OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
set.
202
1
.
O transbordamento da atividade musical para as ruas e a precarização do trabalho:
uma análise sobre os instrumentistas nômades cariocas
DOI:
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v11i21.49503
Resumo:
Este artigo enseja investigar as condições de trabalho dos músicos instrumentistas que
passam a se apresentar nas ruas da cidade do Rio de Janeiro ao longo da última década
2020). Para isso, a partir da retórica sobre a concepção do artista como trabalhador, são analisadas
as condições instáveis de trabalho que levam os músicos a tocarem na rua, bem como as
particularidades desta instabilidade quando estes passam a dese
cidade. A partir da tríade de conceitos trabalho, espaço e valor, identificamos que a prática musical
nômade analisada é estruturada pela lógica da pluriatividade e da instabilidade da força de trabalho,
ambas desdobramentos
do processo de urbanização neoliberal, que assola a capital carioca nas
últimas três décadas.
Palavras-chave: músicos;
trabalho cultural
El desbordamiento de la actividad musical en las calles y la precariedad del trabajo
análisis de instrumentistas nómadas de Río de Janeiro
Resumen
Este artículo tiene como objetivo investigar las condiciones laborales de los músicos instrumentistas
que vienen a actuar en las calles de la ciudad de Río de Janeiro durante la última
2020). Para ello, a partir de la retórica sobre la concepción del artista como trabajador, se analizan las
inestables condiciones laborales que llevan a los músicos a tocar en la calle, así como las
particularidades de esta inestabilidad cuand
ciudad. A partir de la tríada de conceptos de trabajo, espacio y valor, identificamos que la práctica
musical nómada analizada está estructurada por la lógica de la pluriactividad e inestabilidad de la
fu
erza laboral, ambos desarrollos del proceso de urbanización neoliberal, que ha plagado a la capital
carioca
durante las últimas tres décadas.
Palabras clave
: músicos, trabajo cultural, precariedad, neoliberalización
The displacement of musical activity
analysis of nomadic instrumentalists from Rio de Janeiro
Abstract:
This article aims to investigate the working conditions of instrumentalist musicians who
come to perform in the streets of the city of Rio de Janeiro over the last decade (2011
from the rhetoric about the artist's conception as a worker, t
musicians to play on the street are analyzed, as well as the particularities of this instability when they
start to develop musical activity in the city.
ident
ified that the nomadic musical practice analyzed is structured by the logic of pluriactivity and
instability of the workforce, both developments of the neoliberal urbanization process, which has
plagued the capital of Rio de Janeiro
Keywords
: musicians, cultural work, precariousness, neoliberalization
1
Kyoma Silva Oliveira. Doutor em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. E
0001-6313-2260
Recebido em 31/03/2021,
aceito para publicação em
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
O transbordamento da atividade musical para as ruas e a precarização do trabalho:
uma análise sobre os instrumentistas nômades cariocas
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v11i21.49503
Kyoma Silva Oliveira
Este artigo enseja investigar as condições de trabalho dos músicos instrumentistas que
passam a se apresentar nas ruas da cidade do Rio de Janeiro ao longo da última década
2020). Para isso, a partir da retórica sobre a concepção do artista como trabalhador, são analisadas
as condições instáveis de trabalho que levam os músicos a tocarem na rua, bem como as
particularidades desta instabilidade quando estes passam a dese
nvolver a atividade musical na
cidade. A partir da tríade de conceitos trabalho, espaço e valor, identificamos que a prática musical
nômade analisada é estruturada pela lógica da pluriatividade e da instabilidade da força de trabalho,
do processo de urbanização neoliberal, que assola a capital carioca nas
trabalho cultural
; precarização; neoliberalização.
El desbordamiento de la actividad musical en las calles y la precariedad del trabajo
análisis de instrumentistas nómadas de Río de Janeiro
Este artículo tiene como objetivo investigar las condiciones laborales de los músicos instrumentistas
que vienen a actuar en las calles de la ciudad de Río de Janeiro durante la última
2020). Para ello, a partir de la retórica sobre la concepción del artista como trabajador, se analizan las
inestables condiciones laborales que llevan a los músicos a tocar en la calle, así como las
particularidades de esta inestabilidad cuand
o empiezan a desarrollar la actividad
ciudad. A partir de la tríada de conceptos de trabajo, espacio y valor, identificamos que la práctica
musical nómada analizada está estructurada por la lógica de la pluriactividad e inestabilidad de la
erza laboral, ambos desarrollos del proceso de urbanización neoliberal, que ha plagado a la capital
durante las últimas tres décadas.
: músicos, trabajo cultural, precariedad, neoliberalización
.
The displacement of musical activity
on the streets and the precariousness of work: an
analysis of nomadic instrumentalists from Rio de Janeiro
This article aims to investigate the working conditions of instrumentalist musicians who
come to perform in the streets of the city of Rio de Janeiro over the last decade (2011
from the rhetoric about the artist's conception as a worker, t
he unstable working conditions that lead
musicians to play on the street are analyzed, as well as the particularities of this instability when they
start to develop musical activity in the city.
From the triad of concepts of work, space and value, we
ified that the nomadic musical practice analyzed is structured by the logic of pluriactivity and
instability of the workforce, both developments of the neoliberal urbanization process, which has
plagued the capital of Rio de Janeiro
over the past three decades.
: musicians, cultural work, precariousness, neoliberalization
.
Kyoma Silva Oliveira. Doutor em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. E
-mail: kyomaoliveira@gmail.com -
https://orcid.org/0000
aceito para publicação em
03/06/2021 e
disponibilizado online em
01/09/2021.
48
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
O transbordamento da atividade musical para as ruas e a precarização do trabalho:
uma análise sobre os instrumentistas nômades cariocas
Kyoma Silva Oliveira
1
Este artigo enseja investigar as condições de trabalho dos músicos instrumentistas que
passam a se apresentar nas ruas da cidade do Rio de Janeiro ao longo da última década
(2011-
2020). Para isso, a partir da retórica sobre a concepção do artista como trabalhador, são analisadas
as condições instáveis de trabalho que levam os músicos a tocarem na rua, bem como as
nvolver a atividade musical na
cidade. A partir da tríade de conceitos trabalho, espaço e valor, identificamos que a prática musical
nômade analisada é estruturada pela lógica da pluriatividade e da instabilidade da força de trabalho,
do processo de urbanização neoliberal, que assola a capital carioca nas
El desbordamiento de la actividad musical en las calles y la precariedad del trabajo
: un
Este artículo tiene como objetivo investigar las condiciones laborales de los músicos instrumentistas
que vienen a actuar en las calles de la ciudad de Río de Janeiro durante la última
década (2011-
2020). Para ello, a partir de la retórica sobre la concepción del artista como trabajador, se analizan las
inestables condiciones laborales que llevan a los músicos a tocar en la calle, así como las
o empiezan a desarrollar la actividad
musical en la
ciudad. A partir de la tríada de conceptos de trabajo, espacio y valor, identificamos que la práctica
musical nómada analizada está estructurada por la lógica de la pluriactividad e inestabilidad de la
erza laboral, ambos desarrollos del proceso de urbanización neoliberal, que ha plagado a la capital
on the streets and the precariousness of work: an
This article aims to investigate the working conditions of instrumentalist musicians who
come to perform in the streets of the city of Rio de Janeiro over the last decade (2011
-2020). For this,
he unstable working conditions that lead
musicians to play on the street are analyzed, as well as the particularities of this instability when they
From the triad of concepts of work, space and value, we
ified that the nomadic musical practice analyzed is structured by the logic of pluriactivity and
instability of the workforce, both developments of the neoliberal urbanization process, which has
Kyoma Silva Oliveira. Doutor em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) pela Universidade
https://orcid.org/0000
-
disponibilizado online em
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
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O transbordamento da atividade musical para as ruas e a precarização do
trabalho: uma análise sobre os instrumentistas nômades cariocas
Introdução
Grita
-
“Queria te ver numa fábrica!
O quê? versos? Pura bobagem!
Para trabalhar não tens coragem”.
Talvez
ninguém como nós
ponha tanto coração
Eu sou numa fábrica.
E se chaminés
talvez
sem chaminés
seja preciso
ainda mais coragem [...]
A partir de pesquisa realizada
entre os anos de 2017 e 2021 sobre os
sicos instrumentistas que passam a
se apresentar nas ruas da cidade do
Rio de Janeiro desde 2012,
identificamos que as reivindicações
por direitos e reconhecimento ganham
contornos particulares em função de
uma forma de socialização própria do
capitalismo,
onde o trabalho
assalariado subsumido ao capital, é a
forma social mediadora das demais
relações.
Isto posto, o objetivo deste
artigo é investigar a atuação das
bandas cariocas Astro Venga e Rocha,
nas ruas da cidade do Rio de Janeiro e
compreender de ma
neira mais detida
as condições de trabalho encontradas
por esses sujeitos e seus pares no que
chamamos de espaços consagrados
(espaços dedicados realização de
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
O transbordamento da atividade musical para as ruas e a precarização do
trabalho: uma análise sobre os instrumentistas nômades cariocas
-
se ao poeta:
“Queria te ver numa fábrica!
O quê? versos? Pura bobagem!
Para trabalhar não tens coragem”.
ninguém como nós
ponha tanto coração
no trabalho.
Eu sou numa fábrica.
E se chaminés
me faltam
sem chaminés
ainda mais coragem [...]
(Maiakóvski)
A partir de pesquisa realizada
entre os anos de 2017 e 2021 sobre os
sicos instrumentistas que passam a
se apresentar nas ruas da cidade do
Rio de Janeiro desde 2012,
identificamos que as reivindicações
por direitos e reconhecimento ganham
contornos particulares em função de
uma forma de socialização própria do
onde o trabalho
assalariado subsumido ao capital, é a
forma social mediadora das demais
Isto posto, o objetivo deste
artigo é investigar a atuação das
bandas cariocas Astro Venga e Rocha,
nas ruas da cidade do Rio de Janeiro e
neira mais detida
as condições de trabalho encontradas
por esses sujeitos e seus pares no que
chamamos de espaços consagrados
(espaços dedicados realização de
apresentações musicais) e não
consagrados (entendido aqui como o
espaço público utilizados pelos
instrumentistas para se apresentarem
ao longo da última década).
De maneira sintética, este
estudo define o trabalho precário como
a relação salarial instável e insegura,
onde todo ônus proveniente das
incertezas é despejado sobre
trabalhadores e trabalhad
do momento de reestruturação do
padrão de acumulação do capital e
das políticas neoliberalizantes
conjugadas como resposta a sua crise
estrutural. Isto posto, expositivamente
optamos por apresentar primeiramente
as falas dos instrumentistas
possuem algum tipo de experiência
com as apresentações nas ruas da
cidade do Rio de Janeiro, para
posteriormente, a partir de suas
contribuições, analisar as pistas
deixadas por eles sobre suas
condições laborais.
Para este fim, o presente artigo
encontra-
se dividido em três partes,
além da introdução e da conclusão. A
primeira diz respeito ao que estamos
chamando de transbordamento da
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- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
O transbordamento da atividade musical para as ruas e a precarização do
trabalho: uma análise sobre os instrumentistas nômades cariocas
apresentações musicais) e não
consagrados (entendido aqui como o
espaço público utilizados pelos
instrumentistas para se apresentarem
ao longo da última década).
De maneira sintética, este
estudo define o trabalho precário como
a relação salarial instável e insegura,
onde todo ônus proveniente das
incertezas é despejado sobre
trabalhadores e trabalhad
oras, a partir
do momento de reestruturação do
padrão de acumulação do capital e
das políticas neoliberalizantes
conjugadas como resposta a sua crise
estrutural. Isto posto, expositivamente
optamos por apresentar primeiramente
as falas dos instrumentistas
que
possuem algum tipo de experiência
com as apresentações nas ruas da
cidade do Rio de Janeiro, para
posteriormente, a partir de suas
contribuições, analisar as pistas
deixadas por eles sobre suas
Para este fim, o presente artigo
se dividido em três partes,
além da introdução e da conclusão. A
primeira diz respeito ao que estamos
chamando de transbordamento da
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
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.
atividade musical para as ruas da
capital carioca. Nesse sentido,
destacamos que a ida destes
instrumentistas para as
ruas da capital
carioca se configura como uma
tentativa limite de dar sequência ao
trabalho artístico que alcança
situações insustentáveis no interior
dos circuitos consagrados.
Na segunda parte investigamos
algumas das características
identificadas nas c
ondições do
trabalho exercido nas ruas à luz dos
circuitos consagrados.
público como última fronteira de
atuação torna-
se uma possibilidade
em função das relações precárias de
trabalho com as quais esses agentes
lidam mesmo no circuito musical
con
sagrado (pequenas e médias
casas de shows, festivais etc.).
todo modo, identificamos não haver
um rompimento entre os
instrumentistas que se apresentam
nas ruas e aqueles que se apresentam
em casas de shows de pequeno e
médio porte, bem como em festivai
especializados. A compreensão
relacional destes dois circuitos
estrutura as reflexões sobre as
diversas atividades laborais
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
atividade musical para as ruas da
capital carioca. Nesse sentido,
destacamos que a ida destes
ruas da capital
carioca se configura como uma
tentativa limite de dar sequência ao
trabalho artístico que alcança
situações insustentáveis no interior
dos circuitos consagrados.
Na segunda parte investigamos
algumas das características
ondições do
trabalho exercido nas ruas à luz dos
circuitos consagrados.
O espaço
público como última fronteira de
se uma possibilidade
em função das relações precárias de
trabalho com as quais esses agentes
lidam mesmo no circuito musical
sagrado (pequenas e médias
casas de shows, festivais etc.).
De
todo modo, identificamos não haver
um rompimento entre os
instrumentistas que se apresentam
nas ruas e aqueles que se apresentam
em casas de shows de pequeno e
médio porte, bem como em festivai
s
especializados. A compreensão
relacional destes dois circuitos
estrutura as reflexões sobre as
diversas atividades laborais
desempenhadas por esses
instrumentistas.
Por fim, na terceira seção
identificamos pistas que nos permitem
afirmar a atualização d
precária da atividade, que por um
breve momento foi rentável, mas que
com a crise econômica que assola os
países da periferia do capitalismo,
atualiza a situação de instabilidade e
pluriatividade já vivenciadas de outra
maneira por estes músicos
Sendo assim, neste artigo, a
partir da retórica sobre o “músico
trabalhador” percebida na fala de um
dos instrumentistas entrevistados,
passamos a analisar as condições
instáveis de trabalho que levam os
músicos a tocarem na rua, bem como
as particularid
ades desta instabilidade
quando estes passam a desenvolver a
atividade musical nos espaços
públicos da cidade.
O transbordamento da atividade
musical para as ruas da cidade do
Rio de Janeiro
Ao longo do processo de
ocupação das ruas por parte das
bandas
nômades eletrificadas iniciado
em 2012, é possível identificar um
novo entendimento do papel deste
espaço no desempenho da atividade.
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Trabalho cultural e precarização
")
desempenhadas por esses
Por fim, na terceira seção
identificamos pistas que nos permitem
afirmar a atualização d
a situação
precária da atividade, que por um
breve momento foi rentável, mas que
com a crise econômica que assola os
países da periferia do capitalismo,
atualiza a situação de instabilidade e
pluriatividade já vivenciadas de outra
maneira por estes músicos
.
Sendo assim, neste artigo, a
partir da retórica sobre o “músico
trabalhador” percebida na fala de um
dos instrumentistas entrevistados,
passamos a analisar as condições
instáveis de trabalho que levam os
músicos a tocarem na rua, bem como
ades desta instabilidade
quando estes passam a desenvolver a
atividade musical nos espaços
O transbordamento da atividade
musical para as ruas da cidade do
Ao longo do processo de
ocupação das ruas por parte das
nômades eletrificadas iniciado
em 2012, é possível identificar um
novo entendimento do papel deste
espaço no desempenho da atividade.
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
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Em uma série de entrevistas
realizadas por Christian Dias (2016, p.
74)
bacharel em música pela UniRio
e guitarrista da
banda Astro Venga
entre outubro de 2014 e outubro de
2016, a ideia de subsistência a partir
destas apresentações nas ruas da
cidade do Rio de Janeiro foi algo
recorrente.
Glauber Airola: [...] fiquei trabalhando
um tempo com estúdio, como técnico
de s
om, em cima das bandas,
passando som, fazendo agendamento
e s do trampo. Fabiola que é
camarada que toca comigo [n'Os
Camelos"] também tava trabalhando
no mesmo lugar e a gente resolveu ir
pra rua mesmo. Ver no que que ia dar.
Christian Dias: Abandonara
G. A. -
Sim, abandonamos, [risos].
“Vamos pra rua!” [...] E hoje em dia eu
acho que a música é grata; é lógico
que você tem que ter uma porrada de
formas de fazer isso dar certo, mas é
um lugar que eu vou e pô, eu consigo
pagar meu aluguel, con
compras, consigo viajar, consigo
guardar uma graninha, sabe? E
consigo estar mostrando o trabalho ao
mesmo tempo! E é encarar como um
trabalho mesmo.
A sobrevivência através da
música está colocada na afirmaçã
quem encara a mesma como um
trabalho, onde a remuneração é
suficiente para pagar custos básicos
de vida e ainda economizar uma parte
da quantia para outras finalidades. O
processo relatado por Fábio Hirsh,
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
Em uma série de entrevistas
realizadas por Christian Dias (2016, p.
bacharel em música pela UniRio
banda Astro Venga
–,
entre outubro de 2014 e outubro de
2016, a ideia de subsistência a partir
destas apresentações nas ruas da
cidade do Rio de Janeiro foi algo
Glauber Airola: [...] fiquei trabalhando
um tempo com estúdio, como técnico
om, em cima das bandas,
passando som, fazendo agendamento
e s do trampo. Fabiola que é
camarada que toca comigo [n'Os
Camelos"] também tava trabalhando
no mesmo lugar e a gente resolveu ir
pra rua mesmo. Ver no que que ia dar.
Christian Dias: Abandonara
m o lugar?
Sim, abandonamos, [risos].
“Vamos pra rua!” [...] E hoje em dia eu
acho que a música é grata; é lógico
que você tem que ter uma porrada de
formas de fazer isso dar certo, mas é
um lugar que eu vou e pô, eu consigo
pagar meu aluguel, con
sigo fazer
compras, consigo viajar, consigo
guardar uma graninha, sabe? E
consigo estar mostrando o trabalho ao
mesmo tempo! E é encarar como um
A sobrevivência através da
música está colocada na afirmaçã
o de
quem encara a mesma como um
trabalho, onde a remuneração é
suficiente para pagar custos básicos
de vida e ainda economizar uma parte
da quantia para outras finalidades. O
processo relatado por Fábio Hirsh,
saxofonista do trio Os Camelos e da
banda Tre
e, no momento da entrevista
concedida a Dias (2016, p. 83
também envolve o abandono do
emprego anterior, especificamente
neste caso, a atividade desempenhada
não tinha relação direta com a música:
E em algum momento eu decidi que
eu não queria mais fi
chegar 8:00 e sair 20:00, 12 horas de
trabalho, e depois ir pra faculdade.
Além disso os trajetos que eu fazia
eram sempre longos, que eu morava
em São Gonçalo, fazia faculdade e
trabalhava aqui [no centro do Rio de
Janeiro]. Chegou um mom
meio que [...] cansou, e eu parei de
trabalhar, larguei meu emprego e
comecei a enxergar a rua como um
emprego também, como um trabalho.
Se eu me dedicasse a fazer um
trabalho sério, eu achava que aquilo
ali podia render frutos.
Neste tre
cho de Hirsh,
destacam-
se as condições de
superexploração do emprego anterior,
ilustrada pela carga horária excessiva
que impacta, inclusive, no que deveria
ser seu período de tempo livre,
utilizado naquele momento em longos
deslocamentos para conseguir es
e trabalhar.
Observa-
se em ambos os casos
que o ingresso dos instrumentistas na
rua, em momento algum, fez com que
atividades paralelas fossem extintas
do cotidiano. Nesse sentido, a rua se
51
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- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
saxofonista do trio Os Camelos e da
e, no momento da entrevista
concedida a Dias (2016, p. 83
-4),
também envolve o abandono do
emprego anterior, especificamente
neste caso, a atividade desempenhada
não tinha relação direta com a música:
E em algum momento eu decidi que
eu não queria mais fi
car trabalhando,
chegar 8:00 e sair 20:00, 12 horas de
trabalho, e depois ir pra faculdade.
Além disso os trajetos que eu fazia
eram sempre longos, que eu morava
em São Gonçalo, fazia faculdade e
trabalhava aqui [no centro do Rio de
Janeiro]. Chegou um mom
ento que eu
meio que [...] cansou, e eu parei de
trabalhar, larguei meu emprego e
comecei a enxergar a rua como um
emprego também, como um trabalho.
Se eu me dedicasse a fazer um
trabalho sério, eu achava que aquilo
ali podia render frutos.
cho de Hirsh,
se as condições de
superexploração do emprego anterior,
ilustrada pela carga horária excessiva
que impacta, inclusive, no que deveria
ser seu período de tempo livre,
utilizado naquele momento em longos
deslocamentos para conseguir es
tudar
se em ambos os casos
que o ingresso dos instrumentistas na
rua, em momento algum, fez com que
atividades paralelas fossem extintas
do cotidiano. Nesse sentido, a rua se
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
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Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
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apresenta, inicialmente, como uma
possibilidade de trabalha
r com música
de maneira relativamente autônoma.
Nela, os instrumentistas enxergaram a
possibilidade de tocar sem
dependerem da intermediação de
proprietários de casas de show. Esta
superação permitiu que, na rua, as
bandas tocassem com maior
frequência e m
aior autonomia com
relação a escolha de repertório, uma
vez que não dependiam de
negociação com os bares e casas de
show da cidade.
Na tentativa de compreender
historicament
e esse movimento de ida
para as
ruas realizado por
instrumentistas, lançamos mão
dos conceitos relacionais de espaços
consagrados e não consagrados
(OLIVEIRA, 2021). Ressaltamos que
as casas de médio e pequeno porte,
bem como os bares, quando
relacionados às casas de grande porte
e festivais promovidos pela indústria
cultural, são
espaços que compõem o
circuito não consagrado. Ao mesmo
tempo que, se comparados às ruas,
espaço onde os músicos analisados se
apresentam, estes pequenos
estabelecimentos passam a ser
compreendidos como espaços de
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
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- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
apresenta, inicialmente, como uma
r com música
de maneira relativamente autônoma.
Nela, os instrumentistas enxergaram a
possibilidade de tocar sem
dependerem da intermediação de
proprietários de casas de show. Esta
superação permitiu que, na rua, as
bandas tocassem com maior
aior autonomia com
relação a escolha de repertório, uma
vez que não dependiam de
negociação com os bares e casas de
Na tentativa de compreender
e esse movimento de ida
ruas realizado por
instrumentistas, lançamos mão
aqui
dos conceitos relacionais de espaços
consagrados e não consagrados
(OLIVEIRA, 2021). Ressaltamos que
as casas de médio e pequeno porte,
bem como os bares, quando
relacionados às casas de grande porte
e festivais promovidos pela indústria
espaços que compõem o
circuito não consagrado. Ao mesmo
tempo que, se comparados às ruas,
espaço onde os músicos analisados se
apresentam, estes pequenos
estabelecimentos passam a ser
compreendidos como espaços de
consagração. Isto posto, percebe
que a
s bandas que vão para as ruas
do centro da cidade do Rio de Janeiro
buscam reconhecimento para um
possível retorno aos circuitos
consagrados em melhores condições.
Por fim, deixamos claro a existência de
bandas que surgem inicialmente com a
finalidade de t
ocar nas ruas, mas, a
depender das condições, também
ingressam nestas casas de pequeno e
médio porte.
Luciana Requião (2008),
investigando as relações de trabalhos
de músicos que se apresentam em
casas de show no bairro da Lapa,
região central da cidade d
Janeiro, analisou o processo de
exploração dos músicos por parte dos
empresários donos dessas casas. A
autora identifica o processo de
extração de mais-
valor da força de
trabalho dos músicos condensado no
preço cobrado pelos ingressos em
casas com
o o Rio Scenarium. O
proprietário do espaço posiciona
como intermediário entre o público e
os músicos, de forma que o trabalho
dos últimos passa a ser tratado como
produtivo frente ao capital uma vez
que sua remuneração é fixa e o
excedente é apropriado
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Trabalho cultural e precarização
")
consagração. Isto posto, percebe
-se
s bandas que vão para as ruas
do centro da cidade do Rio de Janeiro
buscam reconhecimento para um
possível retorno aos circuitos
consagrados em melhores condições.
Por fim, deixamos claro a existência de
bandas que surgem inicialmente com a
ocar nas ruas, mas, a
depender das condições, também
ingressam nestas casas de pequeno e
Luciana Requião (2008),
investigando as relações de trabalhos
de músicos que se apresentam em
casas de show no bairro da Lapa,
região central da cidade d
o Rio de
Janeiro, analisou o processo de
exploração dos músicos por parte dos
empresários donos dessas casas. A
autora identifica o processo de
valor da força de
trabalho dos músicos condensado no
preço cobrado pelos ingressos em
o o Rio Scenarium. O
proprietário do espaço posiciona
-se
como intermediário entre o público e
os músicos, de forma que o trabalho
dos últimos passa a ser tratado como
produtivo frente ao capital uma vez
que sua remuneração é fixa e o
excedente é apropriado
pelo
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
set.
202
1
.
capitalista.
Destacamos os avanços da
autora na compreensão do que se
refere às relações de trabalho
estabelecidas entre as casas de shows
e os músicos contratados.
Através da aplicação de
questionários junto aos músicos que
se apresentavam em casas
na Lapa, naquela ocasião, Requião
identificou o trabalho informal como
relação comum entre contratantes e
contratados. Em tempos de
desregulação das leis trabalhistas, a
justificativa de que “os tempos
mudaram” são recorrentes ainda hoje,
não
por parte das casas de shows,
mas também pelos patrões e
contratantes de maneira geral. Em
entrevista sobre este fato realizada
pela autora com Henrique Cazes, um
ex-
diretor da casa de show Rio
Scenarium, ele é taxativo com relação
à posição dos músicos, a
o afirmar que:
“Ou ele aceita um cachet mais baixo
ou vai perder o trabalho” (REQUIÃO,
2008, p. 204). A autora destaca ainda
o argumento da existência de uma
“parceria” entre contratantes e músicos
como justificativa para a informalidade.
Tal argumento, al
iás, torna
vez mais comum, uma vez que
ultrapassa a fronteira do trabalho
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
Destacamos os avanços da
autora na compreensão do que se
refere às relações de trabalho
estabelecidas entre as casas de shows
Através da aplicação de
questionários junto aos músicos que
se apresentavam em casas
de shows
na Lapa, naquela ocasião, Requião
identificou o trabalho informal como
relação comum entre contratantes e
contratados. Em tempos de
desregulação das leis trabalhistas, a
justificativa de que “os tempos
mudaram” são recorrentes ainda hoje,
por parte das casas de shows,
mas também pelos patrões e
contratantes de maneira geral. Em
entrevista sobre este fato realizada
pela autora com Henrique Cazes, um
diretor da casa de show Rio
Scenarium, ele é taxativo com relação
o afirmar que:
“Ou ele aceita um cachet mais baixo
ou vai perder o trabalho” (REQUIÃO,
2008, p. 204). A autora destaca ainda
o argumento da existência de uma
“parceria” entre contratantes e músicos
como justificativa para a informalidade.
iás, torna
-se cada
vez mais comum, uma vez que
ultrapassa a fronteira do trabalho
improdutivo e, sob o imperativo da
flexibilização do trabalho, atinge
atividades diversas.
A necessidade de flexibilidade
do trabalho no dia a dia dos músicos
também é ident
ificada no questionário
aplicado por Requião. Jornadas duplas
ou triplas são comuns devido às
apresentações sazonais nas casas de
shows. Percebe-
se aqui um ponto de
contato entre as atividades dos
músicos analisadas pela autora e o
relato dos músicos que e
na rua a possibilidade de exibição de
trabalho e sustento a partir dele. Os
instrumentistas entrevistados por
Requião apontaram a docência
musical como atividade complementar
às apresentações ao vivo. Tal
alternativa também aparece para
alguns m
úsicos que se apresentam
nas ruas do Rio de Janeiro, mesmo
que com menor frequência. Conforme
colocado, a lógica de desempenhar
múltiplas atividades é recorrente na
trajetória de músicos e instrumentistas
que não acessaram por algum motivo
o circuito consa
grado pela indústria
cultural. Desta maneira, a
pluriatividade é compreendida como
um desdobramento da informalidade
que assola o cotidiano de t
53
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
improdutivo e, sob o imperativo da
flexibilização do trabalho, atinge
A necessidade de flexibilidade
do trabalho no dia a dia dos músicos
ificada no questionário
aplicado por Requião. Jornadas duplas
ou triplas são comuns devido às
apresentações sazonais nas casas de
se aqui um ponto de
contato entre as atividades dos
músicos analisadas pela autora e o
relato dos músicos que e
ncontraram
na rua a possibilidade de exibição de
trabalho e sustento a partir dele. Os
instrumentistas entrevistados por
Requião apontaram a docência
musical como atividade complementar
às apresentações ao vivo. Tal
alternativa também aparece para
úsicos que se apresentam
nas ruas do Rio de Janeiro, mesmo
que com menor frequência. Conforme
colocado, a lógica de desempenhar
múltiplas atividades é recorrente na
trajetória de músicos e instrumentistas
que não acessaram por algum motivo
grado pela indústria
cultural. Desta maneira, a
pluriatividade é compreendida como
um desdobramento da informalidade
que assola o cotidiano de t
rabalho
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
set.
202
1
.
destes instrumentistas,
apresentando-
se em casas de shows
ou na rua.
Ainda que o trabalho empírico
de Luciana Requião conta de
músicos que se apresentam
especificamente em uma casa “com
uma programação musical
autenticamente brasileira, com samba,
choro, MPB e forró [...]”, percebemos
alguma aproximação com o relato de
Thiago Scarlata, contrabaixist
banda de rock “O Velho Se Foi”,
entrevistado por Christian Dias (2016,
p. 68): “Geralmente as casas do
cenário underground
, ainda mais pra
banda que começando e tal, é uma
coisa assim, muito desleal; você tem
que levar tudo, bateria, amplificaçã
o cara não te nem uma água”. As
condições relatadas pelo músico,
neste nicho específico, evidenciam
primeiramente a superexploração das
relações de trabalho entre os músicos
do circuito e os proprietários das casas
de shows, uma vez que além da
ausê
ncia de estabilidade das relações
de trabalho estabelecidas, não existe
nem um cachê fixo como o que é pago
pela casa analisada por Requião.
Episódios em que os músicos
precisam vender ingressos para o
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
destes instrumentistas,
seja
se em casas de shows
Ainda que o trabalho empírico
de Luciana Requião conta de
músicos que se apresentam
especificamente em uma casa “com
uma programação musical
autenticamente brasileira, com samba,
choro, MPB e forró [...]”, percebemos
alguma aproximação com o relato de
Thiago Scarlata, contrabaixist
a da
banda de rock “O Velho Se Foi”,
entrevistado por Christian Dias (2016,
p. 68): “Geralmente as casas do
, ainda mais pra
banda que começando e tal, é uma
coisa assim, muito desleal; você tem
que levar tudo, bateria, amplificaçã
o e
o cara não te nem uma água”. As
condições relatadas pelo músico,
neste nicho específico, evidenciam
primeiramente a superexploração das
relações de trabalho entre os músicos
do circuito e os proprietários das casas
de shows, uma vez que além da
ncia de estabilidade das relações
de trabalho estabelecidas, não existe
nem um cachê fixo como o que é pago
pela casa analisada por Requião.
Episódios em que os músicos
precisam vender ingressos para o
evento que irão se apresentar, bem
como produtos conex
atividade principal (camisetas, bonés,
cds, botons, pins, pôsteres) custeados
por eles próprios, a fim de que tenham
acesso a algum tipo de renda, não são
incomuns. A superexploração
identificada coloca em evidência a
radicalização de uma das
cara
cterísticas do trabalho informal
identificada por Requião na casa
localizada na Lapa. No contexto
analisado pela autora, foi identificada
uma parcela de trabalho realizado e
não pago aos artistas
Esta parcela se integraliza
especificament
e no cenário
underground
, uma vez que o capital
variável em sua integralidade passa a
não ser arcado pelos proprietários.
Isto posto, compreende
o fenômeno da ida para a rua e a
subsequente formação de um circuito
não consagrado encontra
diretam
ente ligado ao questionamento,
mesmo indireto, das precárias
relações de trabalho estabelecidas
entre os instrumentistas e as casas
especializadas. Através da
reivindicação por autonomia da prática
musical, identifica
transbordamento desta última para
54
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
evento que irão se apresentar, bem
como produtos conex
os à sua
atividade principal (camisetas, bonés,
cds, botons, pins, pôsteres) custeados
por eles próprios, a fim de que tenham
acesso a algum tipo de renda, não são
incomuns. A superexploração
identificada coloca em evidência a
radicalização de uma das
cterísticas do trabalho informal
identificada por Requião na casa
localizada na Lapa. No contexto
analisado pela autora, foi identificada
uma parcela de trabalho realizado e
não pago aos artistas
-trabalhadores.
Esta parcela se integraliza
e no cenário
, uma vez que o capital
variável em sua integralidade passa a
não ser arcado pelos proprietários.
Isto posto, compreende
-se que
o fenômeno da ida para a rua e a
subsequente formação de um circuito
não consagrado encontra
-se
ente ligado ao questionamento,
mesmo indireto, das precárias
relações de trabalho estabelecidas
entre os instrumentistas e as casas
especializadas. Através da
reivindicação por autonomia da prática
musical, identifica
-se o
transbordamento desta última para
o
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
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202
1
.
espaço público. Tal fenômeno, no
entanto, ao mesmo tempo que traz
consigo novos elementos para a
prática
estéticos, por exemplo
atualiza também antigas relações
identificadas no circuito tradicional.
Mediante isso, neste momento
centramos a anál
ise nas condições
precárias de trabalho que levaram
estes músicos para a rua à procura de
maior autonomia e liberdade para a
prática, bem como em busca de
encontrar um meio de subsistir a partir
da música.
O cotidiano, a rua e a pluriatividade
Em entre
vistas realizadas ao
longo da pesquisa, as múltiplas
atividades desempenhadas pelos
músicos emergem como uma pista
para o entendimento do que estamos
chamando de trabalho precário. Neste
artigo analisamos tal fato como uma
das dimensões das relações incert
de trabalho das quais estes
instrumentistas fazem parte.
Identificamos que a pluriatividade
percebida nos relatos dos músicos
pode ser compreendida em duas
dimensões
uma relacionada à
atividade musical e outra descolada
desta
, sendo a primeira a mai
comum.
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
espaço público. Tal fenômeno, no
entanto, ao mesmo tempo que traz
consigo novos elementos para a
estéticos, por exemplo
–,
atualiza também antigas relações
identificadas no circuito tradicional.
Mediante isso, neste momento
ise nas condições
precárias de trabalho que levaram
estes músicos para a rua à procura de
maior autonomia e liberdade para a
prática, bem como em busca de
encontrar um meio de subsistir a partir
O cotidiano, a rua e a pluriatividade
vistas realizadas ao
longo da pesquisa, as múltiplas
atividades desempenhadas pelos
músicos emergem como uma pista
para o entendimento do que estamos
chamando de trabalho precário. Neste
artigo analisamos tal fato como uma
das dimensões das relações incert
as
de trabalho das quais estes
instrumentistas fazem parte.
Identificamos que a pluriatividade
percebida nos relatos dos músicos
pode ser compreendida em duas
uma relacionada à
atividade musical e outra descolada
, sendo a primeira a mai
s
Tal fenômeno é investigado
majoritariamente através de
entrevistas e observações de campo
com dois trios instrumentais que se
apresentam ou se apresentaram em
algum momento nas ruas da região
central da cidade do Rio de Janeiro: as
bandas Rocha e
Astro Venga. A
primeira iniciou suas apresentações
em 2019, mesmo ano em que teve
também suas atividades encerradas. A
banda era composta por Luis Henrique
Queiroz, o saxofonista, Mindu, o
contrabaixista e Emanuel de Souza, o
baterista. Na época da pesqui
três tinham entre 30 e 40 anos, eram
moradores de Duque de Caxias,
cidade localizada na baixada
fluminense e possuíam experiências
anteriores com apresentações nas
ruas.
A Astro Venga, que surgiu em
2013 e segue existindo até o
encerramento desta
composta por Antônio Paoli, o
contrabaixista, Christian Dias, o
guitarrista e Jonas Cáffaro, o baterista.
Os integrantes tinham idades próximas
aos membros da banda anterior e
eram moradores da cidade do Rio de
Janeiro. Destacamos ainda que
falas de outros instrumentistas
55
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- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
Tal fenômeno é investigado
majoritariamente através de
entrevistas e observações de campo
com dois trios instrumentais que se
apresentam ou se apresentaram em
algum momento nas ruas da região
central da cidade do Rio de Janeiro: as
Astro Venga. A
primeira iniciou suas apresentações
em 2019, mesmo ano em que teve
também suas atividades encerradas. A
banda era composta por Luis Henrique
Queiroz, o saxofonista, Mindu, o
contrabaixista e Emanuel de Souza, o
baterista. Na época da pesqui
sa, os
três tinham entre 30 e 40 anos, eram
moradores de Duque de Caxias,
cidade localizada na baixada
fluminense e possuíam experiências
anteriores com apresentações nas
A Astro Venga, que surgiu em
2013 e segue existindo até o
encerramento desta
investigação, é
composta por Antônio Paoli, o
contrabaixista, Christian Dias, o
guitarrista e Jonas Cáffaro, o baterista.
Os integrantes tinham idades próximas
aos membros da banda anterior e
eram moradores da cidade do Rio de
Janeiro. Destacamos ainda que
as
falas de outros instrumentistas
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
set.
202
1
.
utilizadas na seção anterior seguem
sendo analisadas aqui a partir do
trabalho de conclusão de curso
realizado por Christian Dias (2016).
Luis Queiroz, o saxofonista da
banda Rocha, assim como An
Paoli, contrabaixista da Astro Venga
trabalhavam como técnicos de som de
diferentes estúdios de gravação
respectivamente em Duque de Caxias
e no Rio de Janeiro. Queiroz
trabalhava também com operação de
áudio em espetáculos ao vivo,
enquanto Paoli prod
uzia trilhas
sonoras para produtos audiovisuais.
Destaca-
se também a
necessidade destes músicos
realizarem trabalhos de produção e
divulgação de suas próprias bandas.
Glauber Airola, percussionista do trio
Os Camelos, afirma que para além de
tocar, os
sicos da banda dividem as
atividades de produção executiva
(DIAS, 2016, p. 78):
Cada um da gente está aberto, por
exemplo, pra fechar um show. A gente
acaba sendo meio que produtor de
nós mesmos… E essas coisas assim.
Mas acaba que a gente faz, cara, ter
uma banda ocupa um tempo sabe, a
gente acaba fazendo muita coisa
mesmo; é ensaio, aí reúne não sei
aonde pra tentar fechar alguma coisa,
a gente que tem que aprender a correr
atrás de edital de não sei quê, coisas
que a gente nunca fez, sabe? Mas é
isso.
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
utilizadas na seção anterior seguem
sendo analisadas aqui a partir do
trabalho de conclusão de curso
realizado por Christian Dias (2016).
Luis Queiroz, o saxofonista da
banda Rocha, assim como An
nio
Paoli, contrabaixista da Astro Venga
trabalhavam como técnicos de som de
diferentes estúdios de gravação
respectivamente em Duque de Caxias
e no Rio de Janeiro. Queiroz
trabalhava também com operação de
áudio em espetáculos ao vivo,
uzia trilhas
sonoras para produtos audiovisuais.
se também a
necessidade destes músicos
realizarem trabalhos de produção e
divulgação de suas próprias bandas.
Glauber Airola, percussionista do trio
Os Camelos, afirma que para além de
sicos da banda dividem as
atividades de produção executiva
Cada um da gente está aberto, por
exemplo, pra fechar um show. A gente
acaba sendo meio que produtor de
nós mesmos… E essas coisas assim.
Mas acaba que a gente faz, cara, ter
uma banda ocupa um tempo sabe, a
gente acaba fazendo muita coisa
mesmo; é ensaio, aí reúne não sei
aonde pra tentar fechar alguma coisa,
a gente que tem que aprender a correr
atrás de edital de não sei quê, coisas
que a gente nunca fez, sabe? Mas é
Neste trecho, a pluriatividade é
potencializada a partir do momento
que o instrumentista e sua banda
passam a tocar nas ruas. A marcação
da agenda de shows e ensaios, além
da busca por editais de patrocínio,
gera uma demanda grande de
atividades, que ex
trapola a realização
dos shows propriamente ditos. Tal fato
reitera aquilo que o contrabaixista da
Astro Venga classificou como o dia a
dia do músico trabalhador. No entanto,
conclui-
se também que ao trabalho
braçal destacado por Paoli como uma
dimensão fu
ndamental do cotidiano
destes instrumentistas que estão nas
ruas, são adicionadas atividades de
produção e comunicação que
incrementam a lógica da pluriatividade.
a segunda dimensão da
pluriatividade, conforme citada, diz
respeito aos trabalhos não
rela
cionados à prática musical. Estes
podem tanto complementar a renda,
uma vez que o trabalho com a música
não seja suficiente, como podem
tratar-
se do rendimento central,
fazendo da música atividade
secundária. Sendo assim, as
apresentações na rua podem ser
identificadas como uma das
possibilidades que os instrumentistas
56
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- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
Neste trecho, a pluriatividade é
potencializada a partir do momento
que o instrumentista e sua banda
passam a tocar nas ruas. A marcação
da agenda de shows e ensaios, além
da busca por editais de patrocínio,
gera uma demanda grande de
trapola a realização
dos shows propriamente ditos. Tal fato
reitera aquilo que o contrabaixista da
Astro Venga classificou como o dia a
dia do músico trabalhador. No entanto,
se também que ao trabalho
braçal destacado por Paoli como uma
ndamental do cotidiano
destes instrumentistas que estão nas
ruas, são adicionadas atividades de
produção e comunicação que
incrementam a lógica da pluriatividade.
a segunda dimensão da
pluriatividade, conforme citada, diz
respeito aos trabalhos não
cionados à prática musical. Estes
podem tanto complementar a renda,
uma vez que o trabalho com a música
não seja suficiente, como podem
se do rendimento central,
fazendo da música atividade
secundária. Sendo assim, as
apresentações na rua podem ser
identificadas como uma das
possibilidades que os instrumentistas
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
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têm para tentar viver a partir do
trabalho artístico.
No Brasil, de maneira
esquemática, os instrumentistas
podem assalariar-
se de duas
maneiras: no serviço público em suas
diferentes esfera
s e funções ou na
iniciativa privada. Todavia, entendendo
que a primeira opção está aberta mais
diretamente aos instrumentistas com
formação clássica, nos ateremos à
segunda possibilidade. Neste contexto,
os instrumentistas podem também
estabelecer relaçõe
s estáveis como no
caso de orquestras privadas, mas a
depender de suas formações, estes se
deparam mais comumente com o
trabalho autônomo formal e informal.
Nestas condições a docência
emerge como possibilidade através de
contratos de longa duração,
inter
mitentes ou mesmo em sua
ausência. A formalidade e
informalidade estão presentes também
em trabalhos de gravação em estúdios
e de apresentações ao vivo. Vale
lembrar que tais possibilidades dão
forma à instabilidade da vida
profissional dos instrumentistas
isso, levamos em consideração que,
para além desses diferentes tipos de
vínculo passíveis de serem
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
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(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
têm para tentar viver a partir do
No Brasil, de maneira
esquemática, os instrumentistas
se de duas
maneiras: no serviço público em suas
s e funções ou na
iniciativa privada. Todavia, entendendo
que a primeira opção está aberta mais
diretamente aos instrumentistas com
formação clássica, nos ateremos à
segunda possibilidade. Neste contexto,
os instrumentistas podem também
s estáveis como no
caso de orquestras privadas, mas a
depender de suas formações, estes se
deparam mais comumente com o
trabalho autônomo formal e informal.
Nestas condições a docência
emerge como possibilidade através de
contratos de longa duração,
mitentes ou mesmo em sua
ausência. A formalidade e
informalidade estão presentes também
em trabalhos de gravação em estúdios
e de apresentações ao vivo. Vale
lembrar que tais possibilidades dão
forma à instabilidade da vida
profissional dos instrumentistas
, por
isso, levamos em consideração que,
para além desses diferentes tipos de
vínculo passíveis de serem
estabelecidos, existe também a
possibilidade de nenhum destes
sustentar o instrumentista.
Uma vez que a pluriatividade
pode se expandir para atividade
paralelas à música, a ruptura total com
o campo esta prática é sempre uma
possibilidade no horizonte destes
agentes. Nesse sentido destacamos
que os instrumentistas aqui analisados
entenderam a rua como possibilidade
limite para dar continuidade à ativid
artística. As relações precárias de
trabalho constitutivas da organização
do campo musical encontradas pelos
músicos entrevistados obtêm como
resposta o deslocamento das
apresentações musicais para
determinados espaços públicos da
capital carioca. Esta
consigo algumas particularidades que
investigaremos na sequência.
A precarização do trabalho musical
e as crises sobrepostas
Três autores nos ajudam a
definir o que entendemos por
condições precárias de trabalho.
Ricardo Antunes, Robert Ca
Standing, em diferentes momentos e a
partir de distintas abordagens,
tentaram compreender o fenômeno da
precarização bem como suas
57
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Trabalho cultural e precarização
")
estabelecidos, existe também a
possibilidade de nenhum destes
sustentar o instrumentista.
Uma vez que a pluriatividade
pode se expandir para atividade
s
paralelas à música, a ruptura total com
o campo esta prática é sempre uma
possibilidade no horizonte destes
agentes. Nesse sentido destacamos
que os instrumentistas aqui analisados
entenderam a rua como possibilidade
limite para dar continuidade à ativid
ade
artística. As relações precárias de
trabalho constitutivas da organização
do campo musical encontradas pelos
músicos entrevistados obtêm como
resposta o deslocamento das
apresentações musicais para
determinados espaços públicos da
capital carioca. Esta
aposta traz
consigo algumas particularidades que
investigaremos na sequência.
A precarização do trabalho musical
e as crises sobrepostas
Três autores nos ajudam a
definir o que entendemos por
condições precárias de trabalho.
Ricardo Antunes, Robert Ca
stel e Guy
Standing, em diferentes momentos e a
partir de distintas abordagens,
tentaram compreender o fenômeno da
precarização bem como suas
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
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Niterói/RJ, Ano 1
set.
202
1
.
sobredeterminações. Tais relações
são dinâmicas e relacionais, de forma
que as condições precárias de
trabalho, em
diferentes momentos da
modernidade, se deslocam entre
zonas de estabilidade empregatícia, de
um lado, e de desintegração social por
outro. Aquilo que na França, Castel
(2008) identificou ser a crise da
sociedade salarial e, no Brasil,
Antunes (2011) enten
deu como a
vigência da sociedade do desemprego
estrutural, em função das
determinações conjunturais
conformadoras das realidades
europeia e latinoamericana, está
ligada à ampliação da zona de
instabilidade social proveniente do
padrão flexível de acumulaçã
capital. Tais abordagens confluem
tanto a respeito do processo de
desestabilização e promoção de
incertezas na vida dos trabalhadores,
como com o imperativo destrutivo do
capital frente ao trabalho.
Para Guy Standing (2017),
aquilo que ele intitula d
e “nova classe
perigosa” ou de “precariado” também é
caracterizado pelo autor por suas
relações de trabalho estabelecidas de
maneira flexível, sazonal e incerta.
Não nos interessa aqui afirmar o
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
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Trabalho cultural e precarização
sobredeterminações. Tais relações
são dinâmicas e relacionais, de forma
que as condições precárias de
diferentes momentos da
modernidade, se deslocam entre
zonas de estabilidade empregatícia, de
um lado, e de desintegração social por
outro. Aquilo que na França, Castel
(2008) identificou ser a crise da
sociedade salarial e, no Brasil,
deu como a
vigência da sociedade do desemprego
estrutural, em função das
determinações conjunturais
conformadoras das realidades
europeia e latinoamericana, está
ligada à ampliação da zona de
instabilidade social proveniente do
padrão flexível de acumulaçã
o do
capital. Tais abordagens confluem
tanto a respeito do processo de
desestabilização e promoção de
incertezas na vida dos trabalhadores,
como com o imperativo destrutivo do
Para Guy Standing (2017),
e “nova classe
perigosa” ou de “precariado” também é
caracterizado pelo autor por suas
relações de trabalho estabelecidas de
maneira flexível, sazonal e incerta.
Não nos interessa aqui afirmar o
artista-
trabalhador como membro ou
não do precariado, mas per
riqueza daquilo que Standing define
como “sete formas de garantia e
segurança de trabalho nos termos da
cidadania industrial” (STANDING,
2017, p. 28), de modo que a partir de
alguma mediação, possamos
compreender as condições de trabalho
vivenciada
s pelos músicos em
diferentes circuitos. Senão vejamos:
Garantia de mercado de trabalho
oportunidades adequadas de renda
salário; no nível macro, isto é realçado
por um compromisso governamental
de “pleno emprego”.
Garantia de vínculo empregatício
Proteção contra a dispensa arbitrária,
regulamentação sobre contratação e
demissão, imposição de custos aos
empregadores por não aderirem às
regras e assim por diante.
Segurança no emprego
e oportunidade para manter um nicho
no emprego, além
diluição de habilidade, e oportunidades
de mobilidade “ascendente” em termos
de status e renda.
Segurança do trabalho
contra acidentes e doenças no
trabalho através, por exemplo, de
normas de segurança e saúde, limites
de tem
po de trabalho, horas
insociáveis, trabalho noturno para as
mulheres, bem como compensação de
contratempos.
Garantia de reprodução de habilidade
Oportunidade de adquirir
habilidades, através de estágios,
treinamento de trabalho, e assim por
diante, bem c
omo oportunidade de
fazer uso dos conhecimentos.
Segurança de renda
renda adequada e estável, protegida,
por exemplo, por meio de mecanismos
58
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
trabalhador como membro ou
não do precariado, mas per
ceber a
riqueza daquilo que Standing define
como “sete formas de garantia e
segurança de trabalho nos termos da
cidadania industrial” (STANDING,
2017, p. 28), de modo que a partir de
alguma mediação, possamos
compreender as condições de trabalho
s pelos músicos em
diferentes circuitos. Senão vejamos:
Garantia de mercado de trabalho
oportunidades adequadas de renda
salário; no nível macro, isto é realçado
por um compromisso governamental
de “pleno emprego”.
Garantia de vínculo empregatício
Proteção contra a dispensa arbitrária,
regulamentação sobre contratação e
demissão, imposição de custos aos
empregadores por não aderirem às
regras e assim por diante.
Segurança no emprego
Capacidade
e oportunidade para manter um nicho
no emprego, além
de barreiras para a
diluição de habilidade, e oportunidades
de mobilidade “ascendente” em termos
de status e renda.
Segurança do trabalho
Proteção
contra acidentes e doenças no
trabalho através, por exemplo, de
normas de segurança e saúde, limites
po de trabalho, horas
insociáveis, trabalho noturno para as
mulheres, bem como compensação de
Garantia de reprodução de habilidade
Oportunidade de adquirir
habilidades, através de estágios,
treinamento de trabalho, e assim por
omo oportunidade de
fazer uso dos conhecimentos.
Segurança de renda
Garantia de
renda adequada e estável, protegida,
por exemplo, por meio de mecanismos
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
set.
202
1
.
de salário mínimo, indexação dos
salários, previdência social
abrangente, tributação progressiva
para
reduzir a desigualdade e para
complementar as baixas rendas.
Garantia de representação
uma voz coletiva no mercado de
trabalho por meio, por exemplo, de
sindicatos independentes, com o
direito de greve. (
grifo do autor)
Buscadas no período pós
Segunda Guerra Mundial, sobretudo
na Europa e nos Estados Unidos,
interpretamos tais garantias em termos
polanyianos, isto é, como uma
dimensão da dinâmica de “duplo
movimento” que regeu a sociedade
moderna e teve seu ápice no início do
século XX (POLANYI
, 2000, p. 161).
Neste caso, em resposta à devastação
do tecido social promovida pelo livre
mercado, o Estado buscou
desmercantilizar o trabalho como
medida de proteção social, conclusão
aliás à qual Castel se aproxima
tempos depois em sua análise sobre o
declínio da sociedade salarial na
França, iniciada na década de 1970.
Tratando-
se de uma agenda política
determinada historicamente, Standing
destaca que nem todos os
trabalhadores pertencentes ao
precariado necessariamente dão valor
a todas estas garantia
s, mas que
objetivamente possuem, em alguma
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
de salário mínimo, indexação dos
salários, previdência social
abrangente, tributação progressiva
reduzir a desigualdade e para
complementar as baixas rendas.
Garantia de representação
Possuir
uma voz coletiva no mercado de
trabalho por meio, por exemplo, de
sindicatos independentes, com o
grifo do autor)
Buscadas no período pós
-
Segunda Guerra Mundial, sobretudo
na Europa e nos Estados Unidos,
interpretamos tais garantias em termos
polanyianos, isto é, como uma
dimensão da dinâmica de “duplo
movimento” que regeu a sociedade
moderna e teve seu ápice no início do
, 2000, p. 161).
Neste caso, em resposta à devastação
do tecido social promovida pelo livre
mercado, o Estado buscou
desmercantilizar o trabalho como
medida de proteção social, conclusão
aliás à qual Castel se aproxima
tempos depois em sua análise sobre o
declínio da sociedade salarial na
França, iniciada na década de 1970.
se de uma agenda política
determinada historicamente, Standing
destaca que nem todos os
trabalhadores pertencentes ao
precariado necessariamente dão valor
s, mas que
objetivamente possuem, em alguma
medida, problemas em acessar cada
uma delas. Entende
-
a informalidade que assola as relações
de trabalho dos músicos mesmo antes
do início das apresentações realizadas
nas ruas, traz consigo a di
acesso, ou mesmo a impossibilidade
de alcance de todas as garantias
elencadas.
São raras as exceções de
músicos e instrumentistas que
possuem, por exemplo, garantia de
vínculo empregatício, segurança no
emprego e garantia de reprodução de
habi
lidade. Como colocado, tais
características são identificadas no
caso de músicos de determinadas
orquestras
assalariados
vezes servidores públicos. Em se
tratando de instrumentistas
autônomos, como no caso desta
pesquisa, determinadas reivin
parecem, por vezes, nem mesmo fazer
sentido para os músicos entrevistados.
A carência de “identidade baseada no
trabalho”, por exemplo, é outra
característica atribuída por Standing
(2017, p. 31) ao precariado,
diretamente ligada à garantia de
rep
resentação. Esta, é identificada por
Requião (2008, p. 211), no circuito
formal das casas de shows:
59
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
medida, problemas em acessar cada
-
se, portanto, que
a informalidade que assola as relações
de trabalho dos músicos mesmo antes
do início das apresentações realizadas
nas ruas, traz consigo a di
ficuldade de
acesso, ou mesmo a impossibilidade
de alcance de todas as garantias
São raras as exceções de
músicos e instrumentistas que
possuem, por exemplo, garantia de
vínculo empregatício, segurança no
emprego e garantia de reprodução de
lidade. Como colocado, tais
características são identificadas no
caso de músicos de determinadas
assalariados
–, muitas
vezes servidores públicos. Em se
tratando de instrumentistas
autônomos, como no caso desta
pesquisa, determinadas reivin
dicações
parecem, por vezes, nem mesmo fazer
sentido para os músicos entrevistados.
A carência de “identidade baseada no
trabalho”, por exemplo, é outra
característica atribuída por Standing
(2017, p. 31) ao precariado,
diretamente ligada à garantia de
resentação. Esta, é identificada por
Requião (2008, p. 211), no circuito
formal das casas de shows:
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
set.
202
1
.
Apesar de todos os músicos que
responderam ao questionário estarem
filiados à Ordem dos Músicos do Brasil
e a algum Sindicato, não se sentem
como perten
centes a nenhum grupo
ou classe específica. Sua identidade
profissional fica diluída frente à
instabilidade da profissão e às
inúmeras atividades profissionais que
exercem.
Com o novo fenômeno das
apresentações nos espaços públicos,
os músicos filiados à
Ordem dos
Músicos do Brasil (OMB) são poucos e
o pertencimento a sindicatos, ao
menos dentre os instrumentistas
entrevistados, não foi identificado.
Reitera-
se, portanto, que o fato de
alguns instrumentistas irem para as
ruas es diretamente ligado à
des
crença da possibilidade de
“mobilidade ascendente no campo”,
através do circuito tradicional. Ao
mesmo tempo, a rua surge no
horizonte desses instrumentistas como
um novo espaço de trabalho,
sobretudo para aqueles que o
tinham nada a perder no campo da
m
úsica. A instabilidade presente nas
relações de trabalho e seu
desdobramento para as demais
dimensões da vida são escancaradas
quando os instrumentistas se lançam
na cidade. Assim, a “cultura do
aleatório” identificada por Castel
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
Apesar de todos os músicos que
responderam ao questionário estarem
filiados à Ordem dos Músicos do Brasil
e a algum Sindicato, não se sentem
centes a nenhum grupo
ou classe específica. Sua identidade
profissional fica diluída frente à
instabilidade da profissão e às
inúmeras atividades profissionais que
Com o novo fenômeno das
apresentações nos espaços públicos,
Ordem dos
Músicos do Brasil (OMB) são poucos e
o pertencimento a sindicatos, ao
menos dentre os instrumentistas
entrevistados, não foi identificado.
se, portanto, que o fato de
alguns instrumentistas irem para as
ruas es diretamente ligado à
crença da possibilidade de
“mobilidade ascendente no campo”,
através do circuito tradicional. Ao
mesmo tempo, a rua surge no
horizonte desses instrumentistas como
um novo espaço de trabalho,
sobretudo para aqueles que o
tinham nada a perder no campo da
úsica. A instabilidade presente nas
relações de trabalho e seu
desdobramento para as demais
dimensões da vida são escancaradas
quando os instrumentistas se lançam
na cidade. Assim, a “cultura do
aleatório” identificada por Castel
(2008, p. 529) se material
maneira bem específica na nova forma
que a atividade musical toma nas ruas
do Rio de Janeiro, e devido a isso os
músicos passam de uma vez por todas
a viver o presente, garantindo a
sobrevivência um dia de cada vez.
Quanto ao futuro deste sujeitos,
se configura, na maioria das vezes,
como um projeto incontrolável
baseado no virtual reconhecimento e
incorporação ao circuito consagrado
da música. Neste meio tempo, a
incerteza da rua traz consigo, pelo
menos idealmente, a iminência de
relações de t
rabalho intermitentes em
casas de shows e festivais menores.
Vejamos uma das maneiras
pelas quais a cultura do aleatório se
realiza nas ruas, através da própria
mudança na percepção dos
instrumentistas que vivenciam o
processo de formação dos circuitos
não consagrados, da cidade do Rio de
Janeiro. Em 2016, também em
entrevista concedida ao guitarrista da
Astro Venga, Paoli afirmou que a rua
era a sua principal fonte de renda. No
entanto, cerca de dois anos depois,
em fevereiro de 2019, o instrumentista
reavaliou as condições da atividade:
Atualmente a rua o maneira pra
isso [para a prática musical]. A gente
60
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
(2008, p. 529) se material
iza de
maneira bem específica na nova forma
que a atividade musical toma nas ruas
do Rio de Janeiro, e devido a isso os
músicos passam de uma vez por todas
a viver o presente, garantindo a
sobrevivência um dia de cada vez.
Quanto ao futuro deste sujeitos,
este
se configura, na maioria das vezes,
como um projeto incontrolável
baseado no virtual reconhecimento e
incorporação ao circuito consagrado
da música. Neste meio tempo, a
incerteza da rua traz consigo, pelo
menos idealmente, a iminência de
rabalho intermitentes em
casas de shows e festivais menores.
Vejamos uma das maneiras
pelas quais a cultura do aleatório se
realiza nas ruas, através da própria
mudança na percepção dos
instrumentistas que vivenciam o
processo de formação dos circuitos
não consagrados, da cidade do Rio de
Janeiro. Em 2016, também em
entrevista concedida ao guitarrista da
Astro Venga, Paoli afirmou que a rua
era a sua principal fonte de renda. No
entanto, cerca de dois anos depois,
em fevereiro de 2019, o instrumentista
reavaliou as condições da atividade:
Atualmente a rua o maneira pra
isso [para a prática musical]. A gente
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
set.
202
1
.
quando começou na rua, pensamos
que viveríamos disso, mas ficou claro
que depende do paí
s estar bem, das
pessoas terem dinheiro no bolso para
poderem perder com cultura. [...] No
começo o país tava maneiro. Era isso,
150 conto no bolso de cada um de
tarde, isso o mínimo, três vezes na
semana.
Esta relação entre as doações e
a crise também f
oi relatada por Luiz
Queiroz, saxofonista das bandas
Rocha e Kosmo Coletivo Urbano. De
acordo com o músico, cada membro
da Kosmo chegara a embolsar algo
em torno de 100 reais por dia, algo
que não acontecia com a então recém
criada Rocha, uma vez que as
pe
ssoas andavam sem dinheiro em
função da crise, fato esse que refletia
nas ruas. Levando em consideração
que o “começo” relatado por Paoli
trata-
se de 2013, ano em que a Astro
Venga começou a tocar nas ruas, e os
tempos áureos relatados por Queiroz
diz resp
eito ao ano de 2014, torna
fundamental uma breve análise
conjuntural do processo de
rebatimento das atuais crises política e
econômica nas ruas da cidade do Rio
de Janeiro. Para isso retomemos o
contexto político anterior à crise
econômica que atingiu
diretamente na virada de 2014 para
2015, na tentativa de compreender o
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
quando começou na rua, pensamos
que viveríamos disso, mas ficou claro
s estar bem, das
pessoas terem dinheiro no bolso para
poderem perder com cultura. [...] No
começo o país tava maneiro. Era isso,
150 conto no bolso de cada um de
tarde, isso o mínimo, três vezes na
Esta relação entre as doações e
oi relatada por Luiz
Queiroz, saxofonista das bandas
Rocha e Kosmo Coletivo Urbano. De
acordo com o músico, cada membro
da Kosmo chegara a embolsar algo
em torno de 100 reais por dia, algo
que não acontecia com a então recém
-
criada Rocha, uma vez que as
ssoas andavam sem dinheiro em
função da crise, fato esse que refletia
nas ruas. Levando em consideração
que o “começo” relatado por Paoli
se de 2013, ano em que a Astro
Venga começou a tocar nas ruas, e os
tempos áureos relatados por Queiroz
eito ao ano de 2014, torna
-se
fundamental uma breve análise
conjuntural do processo de
rebatimento das atuais crises política e
econômica nas ruas da cidade do Rio
de Janeiro. Para isso retomemos o
contexto político anterior à crise
econômica que atingiu
o Brasil
diretamente na virada de 2014 para
2015, na tentativa de compreender o
início daquilo que chamamos de
primeira virada “aleatória” no cotidiano
dos artistas que vinham tocando nas
ruas da cidade carioca até então.
O heterogêneo movimento que
toma
as ruas de diferentes cidades
brasileiras no primeiro semestre de
2013, ainda hoje está longe de ser
interpretado de maneira consensual,
quer seja entre os movimentos sociais
participantes à época, quer seja entre
os cientistas sociais que se debruçam
sobr
e o fenômeno quase uma
década. Destaca-
se aqui, em um
primeiro momento, a articulação de
diferentes agendas de diversos
movimentos sociais em capitais como
Porto Alegre, Recife, São Paulo, Belo
Horizonte, Rio de Janeiro, que tinham
em comum as reivindic
direitos sociais, que muito vêm
sendo tratados pelo Estado sob a ótica
de serviços mercantilizados.
Hoje, porém, entendemos estas
manifestações como início do
processo que desembocaria na
retirada de apoio ao governo federal
por parte de dife
rentes frações do
capital, tendo em vista o cenário de
recessão avistado no horizonte em
função da transferência da crise
econômica global para a periferia do
61
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
início daquilo que chamamos de
primeira virada “aleatória” no cotidiano
dos artistas que vinham tocando nas
ruas da cidade carioca até então.
O heterogêneo movimento que
as ruas de diferentes cidades
brasileiras no primeiro semestre de
2013, ainda hoje está longe de ser
interpretado de maneira consensual,
quer seja entre os movimentos sociais
participantes à época, quer seja entre
os cientistas sociais que se debruçam
e o fenômeno quase uma
se aqui, em um
primeiro momento, a articulação de
diferentes agendas de diversos
movimentos sociais em capitais como
Porto Alegre, Recife, São Paulo, Belo
Horizonte, Rio de Janeiro, que tinham
em comum as reivindic
ações por
direitos sociais, que muito vêm
sendo tratados pelo Estado sob a ótica
de serviços mercantilizados.
Hoje, porém, entendemos estas
manifestações como início do
processo que desembocaria na
retirada de apoio ao governo federal
rentes frações do
capital, tendo em vista o cenário de
recessão avistado no horizonte em
função da transferência da crise
econômica global para a periferia do
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
set.
202
1
.
sistema (ANTUNES, 2018). A partir
disto, buscamos compreender esse
período de crises política e e
combinadas a partir de seus
desdobramentos para a cidade do Rio
de Janeiro e para fruição desta por
parte dos artistas-
trabalhadores.
Em diálogo com Braga (2017),
entendemos a articulação entre a
precarização do trabalho e a
mercantilização do es
paço urbano
como pistas da atualização da
reprodução do capitalismo
contemporâneo. Uma vez que o
processo de valorização do valor não é
mais sustentável por meio da
expansão geográfica pelo globo
(LUXEMBURGO, 1970; HARVEY,
2005), a expansão através da
merc
adorização de outras dimensões
da vida coaduna-
se com a extração de
mais-
valor no momento de
reavivamento da crise estrutural do
capital. Tal fenômeno trata de uma das
dimensões estruturantes do processo
de neoliberalização, uma vez que,
nestes termos, o p
rocesso de
precarização do trabalho identificado
algum tempo no cotidiano dos
músicos é incrementado quando parte
destes sujeitos vão para as ruas se
apresentar e passam a lidar com a
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
sistema (ANTUNES, 2018). A partir
disto, buscamos compreender esse
período de crises política e e
conômica
combinadas a partir de seus
desdobramentos para a cidade do Rio
de Janeiro e para fruição desta por
trabalhadores.
Em diálogo com Braga (2017),
entendemos a articulação entre a
precarização do trabalho e a
paço urbano
como pistas da atualização da
reprodução do capitalismo
contemporâneo. Uma vez que o
processo de valorização do valor não é
mais sustentável por meio da
expansão geográfica pelo globo
(LUXEMBURGO, 1970; HARVEY,
2005), a expansão através da
adorização de outras dimensões
se com a extração de
valor no momento de
reavivamento da crise estrutural do
capital. Tal fenômeno trata de uma das
dimensões estruturantes do processo
de neoliberalização, uma vez que,
rocesso de
precarização do trabalho identificado
algum tempo no cotidiano dos
músicos é incrementado quando parte
destes sujeitos vão para as ruas se
apresentar e passam a lidar com a
cidade por meio de novas mediações
(OLIVEIRA, 2021).
Uma vez que a e
brasileira ainda não havia sido
impactada diretamente pela a crise
internacional de 2008, quando os
instrumentistas se arriscam em
trabalhar na rua, estes contam com a
disponibilidade dos cidadãos em
contribuir economicamente com a sua
atividade ar
tística. Os trabalhos dos
artistas nas ruas no Rio de Janeiro
naquele momento se mostraram
viáveis mesmo a partir da lógica de
contribuição voluntária. Percebe
contraposição, que quando a crise
econômica avança, a reprodução a
partir desta mesma lógi
mais limitada, o que deixa a rua “não
tão maneira” para a prática musical,
nos termos de Paoli que confluem com
a percepção de Queiroz. Nesse
sentido, o período de retração
econômica afeta diretamente a renda
dos trabalhadores e trabalhadoras,
que obviamente impacta na prática
artística, conforme foi identificado
pelos próprios músicos a partir da
prática.
Por mais que a lógica mercantil
e as políticas de caráter neoliberal
queiram atribuir caráter empreendedor
62
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
cidade por meio de novas mediações
Uma vez que a e
conomia
brasileira ainda não havia sido
impactada diretamente pela a crise
internacional de 2008, quando os
instrumentistas se arriscam em
trabalhar na rua, estes contam com a
disponibilidade dos cidadãos em
contribuir economicamente com a sua
tística. Os trabalhos dos
artistas nas ruas no Rio de Janeiro
naquele momento se mostraram
viáveis mesmo a partir da lógica de
contribuição voluntária. Percebe
-se em
contraposição, que quando a crise
econômica avança, a reprodução a
partir desta mesma lógi
ca torna-se
mais limitada, o que deixa a rua “não
tão maneira” para a prática musical,
nos termos de Paoli que confluem com
a percepção de Queiroz. Nesse
sentido, o período de retração
econômica afeta diretamente a renda
dos trabalhadores e trabalhadoras,
o
que obviamente impacta na prática
artística, conforme foi identificado
pelos próprios músicos a partir da
Por mais que a lógica mercantil
e as políticas de caráter neoliberal
queiram atribuir caráter empreendedor
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
set.
202
1
.
aos trabalhadores informais, gan
vida por meio do autoempresariamento
ressoa no campo artístico de maneira
bastante específica. Os artistas
trabalhadores submetem a prática
artística à lógica produtiva e quando
passam a sobreviver na rua,
encontram-
se sem qualquer tipo de
proteção social.
A fim de analisar as
particularidades do trabalho dos
instrumentistas nômades cariocas,
resgatemos o último relato do
contrabaixista da Astro Venga aqui
exposto e nos atentemos para a
questão levantada sobre a “perda de
dinheiro” com cultura. Coli
96) em sua análise sobre as condições
precárias de trabalho das cantoras e
cantores líricos no Brasil e na Itália,
constata uma particularidade do
trabalho musical que gera dificuldade
para a sociologia das profissões: a
função social da ativida
de musical é
interpelada na contemporaneidade a
partir do critério da produtividade em
detrimento do critério da criatividade,
este último estruturante da prática
historicamente. A autora afirma a partir
desta reflexão que “por isso,
diversamente de outros
ambientes de
trabalho, as artes criam suas próprias
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
aos trabalhadores informais, gan
har a
vida por meio do autoempresariamento
ressoa no campo artístico de maneira
bastante específica. Os artistas
-
trabalhadores submetem a prática
artística à lógica produtiva e quando
passam a sobreviver na rua,
se sem qualquer tipo de
A fim de analisar as
particularidades do trabalho dos
instrumentistas nômades cariocas,
resgatemos o último relato do
contrabaixista da Astro Venga aqui
exposto e nos atentemos para a
questão levantada sobre a “perda de
dinheiro” com cultura. Coli
(2008, p.
96) em sua análise sobre as condições
precárias de trabalho das cantoras e
cantores líricos no Brasil e na Itália,
constata uma particularidade do
trabalho musical que gera dificuldade
para a sociologia das profissões: a
de musical é
interpelada na contemporaneidade a
partir do critério da produtividade em
detrimento do critério da criatividade,
este último estruturante da prática
historicamente. A autora afirma a partir
desta reflexão que “por isso,
ambientes de
trabalho, as artes criam suas próprias
estruturas de sustento em complexo
social restrito e detentor dos critérios
de avaliação do valor artístico”.
A partir de Bourdieu (2001)
compreendemos que estes critérios se
imbricam e trazem ainda mais
dificuldade para a compreensão da
prática artística e a produção de valor.
Por ora, no entanto, o argumento de
Coli nos ajuda compreender a
armadilha que aguarda os
instrumentistas que se apresentam
nas ruas a partir do discurso em
defesa da concepção do
trabalhador. Caso esta reivindicação
seja norteada pela subsunção do
trabalho criativo ao trabalho norteado
pela produtividade, a sensação de
“perda de dinheiro” com cultura será
uma constante enquanto vivermos em
uma sociedade voltada para
produti
vidade e valorização do capital.
Longe de ter suas bases
ancoradas na produtividade, a
ocupação musical pertence ao
universo de valores artesanais que
perderam a sua validade na sociedade
atual” (COLI, 2008, p. 96). Tal
processo de artesania remete, por
exemplo, ao processo de formação
musical, onde a incorporação de
certas habilidades permeia toda a vida
63
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
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Trabalho cultural e precarização
")
estruturas de sustento em complexo
social restrito e detentor dos critérios
de avaliação do valor artístico”.
A partir de Bourdieu (2001)
compreendemos que estes critérios se
imbricam e trazem ainda mais
dificuldade para a compreensão da
prática artística e a produção de valor.
Por ora, no entanto, o argumento de
Coli nos ajuda compreender a
armadilha que aguarda os
instrumentistas que se apresentam
nas ruas a partir do discurso em
defesa da concepção do
artista-
trabalhador. Caso esta reivindicação
seja norteada pela subsunção do
trabalho criativo ao trabalho norteado
pela produtividade, a sensação de
“perda de dinheiro” com cultura será
uma constante enquanto vivermos em
uma sociedade voltada para
vidade e valorização do capital.
Longe de ter suas bases
ancoradas na produtividade, a
ocupação musical pertence ao
universo de valores artesanais que
perderam a sua validade na sociedade
atual” (COLI, 2008, p. 96). Tal
processo de artesania remete, por
exemplo, ao processo de formação
musical, onde a incorporação de
certas habilidades permeia toda a vida
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
set.
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.
do músico, tem grande dimensão
empírica, gastos fixos perenes, além
de levar algum tempo até que o
desempenho da atividade traga algum
retorno financeir
o ao instrumentista.
Neste sentido, desdobramentos como
a instabilidade e a pluriatividade
aparecem também como característica
deste choque de distintas formas de
produção, uma vez que para Coli
(2008, p. 97), a atividade musical “se
revela ainda artesanal
sociedade capitalista pós-
industrial”.
Ainda que na modernidade
tenha se tornado possível a produção
de mercadorias descoladas da
produção direta dos músicos, a
realização da prática ainda hoje é
dependente destes sujeitos. Deste
modo, a subsunçã
o do trabalho
musical ao capital se dá de maneira
formal, isto é, a partir da separação
entre os meios de produção e os
músicos (SCHNEIDER, 2006). Tal
separação, no entanto, mostra
complexa. Isto significa dizer que tal
mecanismo aparece coadunado com o
monopólio de distribuição, como
responsável material pelo surgimento
dos circuitos consagrados
mesmo tempo que fazem dos músicos
que acessam tais circuitos, parte do
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
do músico, tem grande dimensão
empírica, gastos fixos perenes, além
de levar algum tempo até que o
desempenho da atividade traga algum
o ao instrumentista.
Neste sentido, desdobramentos como
a instabilidade e a pluriatividade
aparecem também como característica
deste choque de distintas formas de
produção, uma vez que para Coli
(2008, p. 97), a atividade musical “se
em plena
industrial”.
Ainda que na modernidade
tenha se tornado possível a produção
de mercadorias descoladas da
produção direta dos músicos, a
realização da prática ainda hoje é
dependente destes sujeitos. Deste
o do trabalho
musical ao capital se dá de maneira
formal, isto é, a partir da separação
entre os meios de produção e os
músicos (SCHNEIDER, 2006). Tal
separação, no entanto, mostra
-se
complexa. Isto significa dizer que tal
mecanismo aparece coadunado com o
monopólio de distribuição, como
responsável material pelo surgimento
dos circuitos consagrados
– que, ao
mesmo tempo que fazem dos músicos
que acessam tais circuitos, parte do
circuito produtivo, produzem, a
exclusão dos demais. Por outro lado,
esta mesma
exclusão conjugada com
o processo de relativa simplificação da
produção musical permite com que os
instrumentistas componham, gravem e
passem a constituir nas ruas, um
circuito não consagrado ou passível de
outro tipo de consagração. Conclui
com isto,
que sempre que incorporado
ao ciclo de valorização do capital e sua
temporalidade, ainda que de modo
formal, o trabalho musical será
sobredeterminado pela forma
mercadoria e a lógica de
superexploração será majoritária.
Em contrapartida, pensado em
outras
possibilidade de consagração
do circuito musical, ao
desempenharem sua atividade, os
músicos disponibilizam seu trabalho
aos transeuntes. Produzido
diretamente pelos músicos, os
produtos ficam à disposição para
troca, mas também para simples
usufruto. Uma
apresentações nestes circuitos não
são precificadas, as trocas podem ser
realizadas à luz de outros parâmetros,
como por exemplo, o das relações de
solidariedade entre músicos e
transeuntes. Tal lógica pode configurar
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- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
circuito produtivo, produzem, a
exclusão dos demais. Por outro lado,
exclusão conjugada com
o processo de relativa simplificação da
produção musical permite com que os
instrumentistas componham, gravem e
passem a constituir nas ruas, um
circuito não consagrado ou passível de
outro tipo de consagração. Conclui
-se,
que sempre que incorporado
ao ciclo de valorização do capital e sua
temporalidade, ainda que de modo
formal, o trabalho musical será
sobredeterminado pela forma
mercadoria e a lógica de
superexploração será majoritária.
Em contrapartida, pensado em
possibilidade de consagração
do circuito musical, ao
desempenharem sua atividade, os
músicos disponibilizam seu trabalho
aos transeuntes. Produzido
diretamente pelos músicos, os
produtos ficam à disposição para
troca, mas também para simples
vez que as
apresentações nestes circuitos não
são precificadas, as trocas podem ser
realizadas à luz de outros parâmetros,
como por exemplo, o das relações de
solidariedade entre músicos e
transeuntes. Tal lógica pode configurar
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
PragMATIZES
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.
a luta política a ser trav
instrumentistas contra a lógica
produtiva e mesmo ajudar a
reconfigurar a composição do que
viemos chamando de produção
cultural do urbano.
Tal luta, direta ou indiretamente
passará pela relação dos
instrumentistas com o Estado
(OLIVEIRA, 2021).
destacamos apenas o fato de que,
mesmo que em alguns relatos os
músicos reivindiquem o
reconhecimento do Estado frente às
atividades desenvolvidas no circuito
informal, suas demandas estão
direcionadas menos para as garantias
sociais diversas, e m
ais para o
fomento direto da atividade estrita.
Desta maneira, a discussão sobre o
trabalho cultural realizado por estes
sujeitos atravessa não somente o
debate sobre o direito ao trabalho,
mas, em um horizonte mais amplo, ela
compõe o debate sobre uma nov
concepção de cidade sob a
perspectiva da produção cultural
urbana.
Entende-
se aqui que a primeira
luta, embora fundamental, tem um
limite quando o projeto objetivado é a
emancipação humana, uma vez que,
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
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1, n. 21, p. 48-67,
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
a luta política a ser trav
ada pelos
instrumentistas contra a lógica
produtiva e mesmo ajudar a
reconfigurar a composição do que
viemos chamando de produção
Tal luta, direta ou indiretamente
passará pela relação dos
instrumentistas com o Estado
Por ora
destacamos apenas o fato de que,
mesmo que em alguns relatos os
músicos reivindiquem o
reconhecimento do Estado frente às
atividades desenvolvidas no circuito
informal, suas demandas estão
direcionadas menos para as garantias
ais para o
fomento direto da atividade estrita.
Desta maneira, a discussão sobre o
trabalho cultural realizado por estes
sujeitos atravessa não somente o
debate sobre o direito ao trabalho,
mas, em um horizonte mais amplo, ela
compõe o debate sobre uma nov
a
concepção de cidade sob a
perspectiva da produção cultural
se aqui que a primeira
luta, embora fundamental, tem um
limite quando o projeto objetivado é a
emancipação humana, uma vez que,
por si só, a reivindicação por trabalho
não questi
ona necessariamente a
centralidade deste na sociedade
contemporânea. Com isso, o avanço
da incorporação da atividade musical à
lógica produtiva contribui não
necessariamente com garantias
empregatícias e direitos sociais, mas o
contrário, contribui com a r
da exploração, característica central
na era da acumulação flexível em
países periféricos.
Deste modo, compreende
necessidade da luta por garantias
sociais através do emprego como uma
etapa e uma dimensão da luta
emancipatória. Do ponto
instrumentistas nômades, tal luta pode
vir a conjugar-
se com a luta pelo
direito à cidade na tentativa de romper
com a lógica capitalista de produção
do espaço. No âmago de uma
sociedade mediada pelo valor, a
superação do estranhamento do
tra
balho permitida pelo trabalho
musical é um dos caminhos em busca
da prática revolucionária, isto é, de
uma razão não mais determinada pelo
produção de valor.
Considerações finais
Frente à análise das relações
de trabalho que estruturam as práticas
65
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- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
por si só, a reivindicação por trabalho
ona necessariamente a
centralidade deste na sociedade
contemporânea. Com isso, o avanço
da incorporação da atividade musical à
lógica produtiva contribui não
necessariamente com garantias
empregatícias e direitos sociais, mas o
contrário, contribui com a r
adicalização
da exploração, característica central
na era da acumulação flexível em
Deste modo, compreende
-se a
necessidade da luta por garantias
sociais através do emprego como uma
etapa e uma dimensão da luta
emancipatória. Do ponto
de vista dos
instrumentistas nômades, tal luta pode
se com a luta pelo
direito à cidade na tentativa de romper
com a lógica capitalista de produção
do espaço. No âmago de uma
sociedade mediada pelo valor, a
superação do estranhamento do
balho permitida pelo trabalho
musical é um dos caminhos em busca
da prática revolucionária, isto é, de
uma razão não mais determinada pelo
Considerações finais
Frente à análise das relações
de trabalho que estruturam as práticas
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
instrumentalistas nômades cariocas.
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dos m
úsicos realizadas até o
momento, pode-
se perceber que esses
instrumentistas ingressam na rua
regidos pela lógica da aleatoriedade
(CASTEL, 2008). A instabilidade dos
vínculos empregatícios, bem como a
inexistência de cachês, são
naturalizadas pelos prop
rietários das
casas de shows e justificadas pela
insustentabilidade do trabalho artístico
frente aos efeitos da crise econômica
no país. Nestes termos, percebe
que a própria maneira de organização
dos agentes no interior do campo
artístico, devido a for
ma como este é
estruturado na modernidade, gera a
instabilidade para grande parte dos
instrumentistas.
Deste modo, vimos de maneira
breve, o modo com que o rearranjo do
padrão de acumulação capitalista
conjugado com as políticas de caráter
neoliberal impac
tam sobre o trabalho
assalariado de modo geral. O
desemprego e o trabalho precário
proveniente desta resposta do capital
à sua crise estrutural impactam de
maneira particular na atividade
musical, fazendo com que uma fração
deste grupo enxergue a ida às ru
como um modo de dar continuidade às
atividades. Tal tática, em nome de
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
PragMATIZES
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Niterói/RJ, Ano 1
1, n. 21, p. 48-67,
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(Dossiê "
Trabalho cultural e precarização
úsicos realizadas até o
se perceber que esses
instrumentistas ingressam na rua
regidos pela lógica da aleatoriedade
(CASTEL, 2008). A instabilidade dos
vínculos empregatícios, bem como a
inexistência de cachês, são
rietários das
casas de shows e justificadas pela
insustentabilidade do trabalho artístico
frente aos efeitos da crise econômica
no país. Nestes termos, percebe
-se
que a própria maneira de organização
dos agentes no interior do campo
ma como este é
estruturado na modernidade, gera a
instabilidade para grande parte dos
Deste modo, vimos de maneira
breve, o modo com que o rearranjo do
padrão de acumulação capitalista
conjugado com as políticas de caráter
tam sobre o trabalho
assalariado de modo geral. O
desemprego e o trabalho precário
proveniente desta resposta do capital
à sua crise estrutural impactam de
maneira particular na atividade
musical, fazendo com que uma fração
deste grupo enxergue a ida às ru
as
como um modo de dar continuidade às
atividades. Tal tática, em nome de
uma tentativa de sobrevivência por
meio da atividade musical, traz
consigo a instabilidade como
característica estrutural da prática.
Assim sendo, na tentativa de
avançar na discussã
o acerca do papel
desses instrumentistas nas novas
configurações do campo social, faz
necessário a conjugação da análise do
trabalho sem garantias realizado por
esses sujeitos conforme visto até aqui,
com o processo de produção do
espaço. Tal articulaçã
entendermos que o processo de
rearranjo produtivo utilizado como
resposta à crise estrutural do
capitalismo possui como uma de suas
dimensões as políticas
neoliberalizantes e tal processo
impacta não somente nas relações de
trabalho confor
me analisado, mas
também na lógica de produção
espacial da cidade. É na intersecção
entre trabalho e espaço que
entendemos estar o caminho para
análise mais aprofundada não só do
fenômeno dos instrumentistas
nômades urbanos na cidade do Rio de
Janeiro, mas
das mais diversas
produções culturais que possuem o
fenômeno urbano como um de seus
eixos estruturantes.
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- ISSN 2237-1508
Trabalho cultural e precarização
")
uma tentativa de sobrevivência por
meio da atividade musical, traz
consigo a instabilidade como
característica estrutural da prática.
Assim sendo, na tentativa de
o acerca do papel
desses instrumentistas nas novas
configurações do campo social, faz
-se
necessário a conjugação da análise do
trabalho sem garantias realizado por
esses sujeitos conforme visto até aqui,
com o processo de produção do
espaço. Tal articulaçã
o é proposta por
entendermos que o processo de
rearranjo produtivo utilizado como
resposta à crise estrutural do
capitalismo possui como uma de suas
dimensões as políticas
neoliberalizantes e tal processo
impacta não somente nas relações de
me analisado, mas
também na lógica de produção
espacial da cidade. É na intersecção
entre trabalho e espaço que
entendemos estar o caminho para
análise mais aprofundada não só do
fenômeno dos instrumentistas
nômades urbanos na cidade do Rio de
das mais diversas
produções culturais que possuem o
fenômeno urbano como um de seus
OLIVEIRA, Kyoma S. O transbordamento da atividade musical para as
ruas e a precarização do trabalho: uma análise sobre os
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