MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
4
Quem deve lembrar e o que deve ser lembrado:
memória social no quilombo Machadinha/RJ
DOI: https://doi.org/
10.22409/pragmatizes
Resumo:
Este texto tem como objetivo refletir acerca das disputas simbólicas em torno da memória
chamada kissama.
Esta relação está expressa em uma história muito difundida na região acerca da
Fabian, Richard Handler
, Michael Pollak e Andreas Huyssen.
Palavras-chaves: Quilombo;
memória
el Quilombo Machadinha/RJ
Resumen:
Este trabajo pretende plantear una reflexión sobre las disputas simbólicas en
Huyssen.
Palabras clave: Palenque, m
emoria,
1
Ricardo Moreno de Melo. Doutor em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense. Professor
ricardo.melo@ifrj.edu.br -
https://orcid.org/0000
Recebido em 21/08/2021,
aceito para publicação em
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
Revista Latino
-Americana de Estudos
4
20, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Quem deve lembrar e o que deve ser lembrado:
d
isputas simbólicas pela
memória social no quilombo Machadinha/RJ
10.22409/pragmatizes
.v12i22.49971
Ricardo Moreno de Melo
Este texto tem como objetivo refletir acerca das disputas simbólicas em torno da memória
tomando como base empírica um equipamento cultural do quilombo Machadinha, na cidade de
Quissamã, RJ. No momento em que a comunidade vivia um período de tomada de cons
sua condição quilombola, o referido espaço, denominado Memorial, recebeu um conjunto de objetos
vindos de Angola para compor uma cenografia. Os objetos foram trazidos por uma equipe
coordenada pela então presidente da Fundação de Cultura, com a
intenção de estabelecer uma
relação entre os moradores daquela comunidade e uma determinada etnia angolana de uma região
Esta relação está expressa em uma história muito difundida na região acerca da
origem do nome da cidade: Quissamã. Par
a dar conta da parte analítica do trabalho eu mobilizei
teóricos da Antropologia e da História que lidam com o tema da memória, tais como Johannes
, Michael Pollak e Andreas Huyssen.
memória
; Quilombo Machadinha; processos
de identificação.
Quién debe recodarse y qué debe ser acordado: disputas simbólicas por la memoria social
Este trabajo pretende plantear una reflexión sobre las disputas simbólicas en
memoria eligiendocómosu base empírica unequipamiento cultural delpalenque Machadinha,
enlaciudad de Quissamã (RJ). Enel momento en que lacomunidadvivíaun período de concienciarse
de sucondición histórica, elespacio mencionado, nombrado Memorial
, recibióun conjunto de objetos
de Angola para componer una escenografía. Los objetos fueron traídos por un equipo coordinado por
elentonces presidente de laFundación de Cultura, conlaintención de establecer una relación entre
lapoblación de esacomunidad y
una etnia angoleña específica en una regiónllamadakissama. Esta
relación se expresaen una historiamuy difundida enlaregión sobre elorigendelnombre de laciudad:
Quissamã. Para sostenerla parte analítica deltrabajo, movilicé teóricos de Antropología e Histo
tratandel tema de la memoria, como Johannes Fabian, Richard Handler, Michael Pollak y Andreas
emoria,
Quilombo Machadinha, p
rocesos de identificación.
Ricardo Moreno de Melo. Doutor em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense. Professor
no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, IFRJ, Brasil. E
https://orcid.org/0000
-0002-1305-0723
aceito para publicação em
25/01/2022 e disp
onibilizado online em
01/03/2022.
396
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
isputas simbólicas pela
Ricardo Moreno de Melo
1
Este texto tem como objetivo refletir acerca das disputas simbólicas em torno da memória
tomando como base empírica um equipamento cultural do quilombo Machadinha, na cidade de
Quissamã, RJ. No momento em que a comunidade vivia um período de tomada de cons
ciência de
sua condição quilombola, o referido espaço, denominado Memorial, recebeu um conjunto de objetos
vindos de Angola para compor uma cenografia. Os objetos foram trazidos por uma equipe
intenção de estabelecer uma
relação entre os moradores daquela comunidade e uma determinada etnia angolana de uma região
Esta relação está expressa em uma história muito difundida na região acerca da
a dar conta da parte analítica do trabalho eu mobilizei
teóricos da Antropologia e da História que lidam com o tema da memória, tais como Johannes
de identificação.
Quién debe recodarse y qué debe ser acordado: disputas simbólicas por la memoria social
en
Este trabajo pretende plantear una reflexión sobre las disputas simbólicas en
torno a la
memoria eligiendocómosu base empírica unequipamiento cultural delpalenque Machadinha,
enlaciudad de Quissamã (RJ). Enel momento en que lacomunidadvivíaun período de concienciarse
, recibióun conjunto de objetos
de Angola para componer una escenografía. Los objetos fueron traídos por un equipo coordinado por
elentonces presidente de laFundación de Cultura, conlaintención de establecer una relación entre
una etnia angoleña específica en una regiónllamadakissama. Esta
relación se expresaen una historiamuy difundida enlaregión sobre elorigendelnombre de laciudad:
Quissamã. Para sostenerla parte analítica deltrabajo, movilicé teóricos de Antropología e Histo
ria que
tratandel tema de la memoria, como Johannes Fabian, Richard Handler, Michael Pollak y Andreas
rocesos de identificación.
Ricardo Moreno de Melo. Doutor em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense. Professor
no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, IFRJ, Brasil. E
-mail:
onibilizado online em
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
4
Who should remember
and what should be remembered: s
memory in
Quilombo Machadinha
Abstract: This text aims to
reflect
basis - the cultural equipment
Quilombo
community was
experiencing a period
were brought by a team
coordinated
intention of
establishing a relationship
ethnic group in a region called
Qu
region about the origin of the
city's
theorists from Anthropology and
Richard Handler, Michael Pollak
Keywords: Quilombo;
Quilombo Machadinha
Quem deve lembrar e o que deve ser lembrado: Disputas simbólicas pela
memória social no quilombo Machadinha/RJ
Introdução
A
vontade e a necessidade dos
chamada de pós-
colonial, e na medida
também em q
ue se percebe a
história é um ato de poder.
Em 2017 eu fi
z uma pesquisa
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
Revista Latino
-Americana de Estudos
4
20, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
and what should be remembered: s
ymboli
c disputes over social
Quilombo Machadinha
/RJ
reflect
on the symbolic disputes around memory
taking
Quilombo
Machadinha, in the city
of Quissamã, RJ. At a time when
experiencing a period
of awareness
of its quilombola condition, the
space, called Memorial, received a set of
objects from Angola to
compose a scenography. The objects
coordinated
by the president of th
e Fundação de Cultura at
establishing a relationship
between the residents of that community
and a specific
Qu
issamã. This relationship is
expressed in a widespread
city's
name: Quissamã. In the analytical part of
the
History to deal with the theme of
memory, such as Johannes Fabian,
and Andreas Huyssen.
Quilombo Machadinha
; memory, identification processes.
Quem deve lembrar e o que deve ser lembrado: Disputas simbólicas pela
memória social no quilombo Machadinha/RJ
vontade e a necessidade dos
grupos sociais, étnicos ou de gêneros,
entre outros, de contarem as suas
próprias histórias têm se expandido a
medida em que se desenvolve um
certo tipo de consciência, por vezes
colonial, e na medida
ue se percebe a
necessidade da construção da
narrativa como uma forma de
expressar uma vio de mundo. Ou,
em poucas palavras: há cada vez mais
a consciência entre os mais variados
grupos sociais de que contar uma
z uma pesquisa
em uma comunidade quilombola
denominada Quilombo Machadinha,
situada a poucos quilômetros da
cidade de Quissamã no norte do
estado do Rio de Janeiro. Esta
localidade foi em 2006 reconhecida
como “comunidade remanescente de
quilombo” pela Fun
dação Palmares.
Antes desse reconhecimento ela era
conhecida na região como Fazenda
Machadinha”. A sua história está ligada
em termos econômicos ao ciclo da
cana-de-
açúcar do Norte do estado do
Rio de Janeiro. Ela é composta por 46
casas de uma antiga sen
da casa-
grande da antiga fazenda;
uma capela do início do século XIX; e
um conjunto de quatro pares de casas
novas, formando um total de 08 (oito)
397
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
c disputes over social
taking
- as an empirical
of Quissamã, RJ. At a time when
the
of its quilombola condition, the
afore mentioned
compose a scenography. The objects
e Fundação de Cultura at
the time, with the
and a specific
Angolan
expressed in a widespread
history in the
the
work, it’s mobilized
memory, such as Johannes Fabian,
Quem deve lembrar e o que deve ser lembrado: Disputas simbólicas pela
denominada Quilombo Machadinha,
situada a poucos quilômetros da
cidade de Quissa no norte do
estado do Rio de Janeiro. Esta
localidade foi em 2006 reconhecida
como comunidade remanescente de
dação Palmares.
Antes desse reconhecimento ela era
conhecida na região como “Fazenda
Machadinha. A sua história está ligada
em termos econômicos ao ciclo da
açúcar do Norte do estado do
Rio de Janeiro. Ela é composta por 46
casas de uma antiga sen
zala; ruínas
grande da antiga fazenda;
uma capela do início do século XIX; e
um conjunto de quatro pares de casas
novas, formando um total de 08 (oito)
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
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Meu objetivo principal nessa
estavam assumindo
a condição de
Nessa perspectiva
eu procurei
grupo qu
ilombola. Teoricamente me
apoiei
na ideia de que toda
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
unidades, denominadas “casas de
passagem. Dentre as casas da antiga
senzala, uma delas veio a s
e tornar o
Memorial de Machadinha,
equipamento público que será objeto
de descrição e análise desse trabalho.
Meu objetivo principal nessa
pesquisa de 2017 era descrever e
analisar as formas e os processos
através dos quais os moradores
a condição de
quilombolas. Chamei esse movimento
de processo de quilombolização”.
eu procurei
compreender as estratégias levadas a
cabo pelo grupo para a consecução de
seu objetivo, qual seja, o
reconhecimento da comunidade como
ilombola. Teoricamente me
na ideia de que toda
comunidade é uma comunidade
imaginada, e que esse processo se
dá a partir da invenção” de uma
cultura cuja corporificação ocorre a
partir de um conjunto de símbolos que
transitam no contexto intersub
jetivo do
grupo, atras das mais diversas e
variadas interações. A perspectiva
teórica foi a de perceber os
pertencimentos étnicos como
processuais e situacionais, e por essa
trilha procurei entender as complexas
tramas de tensão e acomodação que
se dão n
o âmbito das relações
intersubjetivas do grupo, e também as
interações do grupo com os diversos
atores com os quais a comunidade
dialoga: Universidades, agências
governamentais em suas várias
esferas, turistas e poderes locais,
como a prefeitura da cidade
Quissamã.
Foi justamente esta última
relação mencionada, a saber: da
comunidade, personificada nas
pessoas de suas lideranças, com a
prefeitura, através de sua Fundação
de Cultura, que despertou meu olhar
para as questões que compõem a
escrita deste ar
apresentarei nele diz respeito a uma
construção cenográfica
prefeitura para o Memorial
construindo um espaço semelhante a
um museu, com alguns aquários
dentro dos quais um conjunto de
objetos vindos de Angola, bem como
fotos de
pessoas e animais africanos
estavam dispostos. Então, pude ver
2Trata-
se de um equipamento público, o qual
foi “entregue” à comunidade em 2008 no
processo de reforma do casario das antigas
senzalas e passou a integrar, junto com a
“Casa de artes” as “Ruínas do solar de
Machadinha” e a “Capela Nossa Senhora do
Patrocín
io”, um “circuito de visitações
turísticas”.
398
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
tramas de teno e acomodação que
o âmbito das relações
intersubjetivas do grupo, e também as
interações do grupo com os diversos
atores com os quais a comunidade
dialoga: Universidades, agências
governamentais em suas várias
esferas, turistas e poderes locais,
como a prefeitura da cidade
de
Foi justamente esta última
relação mencionada, a saber: da
comunidade, personificada nas
pessoas de suas lideranças, com a
prefeitura, através de sua Fundação
de Cultura, que despertou meu olhar
para as questões que compõem a
escrita deste ar
tigo. O que
apresentarei nele diz respeito a uma
construção cenográfica
elaborada pela
prefeitura para o Memorial
2,
construindo um espaço semelhante a
um museu, com alguns aquários
dentro dos quais um conjunto de
objetos vindos de Angola, bem como
pessoas e animais africanos
estavam dispostos. Então, pude ver
se de um equipamento público, o qual
foi entregue à comunidade em 2008 no
processo de reforma do casario das antigas
senzalas e passou a integrar, junto com a
Casa de artes as Ruínas do solar de
Machadinha e a Capela Nossa Senhora do
io, um circuito de visitações
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
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em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
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da Fundação de C
ultura, Sr.ª
Alexandra Moreira. No momento em
Um dos eixos teóricos que vi
(2000) a qual se
consubstancia
através da força simbó
lica do passado,
Alexandra Moreira, em estabelecer um
Machadinha, e a etnia
kissama
Angola. Por outro lado, havia a
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
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-Americana de Estudos
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20, mar. 2022. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
posto em cena o estabelecimento de
uma relação na qual a memória era o
centro da questão, pois as lideranças
quilombolas não aceitaram a
cenografia proposta pela então gestora
ultura, Sr
Alexandra Moreira. No momento em
que escrevo esse artigo ela ocupa o
cargo de vereadora, tendo sido
empossada em janeiro de 2021.
Um dos eixos teóricos que vi
como importante para a minha análise
foi a formulação de Andreas Huyssen
consubstancia
na
expressão políticas da memória”. Esta
expressão usada por Huyssen define
um processo através do qual algumas
memórias o acionadas com o
objetivo de estabelecer determinadas
verdades históricas, e que estas,
lica do passado,
possam servir para a construção de
políticas públicas de naturezas
diversas. No caso em questão havia o
esforço de um grupo, liderado por
Alexandra Moreira, em estabelecer um
nculo histórico entre a formação
étnica da cidade de Quissamã,
em
particular a comunidade de
kissama
de
Angola. Por outro lado, havia a
compreensão de algumas lideranças
do quilombo em o aceitar aquele
acervo como representativo de sua
história e de seu passado.
O que se pretende, portanto,
d
escrever e analisar nas páginas
seguintes desse texto é a colocação
em atos, mas também em ideias, das
relações entre cultura e poder através
da memória social.
O “Memorial” do quilombo
Machadinha, como dito acima, é um
espaço que foi entregue à
comunid
ade em 2008 no processo de
uma reforma do casario das antigas
senzalas e passou a integrar, junto
com a “Casa de artes; as Ruínas do
solar de Machadinha e a Capela
Nossa Senhora do Patronio, um
circuito de visitões turísticas. Este
conjunto também
encerra em si um
complexo de tensões e acomodações
entre as lideranças comunitárias e a
Coordenadoria de Cultura da
Prefeitura de Quissamã. No momento
da pesquisa empírica estava
ocorrendo uma mudança na gestão
municipal, fato que ensejou uma
alteração de
gestores. Na nova gestão
liderada pela prefeita Maria de
Fátima Pacheco, a qual parece ter
contado com bastante apoio eleitoral
no quilombo
, a Coordenadoria de
399
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
do quilombo em não aceitar aquele
acervo como representativo de sua
história e de seu passado.
O que se pretende, portanto,
escrever e analisar nas páginas
seguintes desse texto é a colocação
em atos, mas também em ideias, das
relações entre cultura e poder através
O Memorial do quilombo
Machadinha, como dito acima, é um
espaço que foi “entregue” à
ade em 2008 no processo de
uma reforma do casario das antigas
senzalas e passou a integrar, junto
com a Casa de artes”; as “Ruínas do
solar de Machadinha” e a “Capela
Nossa Senhora do Patrocínio”, um
circuito de visitações turísticas. Este
encerra em si um
complexo de tensões e acomodações
entre as lideranças comunitárias e a
Coordenadoria de Cultura da
Prefeitura de Quissamã. No momento
da pesquisa empírica estava
ocorrendo uma mudança na gestão
municipal, fato que ensejou uma
gestores. Na nova gestão
liderada pela prefeita Maria de
Fátima Pacheco, a qual parece ter
contado com bastante apoio eleitoral
, a Coordenadoria de
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
4
Armando Queiroz Mattoso, figura
município.
Figura 1 -
Banner de apresentação do Espaço
do Memorial
F
onte: Acervo autor (2017)
A coordenação do Memorial era
nascida na própria l
ocalidade e
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Cultura, gestora do Memorial, ficou
subordinada à Secretaria de
Desenvolvimento Econômico e
Turismo, cujo secretário era o Sr.
Armando Queiroz Mattoso, figura
política tradicional no cenário político
da cidade e antigo prefeito do
Banner de apresentação do Espaço
onte: Acervo autor (2017)
A coordenação do Memorial era
feita por Dalma dos Santos desde
2014. Ela ao mesmo tempo em que é
funcionária concursada da prefeitura
na condição de professora da escola
Francisca Felizarda em Machadinha, é
ocalidade e
atualmente integra o grupo que está à
frente do processo das lutas políticas
da comunidade. Suas atividades à
frente da coordenação se desdobram
em muitas ações, dentre elas as
seguintes oficinas: contação de
histórias, “fuxico3
”, leitura, jong
fado5
mirins. Algumas dessas oficinas
estavam inicialmente integradas a um
projeto desenvolvido em Machadinha
denominado “Territórios Criativos”,
uma iniciativa da UFF
Federal Fluminense e do MinC,
Ministério da Cultura, cujo objetivo e
de estabelecer parcerias com três
territórios quilombolas no Estado do
Rio de Janeiro e uma comunidade
indígena no Estado do Ceará,
estimulando seus potenciais criativos.
Machadinha foi um dos lugares
contemplados pelo projeto e sua
coordenação, na figu
ra da antropóloga
Mônica Dias e da professora da UFF
Rai Soares, estabeleceu uma estreita
3
“fuxico” é uma técnica artesanal a qual se
utiliza de retalhos de tecido para a confecção
de peças tais como cobertores, bolsas,
tapetes, roupas, etc. Os retalhos são dispostos
em uma forma de pequenas trouxas
uma vez articuladas umas as outras, o
compor um novo tecido.
4
Utilizo aqui as palavras “jongo e tambor
como expressões sinônimas. Trata
dança de roda acompanhada de três
tambores. Segundo as lideranças locais este é
o principal item artístico-
cultural da
comunidade.
5Trata-
se de uma outra dança local
possivelmente de origem portuguesa com a
presença de elementos afro
acompanhamento do baile é feito com violas e
pandeiros.
400
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resistências, disputas e potências
")
em muitas ações, dentre elas as
seguintes oficinas: contação de
, leitura, jong
o4 e
mirins. Algumas dessas oficinas
estavam inicialmente integradas a um
projeto desenvolvido em Machadinha
denominado Territórios Criativos”,
uma iniciativa da UFF
Universidade
Federal Fluminense e do MinC,
Ministério da Cultura, cujo objetivo e
ra
de estabelecer parcerias com três
territórios quilombolas no Estado do
Rio de Janeiro e uma comunidade
indígena no Estado do Ceará,
estimulando seus potenciais criativos.
Machadinha foi um dos lugares
contemplados pelo projeto e sua
ra da antropóloga
Mônica Dias e da professora da UFF
Rai Soares, estabeleceu uma estreita
fuxico é uma técnica artesanal a qual se
utiliza de retalhos de tecido para a confecção
de peças tais como cobertores, bolsas,
tapetes, roupas, etc. Os retalhos são dispostos
em uma forma de pequenas trouxas
as quais
uma vez articuladas umas as outras, vão
Utilizo aqui as palavras jongo” e “tambor”
como expressões sinônimas. Trata
-se de uma
dança de roda acompanhada de três
tambores. Segundo as lideranças locais este é
cultural da
se de uma outra dança local
possivelmente de origem portuguesa com a
presença de elementos afro
-brasileiros. O
acompanhamento do baile é feito com violas e
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
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intitulado
Flores na Senzala
dando-
lhes a fixidez da escrita
me disse Dalma.
Figura 2 –
Capa do livro “Flores da senzala
Fonte: Acervo do autor
e o que deve ser
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resistências, disputas e potências
ligação com as lideranças da
comunidade. Como disse acima, parte
dessas oficinas já eram feitas antes da
chegada do projeto, mas acabou
sendo incorporada por este, e
além
dessas atividades outras ainda foram
elaboradas, como a edição de um livro
Flores na Senzala
(SANTOS,
2016). Este livro teve como objetivo
resgatar as histórias orais locais
lhes a fixidez da escrita
impedindo assim que as mesmas se
perdessem no esquecimento, como
Capa do livro Flores da senzala”
Fonte: Acervo do autor
Figura 3 –
Dalma organizando a mesa com o
artesanato local
Fonte: Acervo
da pesquisa
Uma das oficinas realizadas no
contexto do projeto Territórios Criativos
foi a Oficina de memória, no dia 16 de
junho de 2016. No momento em que
cheguei havia 13 pessoas, além de
mim e da equipe do projeto. Depois
chegaram mais quatro ou cinco
pessoas. A m
esma tinha como objetivo
fazer o registro das narrativas das
pessoas mais velhas da comunidade.
A partir daí se buscaria elaborar uma
espécie de composição da memória
local a partir de várias vozes daqueles
que via de regra, trabalhavam nos
segmentos socia
lmente inferiores da
produção canavieira de Machadinha.
Os depoimentos e seus respectivos
registros foram feitos no espaço do
Memorial, e a proposta era de que
além desses testemunhos orais, os
diversos moradores envolvidos com o
projeto trouxessem fotogra
que tivessem consigo em suas casas.
401
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Dalma organizando a mesa com o
artesanato local
da pesquisa
Uma das oficinas realizadas no
contexto do projeto Territórios Criativos
foi a Oficina de memória, no dia 16 de
junho de 2016. No momento em que
cheguei havia 13 pessoas, além de
mim e da equipe do projeto. Depois
chegaram mais quatro ou cinco
esma tinha como objetivo
fazer o registro das narrativas das
pessoas mais velhas da comunidade.
A partir daí se buscaria elaborar uma
espécie de composição da memória
local a partir de várias vozes daqueles
que via de regra, trabalhavam nos
lmente inferiores da
produção canavieira de Machadinha.
Os depoimentos e seus respectivos
registros foram feitos no espaço do
Memorial, e a proposta era de que
além desses testemunhos orais, os
diversos moradores envolvidos com o
projeto trouxessem fotogra
fias antigas
que tivessem consigo em suas casas.
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
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Muitas fotos foram trazidas e
memória. Dois
temas recorrentes nas
lavoura de cana-de-
açúcar descrito por
segundo tema
por conta de ser o
objeto desse text
o. A discussão em
e o que deve ser
s
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20, mar. 2022. www.
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resistências, disputas e potências
Muitas fotos foram trazidas e
esse fato atuou como um dispositivo
mnemônico fazendo com que vários
moradores já falecidos fossem
lembrados, bem como muitas
situações passadas fossem trazidas à
temas recorrentes nas
falas dessa noite foram o trabalho na
açúcar descrito por
Sr. Santuzo e Dona Preta, e o próprio
espaço no qual estávamos: o Memorial
de Machadinha. Irei me deter no
por conta de ser o
o. A discussão em
torno do espaço do Memorial veio à
tona por conta das indagações feitas
pelos organizadores da oficina aos
presentes, acerca do papel dessa
instituição no contexto atual da
comunidade. Estavam no momento
realizando a dinâmica a antropólog
a
Mônica Dias e o fotógrafo Pedro
Gradella. Como já dito, o Memorial
ocupa uma das casas do conjunto das
antigas senzalas de Machadinha que
compõe o conjunto do casario do lugar
e antes de ser designado a ser o que é
hoje, este espaço era o salão de baile,
ou salão comunitário. Ali aconteciam
os bailes, as festas, a dança do fado
etc. Em 2005, quando lá estive na
minha primeira pesquisa
perceber que este era, de fato, um
local de intensa sociabilidade.
Efetivamente aquele era um lugar de
muitas memórias afetivas, como
mencionado na fala de Sr. Eupídio que
lembrou como
eram os bailes feitos
com músicos que vinham de fora, ou
as memó
rias da própria Dalma que
disse que foi ali que conheceu seu
atual marido. Ela era viúva e ele
separado.
Figura 4 –
Vista interna do Memorial durante a
“oficina da memória
Fonte: Acervo d
A partir desses relatos, muitos
emocionados, a
equipe do projeto
indagou se aquele espaço sendo um
lugar de memória, ou se propondo a
isso, era de fato um lugar no qual eles
se viam representados, um lugar no
6Refiro-
me aqui a minha primeira pesquisa na
comunidade iniciada em 2004, com vistas a
consecução de um mestrado na área de
Etnomusicologia.
402
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
etc. Em 2005, quando estive na
minha primeira pesquisa
6, pude
perceber que este era, de fato, um
local de intensa sociabilidade.
Efetivamente aquele era um lugar de
muitas memórias afetivas, como
mencionado na fala de Sr. Eupídio que
eram os bailes feitos
com músicos que vinham de fora, ou
rias da própria Dalma que
disse que foi ali que conheceu seu
atual marido. Ela era viúva e ele
Vista interna do Memorial durante a
oficina da memória”
Fonte: Acervo d
a pesquisa
A partir desses relatos, muitos
equipe do projeto
indagou se aquele espaço sendo um
lugar de memória, ou se propondo a
isso, era de fato um lugar no qual eles
se viam representados, um lugar no
me aqui a minha primeira pesquisa na
comunidade iniciada em 2004, com vistas a
consecução de um mestrado na área de
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
4
foi “de fora pra dentro”,
como salientou
Leandro7
. Este acrescentou que a
contexto situacional8
no qual esta fala
que
a cenografia elaborada pela
assemelhando-
se a um museu, com
7
Leandro é atualmente o mestre de jongo do
da ARQUIMAAssociação dos
8Utiliz
o aqui o termo “situacional” no sentido
inter-
relações numa dada sociedade que se
sociedade. (GLUCKMAN
, 2010).
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
Revista Latino
-Americana de Estudos
4
20, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
qual eles viam a memória da
coletividade de Machadinha. A
tendência do grupo foi no sentido de
achar que era importante um lugar
como aquele, mas que o salão de baile
também era importante, e dada a sua
importância deveria ter havido uma
conversa com os moradores antes de
se tomar uma decio tão relevante.
Reclamaram, portanto, que a decisão
como salientou
. Este acrescentou que “a
memória do povo não está aqui(...)
isso confunde as pessoas”. No
no qual esta fala
estava inserida, foi possível perceber
que ele estava se referindo ao fato de
a cenografia elaborada pela
prefeitura para o Memorial,
se a um museu, com
alguns aquários dentro dos quais um
conjunto de objetos vindos de Angola,
bem como fotos de pessoas e animais
Leandro é atualmente o mestre de jongo do
quilombo. Ele é irmão de Wagner, presidente
remanescentes do quilombo Machadinha.
o aqui o termo situacional” no sentido
que lhe deu o antropólogo Max Gluckman para
quem a análise situacional constitui uma
parte muito importante da atividade do
antropólogo, pois o os eventos que observa.
É a partir das situações sociais e de suas
relações numa dada sociedade que se
pode abstrair a estrutura social, as relações
sociais, as instituições, etc. daquela
, 2010).
africanos, não retratava a realidade de
Machadinha. Em ou
Dalma me confidenciou que ela na
condição de pessoa responsável por
guiar os visitantes do memorial e dar
explicações sobre o acervo ali
exposto, ficava sem saber responder
quando alguém perguntava: e aquele
ali, quem é?” se referindo a algu
pessoa que aparecia na fotografia. Ela
disse que respondia um sonoro sei
lá(...) é alguém da áfrica, conheço
não”. Havia um misto de jocosidade e
rebeldia na fala de Dalma.
Essa questão dos motivos
africanos presentes na cenografia
museologizada do
Memorial se explica
por conta de uma iniciativa, que aqui
denomino afrocentrista, na qual o
grupo gestor da então Fundação de
Cultura de Quissamã, coordenada pela
atual vereadora Alexandra Moreira e
então presidente da Fundação, de
fazer uma viagem a Ango
para encontrar as supostas raízes
o
riginárias da formação étnica de
Quissamã, mas em particular de
Machadinha. A essa altura do texto
preciso trazer à consciência do leitor
uma história corrente na cidade de
Quissamã a qual dá conta das
segu
intes informações:
403
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
africanos, não retratava a realidade de
Machadinha. Em ou
tro momento a
Dalma me confidenciou que ela na
condição de pessoa responsável por
guiar os visitantes do memorial e dar
explicações sobre o acervo ali
exposto, ficava sem saber responder
quando alguém perguntava: “e aquele
ali, quem é? se referindo a algu
ma
pessoa que aparecia na fotografia. Ela
disse que respondia um sonoro “sei
lá(...) é alguém lá da áfrica, conheço
não. Havia um misto de jocosidade e
rebeldia na fala de Dalma.
Essa questão dos motivos
africanos presentes na cenografia
Memorial se explica
por conta de uma iniciativa, que aqui
denomino afrocentrista, na qual o
grupo gestor da então Fundação de
Cultura de Quissamã, coordenada pela
atual vereadora Alexandra Moreira e
então presidente da Fundação, de
fazer uma viagem a Ango
la, na África,
para encontrar as supostas raízes
riginárias da formação étnica de
Quissamã, mas em particular de
Machadinha. A essa altura do texto
preciso trazer à consciência do leitor
uma história corrente na cidade de
Quissamã a qual conta das
intes informações:
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
4
Figura 5 –
Vista externa do Memorial de
Machadinha
Fonte: Acervo do autor
Conta a história (
MALDONADO;
PINTO
, 1893) que em 1632 sete
região norte-
fluminense para tomar
contra frances
es, holandeses e
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
Revista Latino
-Americana de Estudos
4
20, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Vista externa do Memorial de
Fonte: Acervo do autor
MALDONADO;
, 1893) que em 1632 sete
chefes militares fizeram uma viagem à
fluminense para tomar
posse e combinar a sua partilha. A
razão dessa tomada de posse deveu
-
se ao fato de que os referidos chefes
foram lideranças importantes na luta
es, holandeses e
ingleses na cidade do Rio de Janeiro,
e como recompensa obtiveram da
corte portuguesa, em regime de
sesmaria, essas vastas extensões de
terra que iam desde o que é hoje a
cidade de Rio Bonito até a cidade de
Campos dos Goytacazes. Os sete
capitães, como ficaram conhecidos os
tais chefes militares, andaram por esta
grande exteno de terra e no melhor
estilo nomear é poder, percorreram as
terras com a intenção de fundar os
primeiros estabelecimentos e dar
n
omes aos lugares por onde
passavam.
Dessa forma, quando
chegaram à localidade onde é hoje o
município de Quissamã, eles deram
com um negro entre os índios locais. O
fato causou muita perplexidade aos
capitães. Indagaram o negro de onde
ele era e o que estava fazendo por
“aquelas terras incu
indagações o negro respondeu ser
forro, não ser crioulo da terra, e ser
originário da nação Quissamã ou
Kissama
. Este grupo étnico é originário
de Angola mais precisamente às
margens do Rio Kwanza, região a qual
hoje abriga o Parque Florestal da
Kissama. De toda maneira, o relato do
negro não convenceu os capitães, que
concluíram ser ele efetivamente um
negro fugid
o. Por sua parte, o negro
não esperou para saber do veredito
dos capitães e tão logo pôde se
embrenhou no mato em fuga.
Documentos e
prefeitura confeccionados à época
evidenciam a intenção de estabelecer
uma relação cultural na qual a
de Quissamã, em particular a
comunidade de Machadinha, seria
herdeira culturalmente da etnia
404
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
primeiros estabelecimentos e dar
omes aos lugares por onde
Dessa forma, quando
chegaram à localidade onde é hoje o
munipio de Quissamã, eles deram
com um negro entre os índios locais. O
fato causou muita perplexidade aos
capitães. Indagaram o negro de onde
ele era e o que estava fazendo por
aquelas terras incu
ltas”. A estas
indagações o negro respondeu ser
forro, não ser crioulo da terra, e ser
originário da nação Quissamã ou
. Este grupo étnico é originário
de Angola mais precisamente às
margens do Rio Kwanza, região a qual
hoje abriga o Parque Florestal da
Kissama. De toda maneira, o relato do
negro não convenceu os capitães, que
concluíram ser ele efetivamente um
o. Por sua parte, o negro
não esperou para saber do veredito
dos capitães e tão logo pôde se
embrenhou no mato em fuga.
Documentos e
folders oficiais da
prefeitura confeccionados à época
evidenciam a intenção de estabelecer
uma relação cultural na qual a
cidade
de Quissamã, em particular a
comunidade de Machadinha, seria
herdeira culturalmente da etnia
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
4
Kissama
de Angola. Esses textos
jornalísticas as quais pude ter acesso
escravos.
A expedição, como assim
Alexandra Moreira, tinha como objetivo
c
apitães. A busca pelas presumidas
Maldonado.
Essa busca pelo que seria as
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
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-Americana de Estudos
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20, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
de Angola. Esses textos
oficiais bem como matérias
jornalísticas as quais pude ter acesso
afirmam categoricamente que foi
desse lugar na África que
vieram os
antepassados dos atuais moradores
da comunidade. Essa perspectiva
parece desconsiderar, ou não dar
muita relencia, a um fenômeno de
grande impacto no Brasil dezenovista,
qual seja, o tráfico interprovincial de
A expedição, como assim
foi
designada pelo jornalista Aloysio Balbi
(2011), composta pelo pesquisador
Leonardo Vasconcellos, o fotógrafo
Wellington Cordeiro, além da própria
Alexandra Moreira, tinha como objetivo
encontrar descendentes do suposto
angolano encontrado pelos sete
apitães. A busca pelas presumidas
raízes da história de Quissamã parece
ter tido êxito, segundo Balbi, uma vez
que a equipe chegou a fotografar dois
homens que seriam, a partir de um
retrato falado, descendentes do negro
forro contatado pelo capitão
Essa busca pelo que seria as
origens da formação do povo
quissamaense ou em particular o povo
de Machadinha despreza episódios
marcantes da circulação dos
escravizados nos períodos coloniais e
imperiais do Brasil. Para compreender
isso é importante s
aber que em função
da prosperidade do cultivo da cana, a
região norte da província do Rio de
janeiro se tornou um grande
concentrador de mão
e a presença desse contingente na
região não parou de crescer, mesmo
com o advento da lei Eusébio d
Queiróz em 1850, que tornava ilegal a
importação de contingentes negros da
África. Nesse momento aumenta o
comércio interprovincial de
escraviz
ados, que proporcionará o
deslocamento de grandes quantidades
de negros para a região Sudeste do
país. Essa mov
interprovincial era uma realidade
desde o final do século XVII quando,
em função do declínio da cultura
açucareira no nordeste brasileiro,
grupos de negros escravos o
deslocados para as regiões do sudeste
e centro-
oeste, onde estava em curso
um novo ciclo de desenvolvimento
econômico: a mineração. O professor
e etnomusicólogo Kazadi
interessado em estudar a contribuição
de elementos da cultura bantu na
música popular brasileira, salienta que
405
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
marcantes da circulação dos
escravizados nos períodos coloniais e
imperiais do Brasil. Para compreender
aber que em função
da prosperidade do cultivo da cana, a
região norte da província do Rio de
janeiro se tornou um grande
concentrador de mão
-de-obra escrava
e a presença desse contingente na
região não parou de crescer, mesmo
com o advento da lei Eusébio d
e
Queiróz em 1850, que tornava ilegal a
importação de contingentes negros da
África. Nesse momento aumenta o
comércio interprovincial de
ados, que proporcionará o
deslocamento de grandes quantidades
de negros para a região Sudeste do
país. Essa mov
imentação
interprovincial já era uma realidade
desde o final do culo XVII quando,
em função do declínio da cultura
açucareira no nordeste brasileiro,
grupos de negros escravos são
deslocados para as regiões do sudeste
oeste, onde estava em curso
um novo ciclo de desenvolvimento
econômico: a mineração. O professor
e etnomusilogo Kazadi
Wa Mukuna,
interessado em estudar a contribuição
de elementos da cultura bantu na
música popular brasileira, salienta que
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
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em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
4
Áfri
ca continuava acontecendo, ainda
referido acim
a, o movimento
interprovincial.
Em 1887, segundo o historiador
uma ide
ia da presença negra escrava
Alayde Wanderley Mariani (1987),
citando o
Dicionário Geográfico do
Império do Brasil,
afirma que dos
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
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resistências, disputas e potências
após 1850 a importação de negros da
ca continuava acontecendo, ainda
que na forma de tráfico ilegal. Mas,
amparado nas pesquisas de Virgílio de
Noya Pinto, Mukuna salienta que “a
maior parte dos escravos veio de
outras partes do Brasil (
MUKUNA,
2000, p. 75), compondo, como foi
a, o movimento
Em 1887, segundo o historiador
Robert E. Conrad, o município de
Campos, que a essa altura
compreendia o atual município de
Quissamã, registrou a entrada de
35.668 novos escravos, e nove anos
depois, em 1882, contavam
-se mais
29.387 (Conrad, 1975). É preciso
lembrar aqui que esse último ano
citado está a apenas seis anos do fim
da instituição escravista no Brasil,
momento em que esse regime se
encontrava em franco declínio em
muitas regiões brasileiras. Para se ter
ia da presença negra escrava
em Quissamã em 1845, a socióloga
Alayde Wanderley Mariani (1987),
Dicionário Geográfico do
afirma que dos
2.500 habitantes da freguesia de
Quissamã àquela altura, 1800 eram
negros, ou seja, setenta
cento da população.
Esse processo de constituição
de uma genealogia étnico
buscada pela equipe da expedição,
que aqui tomo como representativa da
elite quissamaense, realiza uma
operação que é exemplar de que a
história é jogo de rev
encobrimento, de manifestação e
ocultação” (ROSSI
, 2010). Não é tão
incomum na construção de discursos
públicos a supressão de eventos ou
personagens. Tais eventos e
protagonistas, como apontam Burke
(2012), Pollak (1989) e Todorov (2008)
entre ou
tros, são ocultados das
narrativas não porque a recordação
seja obrigatoriamente traumática para
o grupo, mas porque pode ser
“politicamente inconveniente se referir
a eles”. Vê-
se aqui o esquecimento
como ação positiva e não como mero
reverso da memória,
ou uma ausência inopinada.
Nesse sentido talvez seja
importante
trazer à cena
antinomia muito cara ao pensamento
grego antigo, a saber: verdade e
esquecimento. Essa perspectiva
articula a memória à verdade, e esta
não é tomada como opo
406
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
negros, ou seja, setenta
e dois por
Esse processo de constituição
de uma genealogia étnico
-histórica
buscada pela equipe da expedição,
que aqui tomo como representativa da
elite quissamaense, realiza uma
operação que é exemplar de que “a
história é jogo de rev
elação e
encobrimento, de manifestação e
, 2010). Não é tão
incomum na construção de discursos
públicos a supressão de eventos ou
personagens. Tais eventos e
protagonistas, como apontam Burke
(2012), Pollak (1989) e Todorov (2008)
tros, são ocultados das
narrativas não porque a recordação
seja obrigatoriamente traumática para
o grupo, mas porque pode ser
politicamente inconveniente” se referir
se aqui o esquecimento
como ação positiva e não como mero
como uma falha
ou uma auncia inopinada.
Nesse sentido talvez seja
trazer à cena
uma
antinomia muito cara ao pensamento
grego antigo, a saber: verdade e
esquecimento. Essa perspectiva
articula a memória à verdade, e esta
não é tomada como opo
sição ao que é
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
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em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
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colocar em oposição à
antinomia. Alethéia
ou verdade está
em oposição a l
éthe,
uma outra conexão, ai
nda no contexto
entre léthee Mnemósine
. Esse liame
âmbito do culto órfico-pit
agórico, para
Assim, é indicado que as mesmas
(léthe)
e subindo seu curso até
(Mnemósine).
São dessas águas que
as
almas devem beber, implorando
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
falso, como no pensamento clássico
que virá na sequência histórica, e que
de certa maneira compõe o quadro
antinômico tal qual pensamos hoje,
com o verdadeiro em oposição ao
falso. Como informa o helenista
frans Marcel Detienne (1988), na
Grécia arcaica o termo que se deve
verdade é
esquecimento. O termo grego para
verdade evidencia claramente essa
ou verdade está
éthe,
potência
identificada com o esquecimento.
nda no contexto
do pensamento mítico grego, segundo
nos diz Mircea Eliade (1972), que
estabelece uma relação interessante
entre memória e esquecimento, ou
. Esse liame
está contido nas prescrições feitas, no
agórico, para
as almas se guiarem no pós
-morte.
Assim, é indicado que as mesmas
sigam beirando o rio do esquecimento
e vá subindo seu curso até
encontrar um lago que é a nascente do
rio. Este é o lago da memória
São dessas águas que
almas devem beber, implorando
aos guardiões da nascente que lhes
deem um pouco, para que dessa
forma se tornem almas superiores.
Destaco desse pequeno excerto mítico
um elemento caro às diversas
reflexões acerca do tema da memória
(Rossi, 2010; Ricoeur, 2
1989). Refiro-
me aqui ao fato de que
não obstante parecerem termos
antinômicos, memória e esquecimento
constituem um par que se poderia
chamar de oposto complementar.
Parece-
me possível compreender o
excerto mítico acima como indicativo
do pre
ssuposto de que não há
esquecimento sem memória e vice
versa, um implicando sempre a outra.
O que deveria estar em franca
oposição, como argumenta Tzvetan
Todorov (2008) são os termos
“conservação” e “supressão, sendo
que a memória se constituiria
justame
nte na articulação desses dois
termos.
Retornando agora ao caso em
questão, reflito que em um jogo
deliberado ou não de ocultação,
oblitera-
se um conjunto de
informações que se não desautoriza
de todo a narrativa genealógica
montada pelos membros da equip
expedicionária, ao menos complexifica
e matiza com outras cores o processo
sobre o qual se reflete. Um
407
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
forma se tornem almas superiores.
Destaco desse pequeno excerto mítico
um elemento caro às diversas
reflexões acerca do tema da memória
(Rossi, 2010; Ricoeur, 2
007; Pollak,
me aqui ao fato de que
não obstante parecerem termos
antinômicos, memória e esquecimento
constituem um par que se poderia
chamar de oposto complementar.
me possível compreender o
excerto mítico acima como indicativo
ssuposto de que não
esquecimento sem memória e vice
-
versa, um implicando sempre a outra.
O que deveria estar em franca
oposição, como argumenta Tzvetan
Todorov (2008) são os termos
conservação e supressão”, sendo
que a memória se constituiria
nte na articulação desses dois
Retornando agora ao caso em
questão, reflito que em um jogo
deliberado ou não de ocultação,
se um conjunto de
informações que se não desautoriza
de todo a narrativa genealógica
montada pelos membros da equip
e
expedicionária, ao menos complexifica
e matiza com outras cores o processo
sobre o qual se reflete. Um
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
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Vasconcellos, q
ue junto com o
Alexandra Moreira compunha a
Trata-
se, portanto, daquele processo
memórias são
acionadas com o
estab
elecer um vínculo histórico entre
Angola, possivelmente para
“autenticidade” (
HANDLER
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
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resistências, disputas e potências
esquecimento é produzido e uma
verdade aparece. Não é demais
lembrar aqui que um dos integrantes
da equipe é um historiador, Leonardo
ue junto com o
fotógrafo Wellington Cordeiro e
Alexandra Moreira compunha a
equipe. Parece aqui estar em jogo
aquilo que Andreas Huyssen (2000)
chamou de políticas da memória”.
se, portanto, daquele processo
através do qual determinadas
acionadas com o
objetivo de estabelecer certas
verdades históricas e que essas
verdades, uma vez evidenciadas,
possam servir para a elaboração de
políticas públicas de reparação ou de
outra natureza. No caso em questão
havia o esforço de um grupo em
elecer um vínculo histórico entre
a formação étnica da cidade de
Quissamã, em particular a comunidade
de Machadinha, e a etnia
kissamade
Angola, possivelmente para
produzir,
através de uma performance narrativa
e museológica, um elemento de
HANDLER
, 1986), que
supostamente ajudaria nos projetos de
turismo cultural que a prefeitura
pretendia levar a cabo na época. Essa
expedição a Angola além de
supostamente localizar descendentes
do negro que compõe a narrativa de
origem dessa cidade flumin
também trouxe em suas bagagens um
conjunto de objetos que viriam a
compor a cenografia do Memorial.
Esse movimento me parece inserido
naquilo que Richard Handler (1984)
chamou de “objetificação cultural,
processo através do qual uma cultura
é “inven
tada” por meio, entre outras
coisas, de um conjunto de objetos que
supostamente lhes são específicos.
Máscaras, instrumentos musicais,
pinturas, fotografias e sementes de
baobá vieram a compor o acervo da
instituição em uma espécie de
construção do tipo m
como argumenta Johannes Fabian
(2010) para se referir a esse tipo de
conteúdo de coleções de cultura
material. Nesse sentido, creio que seja
importante lembrar aqui que o museu
é um ato de comunicação e de
construção social e cultural, na
em que os objetos ali expostos
cumprem um roteiro de produção de
sentido através do qual um conjunto
de valores e significados são
mobilizados.
Para o que interessa nesta
descrição e análise, todo esse acervo
408
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resistências, disputas e potências
")
supostamente localizar descendentes
do negro que compõe a narrativa de
origem dessa cidade flumin
ense,
também trouxe em suas bagagens um
conjunto de objetos que viriam a
compor a cenografia do Memorial.
Esse movimento me parece inserido
naquilo que Richard Handler (1984)
chamou de objetificação cultural”,
processo atras do qual uma cultura
tada por meio, entre outras
coisas, de um conjunto de objetos que
supostamente lhes são específicos.
Máscaras, instrumentos musicais,
pinturas, fotografias e sementes de
baobá vieram a compor o acervo da
instituição em uma espécie de
construção do tipo “m
emorabília”, tal
como argumenta Johannes Fabian
(2010) para se referir a esse tipo de
conteúdo de coleções de cultura
material. Nesse sentido, creio que seja
importante lembrar aqui que o museu
é um ato de comunicação e de
construção social e cultural, na
medida
em que os objetos ali expostos
cumprem um roteiro de produção de
sentido através do qual um conjunto
de valores e significados são
Para o que interessa nesta
descrição e análise, todo esse acervo
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
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Um espaço-
tempo longínqu
transatlântica
, que são as pessoas
e o que deve ser
s
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
material tem um caráter de dispositivo
simbólico que incorpora e materializa
sentidos mobilizando todo um
imaginário que a África exerce no
senso comum, e não neste, mas
também em movimentos sociais em
torno da questão do negro e até
mesmo em certos meios acadêmicos.
tempo longínqu
o e
passado é trazido para a
contemporaneidade para dar
substância e sentido a uma
experiência hodierna através de um
conjunto de objetos que atestariam
uma suposta verdade histórica e com
isso um sentido simbólico profundo.
Uma narrativa afrocentrista” f
oi
produzida para que esse sentido
simbólico profundo fosse alcançado.
Não é demais observar que o grupo
que fez essa viagem à África era
composto por pessoas identificadas
com a elite quissamaense, e que os
supostos herdeiros dessa aventura
, que são as pessoas
comuns de Quissamã ou de
Machadinha não puderam tomar parte
nesse grupo. Fui informado, e aqui
omitirei o nome de quem fez esse
comentário por motivos de que a
mesma, ou o mesmo, me solicitou o
anonimato, de que no início das
tratativa
s que originaram a viagem a
Angola, algumas pessoas mais velhas
e/ou lideranças locais foram indagadas
se gostariam de tomar parte do grupo.
Posteriormente, foram informados de
que não haveria recurso financeiro
suficiente para que eles tomassem
parte. A (
o) informante me disse em
tom de crítica, que dinheiro para os
mais pobres nunca tem, e chamou
atenção para o fato de que um ano
depois da realização dessa expedição
a Angola, um grupo de angolanos veio,
em retribuição, visitar Quissamã e
Machadinha. Ela
(ele) observou que
um país mais pobre “que o nosso teve
condições de enviar professores pra
cá, e que de pra foi só gente da
alta”.
Os questionamentos seguiram
firme por parte das lideranças de
Machadinha e evoluiu até um ponto
crítico. Esse pont
o a que me refiro
constitui uma situação que começa a
tomar corpo no dia 17 de junho de
2016. Por um acaso eu estava
hospedado em uma pensão na qual
também estavam as duas
coordenadoras do projeto Territórios
Criativos: Mônica Dias e Rai Soares.
Esta últim
a eu conhecia por ter
participado com ela em uma mesa na
409
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
s que originaram a viagem a
Angola, algumas pessoas mais velhas
e/ou lideranças locais foram indagadas
se gostariam de tomar parte do grupo.
Posteriormente, foram informados de
que não haveria recurso financeiro
suficiente para que eles tomassem
o) informante me disse em
tom de crítica, que “dinheiro para os
mais pobres nunca tem”, e chamou
atenção para o fato de que um ano
depois da realização dessa expedição
a Angola, um grupo de angolanos veio,
em retribuição, visitar Quissamã e
(ele) observou que
um país mais pobre que o nosso” teve
condições de enviar professores pra
, e que de pra lá foi “gente da
Os questionamentos seguiram
firme por parte das lideranças de
Machadinha e evoluiu até um ponto
o a que me refiro
constitui uma situação que começa a
tomar corpo no dia 17 de junho de
2016. Por um acaso eu estava
hospedado em uma pensão na qual
também estavam as duas
coordenadoras do projeto Territórios
Criativos: Mônica Dias e Rai Soares.
a eu já conhecia por ter
participado com ela em uma mesa na
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
4
outras afinidades to
rnaram nossa
ent
ão coordenadora de cultura,
A reunião tinha como objetivo discutir
espaço d
o Memorial. Haveria no dia
Dalma,
Flores da Senzala,
com a comunidade.
Era perto de dez horas da
manhã quando
eu, Rai, Mônica e
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
Revista Latino
-Americana de Estudos
4
20, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Semana do Patrimônio Fluminense no
final de 2015. Mônica, por puro acaso
da vida, vem a ser esposa de um
professor que foi meu colega de
trabalho. Enfim, essas coincidências e
rnaram nossa
conversa muito fluida, animada e
cordial. Falamos sobre questões e
percepções inerentes à comunidade
de Machadinha, e ao final do café da
manhã no qual estávamos, elas me
convidaram (ou eu me ofereci, não
lembro bem) para um encontro com a
ão coordenadora de cultura,
Mariana Barcellos. Mariana é arquiteta
e estava interinamente nessa função.
A reunião tinha como objetivo discutir
as demandas da comunidade no que
diz respeito a organização, que talvez
eu possa chamar de curadoria, do
o Memorial. Haveria no dia
seguinte o lançamento do livro de
Flores da Senzala,
além de um
conjunto de atividades tais como
apresentação do jongo mirim e
palestras de pesquisadores envolvidos
Era perto de dez horas da
eu, Rai, Mônica e
Pedro, este último responsável
principalmente pela confecção de
deos e fotos, entramos no gabinete
da coordenadoria de cultura. Fomos
muito bem recebidos e em prinpio eu
estaria ali apenas para observar como
se desenrolaria a convers
partes. Acabei por interferir e emitir
juízos favoráveis a demanda trazida
pelo grupo em nome da comunidade.
Mariana começou por indagar qual a
razão do pedido de reunião, e sem
delongas Mônica respondeu que se
tratava de um questionamento acerc
da organização da exposição
permanente do espaço do Memorial.
Rai acrescentou que era uma
demanda da comunidade surgida a
partir das oficinas de memória que
foram realizadas. A professora da
UFF disse ainda que a partir dessas
oficinas foi possível co
comunidade tinha dificuldade em se
reconhecer naquele espaço. Havia
também a necessidade de realizar ali
uma exposição de um outro material
fotográfico originado no percurso do
projeto. O fotógrafo, Pedro, e em
seguida eu mesmo, insistimos
processos de narrativas da memória
são dinâmicos e plurais, cabendo
assim a introdução de outros olhares.
Mariana logo de início se
mostrou refratária a quaisquer
alterações que viessem a ser feitas no
410
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
da coordenadoria de cultura. Fomos
muito bem recebidos e em princípio eu
estaria ali apenas para observar como
se desenrolaria a convers
a entre as
partes. Acabei por interferir e emitir
juízos favoráveis a demanda trazida
pelo grupo em nome da comunidade.
Mariana começou por indagar qual a
razão do pedido de reunião, e sem
delongas Mônica respondeu que se
tratava de um questionamento acerc
a
da organização da exposição
permanente do espaço do Memorial.
Rai acrescentou que era uma
demanda da comunidade surgida a
partir das oficinas de memória que
foram lá realizadas. A professora da
UFF disse ainda que a partir dessas
oficinas foi possível co
nstatar que a
comunidade tinha dificuldade em “se
reconhecer naquele espaço”. Havia
também a necessidade de realizar ali
uma exposição de um outro material
fotográfico originado no percurso do
projeto. O fotógrafo, Pedro, e em
seguida eu mesmo, insistimos
que os
processos de narrativas da memória
o dinâmicos e plurais, cabendo
assim a introdução de outros olhares.
Mariana logo de início se
mostrou refratária a quaisquer
alterações que viessem a ser feitas no
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
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razões de natureza
política, porque
de provocação, e que ela
na condição
Alexandra Moreira que foi responsável
n
enhuma das partes. O grupo ainda
chegou a
oferecer um mobiliário para
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
Revista Latino
-Americana de Estudos
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
espaço, afirmando que não queria
entrar em discussões de natureza
teórica e que entendia o pleito que
estava sendo ali realizado. Mas alegou
política, porque
quem realizou aquilo que lá estava era
alguém muito presente na cena
política da cidade, e nos lembrou que
naquele momento a cidade vivia um
processo eleitoral, e uma ão dessa
natureza poderia parecer algum tipo
na condição
de interina em um cargo como aquele
no qual estava, não gostaria de
protagonizar nenhum tipo de ação que
pudesse causar melindres. O nome de
Alexandra Moreira que foi responsável
por aquela curadoria, e que no
momento era candidata a vereadora
e
parte de um importante grupo político
da cidade, não foi mencionado por
enhuma das partes. O grupo ainda
insistiu na necessidade da mudança,
mas como solução do impasse
Mariana ofereceu a possibilidade de se
fazer acréscimos à exposição fixa, e
oferecer um mobiliário para
ser levado para lá e ele abrigar o
material produzido durante o projeto.
Ela nos levou até onde estavam esses
móveis e ficou mais ou menos
acertado que eles seriam úteis, uma
vez que não se poderia alterar nada da
exposição fixa.
Nesse mesmo dia aconteceria o
evento “Encontro de saberes” que
seria uma espécie de culminância do
projeto Territórios Criativos. Constaria
de um almoço; palestras de
pesquisadores envolvidos com a
comunidade de Machadinha, inclusive
eu próprio; lançam
ento do livro
da senzala
e uma roda de jongo mirim.
A ideia, no que diz respeito aos
palestrantes era de indagar
acerca do que eles, os pesquisadores,
aprenderam com a comunidade que
era seus objetos de estudo. Um fato
inesperado, até mesmo par
que ao entrar no memorial vi que os
aquários não estavam mais
ornamentados como antes. Na
ornamentação original havia um
grande painel com imagens de zebras,
girafas, homens e mulheres com
indumentária comum aos países
africanos numa perspectiva
meu ver
parecia
exotizante, típica de propagandas
turísticas. “O pessoal tirou tudo, me
disse Rai. Rimos um riso de
cumplicidade, mas não ficou claro,
nem fiz questão de saber, quem de
fato tinha realizado aquilo. Rai me
411
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
vez que não se poderia alterar nada da
Nesse mesmo dia aconteceria o
evento Encontro de saberes” que
seria uma espécie de culminância do
projeto Territórios Criativos. Constaria
de um almoço; palestras de
pesquisadores envolvidos com a
comunidade de Machadinha, inclusive
ento do livro
Flores
e uma roda de jongo mirim.
A ideia, no que diz respeito aos
palestrantes era de indagar
-lhes
acerca do que eles, os pesquisadores,
aprenderam com a comunidade que
era seus objetos de estudo. Um fato
inesperado, até mesmo par
a mim, foi
que ao entrar no memorial vi que os
aquários não estavam mais
ornamentados como antes. Na
ornamentação original havia um
grande painel com imagens de zebras,
girafas, homens e mulheres com
indumentária comum aos países
africanos numa perspectiva
, que a
parecia
francamente
exotizante, típica de propagandas
turísticas. O pessoal tirou tudo”, me
disse Rai. Rimos um riso de
cumplicidade, mas não ficou claro,
nem fiz questão de saber, quem de
fato tinha realizado aquilo. Rai me
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
4
disse ainda que à
quela altura a
não via sentid
o naquilo. Mais tarde a
desaprovação9.
Em síntese, o que aconteceu, e
9
Tempos depois estive com a própria
que não esteve lá na
quela noite. Eu lhe disse
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
quela altura a
Mariana já tinha visto o que tinha sido
feito e teria afirmado que foi um
rompimento de acordo. Foi
argumentado por parte das
coordenadoras do projeto que não
foram elas que tinham feito as
mudanças e sim a comunidade” que
o naquilo. Mais tarde a
própria Alexandra Moreira, segundo
relatos de algumas pessoas presentes,
esteve lá no momento do lançamento
do livro. Eu estava dentro do Memorial
e não pude ver sua reação, mas
segundo me foi informado
posteriormente ela chegou
até a
porta do espaço e não entrou, o que
foi interpretado pelos envolvidos no
evento como um gesto que denota
Em ntese, o que aconteceu, e
aqui tento fazer uma ponte para a
parte em que aprofundo os aspectos
mais analíticos desta seção,
é que
uma instituição foi pensada, o
Memorial, para ao mesmo tempo
integrar um circuito turístico que
Tempos depois estive com a própria
Alexandra para uma entrevista e ela me disse
quela noite. Eu lhe disse
que as pessoas da comunidade tinham me
dito que a viram, e que, na perspectiva deles,
ela não quis entrar no Memorial. Ela disse
-me
que essa informação não procedia.
comporia o que viria a ser chamado de
Complexo Cultural de Machadinha
mas também ser uma espécie de
instituição mantenedora ou guardiã da
memória local.
Desde a minha primeira
pesquisa, que em conversa com
Darlene Monteiro, então integrante da
ONG 3H, responsável pela reativação
de várias práticas culturais tradicionais
da comunidade com intenção de
geração de renda mas também na
intenção de ser uma espéc
retomada de práticas históricas ou
tradicionais da comunidade, que havia
a intenção de se construir um espaço
dessa natureza. Lembro que ainda
nessa época o nome memorial já
estava definido. Acontece que a
instituição foi outorgada à comunidade
e e
sta teve pouca ingerência nos
modos através dos quais a memória
iria ser produzida e gerida. A pergunta
que estava subliminarmente colocada
era: o que deve ser lembrado? Junto
com a instituição veio um pacote de
10
A expressão “Complexo Cultural de
Machadinha” foi um termo cunh
público municipal com vistas a finalidades
turísticas. Ela envolve o casario da antiga
senzala, as ruínas da casa grande e a capela
Nossa Senhora do Patrocínio. Como aponta
Soneghetti (2016), esta expressão encontra
pouco uso entre os morado
utilizada pela Prefeitura de Quissamã e pelas
pessoas da comunidade que estão mais
envolvidas em um diálogo com a prefeitura.
412
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
comporia o que viria a ser chamado de
Complexo Cultural de Machadinha
10,
mas também ser uma espécie de
instituição mantenedora ou guardiã da
Desde a minha primeira
pesquisa, que em conversa com
Darlene Monteiro, então integrante da
ONG 3H, responsável pela reativação
de várias práticas culturais tradicionais
da comunidade com intenção de
geração de renda mas também na
intenção de ser uma espéc
ie de
retomada de práticas históricas ou
tradicionais da comunidade, que havia
a intenção de se construir um espaço
dessa natureza. Lembro que ainda
nessa época o nome “memorial”
estava definido. Acontece que a
instituição foi outorgada à comunidade
sta teve pouca ingerência nos
modos através dos quais a memória
iria ser produzida e gerida. A pergunta
que estava subliminarmente colocada
era: o que deve ser lembrado? Junto
com a instituição veio um pacote de
A expressão Complexo Cultural de
Machadinha foi um termo cunh
ado pelo poder
público municipal com vistas a finalidades
turísticas. Ela envolve o casario da antiga
senzala, as ruínas da casa grande e a capela
Nossa Senhora do Patrocínio. Como aponta
Soneghetti (2016), esta expressão encontra
pouco uso entre os morado
res, sendo mais
utilizada pela Prefeitura de Quissamã e pelas
pessoas da comunidade que estão mais
envolvidas em um diálogo com a prefeitura.
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
4
aqui de “af
rocentrista”, em referência
dest
e termo Gilroy tenta demonstrar
no sentido de esta
belecer uma
África original. A noção subjacente
essencialist
a que por sua vez estaria
pelo contrário, trata-
se de um par que
complementaridade.
Não é poss
ível deixar de
essa operação, encontra-
se no
tempore,
ou no tempo das origen
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
memória cujo eixo estou chamando
rocentrista, em referência
explícita ao termo cunhado pelo
sociólogo Paul Gilroy (2012). Através
e termo Gilroy tenta demonstrar
como um conjunto de discursos, as
vezes até mesmo levados a cabo por
movimentos negros, o mobilizados
belecer uma
antinomia entre modernidade e
identidades negras. Estas estariam
assentadas em uma idealização de
uma tradição que remontaria a uma
África original. A noção aí subjacente
daria conta de uma concepção de
tradição invariante de cunho
a que por sua vez estaria
em oposição à lógica da modernidade.
O esforço de Gilroy é o de demonstrar
que tradição e modernidade não
compõem um par antinômico, antes
se de um par que
faz sentido em sua
ível deixar de
perceber certa elaboração mítica
nesses discursos. Eles apontam para
o que o historiador das religiões
Mircea Eliade (1972) chamou de
prestígio mágico das origens’”. Por
se no
in illo
ou no tempo das origen
s, as
ocorrências significativas que dão
sentido à existência presente. É
possível que esses discursos sejam
utilizados estrategicamente, como
afirma Paul Gilroy, por intelectuais
“afrocêntricos” que, elaborando um
conceito de tradição em oposição à
modernidade
pois viam nesta as
marcas da tragédia da escravidão
constroem a ideia de uma África
original e pura, o tributária do
Ocidente. Essa perspectiva vê na
modernidade o molde cultural que
sustentou a lógica do cativeiro e
deveria, portanto, ser reje
mantendo os afrodescendentes por
trás dos biombos cerrados da
particularidade negra (
p.
352). A tradição seria, então, o lócus
onde se atualizariam as formas e os
estilos culturais locais como
desdobramentos de suas origens
africanas,
que lhes confeririam
autenticidade. Na sua crítica a esse
conceito de tradição, Gilroy parece ir
ao encontro do filósofo Michel Foucault
na medida em que ambos assinalam
que as características de permanência
e imutabilidade embutidas no conceito
de tradiç
ão a “retiram dos fluxos
erráticos da história” (
358), ou “permite[m] repensar a
413
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
ocorrências significativas que dão
sentido à existência presente. É
posvel que esses discursos sejam
utilizados estrategicamente, como
afirma Paul Gilroy, por intelectuais
afrocêntricos que, elaborando um
conceito de tradição em oposição à
pois viam nesta as
marcas da tragédia da escravidão
constroem a ideia de uma África
original e pura, não tributária do
Ocidente. Essa perspectiva na
modernidade o molde cultural que
sustentou a lógica do cativeiro e
deveria, portanto, ser reje
itada,
mantendo os afrodescendentes “por
trás dos biombos cerrados da
particularidade negra (
GILROY, 2012
352). A tradição seria, então, o lócus
onde se atualizariam as formas e os
estilos culturais locais como
desdobramentos de suas origens
que lhes confeririam
autenticidade. Na sua crítica a esse
conceito de tradição, Gilroy parece ir
ao encontro do filósofo Michel Foucault
na medida em que ambos assinalam
que as características de permanência
e imutabilidade embutidas no conceito
ão a retiram dos fluxos
erráticos da história (
GILROY, 2001 p.
358), ou permite[m] repensar a
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
4
mesmo” (FOUCAULT
, 1971
P
elo exposto até aqui sobre o tema da
debate sobre e
sta questão, no qual se
pr
ocessualismo, e contingência nos
históricos e sociais.
Não obstante o estabelecimento
a qual os variad
os povos do continente
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
Revista Latino
-Americana de Estudos
4
20, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
dispersão da história na forma do
, 1971
, p. 31).
elo exposto até aqui sobre o tema da
afrocentricidade, está claro que no
sta questão, no qual se
veem envolvidos de um lado Paul
Gilroy, e por outro os referidos
intelectuais afrocêntricos, me inclino
teoricamente às perspectivas abertas
por Gilroy. Percebo em suas
formulações uma orientação mais
convergente com as noções de
ocessualismo, e contingência nos
movimentos de pertencimentos
étnicos, bem como vislumbro em suas
elaborações uma vio que não
essencializa nem reifica os processos
Não obstante o estabelecimento
dessa posição teórica, eu gostaria d
e
acrescentar que considero algumas
formulações advindas das reflexões
teóricas afrontricas” como
importantes e necessárias. Refiro
-me
principalmente aos esforços teóricos
com vistas a uma tentativa de
superação da condição marginalizada
os povos do continente
africano, bem como seus
descendentes diaspóricos, foram
submetidos. O próprio termo
afrocêntrico já revela em si a posição
política de oposição a todo um
conjunto de saberes hegemônicos
radicados no termo eurontrico
(ASANTE, 20
09). A título de dar uma
maior transparência a este debate,
apresento uma definição do
“afrocentrismo” produzida por um de
seus expoentes, Molefe
A ideia afrontrica
essencialmente à proposta
epistemológica do lugar. Tendo
sido os africanos deslocados em
termos culturais, psicológicos,
econômicos e históricos, é
importante que qualquer
avaliação de suas condições em
qualquer país seja feita com base
em uma l
ocalização centrada na
África e sua diáspora.
Começamos com a vio de que
a afrocentricidade é um tipo de
pensamento, prática e
perspectiva que percebe os
africanos como sujeitos e agentes
de fenômenos atuando sobre sua
própria imagem cultural e de
acordo
com seus próprios
interesses humanos (
2009, p. 19).
Do ponto de vista de uma
reflexão que objetiva a construção de
uma práxis contra
-
âmbito sociocultural e político, as
proposições epistemológicas
afrocêntricas me parecem, repito,
necessárias como também
desejáveis. Os pensadores
afrocêntricos procuram elaborar uma
agenda na qual primeiramente
414
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
política de oposição a todo um
conjunto de saberes hegemônicos
radicados no termo “eurocêntrico”
09). A título de dar uma
maior transparência a este debate,
apresento uma definição do
afrocentrismo produzida por um de
seus expoentes, Molefe
Kete Asante:
A ideia afrocêntrica
refere-se
essencialmente à proposta
epistemológica do lugar. Tendo
sido os africanos deslocados em
termos culturais, psicológicos,
econômicos e históricos, é
importante que qualquer
avaliação de suas condições em
qualquer país seja feita com base
ocalização centrada na
África e sua diáspora.
Começamos com a visão de que
a afrocentricidade é um tipo de
pensamento, prática e
perspectiva que percebe os
africanos como sujeitos e agentes
de fenômenos atuando sobre sua
própria imagem cultural e de
com seus próprios
interesses humanos (
ASANTE,
Do ponto de vista de uma
reflexão que objetiva a construção de
-
hegemônica no
âmbito sociocultural e político, as
proposições epistemológicas
afrontricas me parecem, repito,
não
necessárias como também
desejáveis. Os pensadores
afrontricos procuram elaborar uma
agenda na qual primeiramente
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
4
estabelece-
se uma denúncia na qual
científico-
racional construído na
populações não
europeias vão sofrer a
Após a etapa da denúncia, os
Boaventura Souza Sa
ntos (2009)
político-
epistemológica positiva e
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
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-Americana de Estudos
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20, mar. 2022. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
se uma denúncia na qual
se revela o quanto que o projeto
racional construído na
Europa a partir do culo XVI es
intimamente ligado a um modelo de
dominação. Quer seja dominação da
natureza, ou dominação de outros
homens. Na esteira desse processo de
subjugação do outro/diferente, vai se
dar entre outras coisas um brutal
processo colonial no qual as
europeias vão sofrer a
ação de uma máquina de guerra que
essa ciência ajudou a criar.
Após a etapa da denúncia, os
pensadores afrocêntricos
buscam
construir um pensamento, e mesmo
uma ciência, descentrada, isto é, uma
episteme que se desloque de seu eixo
exclusivista europeu e de seus
compromissos políticos,
hierarquizantes e dominadores, e se
pluralize compondo aquilo que
ntos (2009)
chamou de epistemologias do sul”.
Essa perspectiva de uma ação
epistemológica positiva e
insurgente não é o objeto das críticas
de Paul Gilroy, e nem a que eu faço
nesse trabalho. O problema estaria na
questão que trata principalmente
das
culturas negras em diáspora, na
medida em que pouca ênfase nas
formas interativas que as mesmas
estabeleceram ao longo dos períodos
coloniais e por vezes criando vínculos
imaginários entre grupos negros
diaspóricos e uma suposta matriz
africana. O
núcleo das críticas estaria,
portanto, na pouca ênfase às
contingências nas quais esses grupos
estiveram inseridos, e ao pouco relevo
aos processos históricos através dos
quais esses grupos tiveram que
elaborar novas sínteses culturais que
surgiram como re
sultado das fricções
étnicas as quais esses grupos
estiveram sujeitos. Para finalizar essa
digressão teórica na qual refleti acerca
das proposições teóricas afrocêntricas,
acrescento que utilizei o termo
“afrocêntrico” com relação às ações da
Secretaria de
Cultura de Quissamã, no
que diz respeito à viagem feita a
Angola, não no sentido político
epistemológico que lhe dá os teóricos
afrocentristas, mas tão somente pela
ênfase dada ao continente africano,
em particular Angola, no processo de
formação de Macha
dinha.
A tese que dá base a ação
expedicionária me parece que joga luz
sobre um suposto passado africano
que origina a comunidade de
415
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resistências, disputas e potências
")
medida em que há pouca ênfase nas
formas interativas que as mesmas
estabeleceram ao longo dos períodos
coloniais e por vezes criando vínculos
imaginários entre grupos negros
diaspóricos e uma suposta matriz
núcleo das críticas estaria,
portanto, na pouca ênfase às
contingências nas quais esses grupos
estiveram inseridos, e ao pouco relevo
aos processos históricos através dos
quais esses grupos tiveram que
elaborar novas nteses culturais que
sultado das fricções
étnicas as quais esses grupos
estiveram sujeitos. Para finalizar essa
digressão teórica na qual refleti acerca
das proposições teóricas afrocêntricas,
acrescento que utilizei o termo
afrocêntrico com relação às ações da
Cultura de Quissamã, no
que diz respeito à viagem feita a
Angola, não no sentido político
-
epistemológico que lhe os teóricos
afrocentristas, mas tão somente pela
ênfase dada ao continente africano,
em particular Angola, no processo de
dinha.
A tese que base a ação
expedicionária me parece que joga luz
sobre um suposto passado africano
que origina a comunidade de
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
s
Machadinha/RJ. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
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interprovinci
al ocorrido em vários
“memória indireta” (
POLLAK
ser
estabelecida. Outro aspecto que
remete à
expressão de Leandro é a
e o que deve ser
s
ocial no quilombo
Revista Latino
-Americana de Estudos
4
20, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Machadinha, desprezando os referidos
fluxos erráticos da história”, e aqui me
refiro diretamente ao tráfico
al ocorrido em vários
momentos da história brasileira. Uma
POLLAK
, 1992) é
elaborada com o fito de produzir uma
identidade social e cultural para
Quissamã, mas em particular para
Machadinha. Uma política da
memória está aí embutida na
medida
em que de fora para dentro”, como
dito na expressão do mestre Leandro,
uma memória e uma identidade
tentou
estabelecida. Outro aspecto que
expressão de Leandro é a
queixa, e aqui deliberadamente não
cito o nome de quem a fez por
solicitação da própria pessoa, de que
nenhum integrante da comunidade foi
nessa expedição à África. N
enhum
morador mais velho, nenhuma
liderança, nem a juventude...
enfim,
nenhum morador. Entendo que nas
críticas feitas pelas lideranças
comunitárias à forma como a
Fundação de Cultura produziu a
cenografia do Memorial, sobressai
uma percepção de que es em jogo
uma ação, por parte dos poderes
hegemônicos, daquilo que B
ourdieu
denominou violência simbólica”
(2005), uma vez que aquele espaço se
torna uma seara de disputas
simbólicas nas quais os atores estão
posicionados de forma assimétrica, e a
constituição do acervo do Memorial
acaba por ser percebido como uma
imposiç
ão que ao fim e ao cabo vão
servir, como aponta o sociólogo, para
que uma determinada visão do mundo
social seja estabelecida.
Por último, mas não menos
importante, quero salientar, valendo
me da chave interpretativa
desenvolvida pelo historiador frans
Michel de Certeau, que as ações
levadas a cabo pela comunidade de
Machadinha se inscrevem dentro de
um quadro tático de resistência às
forças advindas dos setores
hegemônicos do munipio de
Machadinha. Chamo a atenção
também para as evidências de uma
assi
metria envolvida no processo
referido e, por outro lado, a forma
deslizante através da qual as
lideranças da comunidade Machadinha
trataram o assunto. De um lado uma
Fundação de Cultura responsável
formalmente pela gestão do espaço do
Memorial, e do outro
cenografia supostamente
representava. A curadoria do Memorial
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
(2005), uma vez que aquele espaço se
torna uma seara de disputas
simbólicas nas quais os atores estão
posicionados de forma assimétrica, e a
constituição do acervo do Memorial
acaba por ser percebido como uma
ão que ao fim e ao cabo vão
servir, como aponta o sociólogo, para
que uma determinada visão do mundo
social seja estabelecida.
Por último, mas não menos
importante, quero salientar, valendo
-
me da chave interpretativa
desenvolvida pelo historiador francês
Michel de Certeau, que as ações
levadas a cabo pela comunidade de
Machadinha se inscrevem dentro de
um quadro tático de resistência às
forças advindas dos setores
hegemônicos do município de
Machadinha. Chamo a atenção
também para as evidências de uma
metria envolvida no processo
referido e, por outro lado, a forma
deslizante através da qual as
lideranças da comunidade Machadinha
trataram o assunto. De um lado uma
Fundação de Cultura responsável
formalmente pela gestão do espaço do
Memorial, e do outro
aqueles cuja
cenografia supostamente
representava. A curadoria do Memorial
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
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em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
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lideranças qu
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dade figurativa
e o que deve ser
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ocial no quilombo
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20, mar. 2022. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
feita após a expedição a Angola
remete a um passado supostamente
originário da comunidade
estabelecendo uma ligação histórica,
que, segundo a crítica local feita pelas
ilombolas, oblitera o
passado e o presente da localidade. O
sentido embutido na ação “estratégica”
da expedição encontra a reação
tática dos representantes da
comunidade de Machadinha. Na visão
crítica da tática local, os objetos
dade figurativa
que comporiam núcleos semânticos
operadores de sentidos que remetem
a um esvaziamento do protagonismo
local, na medida em que os invisibiliza
e, dessa forma, os desempodera”.
Usei deliberadamente os termos
tática e estratégia aludindo
o
universo conceitual de Michel de
Certeau (1994), para quem é na
cotidianidade que se tecem por parte
do que ele chamou de “o homem
ordinário, as táticas deslizantes que
evitam, ou tentam minimizar os
impactos da efetivação das
racionalidades dominantes.
As práticas
cotidianas do homem ordinário são do
tipo que ele definiu como “táticas”, em
oposição às práticas advindas das
racionalidades organizadoras,
definidas como “estratégias.
Nesse sentido, creio que as
ações táticas levadas a cabo pela
comunidad
e de Machadinha através
de suas lideranças foram exitosas na
medida em que mesmo frente a um
quadro assimétrico no que diz respeito
a distribuição de poder, ela soube se
posicionar e se articular com outras
forças para elaborar uma crítica e
encetar uma ação.
Conclusão
A análise realizada acima tentou
dar conta de uma questão que tem se
apresentado como uma tendência forte
naquilo que tem sido chamado de
modernidade tardia. Com essa
expressão quero me referir a uma
temporalidade que mais ou menos tem
iníc
io nas últimas cadas do culo
XX. Foi bastante sintomático que
disciplinas como a História, a
Antropologia e em menor grau a
Sociologia tenham se voltado para o
tema da memória de uma forma antes
não usual. Este retorno à memória, se
assim posso chamar,
certamente razões diversas para a sua
consecução. No caso que aqui
apresentei eu acredito que um fator
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resistências, disputas e potências
")
racionalidades organizadoras,
definidas como estratégias”.
Nesse sentido, creio que as
ações táticas levadas a cabo pela
e de Machadinha através
de suas lideranças foram exitosas na
medida em que mesmo frente a um
quadro assimétrico no que diz respeito
a distribuição de poder, ela soube se
posicionar e se articular com outras
forças para elaborar uma crítica e
A análise realizada acima tentou
dar conta de uma questão que tem se
apresentado como uma tendência forte
naquilo que tem sido chamado de
modernidade tardia. Com essa
expressão quero me referir a uma
temporalidade que mais ou menos tem
io nas últimas décadas do século
XX. Foi bastante sintomático que
disciplinas como a História, a
Antropologia e em menor grau a
Sociologia tenham se voltado para o
tema da memória de uma forma antes
não usual. Este retorno à memória, se
assim posso chamar,
possui
certamente razões diversas para a sua
consecução. No caso que aqui
apresentei eu acredito que um fator
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
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em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 396-
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conta
de um processo através do qual
tradição com vistas
à busca de um
grupo.
Nesse processo de
reconhecimento da com
unidade como
e o que deve ser
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
importante foi um fenômeno definido
no campo da Antropologia como
etnogênese. Esse termo emerge da
obra do antropólogo Fredrik Barth e
de um processo através do qual
determinados grupos étnicos elaboram
um conjunto de signos selecionados
do passado, cujo uso está voltado para
a solução dos enfrentamentos
cotidianos. Ou seja, a construção de
uma memória ou mesmo de uma
à busca de um
determinado posicionamento social do
Nesse processo de
reemergência étnica a memória
desempenha um papel crucial. No
caso de Machadinha houve em 2006,
por parte do governo federal através
da Fundação Palmares, o
unidade como
remanescente de quilombo”, e este
processo funcionou como uma espécie
de um ativador das memórias locais.
Foi nesse contexto que se deu a
constituição da cenografia do Memorial
tal qual descrito acima, realizado pela
Fundação de Cultura de Qu
issamã. A
tentação em tornar o invisível do
passado em um vivel presente é uma
tentação que acomete muitos atores
sociais que lidam com a gestão do
patrimônio público, bem como também
ocorre no âmbito do fazer acadêmico.
A “transparência” do passado pare
ser facilmente enunciado através de
uma coleção de objetos, ou de um
texto através do qual as vivências
pretéritas são objetivadas e mostradas
à sociedade. A chamada virada
linguística” da década de 1970
produziu grande impacto tanto na
História quanto
na Antropologia no
sentido de perceber no construto
textual as diversas implicações de
ordem política e epistemológica. A
partir desse momento vai ocorrer nas
duas disciplinas um reposicionamento
que aponta para uma atitude menos
positivista, digamos assi
tratar o resultado textual da pesquisa
de modo mais problematizado.
Creio que, por fim, devo
salientar a tomada de posição
comunitária frente as ações
institucionais, não como um ato de
rebeldia puro e simples, mas
sobretudo como uma forma do
subalternos refletirem e infletirem um
caminho que frequentemente parece já
estar dado e se que constitui como
aparentemente como irrecuvel. A
recusa neste caso está na negação do
grupo social e politicamente
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patrimônio público, bem como também
ocorre no âmbito do fazer acadêmico.
A transparência do passado pare
ce
ser facilmente enunciado através de
uma coleção de objetos, ou de um
texto através do qual as vivências
pretéritas são objetivadas e mostradas
à sociedade. A chamada “virada
linguística da década de 1970
produziu grande impacto tanto na
na Antropologia no
sentido de perceber no construto
textual as diversas implicações de
ordem política e epistemológica. A
partir desse momento vai ocorrer nas
duas disciplinas um reposicionamento
que aponta para uma atitude menos
positivista, digamos assi
m, e que irá
tratar o resultado textual da pesquisa
de modo mais problematizado.
Creio que, por fim, devo
salientar a tomada de posição
comunitária frente as ações
institucionais, não como um ato de
rebeldia puro e simples, mas
sobretudo como uma forma do
s atores
subalternos refletirem e infletirem um
caminho que frequentemente parece já
estar dado e se que constitui como
aparentemente como irrecusável. A
recusa neste caso esna negação do
grupo social e politicamente
MELO, Ricardo Moreno de. Quem de lembrar
e
lembrado: disputas simbólicas pela memória
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Machadinha/RJ. PragMATIZES -
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Machad
inha, em aceitar a ser um mero
dos setores dominantes.
Efetivamente nunca vim a saber
canto de lábio.
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resistências, disputas e potências
subalterno, os quilombolas de
inha, em aceitar a ser um mero
efeito das estratégias organizadoras
Efetivamente nunca vim a saber
quem de fato tratou de operar as
modificações do memorial, e, sobre
isso, não fiquei indagando muito, pois
entendi que taticamente
o silêncio
era de grande importância. Mas das
poucas vezes que perguntei recebi
sempre como resposta um sorriso de
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