uma clara visualização da
divisão do trabalho em seu interior,
como nas fábricas em geral”
(BARBIERI, 2009, p. 129/130).
Tomando por base um “modelo” de
barracão como aquele descrito por
Rosa Magalhães, o simples fato de as
fábricas possuírem banheiros
refeitórios soa surpreendentemente
excelente
mas, e aqui começa a
problematização mais aguda, não se
pode tomar por modelo
desolador
como aquele exposto no
documentário 30 Dias
um carnaval
entre a Alegria e a desilusão,
Valmir Moratelli, lançado em setembro
de 2020. O filme acompanha o
processo de construção do carnaval
de 2019 da Alegria da Zona Sul,
escola que, despejada do barracão
que ocupara até o ano anterior,
obrigada a produzir os carros
alegóricos em um terreno a céu
aberto, na Avenida Brasil, em meio às
ruínas de uma fábrica de sabão.
Barbieri aborda a Alegria da
Zona Sul no estudo de 2009. Sagaz,
notou que a inauguração da CdS
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
debates sobre a real dimensão do selo
“profissional”. Sem dúvidas, os
“grandioso porte”
infraestrutura, que
possibilita uma clara visualização da
divisão do trabalho em seu interior,
como nas fábricas em geral”
(BARBIERI, 2009, p. 129/130).
Tomando por base um “modelo” de
barracão como aquele descrito por
Rosa Magalhães, o simples fato de as
fábricas possuírem banheiros
e
refeitórios soa surpreendentemente
mas, e aqui começa a
problematização mais aguda, não se
um cenário
como aquele exposto no
um carnaval
entre a Alegria e a desilusão,
de
Valmir Moratelli, lançado em setembro
de 2020. O filme acompanha o
processo de construção do carnaval
de 2019 da Alegria da Zona Sul,
escola que, despejada do barracão
que ocupara até o ano anterior,
se viu
obrigada a produzir os carros
alegóricos em um terreno a céu
aberto, na Avenida Brasil, em meio às
ruínas de uma fábrica de sabão.
Barbieri aborda a Alegria da
Zona Sul no estudo de 2009. Sagaz,
notou que a inauguração da CdS
afetou dezenas de outra
não apenas aquelas que então
compunham o Grupo Especial. A
transferência das “grandes escolas”
para o “condomínio de luxo” esvaziou
os antigos armazéns e desnudou
relações de apadrinhamento
conectadas à atuação dos “patronos”
(banqueiros do jog
o do bicho). Em
2006, a escola de samba Acadêmicos
do Salgueiro, do bairro da Tijuca, era
vista como “madrinha” da Alegria da
Zona Sul, do bairro de Copacabana. O
motivo nos leva aos mapas
contravenção: os bicheiros Miro e
Maninho Garcia apadrinhavam
Salgueiro, devido a um rearranjo
ocorrido em 1985 (JUPIARA
2015, p. 169-
170). Num segundo
plano, auxiliavam a Alegria da Zona
Sul, uma vez que eram donos de
“bancas de
bicho” de Copacabana. Por
conta dessas relações nem tão
implícitas, a escola do
acesso ocupou o galpão abandonado
pela “prima rica”
e ficou até ser
desalojada, em 2018. Escolas que não
gozavam de apadrinhamentos, porém,
não puderam ocupar os galpões, em
2006, uma vez que a Companhia
Docas retomou a posse dos espaços.
Es
sas agremiações permaneceram “à
32
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
afetou dezenas de outra
s escolas -
não apenas aquelas que então
compunham o Grupo Especial. A
transferência das “grandes escolas”
para o “condomínio de luxo” esvaziou
os antigos armazéns e desnudou
relações de apadrinhamento
conectadas à atuação dos “patronos”
o do bicho). Em
2006, a escola de samba Acadêmicos
do Salgueiro, do bairro da Tijuca, era
vista como “madrinha” da Alegria da
Zona Sul, do bairro de Copacabana. O
motivo nos leva aos mapas
da
contravenção: os bicheiros Miro e
Maninho Garcia apadrinhavam
o
Salgueiro, devido a um rearranjo
ocorrido em 1985 (JUPIARA
; OTAVIO,
170). Num segundo
plano, auxiliavam a Alegria da Zona
Sul, uma vez que eram donos de
bicho” de Copacabana. Por
conta dessas relações nem tão
implícitas, a escola do
grupo de
acesso ocupou o galpão abandonado
e ficou até ser
desalojada, em 2018. Escolas que não
gozavam de apadrinhamentos, porém,
não puderam ocupar os galpões, em
2006, uma vez que a Companhia
Docas retomou a posse dos espaços.
sas agremiações permaneceram “à
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
deriva”, disputando “baias” no
“Carandiru”, um “terreno da antiga
Rede Ferroviária Federal, no bairro do
Santo Cristo, próximo à Rodoviária
Novo Rio” (BARBIERI, 2009, p. 141).
Barbieri visitou o local e o descreveu
assim: “m
uito lixo, muita sujeira, fios
emaranhados expostos tornam o
trânsito no interior dos barracões do
Carandiru não recomendável em dias
de chuva. O teto é cheio de buracos;
isso nos espaços onde ainda existe
cobertura” (BARBIERI, 2009, p. 141).
Em outro mome
nto de sua análise,
enfatiza a indignação dos
trabalhadores, que se viam obrigados
a “conviver com mau
cheiro, acúmulo
de lixo, condições de trabalho
insalubres, insegurança e constante
risco de incêndio” (BARBIERI, 2009, p.
141).
O olhar crítico de Barbie
ajuda a mapear um cenário conflitivo e
desigual. O autor percebeu que o
“processo de ocupação e
desocupação de barracões”
movimentou
“uma imensa rede de
relações sociais”
(BARBIERI, 2009, p.
140). O caso da Alegria da Zona Sul,
uma história de ascen
são (a ocupação
do antigo barracão do Salgueiro) e
queda (a expulsão, mais de uma
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
deriva”, disputando “baias” no
“Carandiru”, um “terreno da antiga
Rede Ferroviária Federal, no bairro do
Santo Cristo, próximo à Rodoviária
Novo Rio” (BARBIERI, 2009, p. 141).
Barbieri visitou o local e o descreveu
uito lixo, muita sujeira, fios
emaranhados expostos tornam o
trânsito no interior dos barracões do
Carandiru não recomendável em dias
de chuva. O teto é cheio de buracos;
isso nos espaços onde ainda existe
cobertura” (BARBIERI, 2009, p. 141).
nto de sua análise,
enfatiza a indignação dos
trabalhadores, que se viam obrigados
cheiro, acúmulo
de lixo, condições de trabalho
insalubres, insegurança e constante
risco de incêndio” (BARBIERI, 2009, p.
O olhar crítico de Barbie
ri nos
ajuda a mapear um cenário conflitivo e
desigual. O autor percebeu que o
“processo de ocupação e
desocupação de barracões”
“uma imensa rede de
(BARBIERI, 2009, p.
140). O caso da Alegria da Zona Sul,
são (a ocupação
do antigo barracão do Salgueiro) e
queda (a expulsão, mais de uma
década mais tarde),também está
relacionado ao que podemos chamar
de “fim da era de ouro” da CdS. O
incêndio de 2011
6
“fábricas de sonhos” podiam ruir em
cinzas
com uma rapidez absurda,
numa triste fogueira televisionada. Um
combo de
erros estruturais brotou dos
escombros: o sistema de contenção de
incêndios não funcionou, os barracões
não contavam com brigadistas de
plantão, as chamas facilmente se
alastraram de
uma fábrica para a outra
e não consumiram o complexo inteiro
porque o último galpão afetado, o da
Grande Rio, não possuía conexão
direta com o módulo seguinte
(composto pelos barracões 5, 6 e 7).
Mudanças ocorreram, a partir
de então. Além de um controle
rigoroso das medidas de segurança (o
que vem gerando sucessivas
interdições), a utilização do espaço
como “complexo voltado para a
visitação turística” (BARBIERI, 2009,
p. 31) definhou. Trata
descompasso, afinal, a CdS está
6
Em outubro
de 2012, um incêndio
chassis e esculturas n
o antigo barracão do
Salgueiro, ocupado pela Alegria da Zona Sul.
A estrutura do galpão ficou seriamente
danificada, ameaçando desabar
impediu a escola de permanecer ali,
produzindo outr
os desfiles.
33
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
década mais tarde),também está
relacionado ao que podemos chamar
de “fim da era de ouro” da CdS. O
mostrou que as
“fábricas de sonhos” podiam ruir em
com uma rapidez absurda,
numa triste fogueira televisionada. Um
erros estruturais brotou dos
escombros: o sistema de contenção de
incêndios não funcionou, os barracões
não contavam com brigadistas de
plantão, as chamas facilmente se
uma fábrica para a outra
e não consumiram o complexo inteiro
porque o último galpão afetado, o da
Grande Rio, não possuía conexão
direta com o módulo seguinte
(composto pelos barracões 5, 6 e 7).
Mudanças ocorreram, a partir
de então. Além de um controle
mais
rigoroso das medidas de segurança (o
que vem gerando sucessivas
interdições), a utilização do espaço
como “complexo voltado para a
visitação turística” (BARBIERI, 2009,
p. 31) definhou. Trata
-se de um
descompasso, afinal, a CdS está
de 2012, um incêndio
consumiu
o antigo barracão do
Salgueiro, ocupado pela Alegria da Zona Sul.
A estrutura do galpão ficou seriamente
danificada, ameaçando desabar
– o que não
impediu a escola de permanecer ali,
os desfiles.
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
localizada em uma
encruzilhada de
circuitos culturais, região que vem
atraindo a cobiça de muitos
empreendedores
e gerado
acalorados debates ancorados nas
tensões entre arte, cultura,
especulação imobiliária, espaço
público e iniciativa privada, memória. A
gentrificação d
o “Boulevard Olímpico”,
as inaugurações do
AquaRio
2016, e da roda gigante
Rio Star
2019, o Circuito Histórico e
Arqueológico de Herança Africana, do
Instituto de Pesquisa e Memória
Pretos Novos (IPN), o Circuito Interno
da Fábrica Bhering, nada di
ter contribuído para o fomento de
atividades turísticas, artísticas,
culturais e educativas no espaço da
CdS
um instigante caso de
subaproveitamento, isolamento e
desconexão.Os shows com alegorias,
passistas, ritmistas e grupos de
fantasiados,
comuns até 2011,
deixaram de acontecer. As passarelas
panorâmicas, que permitiam que os
turistas vissem o interior dos galpões e
a construção das alegorias, o mais
foram abertas. Os programas de
visitação restam descentralizados:
algumas escolas oferece
m opções e
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
encruzilhada de
circuitos culturais, região que vem
atraindo a cobiça de muitos
e gerado
acalorados debates ancorados nas
tensões entre arte, cultura,
especulação imobiliária, espaço
público e iniciativa privada, memória. A
o “Boulevard Olímpico”,
AquaRio
, em
Rio Star
, em
2019, o Circuito Histórico e
Arqueológico de Herança Africana, do
Instituto de Pesquisa e Memória
Pretos Novos (IPN), o Circuito Interno
da Fábrica Bhering, nada di
sso parece
ter contribuído para o fomento de
atividades turísticas, artísticas,
culturais e educativas no espaço da
um instigante caso de
subaproveitamento, isolamento e
desconexão.Os shows com alegorias,
passistas, ritmistas e grupos de
comuns até 2011,
deixaram de acontecer. As passarelas
panorâmicas, que permitiam que os
turistas vissem o interior dos galpões e
a construção das alegorias, o mais
foram abertas. Os programas de
visitação restam descentralizados:
m opções e
se “abrem” aos visitantes; a imensa
maioria não gosta da ideia.
2.
A visão do quarto andar
São Sebastião do Rio de
Janeiro, inverno. Na tarde do dia 30 de
agosto de 2017, quarta
Igor Sérgio da Silva de Farias, de 21
anos, faleceu de
ntro do barracão de
número 9 da CdS, ocupado pela São
Clemente. O rapaz integrava uma das
equipes de escultura da escola de
Botafogo e não resistiu a um choque
elétrico. A tragédia não teve o mesmo
alcance midiático do incêndio, que,
apesar de não ter feit
foi noticiado em todo o mundo, dada a
projeção global do evento. Mas causou
revolta entre os trabalhadores da CdS,
que logo tomaram conhecimento da
notícia e interromperam os trabalhos
é sabido que uma mesma equipe pode
prestar serviços
escolas, de modo que as informações
circulam com
velocidade. Aderecistas,
escultores, ferreiros e pintores se
posicionaram em defesa de maior
segurança. Assim como as origens do
fogo de 2011 permanecem obscuras,
os detalhes do acidente que
escultor
são desencontrados. Conta
que ele utilizava um cortador de isopor
34
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
se “abrem” aos visitantes; a imensa
maioria não gosta da ideia.
A visão do quarto andar
São Sebastião do Rio de
Janeiro, inverno. Na tarde do dia 30 de
agosto de 2017, quarta
-feira, o jovem
Igor Sérgio da Silva de Farias, de 21
ntro do barracão de
número 9 da CdS, ocupado pela São
Clemente. O rapaz integrava uma das
equipes de escultura da escola de
Botafogo e não resistiu a um choque
elétrico. A tragédia não teve o mesmo
alcance midiático do incêndio, que,
apesar de não ter feit
o vítimas fatais,
foi noticiado em todo o mundo, dada a
projeção global do evento. Mas causou
revolta entre os trabalhadores da CdS,
que logo tomaram conhecimento da
notícia e interromperam os trabalhos
é sabido que uma mesma equipe pode
para diferentes
escolas, de modo que as informações
velocidade. Aderecistas,
escultores, ferreiros e pintores se
posicionaram em defesa de maior
segurança. Assim como as origens do
fogo de 2011 permanecem obscuras,
os detalhes do acidente que
vitimou o
são desencontrados. Conta
-se
que ele utilizava um cortador de isopor
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
caseiro, feito com resistência de
chuveiro e arame, em um local
parcialmente alagado, no quarto andar
do barracão.
As investigações da morte de
Igor
levaram fiscais do Ministério do
Trabalho aos 14 galpões do complexo
fabril. No dia 20 de outubro de 2017,
pouco menos de dois meses depois da
tragédia, o jornal
O Globo
interdição:
RIO -
Faltando cerca de quatro
meses para os desfiles do
Especial do carnaval do Rio, os
barracões da Cidade do Samba
estão interditados por problemas
com instalações elétricas e falta de
condições de trabalho. A
informação foi confirmada pelo
presidente da Liesa, Jorge
Castanheira, que afirmou que a
ação
partiu de fiscais do Ministério
do Trabalho. (...)
Um técnico de Segurança
do Trabalho que presta serviços
para uma das agremiações da
Cidade do Samba, e preferiu não
se identificar, disse que os fiscais
fizeram duas visitas às instalações
nesta semana. (...)
- Nesta sexta-
feira, algumas
escolas começaram a correr
contra o tempo para providenciar
os ajustes determinados pelo
Ministério do Trabalho. Não tem
jeito, normas são normas e
estamos lidando com centenas de
trabalhadores -
comentou o
funcionário (
RIGEL, 2017).
Ainda que de forma não
unificada, os barracões, aos poucos,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
caseiro, feito com resistência de
chuveiro e arame, em um local
parcialmente alagado, no quarto andar
As investigações da morte de
levaram fiscais do Ministério do
Trabalho aos 14 galpões do complexo
fabril. No dia 20 de outubro de 2017,
pouco menos de dois meses depois da
O Globo
noticiou a
Faltando cerca de quatro
meses para os desfiles do
Grupo
Especial do carnaval do Rio, os
barracões da Cidade do Samba
estão interditados por problemas
com instalações elétricas e falta de
condições de trabalho. A
informação foi confirmada pelo
presidente da Liesa, Jorge
Castanheira, que afirmou que a
partiu de fiscais do Ministério
Um técnico de Segurança
do Trabalho que presta serviços
para uma das agremiações da
Cidade do Samba, e preferiu não
se identificar, disse que os fiscais
fizeram duas visitas às instalações
feira, algumas
escolas começaram a correr
contra o tempo para providenciar
os ajustes determinados pelo
Ministério do Trabalho. Não tem
jeito, normas são normas e
estamos lidando com centenas de
comentou o
RIGEL, 2017).
Ainda que de forma não
unificada, os barracões, aos poucos,
voltaram a funcionar. Não era a
primeira vez que a CdS aparecia, nos
jornais de 2017, associada a
demandas judiciais. Os desfiles do
Grupo Especial daquele ano, ocorridos
nos dias
26 e 27 de fevereiro, foram
marcados por
acidentes. O último
carro alegórico da Paraíso do Tuiuti,
escola que abriu as apresentações de
domingo, atropelou e prensou pessoas
nas grades da arquibancada do Setor
1, deixando mais de 20 feridos. A
jornalista El
izabeth Ferreira Jofre,
depois de cirurgias e internações, não
sobreviveu. Muito se especulou sobre
as causas do acidente. Um inquérito
foi aberto e 4 pessoas foram indiciadas
por imperícia, imprudência e
negligência: o motorista do carro, o
engenheiro res
ponsável por assinar o
projeto, o diretor de carnaval e o
diretor de alegorias da agremiação. O
motorista ainda foi indiciado por
“praticar lesão corporal culposa na
direção de veículo automotor”
outro acidente ocorreu no início do
desfile da Unidos da
madrugada de terça
7
Informações presentes em:
https://g1.globo.com/rio-
de
janeiro/carnaval/2017/noticia/policia
inquerito-que-indicia-4-
pessoas
com-carro-da-tuiuti.ghtml
.
mar.2021.
35
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
voltaram a funcionar. Não era a
primeira vez que a CdS aparecia, nos
jornais de 2017, associada a
demandas judiciais. Os desfiles do
Grupo Especial daquele ano, ocorridos
26 e 27 de fevereiro, foram
acidentes. O último
carro alegórico da Paraíso do Tuiuti,
escola que abriu as apresentações de
domingo, atropelou e prensou pessoas
nas grades da arquibancada do Setor
1, deixando mais de 20 feridos. A
izabeth Ferreira Jofre,
depois de cirurgias e internações, não
sobreviveu. Muito se especulou sobre
as causas do acidente. Um inquérito
foi aberto e 4 pessoas foram indiciadas
por imperícia, imprudência e
negligência: o motorista do carro, o
ponsável por assinar o
projeto, o diretor de carnaval e o
diretor de alegorias da agremiação. O
motorista ainda foi indiciado por
“praticar lesão corporal culposa na
direção de veículo automotor”
7
. O
outro acidente ocorreu no início do
desfile da Unidos da
Tijuca, na
madrugada de terça
-feira: a parte
Informações presentes em:
de
-
janeiro/carnaval/2017/noticia/policia
-conclui-
pessoas
-por-acidente-
.
Acesso em: 03
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
superior do segundo carro desabou,
ferindo dezenas de
foliões. O laudo
pericial apontou a empresa de
equipamentos hidráulicos utilizados
para a elevação de um platô retangular
como a culpada pelo ocorrido
(BALT
AR, 2018), o que não livrou a
escola de processos movidos por
vítimas que precisaram do auxílio de
médicos e fisioterapeutas.
O jornalista Anderson Baltar
levantou uma série de mudanças
acarretadas pelos acidentes. Algumas,
ligadas ao desfile na pista, com
realização do teste de bafômetro em
todos os motoristas das escolas, além
da exigência de habilitação para dirigir
veículos deste porte” (BALTAR, 2018);
outras, dentro dos barracões: “o Crea
RJ (Conselho Regional de Engenharia
e Agronomia do Rio de Ja
realizou, ao longo dos preparativos
para os desfiles, um intenso trabalho
de fiscalização nos barracões das 13
escolas do Grupo Especial” (BALTAR,
2018). A matéria assinada para o
portal UOL Rio explica:
De acordo com o conselheiro do
Crea Marco An
tonio Barbosa, a
entidade visitou os barracões das
escolas para entender como os
carros alegóricos eram
confeccionados. E encontraram um
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
superior do segundo carro desabou,
foliões. O laudo
pericial apontou a empresa de
equipamentos hidráulicos utilizados
para a elevação de um platô retangular
como a culpada pelo ocorrido
AR, 2018), o que não livrou a
escola de processos movidos por
vítimas que precisaram do auxílio de
O jornalista Anderson Baltar
levantou uma série de mudanças
acarretadas pelos acidentes. Algumas,
ligadas ao desfile na pista, com
o “a
realização do teste de bafômetro em
todos os motoristas das escolas, além
da exigência de habilitação para dirigir
veículos deste porte” (BALTAR, 2018);
outras, dentro dos barracões: “o Crea
-
RJ (Conselho Regional de Engenharia
e Agronomia do Rio de Ja
neiro)
realizou, ao longo dos preparativos
para os desfiles, um intenso trabalho
de fiscalização nos barracões das 13
escolas do Grupo Especial” (BALTAR,
2018). A matéria assinada para o
De acordo com o conselheiro do
tonio Barbosa, a
entidade visitou os barracões das
escolas para entender como os
carros alegóricos eram
confeccionados. E encontraram um
quadro que não era o desejado,
com poucos engenheiros sendo
responsáveis por mais de 60
carros alegóricos. "Precisamos
entender que as escolas de samba
têm uma forma artesanal de
construção nas alegorias. Fomos
levar um pouco mais de
técnica.”(...) Segundo Barbosa, o
número de engenheiros
responsáveis pelas alegorias subiu
de 6 para 18, o que é considerado
aceitável pelo C
onselho. (...)
Também avançam as
discussões para a criação de
normas técnicas para carros
alegóricos. A ABNT (Associação
Brasileira de Normas Técnicas)
criou uma comissão para debater o
assunto. O grupo, que contará com
integrantes das ligas das escolas
de
samba do Rio de Janeiro e de
São Paulo, além de membros do
Crea e outros órgãos, deverá
iniciar seus trabalhos logo após o
Carnaval (BALTAR, 2018).
Algumas regras foram
implementadas, após 2017: a
obrigatoriedade do uso de EPIs
(equipamentos de proteçã
como capacetes, óculos, luvas e
máscaras), o estabelecimento de
pontos de apoio nas alegorias (para
que se tenha maior equilíbrio
cintos de segurança para escalada
possuem fechos do tipo mosquetão,
daí a necessidade de que os carros
tenh
am argolas de ferro soldadas em
diferentes pontos, a cada 2 metros,
para que os aderecistas possam ficar
dependurados, em caso de queda), a
36
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
quadro que não era o desejado,
com poucos engenheiros sendo
responsáveis por mais de 60
carros alegóricos. "Precisamos
entender que as escolas de samba
têm uma forma artesanal de
construção nas alegorias. Fomos
levar um pouco mais de
técnica.”(...) Segundo Barbosa, o
número de engenheiros
responsáveis pelas alegorias subiu
de 6 para 18, o que é considerado
onselho. (...)
Também avançam as
discussões para a criação de
normas técnicas para carros
alegóricos. A ABNT (Associação
Brasileira de Normas Técnicas)
criou uma comissão para debater o
assunto. O grupo, que contará com
integrantes das ligas das escolas
samba do Rio de Janeiro e de
São Paulo, além de membros do
Crea e outros órgãos, deverá
iniciar seus trabalhos logo após o
Carnaval (BALTAR, 2018).
Algumas regras foram
implementadas, após 2017: a
obrigatoriedade do uso de EPIs
(equipamentos de proteçã
o individual,
como capacetes, óculos, luvas e
máscaras), o estabelecimento de
pontos de apoio nas alegorias (para
que se tenha maior equilíbrio
- os
cintos de segurança para escalada
possuem fechos do tipo mosquetão,
daí a necessidade de que os carros
am argolas de ferro soldadas em
diferentes pontos, a cada 2 metros,
para que os aderecistas possam ficar
dependurados, em caso de queda), a
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
separação rigorosa de setores de
trabalho (escultura, pintura, fibra, vime
etc.) por meio de divisórias de madeira
ou plástico
8
, a transferência do
trabalho em fibra de vidro para algum
lugar ventilado (em vários barracões, a
“sala da fibra” era fechada, sem
janelas ou ventilação, o que poderia
gerar sérios danos ao aparelho
respiratório dos trabalhadores).
Para além d
as questões
estruturais gravíssimas, é fato que a
cadeia produtiva dos desfiles também
se atada a crônicos problemas
contratuais, o que se desdobra na
“cultura do calote”. É impressionante o
número de interlocutores que
compartilham de uma mesma históri
o não pagamento integral dos valores
negociados, o que faz com que um
trabalhador se sinta impelido a
continuar prestando serviços para uma
8
Fala-
se em “separação rigorosa” porque
divisões de espaços de trabalho sempre
existiram, mesmo em barracões improvisados.
Maria Laura Cavalcanti observou, em 1992,
que o barracão da Mocidade era
“desdobrável”: “A organização do espaço de
um barracão se transforma o tempo todo,
adequando-se às
necessidades do desenrolar
do seu ciclo anual. No barracão da Mocidade,
construíam-se, destruíam-
se ou modificavam
se salas, improvisava-
se um segundo andar,
mudava-
se a cozinha de lugar, erguiam
tapumes, e assim por diante” (CAVALCANTI,
1994, p. 129).
As regras impostas, a partir de
2017, serviram para que tal “lógica do
improviso” fosse revista, com limites mais
sólidos.
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
separação rigorosa de setores de
trabalho (escultura, pintura, fibra, vime
etc.) por meio de divisórias de madeira
, a transferência do
trabalho em fibra de vidro para algum
lugar ventilado (em vários barracões, a
“sala da fibra” era fechada, sem
janelas ou ventilação, o que poderia
gerar sérios danos ao aparelho
respiratório dos trabalhadores).
as questões
estruturais gravíssimas, é fato que a
cadeia produtiva dos desfiles também
se atada a crônicos problemas
contratuais, o que se desdobra na
“cultura do calote”. É impressionante o
número de interlocutores que
compartilham de uma mesma históri
a:
o não pagamento integral dos valores
negociados, o que faz com que um
trabalhador se sinta impelido a
continuar prestando serviços para uma
se em “separação rigorosa” porque
divisões de espaços de trabalho sempre
existiram, mesmo em barracões improvisados.
Maria Laura Cavalcanti observou, em 1992,
que o barracão da Mocidade era
“desdobrável”: “A organização do espaço de
um barracão se transforma o tempo todo,
necessidades do desenrolar
do seu ciclo anual. No barracão da Mocidade,
se ou modificavam
-
se um segundo andar,
se a cozinha de lugar, erguiam
-se
tapumes, e assim por diante” (CAVALCANTI,
As regras impostas, a partir de
2017, serviram para que tal “lógica do
improviso” fosse revista, com limites mais
determinada escola, no próximo ciclo
carnavalesco, sob a promessa de
receber a quantia devida do ciclo
anterior (
daí o porquê da utilização da
palavra “aprisionamento”, momentos
atrás –
o valor devido é incluído no
montante negociado para o ano
seguinte, o que vira uma bola de
neve). Na prática, os endividamentos
tendem a aumentar, donde se
desdobra a dificuldade, al
pavor, de pleitear as cifras mediante
processos judiciais. É compreensível o
medo que muitos sentem, uma vez
que, a depender da escola,
simbolicamente não se estaria
processando uma empresa, mas
dirigentes com vasta ficha criminal. A
pesquisa de Ca
valcanti havia
atentado para tal aspecto, em 1992.
Segundo a autora, a negociação dos
contratos era incômoda mesmo entre
os profissionais que gozavam de maior
status. Depreende-
se do caderno de
campo que
os carnavalescos Renato
Lage e Lilian Rabello exp
desconforto quando a pauta eram os
contratos, que, por vezes, se limitavam
aos acordos “de boca”: palavra falada
e aperto de mão. O seguinte trecho
lança luzes sobre a problemática,
destacando a irritação da carnavalesca
37
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
determinada escola, no próximo ciclo
carnavalesco, sob a promessa de
receber a quantia devida do ciclo
daí o porquê da utilização da
palavra “aprisionamento”, momentos
o valor devido é incluído no
montante negociado para o ano
seguinte, o que vira uma bola de
neve). Na prática, os endividamentos
tendem a aumentar, donde se
desdobra a dificuldade, al
iada ao
pavor, de pleitear as cifras mediante
processos judiciais. É compreensível o
medo que muitos sentem, uma vez
que, a depender da escola,
simbolicamente não se estaria
processando uma empresa, mas
dirigentes com vasta ficha criminal. A
valcanti havia
atentado para tal aspecto, em 1992.
Segundo a autora, a negociação dos
contratos era incômoda mesmo entre
os profissionais que gozavam de maior
se do caderno de
os carnavalescos Renato
Lage e Lilian Rabello exp
ressavam
desconforto quando a pauta eram os
contratos, que, por vezes, se limitavam
aos acordos “de boca”: palavra falada
e aperto de mão. O seguinte trecho
lança luzes sobre a problemática,
destacando a irritação da carnavalesca
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
para com a estrutura
“supe
rpaternalista” (CAVALCANTI,
1994, p. 65) observada na escola para
a qual ela e o companheiro prestavam
serviço, a Mocidade de Castor de
Andrade:
A veemência das opiniões de Lilian
deve ser entendida também no
contexto de sua militância à frente
da
Associação dos Carnavalescos.
Na visão da Associação, as
escolas recusavam
reconhecer a existência de um
mercado profissional que
permitisse estabelecer critérios
para fixar preços para os contr
[...]
Renato, por sua vez,
concordava com a necessi
carnavalesco se profissionalizar,
mas assinalava também a
dificuldade de unir as pessoas: o
carnaval é um show, então é uma
competição muito grande, um quer
engolir o outro.
[
brigamos por um bom contrato.
não consegue melhor porque
outros não fazem. Aí eles falam em
mercado, ora, o mercado não
existe.”
A situação era, em suma, a
seguinte: o contrato se fechava
abaixo de suas expectativas,
entretanto, no decorrer do ano,
ganhavam no
final mais do que o
negociado. [...]
A negociação
subjacente é a da realidade acerca
da qual patronos e carnavalescos
tinham, no caso, definições
conflitantes. Negociar o contrato
por baixo, mesmo que pagando, ou
recebendo, depois mais do que o
inicialmente estabelecido, é manter
a relação no domínio da
patronagem, da pessoalidade e do
favor (CAVALCANTI, 1994, p.
64/65).
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
para com a estrutura
rpaternalista” (CAVALCANTI,
1994, p. 65) observada na escola para
a qual ela e o companheiro prestavam
serviço, a Mocidade de Castor de
A veemência das opiniões de Lilian
deve ser entendida também no
contexto de sua militância à frente
Associação dos Carnavalescos.
Na visão da Associação, as
escolas recusavam
-se a
reconhecer a existência de um
mercado profissional que
permitisse estabelecer critérios
para fixar preços para os contr
atos.
Renato, por sua vez,
concordava com a necessi
dade do
carnavalesco se profissionalizar,
mas assinalava também a
dificuldade de unir as pessoas: o
carnaval é um show, então é uma
competição muito grande, um quer
[
...] Sempre
brigamos por um bom contrato.
não consegue melhor porque
os
outros não fazem. Aí eles falam em
mercado, ora, o mercado não
A situação era, em suma, a
seguinte: o contrato se fechava
abaixo de suas expectativas,
entretanto, no decorrer do ano,
final mais do que o
A negociação
subjacente é a da realidade acerca
da qual patronos e carnavalescos
tinham, no caso, definições
conflitantes. Negociar o contrato
por baixo, mesmo que pagando, ou
recebendo, depois mais do que o
inicialmente estabelecido, é manter
a relação no domínio da
patronagem, da pessoalidade e do
favor (CAVALCANTI, 1994, p.
Cavalcanti acessava
estrutura de relações trabalhistas
fincada no instável terreno do
compadrio, da ausência de garantias
legais, de uma lógica de
redigida nas entrelin
has. Menos CLT e
mais fio do bigode.
ainda, que havia uma hierarquia
simbólica entre os profissionais, muito
em face da perpetuação de ideias
rasas de “arte” e “cultura”: alguns
trabalhadores, como os carnavalescos
e os escultores, eram vistos
“artistas” e, por conta disso, gozavam
de privilégios; outros, a exemplo de
ferreiros, marceneiros, modelistas e
vidraceiros, não passavam de
“trabalhadores comuns”. A costura,
setor trabalhista majoritariamente
feminino, ainda costuma ser vista
como
algo “menor”, em relação à
adereçaria
ecos do secular
machismo. A pintura é um caso
híbrido:no interior de uma mesma
equipe de pintores, são feitas
diferenciações entre “pintores de arte”
e “pintores de base”, algo explicado
pelo profissional Rafael Vie
Segundo Vieira, em conversa
(por mensagens escritas)
feitura deste trabalho
38
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
Cavalcanti acessava
uma
estrutura de relações trabalhistas
fincada no instável terreno do
compadrio, da ausência de garantias
legais, de uma lógica de
“confiança”
has. Menos CLT e
mais fio do bigode.
E observava,
ainda, que havia uma hierarquia
simbólica entre os profissionais, muito
em face da perpetuação de ideias
rasas de “arte” e “cultura”: alguns
trabalhadores, como os carnavalescos
e os escultores, eram vistos
como
“artistas” e, por conta disso, gozavam
de privilégios; outros, a exemplo de
ferreiros, marceneiros, modelistas e
vidraceiros, não passavam de
“trabalhadores comuns”. A costura,
setor trabalhista majoritariamente
feminino, ainda costuma ser vista
algo “menor”, em relação à
ecos do secular
machismo. A pintura é um caso
híbrido:no interior de uma mesma
equipe de pintores, são feitas
diferenciações entre “pintores de arte”
e “pintores de base”, algo explicado
pelo profissional Rafael Vie
ira.
Segundo Vieira, em conversa
(por mensagens escritas)
para a
feitura deste trabalho
, os “pintores de
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
base (liso)” são aqueles
“que pintam
as peças geralmente de uma cor só.
o pintor de arte tem uma
responsabilidade maior, por isso
valores da mão-de-
obra são
diferentes.” Depreende-
se que um
“pintor de arte” é o responsável pelo
“acabamento” artístico da obra,
utilizando variadas técnicas sobre a
base lisa. Vieira conta que chegou aos
barracões no final da década de 2000,
graças à indicação de um a
chamado Cássio, que o conhecia de
trabalhos realizados fora do universo
das escolas de samba: “na época,
estavam precisando de pintores de
aerografia, no barracão da Vila Isabel.
Então aprendi a fazer as pinturas de
alegorias e fantasias.” Ainda de ac
com ele, que foi entrevistado pela
revista O Prelo,
em fevereiro de 2021,
o carnaval, com o passar do tempo, se
tornou a principal fonte de renda,
ocupando ao menos 6 meses do ano
(GRANADO et al., 2021).
Sobre os acordos financeiros,
Vieira explicou que as equipes
“fecham o trabalho” por empreitada,
calculando o valor a partir de uma
ideia aproximada do que será feito e
tentando antecipar as possíveis
mudanças. Cavalcanti observara isso,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
“que pintam
as peças geralmente de uma cor só.
o pintor de arte tem uma
responsabilidade maior, por isso
os
obra são
se que um
“pintor de arte” é o responsável pelo
“acabamento” artístico da obra,
utilizando variadas técnicas sobre a
base lisa. Vieira conta que chegou aos
barracões no final da década de 2000,
graças à indicação de um a
migo
chamado Cássio, que o conhecia de
trabalhos realizados fora do universo
das escolas de samba: “na época,
estavam precisando de pintores de
aerografia, no barracão da Vila Isabel.
Então aprendi a fazer as pinturas de
alegorias e fantasias.” Ainda de ac
ordo
com ele, que foi entrevistado pela
em fevereiro de 2021,
o carnaval, com o passar do tempo, se
tornou a principal fonte de renda,
ocupando ao menos 6 meses do ano
Sobre os acordos financeiros,
Vieira explicou que as equipes
“fecham o trabalho” por empreitada,
calculando o valor a partir de uma
ideia aproximada do que será feito e
tentando antecipar as possíveis
mudanças. Cavalcanti observara isso,
em 1992, ao acompa
do pintor Itamar, no barracão da
Mocidade: “trabalhava por empreitada,
via o conjunto do trabalho e propunha
um orçamento por escrito. O
encarregado geral do barracão
intermediava a negociação com a
direção da escola” (CAVALCANTI,
1994, p.
145). O discurso de Itamar
era marcado pela cautela: na visão
dele, um barracão era um espaço de
“mistura”, sendo necessário “tomar
cuidado” com pessoas e situações de
risco (CAVALCANTI, 1994, p. 145).
Também é observável um teor de
preocupação na fala de
quem “sem vidas, a parte da
segurança está mais visível nos
últimos anos. Presenciei um acidente e
não pretendo ver outro. Um dos
maiores problemas é ter que se virar
com cortes de verbas.
em todo mundo da equipe.
O acident
e a que Vieira se
refere foi aquele que vitimou o escultor
Igor Sérgio de Farias, fato que o
abalou profundamente. Cavalcanti
percebia, no interior de um barracão
“pré-
CdS”, que o risco de acidentes
fatais era uma constante, o que nem
sempre era encarado c
seriedade:
39
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
em 1992, ao acompa
nhar o trabalho
do pintor Itamar, no barracão da
Mocidade: “trabalhava por empreitada,
via o conjunto do trabalho e propunha
um orçamento por escrito. O
encarregado geral do barracão
intermediava a negociação com a
direção da escola” (CAVALCANTI,
145). O discurso de Itamar
era marcado pela cautela: na visão
dele, um barracão era um espaço de
“mistura”, sendo necessário “tomar
cuidado” com pessoas e situações de
risco (CAVALCANTI, 1994, p. 145).
Também é observável um teor de
preocupação na fala de
Vieira, para
quem “sem vidas, a parte da
segurança está mais visível nos
últimos anos. Presenciei um acidente e
não pretendo ver outro. Um dos
maiores problemas é ter que se virar
com cortes de verbas.
Isso se reflete
em todo mundo da equipe.
e a que Vieira se
refere foi aquele que vitimou o escultor
Igor Sérgio de Farias, fato que o
abalou profundamente. Cavalcanti
percebia, no interior de um barracão
CdS”, que o risco de acidentes
fatais era uma constante, o que nem
sempre era encarado c
om a devida
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
como acontecia com frequência
sobretudo entre os mais jovens,
eles falavam do perigo e da
ameaça à saúde em tom de
brincadeira. Comentavam o caso,
ocorrido no ano anterior (1991), de
um ajudante que entrara dentro de
um leão de fibr
a de vidro, para
fazer o acabamento da peça, e
saíra desmaiado: se demorasse
morria” (CAVALCANTI, 1994, p.
144).
O caso narrado pela
pesquisadora foi coletado durante
conversas com a equipe de fibra de
vidro, formada por “operários” (termo
que, segundo ela, era o utilizado por
Seu Reginaldo, trabalhador do setor)
que chamavam a atenção para a
insalubridade do “proces
moldagem”, marcado pela utilização
de um combinado de produtos
químicos (CAVALCANTI, 1994, p.
143). A autora percebeu que havia
uma inflamada rivalidade entre as
equipes da fibra e os profissionais da
escultura, a começar pelo fato de que
os escultor
es eram vistos como
“artistas”:
As funções de concepção e
coordenação da execução
conferem ao carnavalesco o lugar
de artista-
mor do barracão.
porém uma outra unanimidade no
que diz respeito à qualificação de
uma atividade como arte: a
escultura. No b
arracão, e no
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
como acontecia com frequência
sobretudo entre os mais jovens,
eles falavam do perigo e da
ameaça à saúde em tom de
brincadeira. Comentavam o caso,
ocorrido no ano anterior (1991), de
um ajudante que entrara dentro de
a de vidro, para
fazer o acabamento da peça, e
saíra desmaiado: se demorasse
morria” (CAVALCANTI, 1994, p.
O caso narrado pela
pesquisadora foi coletado durante
conversas com a equipe de fibra de
vidro, formada por “operários” (termo
que, segundo ela, era o utilizado por
Seu Reginaldo, trabalhador do setor)
que chamavam a atenção para a
insalubridade do “proces
so de
moldagem”, marcado pela utilização
de um combinado de produtos
químicos (CAVALCANTI, 1994, p.
143). A autora percebeu que havia
uma inflamada rivalidade entre as
equipes da fibra e os profissionais da
escultura, a começar pelo fato de que
es eram vistos como
As funções de concepção e
coordenação da execução
conferem ao carnavalesco o lugar
mor do barracão.
porém uma outra unanimidade no
que diz respeito à qualificação de
uma atividade como arte: a
arracão, e no
carnaval de modo geral, todos
consideram o escultor
(CAVALCANTI, 1994, p
A rivalidade se dava porque o
mesmo status não era conferido aos
profissionais da fibra
de uma certa ironia, no discurso de
Seu R
eginaldo, ao se autodeclarar um
“operário”. De acordo com Cavalcanti,
o escultor Elson se recusava a conferir
o caráter artístico à moldagem: “a
moldagem não era arte porque não
criava nada de novo” (CAVALCANTI,
1994, p. 139). Entre os “operários”, no
enta
nto, o entendimento era outro:
“artistas eram eles que faziam dez
peças, enquanto o escultor fazia
apenas uma” (CAVALCANTI, 1994, p.
143). É interessante perceber o quanto
essa disputa permanece viva, na CdS
-
o que nos leva ao caso de Marina
Vergara.
Ver
gara é uma das poucas
“escultoras-
chefe” do carnaval carioca,
caso raro em um mercado dominado
por homens e por relações
descentralizadas de trabalho. Segundo
os relatos dela própria, contribuiu para
isso o diploma de Graduação em Artes
Visuais Escultura
Belas Artes da UFRJ: “a EBA ajudou,
sim, nesse processo de entrar e ser
40
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
carnaval de modo geral, todos
consideram o escultor
um artista”
(CAVALCANTI, 1994, p
. 139).
A rivalidade se dava porque o
mesmo status não era conferido aos
profissionais da fibra
daí a presença
de uma certa ironia, no discurso de
eginaldo, ao se autodeclarar um
“operário”. De acordo com Cavalcanti,
o escultor Elson se recusava a conferir
o caráter artístico à moldagem: “a
moldagem não era arte porque não
criava nada de novo” (CAVALCANTI,
1994, p. 139). Entre os “operários”, no
nto, o entendimento era outro:
“artistas eram eles que faziam dez
peças, enquanto o escultor fazia
apenas uma” (CAVALCANTI, 1994, p.
143). É interessante perceber o quanto
essa disputa permanece viva, na CdS
o que nos leva ao caso de Marina
gara é uma das poucas
chefe” do carnaval carioca,
caso raro em um mercado dominado
por homens e por relações
descentralizadas de trabalho. Segundo
os relatos dela própria, contribuiu para
isso o diploma de Graduação em Artes
pela Escola de
Belas Artes da UFRJ: “a EBA ajudou,
sim, nesse processo de entrar e ser
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
aceita no carnaval.
Comecei batendo
na porta do Pavilhão de São Cristóvão.
Eu queria fazer, mas era
embarreirada. Sofri muitos tipos de
preconceitos. Falavam que você n
tinha força, que era muito delicada,
que estava ali por outra coisa, então
foi preciso me vestir de Joana d’Arc e
ir pra guerra. Na época não parecia
tão difícil, mas hoje percebo o quanto
foi difícil.”
Escrever sobre os processos
criativos, as relaçõe
s de trabalho e as
técnicas desenvolvidas nos barracões
fez com que Vergara refletisse acerca
(nos termos dela, “se desse conta”) da
gravidade dos preconceitos de que
fora vítima –
um quadro de assédio
moral. Hoje, ela é vista como
profissional que possui
uma “sólida
carreira artística” (FEIJÓ;
NAZARETH,
2011) para além dos círculos
carnavalescos: em 2019, por exemplo,
expôs 9 peças na mostra
na Alma,
no Centro Cultural Correios.
O prestígio conquistado enquanto
artista que possui uma “produção
a
utoral” e o trânsito pela vida
acadêmica (no mesmo ano de 2019,
ingressou no Mestrado em História das
Ciências e das Técnicas e
Epistemologia, na UFRJ) permitiram
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
Comecei batendo
na porta do Pavilhão de São Cristóvão.
Eu queria fazer, mas era
embarreirada. Sofri muitos tipos de
preconceitos. Falavam que você n
ão
tinha força, que era muito delicada,
que estava ali por outra coisa, então
foi preciso me vestir de Joana d’Arc e
ir pra guerra. Na época não parecia
tão difícil, mas hoje percebo o quanto
Escrever sobre os processos
s de trabalho e as
técnicas desenvolvidas nos barracões
fez com que Vergara refletisse acerca
(nos termos dela, “se desse conta”) da
gravidade dos preconceitos de que
um quadro de assédio
moral. Hoje, ela é vista como
uma “sólida
NAZARETH,
2011) para além dos círculos
carnavalescos: em 2019, por exemplo,
expôs 9 peças na mostra
Corrupções
no Centro Cultural Correios.
O prestígio conquistado enquanto
artista que possui uma “produção
utoral” e o trânsito pela vida
acadêmica (no mesmo ano de 2019,
ingressou no Mestrado em História das
Ciências e das Técnicas e
Epistemologia, na UFRJ) permitiram
que ela optasse por se dedicar apenas
ao trabalho no GRES Acadêmicos do
Grande Rio, ou seja,
mais raro de exclusividade contratual
entre “empreiteiros”.
Em live
do dia 18 de fevereiro
de 2021, ocorrida na plataforma
Carnaval
para divulgar a exposição
SEMBA/SAMBA
-
atravessamentos,
aberta no Museu do
Samba, em dezembro
Vergara relatou que a criação da
CdS como um divisor de águas: “as
coisas melhoraram pra gente
(mulheres), por causa das condições
de barracão. É mais limpo, você
consegue ter um ambiente iluminado,
um tempo de trabalho diferente.
Porque eu v
im de uma época em que
você não tinha nem banheiro. Então é
muito difícil pra uma mulher ficar. Eu
tive uma certa proteção dos
carnavalescos. Por ser mulher nesse
mundo masculino, de diretores e
outros escultores, sempre precisei
entrar nos espaços ouvindo
coisas. Eu chegava em casa e
9
A conversa integral pode
seguinte sítio:
https://www.youtube.com/watch?v=5
5MF1cpfcQ&t=1s&ab_channel=MaisCarnaval
Acesso em: 07 mar.
2021.
41
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
que ela optasse por se dedicar apenas
ao trabalho no GRES Acadêmicos do
Grande Rio, ou seja,
um caso ainda
mais raro de exclusividade contratual
do dia 18 de fevereiro
de 2021, ocorrida na plataforma
Mais
para divulgar a exposição
-
corpos e
aberta no Museu do
Samba, em dezembro
de 2020
9
,
Vergara relatou que a criação da
CdS como um divisor de águas: “as
coisas melhoraram pra gente
(mulheres), por causa das condições
de barracão. É mais limpo, você
consegue ter um ambiente iluminado,
um tempo de trabalho diferente.
im de uma época em que
você não tinha nem banheiro. Então é
muito difícil pra uma mulher ficar. Eu
tive uma certa proteção dos
carnavalescos. Por ser mulher nesse
mundo masculino, de diretores e
outros escultores, sempre precisei
entrar nos espaços ouvindo
muitas
coisas. Eu chegava em casa e
ser conferida no
https://www.youtube.com/watch?v=5
-
5MF1cpfcQ&t=1s&ab_channel=MaisCarnaval
.
2021.
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
chorava. Aos poucos, conquistei
espaço.”
A referência aos banheiros
leva ao depoimento de Rosa
Magalhães, em
Fazendo Carnaval
necessidade de ir a
estabelecimentos
comerciais dos arredores, objetivando
o acesso a
um vaso sanitário)
inexistência de banheiros, observável
até hoje em alguns barracões mais
precarizados, desvela o fato de que
tais espaços são majoritariamente
masculinos. “O homem se vira por ali
mesmo”
constatação que traz no
bojo, ainda, a certeza
de sujeira e mau
cheiro (o narrado por Barbieri, ao
visitar o “Carandiru”). Outro ponto de
contato com Magalhães é a relação de
Vergara
com a EBA: “quando eu fazia
a Belas Artes, na época do Fernando
Pamplona, o lance pra ganhar dinheiro
era o carnaval. E
u tinha 19 anos e
vislumbrava fazer coisas grandes no
carnaval. O carnaval era o lugar onde
um escultor ganhava potencial pra
continuar como artista acadêmico. Eu
era uma artista que gostava do
barroco: olhos profundos, bocas
abertas, quanto mais pro
mais aparece na avenida. Porque uma
peça passa por várias etapas: vai ter a
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
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(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
chorava. Aos poucos, conquistei
A referência aos banheiros
nos
leva ao depoimento de Rosa
Fazendo Carnaval
(a
estabelecimentos
comerciais dos arredores, objetivando
um vaso sanitário)
. A
inexistência de banheiros, observável
até hoje em alguns barracões mais
precarizados, desvela o fato de que
tais espaços são majoritariamente
masculinos. “O homem se vira por ali
constatação que traz no
de sujeira e mau
cheiro (o narrado por Barbieri, ao
visitar o “Carandiru”). Outro ponto de
contato com Magalhães é a relação de
com a EBA: “quando eu fazia
a Belas Artes, na época do Fernando
Pamplona, o lance pra ganhar dinheiro
u tinha 19 anos e
vislumbrava fazer coisas grandes no
carnaval. O carnaval era o lugar onde
um escultor ganhava potencial pra
continuar como artista acadêmico. Eu
era uma artista que gostava do
barroco: olhos profundos, bocas
abertas, quanto mais pro
fundidade,
mais aparece na avenida. Porque uma
peça passa por várias etapas: vai ter a
empastelação, a fibra, os adereços, e
aí o talhe se perde.”
O que Vergara explicita é que o
trabalho executado em um barracão
possui logísticas próprias, etapas a
serem
seguidas, o que exige uma
coordenação (que, ao menos no plano
teórico, fica a cargo do “diretor de
barracão” ou “diretor de alegorias”,
profissional responsável pela gerência
da fábrica). Uma escultura em isopor,
depois de talhada, passa por
diferentes et
apas: empastelação com
cola e papel, feitura de formas em
gesso, fibra ou resina (nos casos de
peças em série), pintura, adereçaria,
às vezes vidraçaria, movimentos e
iluminação. Não bastasse, o
“detalhe” mais importante: a colocação
das peças nos carro
equipes de ferragem
adquirir cores dramáticas, uma vez
que qualquer erro estrutural gera
problemas irreversíveis. A “logística”
interna às vezes falha por motivos
simples, como a competição por
espaços físicos e a ausência de
diálogo
ruídos da “rivalidade”
abordada por Cavalcanti. Vergara
narrou que a produção do desfile de
2018 da Grande Rio, que homenageou
o comunicador Chacrinha, foi difícil: “a
42
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
empastelação, a fibra, os adereços, e
O que Vergara explicita é que o
trabalho executado em um barracão
possui logísticas próprias, etapas a
seguidas, o que exige uma
coordenação (que, ao menos no plano
teórico, fica a cargo do “diretor de
barracão” ou “diretor de alegorias”,
profissional responsável pela gerência
da fábrica). Uma escultura em isopor,
depois de talhada, passa por
apas: empastelação com
cola e papel, feitura de formas em
gesso, fibra ou resina (nos casos de
peças em série), pintura, adereçaria,
às vezes vidraçaria, movimentos e
iluminação. Não bastasse, o
“detalhe” mais importante: a colocação
das peças nos carro
s, por meio das
equipes de ferragem
o que pode
adquirir cores dramáticas, uma vez
que qualquer erro estrutural gera
problemas irreversíveis. A “logística”
interna às vezes falha por motivos
simples, como a competição por
espaços físicos e a ausência de
ruídos da “rivalidade”
abordada por Cavalcanti. Vergara
narrou que a produção do desfile de
2018 da Grande Rio, que homenageou
o comunicador Chacrinha, foi difícil: “a
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
técnica usada pra fazer uma escultura
é criada junto com o carnavalesco. O
carn
avalesco é um mediador e você é
uma ferramenta que cria junto. Pode
existir uma dificuldade de
entrosamento de equipes, na hora de
encaixar as esculturas no carro. No
ano do Chacrinha, ninguém
conversava: o ferreiro, o empastelador,
a fibra. Quando o
integração, dificulta muito o trabalho.
Que o trabalho em um barracão,
mesmo depois da construção da CdS,
é marcado por dificuldades de toda
sorte, isso não se discute. E é curioso
notar como mesmo no discurso de
uma profissional oriunda da EBA a
id
eia de “saber do barracão” se impõe:
“o saber é totalmente do barracão,
uma cnica que existe no barracão
e que é resgatada através da
memória, uma tradição oral. Você
um escultor mais antigo fazendo e
aprimora a técnica. A gente vai se
copiando e c
riando ferramentas: tem
uma faca específica pra uma coisa,
uma máquina de corte pra outra. É
uma técnica oral, o existe na
Academia, somente nos ateliês de
quem trabalha com o carnaval. Eu
costumo dizer que a escola de samba
é o doutorado da escultura: f
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
técnica usada pra fazer uma escultura
é criada junto com o carnavalesco. O
avalesco é um mediador e você é
uma ferramenta que cria junto. Pode
existir uma dificuldade de
entrosamento de equipes, na hora de
encaixar as esculturas no carro. No
ano do Chacrinha, ninguém
conversava: o ferreiro, o empastelador,
a fibra. Quando o
essa
integração, dificulta muito o trabalho.
Que o trabalho em um barracão,
mesmo depois da construção da CdS,
é marcado por dificuldades de toda
sorte, isso não se discute. E é curioso
notar como mesmo no discurso de
uma profissional oriunda da EBA a
eia de “saber do barracão” se impõe:
“o saber é totalmente do barracão,
uma cnica que existe no barracão
e que é resgatada através da
memória, uma tradição oral. Você
um escultor mais antigo fazendo e
aprimora a técnica. A gente vai se
riando ferramentas: tem
uma faca específica pra uma coisa,
uma máquina de corte pra outra. É
uma técnica oral, o existe na
Academia, somente nos ateliês de
quem trabalha com o carnaval. Eu
costumo dizer que a escola de samba
é o doutorado da escultura: f
azer
rápido, aprendendo técnicas novas em
questão de minutos.” O relógio, afinal,
pode ser implacável.Para além da
“técnica” no singular apregoada pelo
conselheiro do Crea Marco Antonio
Barbosa, conforme o narrado na
reportagem de Baltar, o chão de um
barr
acão é um convite às pluralidades.
Conclusão
Eu me lembro com clareza de
uma afirmação compartilhada por
torcedores, nas arquibancadas da
Sapucaí ou nos fóruns de discussão
da Internet, no período de 2006 a
2010: “depois da CdS, a qualidade
artística do e
spetáculo caiu.” Tal
afirmação nunca me pareceu sensata:
por que melhores estruturas de
trabalho prejudicariam o visual dos
desfiles? Qual correlação haveria entre
uma coisa e outra? Hoje, depois de
anos trabalhando como carnavalesco,
ouso afirmar que tal
ideia pode ter sido
um dos últimos suspiros da visão (tão
romântica quanto perigosa)
qual “quanto mais dificuldade, melhor.”
No caso, quanto mais precariedade.
Os tantos acidentes ocorridos de 2010
para dissolveram alguns pré
conceitos, de mod
o que a defesa do
“mambembe” parece restrita a jogos
43
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
rápido, aprendendo técnicas novas em
questão de minutos.” O relógio, afinal,
pode ser implacável.Para além da
“técnica” no singular apregoada pelo
conselheiro do Crea Marco Antonio
Barbosa, conforme o narrado na
reportagem de Baltar, o chão de um
acão é um convite às pluralidades.
Eu me lembro com clareza de
uma afirmação compartilhada por
torcedores, nas arquibancadas da
Sapucaí ou nos fóruns de discussão
da Internet, no período de 2006 a
2010: “depois da CdS, a qualidade
spetáculo caiu.” Tal
afirmação nunca me pareceu sensata:
por que melhores estruturas de
trabalho prejudicariam o visual dos
desfiles? Qual correlação haveria entre
uma coisa e outra? Hoje, depois de
anos trabalhando como carnavalesco,
ideia pode ter sido
um dos últimos suspiros da visão (tão
romântica quanto perigosa)
segundo a
qual “quanto mais dificuldade, melhor.”
No caso, quanto mais precariedade.
Os tantos acidentes ocorridos de 2010
para dissolveram alguns pré
-
o que a defesa do
“mambembe” parece restrita a jogos
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
discursivos cujo objetivo é evocar certa
poeticidade, no plano do visual. No dia
a dia dos barracões, não mais
espaço para o improviso: vidas foram
perdidas e todo mundo sente fome.
Ainda nos seus pri
meses, a pandemia de Covid
afetou a cadeia produtiva do carnaval,
uma vez que pairava sobre a CdS uma
outra nuvem: de incertezas. A nuvem
desabou em tempestade no segundo
semestre de 2020: a desastrosa
condução da crise sanitária jogou para
longe
a esperança de ziriguidum em
fevereiro. No dia 24 de setembro de
2020, a Liesa e a Riotur
anunciaram o
adiamento dos desfiles das escolas de
samba para julho do ano seguinte. A
decisão, tomada em um momento em
que os números da pandemia
indicavam uma tími
da queda, permitiu
que algumas escolas estudassem
possibilidades seguras de trabalho.
Em 21 de janeiro de 2021, diante da
iminência de um agravamento da crise
(o que se confirmou pouco tempo
depois), o prefeito Eduardo Paes
anunciou o cancelamento do “carn
de meio de ano.” A forma como a
decisão foi publicizada causou
desconforto: via redes sociais do
prefeito, não foi acompanhada de um
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
discursivos cujo objetivo é evocar certa
poeticidade, no plano do visual. No dia
a dia dos barracões, não mais
espaço para o improviso: vidas foram
perdidas e todo mundo sente fome.
Ainda nos seus pri
meiros
meses, a pandemia de Covid
-19
afetou a cadeia produtiva do carnaval,
uma vez que pairava sobre a CdS uma
outra nuvem: de incertezas. A nuvem
desabou em tempestade no segundo
semestre de 2020: a desastrosa
condução da crise sanitária jogou para
a esperança de ziriguidum em
fevereiro. No dia 24 de setembro de
anunciaram o
adiamento dos desfiles das escolas de
samba para julho do ano seguinte. A
decisão, tomada em um momento em
que os números da pandemia
da queda, permitiu
que algumas escolas estudassem
possibilidades seguras de trabalho.
Em 21 de janeiro de 2021, diante da
iminência de um agravamento da crise
(o que se confirmou pouco tempo
depois), o prefeito Eduardo Paes
anunciou o cancelamento do “carn
aval
de meio de ano.” A forma como a
decisão foi publicizada causou
desconforto: via redes sociais do
prefeito, não foi acompanhada de um
plano de contingência que
contemplasse os trabalhadores.
Tão logo a pandemia mostrou o
seu potencial destrutivo, red
solidariedade foram tecidas ao redor
das agremiações carnavalescas, o que
foi observado pelos pesquisadores
Lucas Bártolo e João Gustavo Melo de
Sousa. Os autores acompanharam as
ações de mapeamento social e
posterior arrecadação e distribuição de
ce
stas básicas pelo GRES
Acadêmicos do Grande Rio,
enxergando no Mestre de Bateria,
Fabrício Machado
de mediação. Nos termos dos autores,
“o agravamento da desigualdade
social se faz sensível e provoca
sofrimento,
tanto pela doença, quanto
pela insegurança alimentar”
(BÁRTOLO;
SOUSA, 2020, p. 199). A
opção por encarar a crise a partir da
ótica da bateria expande as
discussões acerca da ideia de
“trabalho” no universo das escolas de
samba, uma vez que músicos,
passistas, ritmistas, mestres
porta-
bandeiras nem sempre o
vistos como “trabalhadores do
carnaval”
o que evidencia outros
quadros de precarização, com a
recorrência de cachês baixíssimos,
44
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
plano de contingência que
contemplasse os trabalhadores.
Tão logo a pandemia mostrou o
seu potencial destrutivo, red
es de
solidariedade foram tecidas ao redor
das agremiações carnavalescas, o que
foi observado pelos pesquisadores
Lucas Bártolo e João Gustavo Melo de
Sousa. Os autores acompanharam as
ações de mapeamento social e
posterior arrecadação e distribuição de
stas básicas pelo GRES
Acadêmicos do Grande Rio,
enxergando no Mestre de Bateria,
Fafá, uma figura
de mediação. Nos termos dos autores,
“o agravamento da desigualdade
social se faz sensível e provoca
tanto pela doença, quanto
pela insegurança alimentar”
SOUSA, 2020, p. 199). A
opção por encarar a crise a partir da
ótica da bateria expande as
discussões acerca da ideia de
“trabalho” no universo das escolas de
samba, uma vez que músicos,
passistas, ritmistas, mestres
-salas e
bandeiras nem sempre o
vistos como “trabalhadores do
o que evidencia outros
quadros de precarização, com a
recorrência de cachês baixíssimos,
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
quando muito. Os autores também
observaram a atuação do Museu do
Samba, cuja publicação
Revista
convocou
pesquisadores e gestores culturais
para debater ‘aspectos políticos,
econômicos, sociais e religiosos do
Carnaval em tempos de crise’,
abrangendo os desafios institucionais
e financeiros enfrentados pelas
escolas nos últimos anos
(BÁRTOLO;
SOUSA, 2020, p. 200).
Sem dúvidas, uma das ações
que mais mobilizou agentes ao redor
do drama vivenciado pelos
trabalhadores da folia foi o “Barracão
Solidário”, idealizado pelo
carnavalesco Wagner Gonçalves. A
campanha de arrecadação virtual
conseguiu
oferecer assistência
alimentar a mais de 350 famílias cuja
fonte de renda primária é o trabalho
nos barracões. Um cadastramento foi
realizado às pressas, esbarrando em
problemas como o fato de que
inúmeros trabalhadores não possuem
acesso à Internet. O ba
Estácio de Sá, na CdS, serviu como
centro de distribuição. o portal
Carnavalize,
em fevereiro de 2021,
ocupou os dias do não-
carnaval com
ações virtuais cujo objetivo era dar voz
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
quando muito. Os autores também
observaram a atuação do Museu do
Samba em
convocou
“sambistas,
pesquisadores e gestores culturais
para debater ‘aspectos políticos,
econômicos, sociais e religiosos do
Carnaval em tempos de crise’,
abrangendo os desafios institucionais
e financeiros enfrentados pelas
escolas nos últimos anos
[...]”
SOUSA, 2020, p. 200).
Sem dúvidas, uma das ações
que mais mobilizou agentes ao redor
do drama vivenciado pelos
trabalhadores da folia foi o “Barracão
Solidário”, idealizado pelo
carnavalesco Wagner Gonçalves. A
campanha de arrecadação virtual
oferecer assistência
alimentar a mais de 350 famílias cuja
fonte de renda primária é o trabalho
nos barracões. Um cadastramento foi
realizado às pressas, esbarrando em
problemas como o fato de que
inúmeros trabalhadores não possuem
acesso à Internet. O ba
rracão da
Estácio de Sá, na CdS, serviu como
centro de distribuição. o portal
em fevereiro de 2021,
carnaval com
ações virtuais cujo objetivo era dar voz
a dezenas de trabalhadores em
situação de vulnerabilidade, caso
Nete Cândido e Alessandra Reis,
chefes de ateliês de costura que
narraram as dificuldades enfrentadas
ao longo da pandemia. A ação,
intitulada
#VaziodeCarnaval
o entendimento de que os desfiles são
produzidos ao longo de um ano inteiro,
movime
ntando uma grande cadeia
produtiva. Afinal, alegorias e fantasias
não “brotam” espontaneamente do
asfalto da Presidente Vargas.
Se em tempos não
a estabilidade financeira, o
cumprimento de acordos e o respeito
às leis trabalhistas são itens ra
universo investigado, é óbvio que um
quadro de crises tão agudas
(financeira, política, sanitária, sem falar
no avanço das pautas morais do “novo
conservadorismo brasileiro”
(LACERDA, 2019), que tendem a
demonizar e a comb
escancaro
u um e
problemas que muito dizem de nossas
desigualdades históricas. O cenário,
hoje, é imprevisível. A CdS voltou a
ser interditada: primeiro, em fevereiro
de 2019, numa ação que, aos olhos
dos dirigentes das escolas, parecia
“sensacionalista”
, posto que às portas
45
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
a dezenas de trabalhadores em
situação de vulnerabilidade, caso
de
Nete Cândido e Alessandra Reis,
chefes de ateliês de costura que
narraram as dificuldades enfrentadas
ao longo da pandemia. A ação,
#VaziodeCarnaval
, reforçou
o entendimento de que os desfiles são
produzidos ao longo de um ano inteiro,
ntando uma grande cadeia
produtiva. Afinal, alegorias e fantasias
não “brotam” espontaneamente do
asfalto da Presidente Vargas.
Se em tempos não
-pandêmicos
a estabilidade financeira, o
cumprimento de acordos e o respeito
às leis trabalhistas são itens ra
ros, no
universo investigado, é óbvio que um
quadro de crises tão agudas
(financeira, política, sanitária, sem falar
no avanço das pautas morais do “novo
conservadorismo brasileiro”
(LACERDA, 2019), que tendem a
demonizar e a comb
ater o carnaval)
u um e
maranhado de
problemas que muito dizem de nossas
desigualdades históricas. O cenário,
hoje, é imprevisível. A CdS voltou a
ser interditada: primeiro, em fevereiro
de 2019, numa ação que, aos olhos
dos dirigentes das escolas, parecia
, posto que às portas
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
Latino-Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
de Momo. O Promotor de Justiça
Salvador Bemerguy
alegou, em Ação
Civil Pública de 11/02/2019, que “até a
presente data a CdS o possui plano
de prevenção e controle de incêndios
aprovado.”
10
Um imbricado jogo de
poder se avolumou nos
espaço foi liberado para a finalização
do carnaval de 2019 e viveu um
conturbado pré-
carnaval de 2020, com
sucessivos fechamentos derivados de
inspeções da Vigilância Sanitária.
Certa vez, ouvi de um aderecista: “a
gente nunca sabe se isso aqu
não interditado. Eu acho que sempre
esteve interditado.”
No dia 11 de janeiro de 2021, os
portais de notícia informavam que o
Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro (MPRJ) havia obtido, através
da Promotoria de Justiça de Tutela
Colet
iva de Cidadania da Capital, uma
decisão que determinava a interdição
em definitivo da CdS. Em março de
10
O texto afirma: “
O inquérito que deu origem à
ação foi iniciado em 2011, após a ocorrência
de um incêndio de grande proporção no
espaço. O MPRJ destaca que a insegurança
do local é uma velha conhecida dos réus e que
a ocorrência
de sinistro ali é costumeira em
virtude dos materiais manuseados na
confecção de alegorias e do maquinário
utilizado para tal serviço, como maçaricos,
isopores e resinas inflamáveis.”
Disponível em:
http://www.mprj.mp.br/home/-
/detalhe
noticia/visualizar/
69813?p_p_state=maximized
. Acesso em: 08/03/2021.
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
notas sobre os “barracões” do carnaval carioca
. PragMATIZES - Revista
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
de Momo. O Promotor de Justiça
alegou, em Ação
Civil Pública de 11/02/2019, que “até a
presente data a CdS o possui plano
de prevenção e controle de incêndios
Um imbricado jogo de
poder se avolumou nos
tribunais: o
espaço foi liberado para a finalização
do carnaval de 2019 e viveu um
carnaval de 2020, com
sucessivos fechamentos derivados de
inspeções da Vigilância Sanitária.
Certa vez, ouvi de um aderecista: “a
gente nunca sabe se isso aqu
i está ou
não interditado. Eu acho que sempre
No dia 11 de janeiro de 2021, os
portais de notícia informavam que o
Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro (MPRJ) havia obtido, através
da Promotoria de Justiça de Tutela
iva de Cidadania da Capital, uma
decisão que determinava a interdição
em definitivo da CdS. Em março de
O inquérito que deu origem à
ação foi iniciado em 2011, após a ocorrência
de um incêndio de grande proporção no
espaço. O MPRJ destaca que a insegurança
do local é uma velha conhecida dos réus e que
de sinistro ali é costumeira em
virtude dos materiais manuseados na
confecção de alegorias e do maquinário
utilizado para tal serviço, como maçaricos,
Disponível em:
/detalhe
-
69813?p_p_state=maximized
2021, o espaço ainda se encontrava
fechado, sem perspectiva de
reabertura.
Se muito discutimos sobre
a precarização das relações
trabalhistas em face da
chocante perceber que no cenário das
escolas de samba ainda nos
deparamos com uma estrutura colonial
e arcaica, repleta de incongruências,
violências e fragilidades. O verniz de
profissionalismo está mais do que
arranhado. Restam a fuligem
pergunta de um outro samba: “Como
será o amanhã? Responda quem
puder.”
Referências bibliográficas:
BALTAR, Anderson. Por uma festa
mais segura.
UOL Rio
2018. Disponível em:
https://www.uol/carnaval/especiais/acid
ente-na-
sapucai.htm#por
mais-segura
. Acesso em: 05
2021.
BARBIERI, Ricardo José de Oliveira.
Cidade do Samba: do barracão de
escolas às fábricas de carnaval. In:
CAVALCANTI, Maria Laura;
GONÇALVES, Rena
Carnaval em múltiplos planos.
Janeiro: Aeroplano, 2008.
BÁRTOLO, Lucas; SOUSA, João
Gustavo Melo de. Notas sobre as
escolas de samba e a pandemia do
novo coronavírus.
Campo, São Paulo,
29 (supl), 2020, p.
194-
203. Disponível
https://www.revistas.usp.br/cadernosd
46
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
2021, o espaço ainda se encontrava
fechado, sem perspectiva de
Se muito discutimos sobre
a precarização das relações
trabalhistas em face da
globalização, é
chocante perceber que no cenário das
escolas de samba ainda nos
deparamos com uma estrutura colonial
e arcaica, repleta de incongruências,
violências e fragilidades. O verniz de
profissionalismo está mais do que
arranhado. Restam a fuligem
e a
pergunta de um outro samba: “Como
será o amanhã? Responda quem
Referências bibliográficas:
BALTAR, Anderson. Por uma festa
UOL Rio
, Rio de Janeiro,
2018. Disponível em:
https://www.uol/carnaval/especiais/acid
sapucai.htm#por
-uma-festa-
. Acesso em: 05
mar.
BARBIERI, Ricardo José de Oliveira.
Cidade do Samba: do barracão de
escolas às fábricas de carnaval. In:
CAVALCANTI, Maria Laura;
GONÇALVES, Rena
ta (orgs.).
Carnaval em múltiplos planos.
Rio de
Janeiro: Aeroplano, 2008.
BÁRTOLO, Lucas; SOUSA, João
Gustavo Melo de. Notas sobre as
escolas de samba e a pandemia do
novo coronavírus.
Cadernos de
29 (supl), 2020, p.
203. Disponível
em:
https://www.revistas.usp.br/cadernosd
BORA,
Leonardo Augusto. “Glória a quem trabalha o ano inteiro?”:
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Niterói/RJ, Ano 1
24-47, set. 2021.
ecampo/article/view/170236
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Disponível em:
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trabalho/?doing_wp_cron=1615282904
.2304708957672119140625
em: 09 mar. 2021.
http://g1.globo.com/rio-de-
janeiro/noticia/2011/03/laudo
incendio-na-cidade-do-s
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noticia/visualizar/69813?p_p_state=ma
ximized. Acesso em: 08
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https://g1.globo.com/rio-de
-
janeiro/carnaval/2017/noticia/policia
conclui-inquerito-que-
indicia
pessoas-por-acidente-com
-
tuiuti.ghtml. Acesso em: 03
https://www.youtube.com/watch?v=5
5MF1cpfcQ&t=1s&ab_channel=MaisC
arnaval. Acesso em: 07
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JUPIARA, Aloy; OTAVIO, Chico.
porões da contravenção.
bicho e ditadura militar: a história da
aliança que profissionalizou o crime
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Record, 2015.
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VASCONCELLOS, Ana Luiza. Não é
folia, também é trabalho.
O Prelo,
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trabalho/?doing_wp_cron=1615282904
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janeiro/noticia/2011/03/laudo
-diz-que-
amba
-foi-
mar.
2021.
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noticia/visualizar/69813?p_p_state=ma
mar.
2021.
-
janeiro/carnaval/2017/noticia/policia
-
indicia
-4-
-
carro-da-
03
mar. 2021.
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-
5MF1cpfcQ&t=1s&ab_channel=MaisC
mar.
2021.
JUPIARA, Aloy; OTAVIO, Chico.
Os
porões da contravenção.
Jogo do
bicho e ditadura militar: a história da
aliança que profissionalizou o crime
organizado. Rio de Janeiro/São Paulo:
LACERDA, Marina.
conservadorismo brasileiro.
Alegre: Zouk, 2019.
MOTTA, Aydano André. Olha a
desigualdade aí, gente!A um Brasil de
distância da rica Sapucaí, o carnaval
das escolas que desfilam na
Intendente Magalhães.
de Janeiro, 5 de fevereiro de 2016.
Disponível
https://projetocolabora.com.br/ods1/olh
a-a-desigualdade-ai-
gente/
em: 03 mar. 2021.
NATAL, Vinícius Ferreira. Enredo,
rede”: trajetórias e
narrativas na
escrita
carnavalesco.
Arquivos do CMD,
Brasília, v. 8, n. 2, ag
2019. Disponível em:
https://periodicos.unb.br/index.php/CM
D/article/view/31663/27515. Acesso
em: 02 mar. 2021.
RIGEL, Ricardo. Barracões da Cidade
do Samba são interditados pelo
Ministério do Trabalho.
de Janeiro, 20/10/2017. Di
https://oglobo.globo.com/rio/barracoes
da-cidade-do-samba-
sao
pelo-ministerio-do-
trabalho
RUFINO, Luiz; SIMAS, Luiz Antonio.
Flecha no Tempo.
Mórula, 2019.
SANTOS, Nilton.
A arte do efêmero.
Carnavalescos
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Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Apicuri,
2009.
SPINOSA, Chico. Posfácio. In:
CAMÕES, Marcelo; FABATO, Fábio;
FARIAS, Júlio César; SIMAS, Luiz
Antonio; NATAL, Vinícius.
Folia.
O brilho maduro de escolas de
samba de alta
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