CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. I
am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
‘I am no man’: a presença feminina no universo nerd e geek
DOI:
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v12i22.51057
Resumo:
A cultura nerd e geek vem crescendo cada vez mais nos últimos anos, conquistando seu
espaço nas telas, nas páginas e nas lojas, saindo de um contexto de cultura de nicho e se
consolidando como
mainstream
demanda por representatividade não apenas em personagens de suas produções, mas também
dentro dos próprios grupos e espaços de fãs e consumidores. Este artigo é parte das pesquisas
realizadas pelas au
em relação à presença feminina nos fazeres nerds. Assim buscaremos fazer uma breve definição do
que é considerado nerd e geek atualmente, entender suas divisões como grupo social
especialmente a presença feminina no contexto deste universo: como ela é percebida e recebida e
quais as dificuldades enfrentadas por mulheres nerds. O título possui referência a uma frase dit
filme O Senhor dos Anéis:
O Retorno do Rei (20
Palavras-chave:
cultura nerd, representatividade feminina, identidade, machismo.
'No soy hombre': la presencia femenina en el universo nerd y geek
Resumen:
La cultura nerd y geek sigue creciendo cada vez más en los últimos años, adquiriendo
espaci
o en las pantallas, páginas y tiendas, saliendo de un contexto de cultura de nicho y
consolidándose como mainstream. Con el aumento de su popularidad, aumenta la demanda por
representatividad no solo en personajes de las producciones sino también en los gr
de fans y consumidores. Este artículo es parte de las investigaciones realizadas por las autoras y
busca dar cuenta de un análisis de la toxicidad del comportamiento masculino en relación a la
presencia femenina en los haceres nerds. Así bu
es considerado nerd y geek actualmente, entendiendo sus divisiones como grupo social, y analizar
especialmente la presencia femenina en el contexto de este universo: cómo es percibida y recibida y
cuáles s
on las dificultades enfrentadas por mujeres nerds. El título del artículo posee referencia a una
frase dicha en la película El Señor de los Anillos: El Retorno del Rey (2003).
Palabras clave
: cultura nerd; representación femenina; identidad; machismo.
1
Flávia Lages de Castro. Doutora em Sociologia e Direito pela UFF. Professora do Departamento de
Arte da Universidade Federal Fluminense, UFF, Niterói/RJ, Brasil. E
https://orcid.org/0000-0002-
8182
2
Stephany Lins Pereira. Mestranda em Cultura e Comunicação na Universidade de Lisboa, Portugal.
E-mail: stephanylins@id.uff.br -
https://orcid.org/
3
Luiza Carvalho. Mestranda em Cultura e Territorialidades na Universidade Federal Fluminense,
Brasil. E-
mail. ml_carvalho@id.uff.br
Recebido em 05/08/2021,
aceito para publicação em 2
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. ‘I
: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
I am no man: a presença feminina no universo nerd e geek
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v12i22.51057
Flávia Lages de Castro
Stephany Lins Pereira
A cultura nerd e geek vem crescendo cada vez mais nos últimos anos, conquistando seu
espaço nas telas, nas páginas e nas lojas, saindo de um contexto de cultura de nicho e se
mainstream
. E com o aumento de sua popularidade, aumenta também a
demanda por representatividade não apenas em personagens de suas produções, mas também
dentro dos próprios grupos e espaços de fãs e consumidores. Este artigo é parte das pesquisas
toras e busca dar conta de uma análise da toxidade do comportamento masculino
em relação à presença feminina nos fazeres nerds. Assim buscaremos fazer uma breve definição do
que é considerado nerd e geek atualmente, entender suas divisões como grupo social
especialmente a presença feminina no contexto deste universo: como ela é percebida e recebida e
quais as dificuldades enfrentadas por mulheres nerds. O título possui referência a uma frase dit
O Retorno do Rei (20
03).
cultura nerd, representatividade feminina, identidade, machismo.
'No soy hombre': la presencia femenina en el universo nerd y geek
La cultura nerd y geek sigue creciendo cada vez más en los últimos años, adquiriendo
o en las pantallas, páginas y tiendas, saliendo de un contexto de cultura de nicho y
consolidándose como mainstream. Con el aumento de su popularidad, aumenta la demanda por
representatividad no solo en personajes de las producciones sino también en los gr
de fans y consumidores. Este artículo es parte de las investigaciones realizadas por las autoras y
busca dar cuenta de un análisis de la toxicidad del comportamiento masculino en relación a la
presencia femenina en los haceres nerds. Así bu
scaremos establecer una breve definición de lo que
es considerado nerd y geek actualmente, entendiendo sus divisiones como grupo social, y analizar
especialmente la presencia femenina en el contexto de este universo: cómo es percibida y recibida y
on las dificultades enfrentadas por mujeres nerds. El título del artículo posee referencia a una
frase dicha en la película El Señor de los Anillos: El Retorno del Rey (2003).
: cultura nerd; representación femenina; identidad; machismo.
Flávia Lages de Castro. Doutora em Sociologia e Direito pela UFF. Professora do Departamento de
Arte da Universidade Federal Fluminense, UFF, Niterói/RJ, Brasil. E
-mail:
flavialages@id.uff.br
8182
-5201
Stephany Lins Pereira. Mestranda em Cultura e Comunicação na Universidade de Lisboa, Portugal.
https://orcid.org/
0000-0002-9659-5154
Luiza Carvalho. Mestranda em Cultura e Territorialidades na Universidade Federal Fluminense,
mail. ml_carvalho@id.uff.br
- https://orcid.org/0000-0002-7465-4213
aceito para publicação em 2
5/01/20
22, disponibilizado online em
01/03/2022.
425
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
I am no man: a presença feminina no universo nerd e geek
Flávia Lages de Castro
1
Stephany Lins Pereira
2
Luiza Carvalho
3
A cultura nerd e geek vem crescendo cada vez mais nos últimos anos, conquistando seu
espaço nas telas, nas páginas e nas lojas, saindo de um contexto de cultura de nicho e se
. E com o aumento de sua popularidade, aumenta também a
demanda por representatividade não apenas em personagens de suas produções, mas também
dentro dos próprios grupos e espaços de fãs e consumidores. Este artigo é parte das pesquisas
toras e busca dar conta de uma análise da toxidade do comportamento masculino
em relação à presença feminina nos fazeres nerds. Assim buscaremos fazer uma breve definição do
que é considerado nerd e geek atualmente, entender suas divisões como grupo social
, e analisar
especialmente a presença feminina no contexto deste universo: como ela é percebida e recebida e
quais as dificuldades enfrentadas por mulheres nerds. O título possui referência a uma frase dit
a no
cultura nerd, representatividade feminina, identidade, machismo.
La cultura nerd y geek sigue creciendo cada vez más en los últimos años, adquiriendo
o en las pantallas, páginas y tiendas, saliendo de un contexto de cultura de nicho y
consolidándose como mainstream. Con el aumento de su popularidad, aumenta la demanda por
representatividad no solo en personajes de las producciones sino también en los gr
upos y espacios
de fans y consumidores. Este artículo es parte de las investigaciones realizadas por las autoras y
busca dar cuenta de un análisis de la toxicidad del comportamiento masculino en relación a la
scaremos establecer una breve definición de lo que
es considerado nerd y geek actualmente, entendiendo sus divisiones como grupo social, y analizar
especialmente la presencia femenina en el contexto de este universo: cómo es percibida y recibida y
on las dificultades enfrentadas por mujeres nerds. El título del artículo posee referencia a una
Flávia Lages de Castro. Doutora em Sociologia e Direito pela UFF. Professora do Departamento de
flavialages@id.uff.br
-
Stephany Lins Pereira. Mestranda em Cultura e Comunicação na Universidade de Lisboa, Portugal.
Luiza Carvalho. Mestranda em Cultura e Territorialidades na Universidade Federal Fluminense,
22, disponibilizado online em
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. I
am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
'I am no man': the female presence in the nerd and geek universe
Abstract
: The nerd and geek culture has been growing constantly each year through movie
productions, comic books and in stores, crawling the way out from being a niche culture to
mainstream. And with its increasing popularity, so does the demand for representation
characters inside the productions but also within its own groups, fandoms and as consumers. This
article is part of a series of researches carried out by the authors and seek to present an analysis of
the toxic environment created by male beha
Thus, we will seek to make a brief definition of what is considered nerd and geek nowadays,
understand its divisions as a social group and analyze especially the female presence in the context of
this
universe: how it is perceived and received and what are the difficulties faced by nerd women. The
title is a reference to a line said in the movie The Lord of the Rings: The Return of the King (2003).
Keywords
: nerd culture; female representation; identi
‘I am no man’: a presença feminina no universo nerd e geek
Introdução
Inicialmente considerados
“perdedores” e vistos de uma forma
negativa, os nerds foram aos poucos
conquistando seu espaço na
sociedade, e, com a popularização de
seus interesses, ser nerd deixou de
ser motivo de constrangimento. Por ter
sido, durante muito
tempo, um título de
um outsider
conceito elaborado por
Becker (2008) para definir aqueles que
não estão em conformidade com os
padrões de comportamento
estabelecidos pela sociedade
possível inferir que o universo nerd
fosse um ambiente acolhedor,
sobretudo por seus participantes
entenderem as dificuldades de lidar
com rejeições e diferenças. Contudo,
este não é o caso.
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. ‘I
: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
'I am no man': the female presence in the nerd and geek universe
: The nerd and geek culture has been growing constantly each year through movie
productions, comic books and in stores, crawling the way out from being a niche culture to
mainstream. And with its increasing popularity, so does the demand for representation
characters inside the productions but also within its own groups, fandoms and as consumers. This
article is part of a series of researches carried out by the authors and seek to present an analysis of
the toxic environment created by male beha
viour towards the female presence in nerd collectives.
Thus, we will seek to make a brief definition of what is considered nerd and geek nowadays,
understand its divisions as a social group and analyze especially the female presence in the context of
universe: how it is perceived and received and what are the difficulties faced by nerd women. The
title is a reference to a line said in the movie The Lord of the Rings: The Return of the King (2003).
: nerd culture; female representation; identi
ty.
I am no man: a presença feminina no universo nerd e geek
Inicialmente considerados
perdedores e vistos de uma forma
negativa, os nerds foram aos poucos
conquistando seu espaço na
sociedade, e, com a popularização de
seus interesses, ser nerd deixou de
ser motivo de constrangimento. Por ter
tempo, um título de
conceito elaborado por
Becker (2008) para definir aqueles que
não estão em conformidade com os
padrões de comportamento
estabelecidos pela sociedade
, era
possível inferir que o universo nerd
fosse um ambiente acolhedor,
sobretudo por seus participantes
entenderem as dificuldades de lidar
com rejeições e diferenças. Contudo,
Bourdieu (2012) afirma que uma
das formas de manutenção da
hegemonia é a recusa da existência
legítima e pública de um grupo que
re
ivindica sua visibilidade. Essa é uma
das estratégias aplicadas pelos nerds
para manter a dominação masculina,
branca, cisgênera e heterossexual nas
manifestações de seus interesses. Ao
recusarem a entrada de mulheres no
seu grupo, reafirmam a rejeição que
eles próprios sofreram durante muito
tempo
e, não raro, radicalizam esse
comportamento.
É neste contexto que podemos
apontar o crescimento de uma
misoginia
4
por parte dos homens
4
Ódio, aversão ou preconceito contra
mulheres ou performances de gênero ligadas
ao feminino.
426
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- ISSN 2237-1508
: The nerd and geek culture has been growing constantly each year through movie
productions, comic books and in stores, crawling the way out from being a niche culture to
mainstream. And with its increasing popularity, so does the demand for representation
not only in
characters inside the productions but also within its own groups, fandoms and as consumers. This
article is part of a series of researches carried out by the authors and seek to present an analysis of
viour towards the female presence in nerd collectives.
Thus, we will seek to make a brief definition of what is considered nerd and geek nowadays,
understand its divisions as a social group and analyze especially the female presence in the context of
universe: how it is perceived and received and what are the difficulties faced by nerd women. The
title is a reference to a line said in the movie The Lord of the Rings: The Return of the King (2003).
I am no man: a presença feminina no universo nerd e geek
Bourdieu (2012) afirma que uma
das formas de manutenção da
hegemonia é a recusa da existência
legítima e pública de um grupo que
ivindica sua visibilidade. Essa é uma
das estratégias aplicadas pelos nerds
para manter a dominação masculina,
branca, cisgênera e heterossexual nas
manifestações de seus interesses. Ao
recusarem a entrada de mulheres no
seu grupo, reafirmam a rejeição que
eles próprios sofreram durante muito
e, não raro, radicalizam esse
É neste contexto que podemos
apontar o crescimento de uma
por parte dos homens
Ódio, aversão ou preconceito contra
mulheres ou performances de gênero ligadas
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am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
nerds, que se utilizam de ataques,
ofensas e assédio para afastar as
mulhe
res e tornar o ambiente
desagradável para elas. Portanto, esse
artigo tem como objetivo desnudar
parcialmente a cultura nerd, seus
múltiplos âmbitos de interesse,
analisar a reação à participação
feminina nesse universo e tentar
entender qual é origem dess
discursos de ódio propagados por
eles.
Como o universo de interesse
desse grupo é vasto, para delimitar
nossa análise e realizá-
la de forma
mais precisa, decidimos por estudar
apenas alguns grupos específicos
como recorte de pesquisa. Optamos
por apresentar exemplos de misoginia
em relação às p
ersonagens femininas
em filmes considerados nerds, em
fóruns de discussão, casos dentro da
comunidade gamer, e, por fim, em
jogos eletrônicos e de tabuleiro. É
importante salientar, entretanto, que
esta é uma pesquisa em andamento, e
que essas são discussõ
es recorrentes
levantadas por esse grupo de
pesquisadoras, que busca analisar o
espaço feminino dentro do universo
nerd e geek nas mais diversas
instâncias.
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. ‘I
: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
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(Fluxo contínuo)
nerds, que se utilizam de ataques,
ofensas e assédio para afastar as
res e tornar o ambiente
desagradável para elas. Portanto, esse
artigo tem como objetivo desnudar
parcialmente a cultura nerd, seus
múltiplos âmbitos de interesse,
analisar a reação à participação
feminina nesse universo e tentar
entender qual é origem dess
es
discursos de ódio propagados por
Como o universo de interesse
desse grupo é vasto, para delimitar
la de forma
mais precisa, decidimos por estudar
apenas alguns grupos específicos
como recorte de pesquisa. Optamos
por apresentar exemplos de misoginia
ersonagens femininas
em filmes considerados nerds, em
fóruns de discussão, casos dentro da
comunidade gamer, e, por fim, em
jogos eletrônicos e de tabuleiro. É
importante salientar, entretanto, que
esta é uma pesquisa em andamento, e
es recorrentes
levantadas por esse grupo de
pesquisadoras, que busca analisar o
espaço feminino dentro do universo
nerd e geek nas mais diversas
O que é ser nerd/geek?
Essencial é iniciar fazendo uma
breve análise sobre o que significa ser
ner
d e geek, o surgimento das
nomenclaturas, as diferenças entre
conceitos e as implicações ao redor
deles. No geral, os autores de
pesquisas no campo (CARVALHO,
2017; LINS, 2017; MATOS, 2014;
SILVA, 2014) concordam que a origem
do termo é imprecisa. Alguns r
do primeiro uso apontam o livro infantil
If I ran the zoo
de Dr. Seuss, publicado
em 1950, no qual esta palavra era
utilizada para designar um estranho
ser do zoológico (MATOS, 2014, p.
90). Contudo, a versão que é mais
replicada em estudos sobre
nerd são dois pressupostos de
nascimento do termo relacionado à
ciência. O primeiro deles, tem origem
no Canadá, onde “um grupo de jovens
cientistas passava noites inteiras na
divisão de pesquisa e desenvolvimento
da Northern Electric, então um atu
laboratório de tecnologia. Mais
conhecido pela sigla NERD, ou seja,
Northern Electric Research and
Development (...)” (MATOS, 2014, p.
20). Outros defendem que o termo
surgiu nos Estados Unidos, mais
427
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
O que é ser nerd/geek?
Essencial é iniciar fazendo uma
breve análise sobre o que significa ser
d e geek, o surgimento das
nomenclaturas, as diferenças entre
conceitos e as implicações ao redor
deles. No geral, os autores de
pesquisas no campo (CARVALHO,
2017; LINS, 2017; MATOS, 2014;
SILVA, 2014) concordam que a origem
do termo é imprecisa. Alguns r
egistros
do primeiro uso apontam o livro infantil
de Dr. Seuss, publicado
em 1950, no qual esta palavra era
utilizada para designar um estranho
ser do zoológico (MATOS, 2014, p.
90). Contudo, a versão que é mais
replicada em estudos sobre
cultura
nerd são dois pressupostos de
nascimento do termo relacionado à
ciência. O primeiro deles, tem origem
no Canadá, onde um grupo de jovens
cientistas passava noites inteiras na
divisão de pesquisa e desenvolvimento
da Northern Electric, então um atu
ante
laboratório de tecnologia. Mais
conhecido pela sigla NERD, ou seja,
Northern Electric Research and
Development (...) (MATOS, 2014, p.
20). Outros defendem que o termo
surgiu nos Estados Unidos, mais
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am no man
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- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
precisamente no Massachusetts
Institute of Technology
o MIT
um momento no qual alguns
estudantes apelidavam aqueles que
preferiam ficam no instituto estudando
ao invés de participar das festas
universitárias como knurd
significa bêbado em inglês, escrito ao
contrário (MATOS, 2011).
A
origem do termo, seja ela qual
for, carrega consigo uma significação
pejorativa. Sua utilização servia para
não somente designar um indivíduo
que tivesse grande fascínio pelos
estudos ou uma inteligência acima da
média, mas para designar alguém que,
em raz
ão dessas características,
enfrentasse dificuldades em
estabelecer relações sociais. Por
também ter sido associado a um
padrão físico, muitas vezes o
estereótipo do nerd é associado a um
homem, branco, esguio, de óculos,
aparelho ortodôntico e sem tato soc
para lidar com mulheres (MATOS,
2014; LINS, 2017). Alguns autores
também adicionam ao imaginário
criado sobre o nerd a forma
desajeitada de agir, indiferença sobre
o que acontece ao seu redor e
ingenuidade (GALVÃO, 2009), um
estereótipo reforçado diver
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. ‘I
: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
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(Fluxo contínuo)
precisamente no Massachusetts
o MIT
–, em
um momento no qual alguns
estudantes apelidavam aqueles que
preferiam ficam no instituto estudando
ao invés de participar das festas
drunk, que
significa bêbado em inglês, escrito ao
origem do termo, seja ela qual
for, carrega consigo uma significação
pejorativa. Sua utilização servia para
não somente designar um indivíduo
que tivesse grande fascínio pelos
estudos ou uma inteligência acima da
média, mas para designar alguém que,
ão dessas características,
enfrentasse dificuldades em
estabelecer relações sociais. Por
também ter sido associado a um
padrão físico, muitas vezes o
estereótipo do nerd é associado a um
homem, branco, esguio, de óculos,
aparelho ortodôntico e sem tato soc
ial
para lidar com mulheres (MATOS,
2014; LINS, 2017). Alguns autores
também adicionam ao imaginário
criado sobre o nerd a forma
desajeitada de agir, indiferença sobre
o que acontece ao seu redor e
ingenuidade (GALVÃO, 2009), um
estereótipo reforçado diver
sas vezes
pelo cinema das décadas de 1980 a
2000, especialmente em obras sobre o
ensino médio americano, o
como os filmes Clube dos Cinco
(1985) e Mulher Nota 1000 (1985),
ambos de John Hughes (LINS, 2017,
p. 41).
Devido a essa visão pejorat
do rótulo de nerd, e com o avanço da
tecnologia após a grande virada
eletrônica dos anos 2000, o termo
geek começou a ser bastante
empregado para tratar de pessoas que
poderiam ser consideradas nerds, mas
que em vez de focar tanto em estudos
e aptidões
acadêmicas, fossem mais
voltados para os avanços
tecnológicos, tais como computadores
e videogames, assim como para o
consumo de produções de cultura
popular massiva -
a cultura pop
como “histórias em quadrinhos, filmes,
livros e séries que aborda
ficção científica, desenhos, jogos
eletrônicos e até mesmo de tabuleiro,
dentre outros” (CARVALHO, 2017).
Para além desse interesse em
tecnologia, os geeks eram percebidos
como possuidores de maiores
habilidades sociais do que os nerds,
com maio
r facilidade de comunicação
e carisma (MATOS, 2011).
428
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
pelo cinema das décadas de 1980 a
2000, especialmente em obras sobre o
ensino médio americano, o
high school
como os filmes Clube dos Cinco
(1985) e Mulher Nota 1000 (1985),
ambos de John Hughes (LINS, 2017,
Devido a essa visão pejorat
iva
do rótulo de nerd, e com o avanço da
tecnologia após a grande virada
eletrônica dos anos 2000, o termo
geek começou a ser bastante
empregado para tratar de pessoas que
poderiam ser consideradas nerds, mas
que em vez de focar tanto em estudos
acadêmicas, fossem mais
voltados para os avanços
tecnológicos, tais como computadores
e videogames, assim como para o
consumo de produções de cultura
a cultura pop
-, tais
como histórias em quadrinhos, filmes,
livros e séries que aborda
m temas de
ficção científica, desenhos, jogos
eletrônicos e até mesmo de tabuleiro,
dentre outros (CARVALHO, 2017).
Para além desse interesse em
tecnologia, os geeks eram percebidos
como possuidores de maiores
habilidades sociais do que os nerds,
r facilidade de comunicação
e carisma (MATOS, 2011).
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. I
am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
Atualmente, os limites entre nerd e
geek são cada vez mais difusos devido
à grande influência da tecnologia em
nosso cotidiano, e ao apreço de
ambos os grupos pela cultura pop, que
se torna cada vez mais
mainstream
Para fins deste artigo, entendemos
nerd e geek como sinônimos, termos
pares que designam um grande grupo
social.
A identificação como nerd
permear outras diversas etiquetas
sociais que o indivíduo toma para si,
tange conceitos apresentados nos
trabalhos de Stuart Hall (2006), que
defende que as identidades são
múltiplas, complexas e fluidas, e que
estão sempre em diálogo com fatores
int
ernos e externos. Segundo Carvalho
(2017), é possível afirmar que a
identidade nerd e geek é construída
nesse mosaico dentro de um grande
espectro de opções nos quais os
indivíduos, a partir de observação do
que existe como parte da cultura nerd
e geek, co
nstrói sua identidade como
parte dos nichos presentes nesse
grande universo, que pode parecer
unificado, mas é bastante diverso.
O consumo é, nesse universo
nerd e geek, uma das formas de
representação da sua identidade.
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. ‘I
: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
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(Fluxo contínuo)
Atualmente, os limites entre nerd e
geek são cada vez mais difusos devido
à grande influência da tecnologia em
nosso cotidiano, e ao apreço de
ambos os grupos pela cultura pop, que
mainstream
.
Para fins deste artigo, entendemos
nerd e geek como sinônimos, termos
pares que designam um grande grupo
A identificação como nerd
, por
permear outras diversas etiquetas
sociais que o indivíduo toma para si,
tange conceitos apresentados nos
trabalhos de Stuart Hall (2006), que
defende que as identidades são
múltiplas, complexas e fluidas, e que
estão sempre em diálogo com fatores
ernos e externos. Segundo Carvalho
(2017), é possível afirmar que a
identidade nerd e geek é construída
nesse mosaico dentro de um grande
espectro de opções nos quais os
indivíduos, a partir de observação do
que existe como parte da cultura nerd
nstrói sua identidade como
parte dos nichos presentes nesse
grande universo, que pode parecer
unificado, mas é bastante diverso.
O consumo é, nesse universo
nerd e geek, uma das formas de
representação da sua identidade.
Existem, em primeira instância, a
disputas simbólicas por legitimação
presentes neste âmbito. Essa
legitimação vem através não somente
das produções consideradas nerds na
literatura, cinema e artes
simbólicos, de acordo com Bourdieu
(2007)
mas sobretudo de bens
materiais, par
a que esses itens
possam ser uma forma, segundo
Carvalho (2017
, p. 31
sua apreciação por determinada
produção e mostrar isso para os
outros, até mesmo na esperança de
encontrar outras pessoas qu
compartilhem dessa admiração
Ademais, exis
te um processo de
reafirmação presente nesse consumo,
uma maneira de se reafirmar como fã.
É importante, aqui, fazer uma
apóstrofe para explicar um conceito
significativo para o universo nerd e
geek: o fã. O autor mais relevante para
tratar do assunto é H
não apenas estudar o que isso
significa, mas também por se
considerar como tal. O pesquisador se
declara como fã e, como um
oferece uma pesquisa mais envolvida
e engajada com o objeto, na medida
em que estuda muitas vezes sua
pró
pria vivência. Em razão da origem
429
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- ISSN 2237-1508
Existem, em primeira instância, a
s
disputas simbólicas por legitimação
presentes neste âmbito. Essa
legitimação vem através não somente
das produções consideradas nerds na
literatura, cinema e artes
os bens
simbólicos, de acordo com Bourdieu
mas sobretudo de bens
a que esses itens
possam ser uma forma, segundo
, p. 31
), “de expressar
sua apreciação por determinada
produção e mostrar isso para os
outros, até mesmo na esperança de
encontrar outras pessoas qu
e
compartilhem dessa admiração”
.
te um processo de
reafirmação presente nesse consumo,
uma maneira de se reafirmar como fã.
É importante, aqui, fazer uma
apóstrofe para explicar um conceito
significativo para o universo nerd e
geek: o fã. O autor mais relevante para
tratar do assunto é H
enry Jenkins, por
não apenas estudar o que isso
significa, mas também por se
considerar como tal. O pesquisador se
declara como fã e, como um
insider,
oferece uma pesquisa mais envolvida
e engajada com o objeto, na medida
em que estuda muitas vezes sua
pria vivência. Em razão da origem
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. I
am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
do termo, criou-
se um imaginário sobre
o fã que Jenkins tenta revogar: o termo
vem da palavra em latim
que tinha relação com devoção a um
templo e ser um devoto, também
relacionado ao entusiasmo excessivo
religi
oso. (JENKINS, 1992).
O fã, então, era visto como
alguém irracional. Segundo o próprio
autor, essa concepção mudou, a partir
do momento que o passou a ser
uma parte cada vez mais presente e
influenciadora nas produções, no que
ele chama de cultura part
(JENKINS, 2015). O impacto desses
admiradores se tornou o forte que
passaram a designar-
se como
união das palavras de origem inglesa
fan (fã) e kingdom
(reino), ou seja,
reino dos fãs. Também é possível
corresponder a cultura nerd como
fenômeno estudado pelo autor: o
media fandom
, ou seja, uma cultura
que existe na interseção entre a
cultura de massa e a vida cotidiana, e
que elabora sua identidade e artefatos
a partir de textos presentes no
imaginário (JENKINS, 1992, p. 3). E,
se
gundo Matos (2014), essa é a razão
para essas conexões intertextuais
entre uma enorme variedade de textos
midiáticos e não de um gênero ou
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. ‘I
: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
se um imaginário sobre
o fã que Jenkins tenta revogar: o termo
vem da palavra em latim
fanaticum,
que tinha relação com devoção a um
templo e ser um devoto, também
relacionado ao entusiasmo excessivo
oso. (JENKINS, 1992).
O fã, então, era visto como
alguém irracional. Segundo o próprio
autor, essa concepção mudou, a partir
do momento que o fã passou a ser
uma parte cada vez mais presente e
influenciadora nas produções, no que
ele chama de cultura part
icipativa
(JENKINS, 2015). O impacto desses
admiradores se tornou tão forte que
se como
fandom
união das palavras de origem inglesa
(reino), ou seja,
reino dos fãs. Também é possível
corresponder a cultura nerd como
um
fenômeno estudado pelo autor: o
, ou seja, uma cultura
que existe na interseção entre a
cultura de massa e a vida cotidiana, e
que elabora sua identidade e artefatos
a partir de textos já presentes no
imaginário (JENKINS, 1992, p. 3). E,
gundo Matos (2014), essa é a razão
para essas conexões intertextuais
entre uma enorme variedade de textos
midiáticos e não de um gênero ou
texto determinado (p. 68), como dito
anteriormente sobre esse vasto leque
de subgrupos que a cultura nerd
abrange.
Em
virtude dessa relação
profunda dos nerds e geeks com
consumo, identidade e legitimidade, o
mercado viu uma oportunidade, e se
aproveitou dela. É possível,
atualmente, encontrar produtos de
diversos temas considerados nerds em
grandes redes, lojas de depar
e até mesmo em supermercados.
Além disso, o mercado de produtos
especificamente nerd tem crescido
progressivamente nos últimos anos.
No Brasil, por exemplo, a venda de
licenciamento de produtos
os direitos para se utilizar certas
marcas
para confecção de itens
relacionados à cultura nerd gera 18
bilhões por ano, segundo a
Associação Brasileira de
Licenciamento (ABRAL), um
crescimento de 50% nos últimos cinco
anos.
Outro fator que exemplifica essa
relação com o consumo e também
com o fat
o do nerd estar se tornando
cada vez mais “descolado
termos de Matos (2014)
Atualmente, entre as dez maiores
430
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
texto determinado (p. 68), como dito
anteriormente sobre esse vasto leque
de subgrupos que a cultura nerd
virtude dessa relação
profunda dos nerds e geeks com
consumo, identidade e legitimidade, o
mercado viu uma oportunidade, e se
aproveitou dela. É possível,
atualmente, encontrar produtos de
diversos temas considerados nerds em
grandes redes, lojas de depar
tamento
e até mesmo em supermercados.
Além disso, o mercado de produtos
especificamente nerd tem crescido
progressivamente nos últimos anos.
No Brasil, por exemplo, a venda de
licenciamento de produtos
ou seja,
os direitos para se utilizar certas
para confecção de itens
relacionados à cultura nerd gera 18
bilhões por ano, segundo a
Associação Brasileira de
Licenciamento (ABRAL), um
crescimento de 50% nos últimos cinco
Outro fator que exemplifica essa
relação com o consumo e também
o do nerd estar se tornando
cada vez mais descolado”
nos
termos de Matos (2014)
é o cinema.
Atualmente, entre as dez maiores
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. I
am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
bilheterias do mundo
5
, seis desses
filmes são considerados narrativas da
cultura pop, apreciadas pelo público
nerd e geek O
s Vingadores (2012),
em 8º; Jurassic World (2015) em 6º;
Vingadores: Guerra Infinita (2018) em
5º; Star Wars
O Despertar da Força
(2015) em 4º; Avatar (2009), em 2º; e
Vingadores: Ultimato (2019) em 1º. Ou
seja, o impacto cinematográfico das
narrativas d
esse estilo é percebido por
serem produzidos diversos filmes com
alta lucratividade, especialmente com
a grande popularidade do Universo
Cinematográfico da Marvel e a sua
culminância nos filmes dos
Vingadores, que ocupam três posições
nessa lista. É import
ante citar que
Vingadores: Ultimato (2019),
ultrapassou Avatar (2009) que
permaneceu no topo desta lista por
quase dez anos.
Assim, conclui-
se que essa
tríade
consumo, identidade e
representatividade
é, de fato,
pertinente quando se trata de pesquisa
sobre cultura nerd e geek. Apesar de
múltiplo, o consumo é uma forma de
5
De acordo com levantamento atualizado no
ano de 2021. Disponível em:
https://www.tecmundo.com.br/cultura
geek/210429-10-maiores-
bilheterias
tempos-cinema.htm.
Acesso em: 30/04/2021
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. ‘I
: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
, seis desses
filmes são considerados narrativas da
cultura pop, apreciadas pelo público
s Vingadores (2012),
em 8º; Jurassic World (2015) em 6º;
Vingadores: Guerra Infinita (2018) em
O Despertar da Força
(2015) em 4º; Avatar (2009), em 2º; e
Vingadores: Ultimato (2019) em . Ou
seja, o impacto cinematográfico das
esse estilo é percebido por
serem produzidos diversos filmes com
alta lucratividade, especialmente com
a grande popularidade do Universo
Cinematográfico da Marvel e a sua
culminância nos filmes dos
Vingadores, que ocupam três posições
ante citar que
Vingadores: Ultimato (2019),
ultrapassou Avatar (2009) que
permaneceu no topo desta lista por
se que essa
consumo, identidade e
é, de fato,
pertinente quando se trata de pesquisa
sobre cultura nerd e geek. Apesar de
múltiplo, o consumo é uma forma de
De acordo com levantamento atualizado no
https://www.tecmundo.com.br/cultura
-
bilheterias
-todos-
Acesso em: 30/04/2021
reafirmar seus interesses, e pode
gerar identificação por outrem, o que
fortalece a confluência como um
grupo. Foi possível perceber, também,
que o nerd tem se tornado foco do
mercado,
em razão dessa construção
identitária ser pautada pelo consumo.
O nerd e o geek o consumidores
ávidos e utilizam-
se de seu capital
simbólico para reafirmar seu papel de
entre indivíduos e também validar
seu espaço e poder perante outras
subculturas.
Uma cultura múltipla: os nichos
presentes no universo nerd e geek
Embora a considerada cultura
nerd” seja vista como um grande
universo abrangente, é importante
frisar que os que se identificam como
nerds e geeks nem sempre têm os
mesmos gostos e opiniõe
nerd é uma espécie de guarda
que abriga diversas comunidades e
nichos com interesses diversos. É
possível que uma pessoa que se
considera nerd seja parte de diversos
grupos dentro desta cultura, ou que
participe ativamente de apenas um
nenhuma dessas opções o tornaria
mais ou menos nerd (CARVALHO,
2017).
431
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
reafirmar seus interesses, e pode
gerar identificação por outrem, o que
fortalece a confluência como um
grupo. Foi possível perceber, também,
que o nerd tem se tornado foco do
em razão dessa construção
identitária ser pautada pelo consumo.
O nerd e o geek são consumidores
se de seu capital
simbólico para reafirmar seu papel de
fã entre indivíduos e também validar
seu espaço e poder perante outras
Uma cultura múltipla: os nichos
presentes no universo nerd e geek
Embora a considerada “cultura
nerd seja vista como um grande
universo abrangente, é importante
frisar que os que se identificam como
nerds e geeks nem sempre têm os
mesmos gostos e opiniõe
s. O universo
nerd é uma espécie de guarda
-chuva,
que abriga diversas comunidades e
nichos com interesses diversos. É
possível que uma pessoa que se
considera nerd seja parte de diversos
grupos dentro desta cultura, ou que
participe ativamente de apenas um
, e
nenhuma dessas opções o tornaria
mais ou menos nerd (CARVALHO,
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. I
am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
Para citar alguns exemplos que
serão trabalhados mais adiante,
podemos destacar os aficionados em
cultura pop, especialmente os
universos de histórias em quadrinhos,
super-heróis, fi
lmes e séries de ficção
científica e grandes sagas épicas. E
nesse contexto, a ideia de
trabalhada por Jenkins (1992) é
essencial, visto que uma grande
variedade de gêneros, estilos e
empresas que são responsáveis por
essas produções. Dentre as m
populares podemos destacar a
e a DC Comics
, que produzem
conteúdos de quadrinhos, super
e suas adaptações, nas mais diversas
plataformas. também a saga Star
Wars da LucasFilm
, as histórias de J.
R. R. Tolkien -
em especial O Senhor
dos
Anéis e O Hobbit
britânica Doctor Who, as histórias do
universo de Star Trek, e diversas
outras produções.
também os chamados
otakus
, que em seu contexto original
era um termo usado para designar os
jovens japoneses que “preferem isolar
se
em um mundo virtual, onde
imperam os comics e mangás (...), as
bonecas barbies e os desenhos
animados, os games, a internet e o
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: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
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(Fluxo contínuo)
Para citar alguns exemplos que
serão trabalhados mais adiante,
podemos destacar os aficionados em
cultura pop, especialmente os
universos de histórias em quadrinhos,
lmes e séries de ficção
científica e grandes sagas épicas. E
nesse contexto, a ideia de
fandom
trabalhada por Jenkins (1992) é
essencial, visto que há uma grande
variedade de gêneros, estilos e
empresas que são responsáveis por
essas produções. Dentre as m
ais
populares podemos destacar a
Marvel
, que produzem
conteúdos de quadrinhos, super
-heróis
e suas adaptações, nas mais diversas
plataformas. Há também a saga Star
, as histórias de J.
em especial O Senhor
Anéis e O Hobbit
-, a série
britânica Doctor Who, as histórias do
universo de Star Trek, e diversas
Há também os chamados
, que em seu contexto original
era um termo usado para designar os
jovens japoneses que preferem isolar
-
em um mundo virtual, onde
imperam os comics e mangás (...), as
bonecas barbies e os desenhos
animados, os games, a internet e o
mundo pop” (ENNE, 2006), mas que
no atual contexto nacional se entende
como os que apreciam a cultura pop
japonesa, especialment
histórias em quadrinhos e desenhos
animados, chamados respectivamente
de mangás e animes.
Outra grande porção da
comunidade nerd é constituída pelos
entusiastas de jogos, e neste contexto
podemos destacar especialmente três
categorias: jogos eletrô
tabuleiro e jogos de interpretação de
papéis.
Em relação aos jogos
eletrônicos, os videogames, temos os
jogos dos mais diversos gêneros
elaborados para consoles ou
computador, que podem ser jogados
individualmente ou em grupo e que
geram c
onstantes debates e trocas
entre seus apreciadores. Uma prática
comum atualmente para os
de fazer transmissões de suas
sessões de jogos
streams -
para que eles possam
comentar sobre suas partidas
enquanto jogam.
Os jogos de tabule
denominados com base nos jogos nos
quais existe um quadro ou placa de
base, e a partida acontece em cima
432
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- ISSN 2237-1508
mundo pop (ENNE, 2006), mas que
no atual contexto nacional se entende
como os que apreciam a cultura pop
japonesa, especialment
e suas
histórias em quadrinhos e desenhos
animados, chamados respectivamente
de mangás e animes.
Outra grande porção da
comunidade nerd é constituída pelos
entusiastas de jogos, e neste contexto
podemos destacar especialmente três
categorias: jogos eletrô
nicos, jogos de
tabuleiro e jogos de interpretação de
Em relação aos jogos
eletrônicos, os videogames, temos os
jogos dos mais diversos gêneros
elaborados para consoles ou
computador, que podem ser jogados
individualmente ou em grupo e que
onstantes debates e trocas
entre seus apreciadores. Uma prática
comum atualmente para os
gamers é a
de fazer transmissões de suas
sessões de jogos
- chamadas de
para que eles possam
comentar sobre suas partidas
Os jogos de tabule
iro são assim
denominados com base nos jogos nos
quais existe um quadro ou placa de
base, e a partida acontece em cima
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am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
dele, com base em percursos,
objetivos ou desafios. Porém,
atualmente o termo é amplamente
utilizado, “abrangendo jogos que se
jogam sobr
e uma mesa, mesmo os
que não têm tabuleiros propriamente
ditos -
como os jogos de cartas
tradicionais e os muitos jogos de
cartas modernos” (DUARTE, 2012). É
bastante comum a prática de
colecionar jogos, e existem até mesmo
locais específicos para locação
mesmos -
chamadas ludotecas
restaurantes que se propõe a
disponibilizar jogos para seus clientes
pelo tempo em que estiverem no local.
os jogos de interpretação de
papéis, os chamados RPGs
trabalham um aspecto mais lúdico.
Neles, é necessário
que cada jogador
crie uma ficha de personagem,
contendo todas as informações sobre
o mesmo. Após a criação dos
personagens, o mestre do jogo os
conduz por uma história na qual suas
decisões serão tomadas e a eficácia
de suas ações é determinada de forma
al
eatória através de rolagens de
dados, definindo se obteve sucesso ou
fracasso em seu objetivo, dependendo
6
Abreviação do termo em inglês
Game.
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(Fluxo contínuo)
dele, com base em percursos,
objetivos ou desafios. Porém,
atualmente o termo é amplamente
utilizado, abrangendo jogos que se
e uma mesa, mesmo os
que não têm tabuleiros propriamente
como os jogos de cartas
tradicionais e os muitos jogos de
cartas modernos (DUARTE, 2012). É
bastante comum a prática de
colecionar jogos, e existem até mesmo
locais específicos para locação
dos
chamadas ludotecas
- e
restaurantes que se propõe a
disponibilizar jogos para seus clientes
pelo tempo em que estiverem no local.
Já os jogos de interpretação de
papéis, os chamados RPGs
6
,
trabalham um aspecto mais lúdico.
que cada jogador
crie uma ficha de personagem,
contendo todas as informações sobre
o mesmo. Após a criação dos
personagens, o mestre do jogo os
conduz por uma história na qual suas
decisões serão tomadas e a eficácia
de suas ações é determinada de forma
eatória através de rolagens de
dados, definindo se obteve sucesso ou
fracasso em seu objetivo, dependendo
Abreviação do termo em inglês
Role Playing
do sistema em que o jogo é
ambientado. Chamamos de sistema o
modo de jogo, que determina o
contexto no qual os jogadores estão
inseridos e a aventura
Cada sistema contém as regras que
regem a lógica do jogo (LINS, 2017) e
do mundo no qual ele se ambienta.
Eles podem variar de aventuras
medievais e épicas, a histórias
futuristas ou distópicas.
Desta maneira, é possível
perceber que embora
de generalização da cultura nerd, ela é
extremamente ampla, e possui
diversas vertentes dos mais variados
assuntos, temas e neros narrativos.
Mas apesar de tantos espaços e
nichos dentro deste universo, na
maioria deles um denominador c
é perceptível: a presença feminina
pode causar incômodos e
reclamações.
“Menina não entra!”: o machismo e
suas implicações
Como mencionado, o aumento
das possibilidades de consumo e a
ampliação dos contatos através das
tecnologias digitais redundaram num
crescimento deste grupo de interesses
433
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do sistema em que o jogo é
ambientado. Chamamos de sistema o
modo de jogo, que determina o
contexto no qual os jogadores estão
inseridos e a aventura
será realizada.
Cada sistema contém as regras que
regem a lógica do jogo (LINS, 2017) e
do mundo no qual ele se ambienta.
Eles podem variar de aventuras
medievais e épicas, a histórias
futuristas ou distópicas.
Desta maneira, é possível
perceber que embora
exista uma ideia
de generalização da cultura nerd, ela é
extremamente ampla, e possui
diversas vertentes dos mais variados
assuntos, temas e gêneros narrativos.
Mas apesar de tantos espaços e
nichos dentro deste universo, na
maioria deles um denominador c
omum
é perceptível: a presença feminina
pode causar incômodos e
Menina não entra!”: o machismo e
Como mencionado, o aumento
das possibilidades de consumo e a
ampliação dos contatos através das
tecnologias digitais redundaram num
crescimento deste grupo de interesses
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. I
am no man
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22, p. 425-442, mar. 2022.
comuns. Não é de estranhar, portanto,
que a participação feminina neste
nicho tenha cr
escido o suficiente para
criar algumas situações que no
passado eram inimagináveis. Se antes
era um espaço ocupado por pessoas
que, sofrendo pressões sociais, se
juntavam entre semelhantes até como
forma de reforço de identidade e
gostos, agora o reforço p
ermanece e,
como ser nerd caiu no
mainstream
no que se considera
cool
2009), a popularização redundou em
uma necessidade destes grupos
estabelecerem fronteiras de forma
rotineira e, algumas vezes, agressiva.
No sentido acima indicado temos
prov
as quotidianas de validação e
revalidação de pertencimento destes
grupos em contatos sociais mediados
ou não por computadores e
smartphones.
Tendo sido um Clube do
Bolinha”
7
por muito tempo, o lugar de
meninos e nunca de meninas, que ali
entravam em s
eus sonhos,
7
Bolinha é um personagem das histórias de
Luluzinha, uma série de histórias em
quadrinhos e desenhos animados baseados
na personagem homônima criada pela
cartunista Marjorie Henderson Buell no ano de
1935. Ele era o líder do clube dos meninos
que possuía o lema: “Menina não entra!, que
dá o título a este item.
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. ‘I
: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
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(Fluxo contínuo)
comuns. Não é de estranhar, portanto,
que a participação feminina neste
escido o suficiente para
criar algumas situações que no
passado eram inimagináveis. Se antes
era um espaço ocupado por pessoas
que, sofrendo pressões sociais, se
juntavam entre semelhantes até como
forma de reforço de identidade e
ermanece e,
mainstream
e
cool”
(TOCCI,
2009), a popularização redundou em
uma necessidade destes grupos
estabelecerem fronteiras de forma
rotineira e, algumas vezes, agressiva.
No sentido acima indicado temos
as quotidianas de validação e
revalidação de pertencimento destes
grupos em contatos sociais mediados
ou não por computadores e
Tendo sido um “Clube do
por muito tempo, o lugar de
meninos e nunca de meninas, que ali
eus sonhos,
Bolinha é um personagem das histórias de
Luluzinha, uma série de histórias em
quadrinhos e desenhos animados baseados
na personagem homônima criada pela
cartunista Marjorie Henderson Buell no ano de
1935. Ele era o líder do clube dos meninos
que possuía o lema: Menina não entra!”, que
percebe-
se com força desproporcional
-
para os avanços sociais e de
respeito mútuo e de diversidade que
temos nos esforçado para ter nos dias
de hoje -
o estranhamento dos
coletivos que podem ser rotulados
nerds com figuras femininas.
Essa revolução
gerando rivalidades entre os
diversos tipos de apreciadores da
cultura pop
. Antes um grupo
unido, a comunidade
se compartimentaliza em diversas
tribos, gerando um
tóxico, rancoroso e
preconceituoso
que mais sofre preconceito dentro
da comunidade
mulheres. (MESQUITA, 2018)
Então
se considera
sociedade machista beirando a
misoginia, um
grupo que tornou
tóxico com o tempo, e uma
participação mais efetiva do público
feminino no nicho anteriormente
masculino contabilizado em 2016
(PUIG, 2018) mostrando que a
participação feminina em games no
Brasil era de 52%, e nos E.U.A. 43%
dos consum
idores de quadrinhos eram
mulheres. Com isso, não é incomum
que a misoginia se torne explícita no
anonimato e seja justificada pelos
desejos dos próprios interlocutores
que a psicologia chama de inversão de
434
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- ISSN 2237-1508
se com força desproporcional
para os avanços sociais e de
respeito mútuo e de diversidade que
temos nos esforçado para ter nos dias
o estranhamento dos
coletivos que podem ser rotulados
nerds com figuras femininas.
Essa revolução
nerd acabou
gerando rivalidades entre os
diversos tipos de apreciadores da
. Antes um grupo
unido, a comunidade
nerd agora
se compartimentaliza em diversas
tribos, gerando um
ambiente
tóxico, rancoroso e
preconceituoso
. Um dos grupos
que mais sofre preconceito dentro
da comunidade
nerd é o das
mulheres. (MESQUITA, 2018)
se considera
: uma
sociedade machista beirando a
grupo que tornou
-se
tóxico com o tempo, e uma
participação mais efetiva do público
feminino no nicho anteriormente
masculino contabilizado em 2016
(PUIG, 2018) mostrando que a
participação feminina em games no
Brasil era de 52%, e nos E.U.A. 43%
idores de quadrinhos eram
mulheres. Com isso, o é incomum
que a misoginia se torne explícita no
anonimato e seja justificada pelos
desejos dos próprios interlocutores
- o
que a psicologia chama de inversão de
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. I
am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
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culpa. Neste sentido, o que mulheres
sofrem c
om o machismo é
considerado culpa delas mesmas.
Imagem 1 -
Culpabilização da vítima.
É então comum que as mulheres
sejam tratadas como não pertencentes
a este mundo de nerds
definição de alguns, é masculino
exclusivamente. Também há as
críticas às mulheres que não apenas
consomem, mas buscam por uma
melhor representatividade dentro das
produções, que são chamadas de
“lacradoras”, em referência ao jargão
popular que
significa “arrasar, mas
que neste sentido assume uma
conotação de deboche, insinuando
que elas buscam essa
representatividade para aparecer e
tomar o lugar masculino.
8
Comentário encontrado em
https://escrevalolaescreva.blogspot.com/2018/
07/misoginia-vinganca-dos-
nerds.html
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: a presença feminina no universo nerd e geek
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(Fluxo contínuo)
culpa. Neste sentido, o que mulheres
om o machismo é
considerado culpa delas mesmas.
Culpabilização da vítima.
8
É então comum que as mulheres
sejam tratadas como não pertencentes
a este mundo de nerds
que, pela
definição de alguns, é masculino
exclusivamente. Também as
críticas às mulheres que não apenas
consomem, mas buscam por uma
melhor representatividade dentro das
produções, que são chamadas de
lacradoras, em referência ao jargão
significa arrasar”, mas
que neste sentido assume uma
conotação de deboche, insinuando
que elas só buscam essa
representatividade para aparecer e
https://escrevalolaescreva.blogspot.com/2018/
nerds.html
Imagem 2 -
Comentário afirmando que
mulheres não pertencem à cultura nerd.
Ao c
onsiderarmos que os limites
do “ser nerd” passam pelo consumo,
sendo um fenômeno inserido no
capitalismo, a questão que se traz à
baila é: quem é o sujeito, o alvo destas
produções/objetos de consumo.
Observando os exemplos
apresentados, não resta dúvida
este sujeito é homem, branco,
heterossexual e cisgênero, enquanto
as mulheres apenas existem nesse
meio para dar sentido aos desejos e
9
Comentário de 03.08.2019 no Blog Jovem
Nerd: https://www.jov
emnerd.com.br
10
Conforme já discutido em CASTRO, F. L. A
arte dos quadrinhos e a Comic Con 2018: uma
análise da participação feminina. XV Enecult
encontro de estudos multidisciplinares em
cultura. Disponível em:
http://www.xvenecult.ufba.br/modulos/su
ao/Upload-48
4/111624.pdf
2019.
435
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Comentário afirmando que
mulheres não pertencem à cultura nerd.
9
onsiderarmos que os limites
do ser nerd passam pelo consumo,
sendo um fenômeno inserido no
capitalismo, a questão que se traz à
baila é: quem é o sujeito, o alvo destas
produções/objetos de consumo.
10
Observando os exemplos
apresentados, não resta dúvida
que
este sujeito é homem, branco,
heterossexual e cisgênero, enquanto
as mulheres apenas existem nesse
meio para dar sentido aos desejos e
Comentário de 03.08.2019 no Blog Jovem
emnerd.com.br
.
Conforme já discutido em CASTRO, F. L. A
arte dos quadrinhos e a Comic Con 2018: uma
análise da participação feminina. XV Enecult
-
encontro de estudos multidisciplinares em
http://www.xvenecult.ufba.br/modulos/su
bmiss
4/111624.pdf
. Acesso em: 30 set.
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. I
am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
ideais do mesmo, mas nunca como
suas pares, o que Laura Mulvey
chama de Male Gaze.
A mulher, desta forma, existe na
c
ultura patriarcal como o
significante do outro masculino,
presa por uma ordem simbólica
na qual o homem pode exprimir
suas fantasias e obsessões
através do comando lingüístico,
impondo-
as sobre a imagem
silenciosa da mulher, ainda presa
a seu lugar como po
significado e não produtora de
significado. (MULVEY, 2008, p.
7).
A figura feminina usada como
chamariz para o público é uma prática
comum, pois a sua presença auxilia no
objetivo de obter boas bilheterias. Um
estudo divulgado em 2018
em 350 das melhores bilheterias no
cinema mundial de 2014 a 2017 indica
que do total, 105 tiveram protagonistas
mulheres e 245 homens, e a média
entre investimento e bilheteria apontou
um lucro mais robusto em filmes
protagonizados por mulheres. Não
obsta
nte, o protagonismo não é o
único indicativo que importa para
nossa análise. O estudo acima
indicado tomou os filmes cujas atrizes
são as principais em detrimento dos
homens e os fez passar pelo Bechdel
11
Disponível em: ht
tps://shift7.com/media
research
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. ‘I
: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
ideais do mesmo, mas nunca como
suas pares, o que Laura Mulvey
A mulher, desta forma, existe na
ultura patriarcal como o
significante do outro masculino,
presa por uma ordem simbólica
na qual o homem pode exprimir
suas fantasias e obsessões
através do comando lingüístico,
as sobre a imagem
silenciosa da mulher, ainda presa
a seu lugar como po
rtadora de
significado e não produtora de
significado. (MULVEY, 2008, p.
A figura feminina usada como
chamariz para o público é uma prática
comum, pois a sua presença auxilia no
objetivo de obter boas bilheterias. Um
estudo divulgado em 2018
11
, baseado
em 350 das melhores bilheterias no
cinema mundial de 2014 a 2017 indica
que do total, 105 tiveram protagonistas
mulheres e 245 homens, e a média
entre investimento e bilheteria apontou
um lucro mais robusto em filmes
protagonizados por mulheres. Não
nte, o protagonismo não é o
único indicativo que importa para
nossa análise. O estudo acima
indicado tomou os filmes cujas atrizes
são as principais em detrimento dos
homens e os fez passar pelo Bechdel
tps://shift7.com/media
-
Test
12
, que consiste em considerar três
elementos: pos
suir duas ou mais
personagens femininas com nomes e
espaço na história, e a existência de
um diálogo entre mulheres sobre algo
que o sejam homens. Daí supomos
estar o incômodo de alguns indivíduos
do sexo masculino acostumados com
a naturalização do pro
masculino.
Os filmes para o público nerd,
entretanto, encontram muita
resistência -
do público masculino
quanto a feminilização
cinematográficas. Cada vez que uma
produção de cinema ou de TV traz
protagonistas mulheres, vê
enxurrada de lamúrias e oposição nas
redes sociais, notadamente nas
brasileiras. As reclamações são
maiores e mais frequentes em casos
de p
roduções consagradas e/ou que
possuíssem elencos majoritariamente
masculinos, como é o caso da saga
Star Wars
, criada pelo cineasta
George Lucas. Em 2015 foi anunciado
o retorno da franquia, após 10 anos de
seu último lançamento, com o filme O
Despertar da
Força, trazendo uma
12
Pode-
se conferir uma lista de filmes que
passaram por este crivo em
https://bechdeltest.com/.
436
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
, que consiste em considerar três
suir duas ou mais
personagens femininas com nomes e
espaço na história, e a existência de
um diálogo entre mulheres sobre algo
que não sejam homens. Daí supomos
estar o incômodo de alguns indivíduos
do sexo masculino acostumados com
a naturalização do pro
tagonismo
Os filmes para o público nerd,
entretanto, encontram muita
do público masculino
-
quanto a feminilização
das produções
cinematográficas. Cada vez que uma
produção de cinema ou de TV traz
protagonistas mulheres,
-se uma
enxurrada de lamúrias e oposição nas
redes sociais, notadamente nas
brasileiras. As reclamações são
maiores e mais frequentes em casos
roduções consagradas e/ou que
possuíssem elencos majoritariamente
masculinos, como é o caso da saga
, criada pelo cineasta
George Lucas. Em 2015 foi anunciado
o retorno da franquia, após 10 anos de
seu último lançamento, com o filme O
Força, trazendo uma
se conferir uma lista de filmes que
passaram por este crivo em
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. I
am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
personagem feminina como
protagonista, o que causou muitas
reclamações de fãs antigos da saga.
Em 2016 foi lançado mais um filme,
Rogue One: Uma História Star Wars,
que novamente apresentou uma
protagonista feminina, causando uma
nova
leva de contestações pela
escolha de protagonista, como
exemplificamos abaixo:
Imagem 3 -
comentários do facebook
(https://facebook.com/
) no lançamento de
Rogue One: Uma História Star Wars
E não é apenas nos papéis de
protagonismo que a presença feminina
causa incômodo, ocasionalmente uma
simples cena pode causar
estranhamento ou dificuldade de
aceitação, como é o caso da cena cuja
fala título a este artigo. A cena em
questão é parte do f
ilme O Senhor dos
Anéis: O Retorno do Rei (2003), na
qual o Rei Bruxo de Angmar se gaba
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. ‘I
: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
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(Fluxo contínuo)
personagem feminina como
protagonista, o que causou muitas
reclamações de fãs antigos da saga.
Em 2016 foi lançado mais um filme,
Rogue One: Uma História Star Wars,
que novamente apresentou uma
protagonista feminina, causando uma
leva de contestações pela
escolha de protagonista, como
comentários do facebook
) no lançamento de
Rogue One: Uma História Star Wars
E não é apenas nos papéis de
protagonismo que a presença feminina
causa incômodo, ocasionalmente uma
simples cena pode causar
estranhamento ou dificuldade de
aceitação, como é o caso da cena cuja
fala dá título a este artigo. A cena em
ilme O Senhor dos
Anéis: O Retorno do Rei (2003), na
qual o Rei Bruxo de Angmar se gaba
de que enfrentá-
lo é inútil pois existe
uma profecia que afirma que nenhum
homem mortal poderá matá
dito pelo próprio personagem no filme:
“Seu tolo, nenhum ho
matar.”), e com isso a personagem
Éowyn tira seu capacete e diz I am no
man”
“Eu não sou um homem, em
tradução livre
, e consegue golpeá
culminando em sua morte. A cena
tornou-
se clássica para a saga, e
extremamente significante,
espec
ialmente para mulheres que
gostam da história. Entretanto, existe
uma postagem no site Reddit, um
fórum online, na qual um usuário
afirma que considera a cena simples
demais:
A cena próxima ao fim da trilogia
onde a garota estava falando com
o Rei Bruxo e
homem pode me matar, e ela foi
toda “mas eu não sou homem e
então matou o Rei, foi meio brega
pra mim. (...) Por favor, notem
que eu não li os livros (embora
ainda planeje ler), e se existe
alguma coisa que eu esteja
perdendo por ter só
filmes, estou aberto a novas
ideias. Acredite, se eu estou
falhando em ver algo e não é só o
fato de ela ser mulher que
permite que ela mate o Rei
Bruxo, eu aceitaria no mesmo
instante e mudaria
completamente minha visão
sobre a cena. Só pare
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- ISSN 2237-1508
lo é inútil pois existe
uma profecia que afirma que nenhum
homem mortal pode matá
-lo (como
dito pelo próprio personagem no filme:
Seu tolo, nenhum ho
mem pode me
matar.), e com isso a personagem
Éowyn tira seu capacete e diz “I am no
Eu não sou um homem”, em
, e consegue golpeá
-lo,
culminando em sua morte. A cena
se clássica para a saga, e
extremamente significante,
ialmente para mulheres que
gostam da história. Entretanto, existe
uma postagem no site Reddit, um
fórum online, na qual um usuário
afirma que considera a cena simples
A cena próxima ao fim da trilogia
onde a garota estava falando com
o Rei Bruxo e
ele disse ‘Nenhum
homem pode me matar’, e ela foi
toda mas eu não sou homem” e
então matou o Rei, foi meio brega
pra mim. (...) Por favor, notem
que eu não li os livros (embora
ainda planeje ler), e se existe
alguma coisa que eu esteja
perdendo por ter
assistido os
filmes, estou aberto a novas
ideias. Acredite, se eu estou
falhando em ver algo e não é só o
fato de ela ser mulher que
permite que ela mate o Rei
Bruxo, eu aceitaria no mesmo
instante e mudaria
completamente minha visão
sobre a cena. pare
ceu
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am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
meio...simples demais pra mim
(REDDIT, 2012.)
13
.
Em jogos eletrônicos, dada a
extensão das possibilidades de análise
do sexismo nestes, são apresentados
dois casos relevantes para que se
possa ter ideia da toxicidade
masculina neste meio. Tendo início
2014 após uma desenvolvedora de
jogos ser acusada de estar se
relacionando com jornalistas para
conseguir boas resenhas, o
Gamergate
foi um movimento de ódio
contra o desenvolvedor que espalhou
se principalmente para mulheres com
ataques misóginos e dev
astadores.
Na prática, o Gamergate investiu
muito mais no ataque
principalmente misógino, mas
também homofóbico, transfóbico
e racista a trabalhadoras/es da
indústria, crítica e demais
membros da cultura de jogos
digitais (BURGESS; META
-
FERNANDÉZ, 2016). Suas
principais vítimas, além de Zoë
Quinn, foram a crítica feminista
de jogos Anita Sarkeesian e a
game designer Brianna Wu.
Enquanto ambas sofreram as
mesmas ameaças e vazamento
de informações de Quinn,
Sa
rkeesian teve cancelar uma
palestra que daria na Utah State
University por essa sofrer uma
ameaça de tiroteio em massa
13
Tradução própria. O comentário original em
inglês pode ser encontrado em
https://www.reddit.com/r/lotr/comments/128q
/the_whole_i_am_no_man_line/
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: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
meio...simples demais pra mim
Em jogos eletrônicos, dada a
extensão das possibilidades de análise
do sexismo nestes, são apresentados
dois casos relevantes para que se
possa ter ideia da toxicidade
masculina neste meio. Tendo início
em
2014 após uma desenvolvedora de
jogos ser acusada de estar se
relacionando com jornalistas para
conseguir boas resenhas, o
foi um movimento de ódio
contra o desenvolvedor que espalhou
-
se principalmente para mulheres com
astadores.
Na prática, o Gamergate investiu
muito mais no ataque
principalmente misógino, mas
também homofóbico, transfóbico
e racista a trabalhadoras/es da
indústria, crítica e demais
membros da cultura de jogos
digitais (BURGESS; META
MORO
FERNANDÉZ, 2016). Suas
principais vítimas, além de Zoë
Quinn, foram a crítica feminista
de jogos Anita Sarkeesian e a
game designer Brianna Wu.
Enquanto ambas sofreram as
mesmas ameaças e vazamento
de informações de Quinn,
rkeesian teve cancelar uma
palestra que daria na Utah State
University por essa sofrer uma
ameaça de tiroteio em massa
Tradução própria. O comentário original em
https://www.reddit.com/r/lotr/comments/128q
c3
(AHMED; MARCO, 2014),
enquanto Wu teve de fugir de sua
casa após receber ameaças de
estupro citando seu endereço
residencial
aconteceu com seus parentes
próximos (TOTLO, 2014).
(GOULART; NARDI, 2017, p.
255)
Em um exemplo mais recente,
em setembro de 2020 a jogadora
brasileira Isadora Basile estreou como
apresentadora do canal da marca
Xbox no Youtube. Apenas um mês
depoi
s, em outubro, ela anunciou que
desde que começou seu trabalho,
estava sendo criticada por não jogar
determinados jogos e que por isso ela
não seria “digna” de seu cargo, além
de estar recebendo diversas ameaças
de morte e estupro, e sofrendo
perseguição e
m suas redes sociais, e
por isso havia sido desligada do cargo
pela Microsoft, para evitar sua
exposição a esse tipo de assédio
No mundo dos jogos de tabuleiro
para jovens e adultos não é
diferente
15
. Em entrevista com o
14
Matéria sobre o caso disponível em:
https://www.uol.com.br/start/ultimas
noticias/2020/10/16/microsoft
apresentadora-apos-
assedio
morte.htm. Acesso em:
30/0
15
Não estamos contando aqui também jogos
infantis que partem de uma divisão de gênero
contundente.
438
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- ISSN 2237-1508
(AHMED; MARCO, 2014),
enquanto Wu teve de fugir de sua
casa após receber ameaças de
estupro citando seu endereço
algo que também
aconteceu com seus parentes
próximos (TOTLO, 2014).
(GOULART; NARDI, 2017, p.
Em um exemplo mais recente,
em setembro de 2020 a jogadora
brasileira Isadora Basile estreou como
apresentadora do canal da marca
Xbox no Youtube. Apenas um mês
s, em outubro, ela anunciou que
desde que começou seu trabalho,
estava sendo criticada por não jogar
determinados jogos e que por isso ela
não seria digna de seu cargo, além
de estar recebendo diversas ameaças
de morte e estupro, e sofrendo
m suas redes sociais, e
por isso havia sido desligada do cargo
pela Microsoft, para evitar sua
exposição a esse tipo de assédio
14
.
No mundo dos jogos de tabuleiro
para jovens e adultos o é
. Em entrevista com o
Matéria sobre o caso disponível em:
https://www.uol.com.br/start/ultimas
-
noticias/2020/10/16/microsoft
-demite-
assedio
-e-ameaca-de-
30/0
4/2020.
Não estamos contando aqui também jogos
infantis que partem de uma divisão de gênero
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. I
am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
produtor de conteúdo e colecionad
de jogos Átila Kawauti, dono de mais
de trezentos jogos, ele afirmou que
jogos estadunidenses não apresentam
muitos personagens femininos e estes,
quando muito, perfazem menos de
20% do elenco. Kawauti tem
predileção por jogos com miniaturas a
serem pin
tadas e estas são,
geralmente com temática medieval
que, a exemplo de produções como
Senhor dos Anéis e Game of Thrones,
a participação feminina é pífia e muitas
vezes sexualizada.
Imagem 5 -
Jogos de tabuleiro adulto/juvenis mais vendidos em 2020/2021 e relação personagens
Rotiroti
indica que somente dois jogos de tabuleiro nos catálogos de jogos
vendidos no Brasil têm como protagonista única uma personagem feminina:
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. ‘I
: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
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(Fluxo contínuo)
produtor de conteúdo e colecionad
or
de jogos Átila Kawauti, dono de mais
de trezentos jogos, ele afirmou que
jogos estadunidenses não apresentam
muitos personagens femininos e estes,
quando muito, perfazem menos de
20% do elenco. Kawauti tem
predileção por jogos com miniaturas a
tadas e estas o,
geralmente com temática medieval
que, a exemplo de produções como
Senhor dos Anéis e Game of Thrones,
a participação feminina é pífia e muitas
Entrevistamos também o dono da
loja de jogos Excelsior Board Games
da cidad
e de Jundiaí em São Paulo,
Rogério Rotiroti que, em concordância
com Kawauti indicou que os jogos dos
anos 90 apresentavam, em geral,
somente uma mulher, causando o
fenômeno conhecido como Princípio
da Smurfette”, termo cunhado por
Katha Pollitt em um art
York Times em 1991, que consiste em
ter uma personagem feminina no meio
de vários personagens masculinos.
Jogos de tabuleiro adulto/juvenis mais vendidos em 2020/2021 e relação personagens
masculinos e femininos`.
indica que somente dois jogos de tabuleiro nos catálogos de jogos
vendidos no Brasil têm como protagonista única uma personagem feminina:
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- ISSN 2237-1508
Entrevistamos também o dono da
loja de jogos Excelsior Board Games
e de Jundi em São Paulo,
Rogério Rotiroti que, em concordância
com Kawauti indicou que os jogos dos
anos 90 apresentavam, em geral,
somente uma mulher, causando o
fenômeno conhecido como “Princípio
da Smurfette, termo cunhado por
Katha Pollitt em um art
igo do New
York Times em 1991, que consiste em
ter uma personagem feminina no meio
de vários personagens masculinos.
Jogos de tabuleiro adulto/juvenis mais vendidos em 2020/2021 e relação personagens
indica que somente dois jogos de tabuleiro nos catálogos de jogos
vendidos no Brasil têm como protagonista única uma personagem feminina:
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- Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 425-442, mar. 2022.
Cleópatra e The Few and Cursed. Mas ele também afirma que jogos bastante
vendidos nos últimos anos como Zombicide, Ma
Nemesis não têm exatamente um protagonista possui um certo equilíbrio entre os
personagens masculinos e femininos.
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: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
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Niterói/RJ, Ano 12, n.
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(Fluxo contínuo)
Cleópatra e The Few and Cursed. Mas ele também afirma que jogos bastante
vendidos nos últimos anos como Zombicide, Ma
nsions of Madness, Kick
Nemesis não têm exatamente um protagonista possui um certo equilíbrio entre os
personagens masculinos e femininos”.
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- ISSN 2237-1508
Cleópatra e The Few and Cursed. Mas ele também afirma que jogos bastante
nsions of Madness, Kick
-Ass e
Nemesis não têm exatamente um protagonista possui um certo equilíbrio entre os
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. I
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Imagem 6
-
Jogos de tabuleiros infantis, em geral não enquad
de nerds, carregam um sexismo ainda mais aparente em cores e temas. Para
meninas, princesas e muito rosa e lilás. Para meninos, ação e tons de azul. O
problema é que as meninas estão crescendo querendo a ação, e os meninos estão
considerando este fato uma invasão de seu território, por terem sido ensinados de
que aquele espaço é apenas deles.
Conclusão
Muito da identidade Nerd/geek passa pelo consumo, conforme já elencado
neste artigo, dando a estudiosas e estudiosos desta ex
uma gama bastante grande de meios para estudo de seu objeto. Assim temos
consciência que o escopo deste artigo não poderia dar conta de tão variadas
possibilidades
;
entretanto, é um ponto de partida para um debate necessário d
pesquisa que cada vez mais se mostra relevante.
Percebe-
se, portanto, que considerando mundo nerd no que mais este
admira, ele é um algo feito para homens e, não obstante termos mudanças
acontecendo, a resistência que ainda existe a elas tem sido
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(Fluxo contínuo)
-
capa do jogo de tabuleiro The Few and Cursed.
Jogos de tabuleiros infantis, em geral não enquad
rados como objeto de desejo
de nerds, carregam um sexismo ainda mais aparente em cores e temas. Para
meninas, princesas e muito rosa e lilás. Para meninos, ão e tons de azul. O
problema é que as meninas estão crescendo querendo a ação, e os meninos estão
considerando este fato uma invasão de “seu” território, por terem sido ensinados de
que aquele espaço é apenas deles.
Muito da identidade Nerd/geek passa pelo consumo, conforme já elencado
neste artigo, dando a estudiosas e estudiosos desta ex
pressão pública de identidade
uma gama bastante grande de meios para estudo de seu objeto. Assim temos
consciência que o escopo deste artigo não poderia dar conta de tão variadas
entretanto, é um ponto de partida para um debate necessário d
pesquisa que cada vez mais se mostra relevante.
se, portanto, que considerando “mundo” nerd no que mais este
admira, ele é um algo feito para homens e, não obstante termos mudanças
acontecendo, a resistência que ainda existe a elas tem sido
bastante nociva a
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- ISSN 2237-1508
rados como objeto de desejo
de nerds, carregam um sexismo ainda mais aparente em cores e temas. Para
meninas, princesas e muito rosa e lilás. Para meninos, ação e tons de azul. O
problema é que as meninas estão crescendo querendo a ação, e os meninos estão
considerando este fato uma invasão de seu território, por terem sido ensinados de
Muito da identidade Nerd/geek passa pelo consumo, conforme elencado
pressão pública de identidade
uma gama bastante grande de meios para estudo de seu objeto. Assim temos
consciência que o escopo deste artigo não poderia dar conta de tão variadas
entretanto, é um ponto de partida para um debate necessário d
e uma
se, portanto, que considerando mundo nerd no que mais este
admira, ele é um algo feito para homens e, não obstante termos mudanças
bastante nociva a
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. I
am no man
’: a presença feminina no universo nerd e geek
- Revista Latino-
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22, p. 425-442, mar. 2022.
mulheres. A rejeição ao nero feminino apenas atrasa, mas não impede a entrada
cada vez mais notável das mulheres nesse grupo.
Finalmente, sabemos que para os que vendem os produtos nerds
jogos, camisetas etc. -
o blico inter
seu gênero. Prevemos então que a reação tóxica masculina a longo prazo não
surtirá o efeito desejado e por este motivo temos elaborado através desta pesquisa
ramificações em estudos acerca da presença das mulher
Referências bibliográficas
BECKER, Howard.
Outsiders
Schwarcz-
Companhia das Letras, 2008.
BOURDIEU, Pierre.
A distinção
Porto Alegre: Zouk, 2007.
BOURDIEU, Pierre.
A dominação masculina
CARVALHO, Luiza.
Identidade e representação dos fãs de cultura nerd/geek
analisando a comic con experience. (Monografia de graduação em Produção
Cultural).
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017.
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Jogos de Tabuleiro no Design de Jogos Digitais
SBGames, Brasília, 2 a 4 de novembro de 2012.
ENNE, Ana Lucia Silva. À perplexidade, a complexidade: a relação entre consumo e
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Paulo, vol. 3, n.7 p. 11-
29. Jul. 2006
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A identidade cultural na pós
2006.
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Textual poachers
York ; London: Routledge, 1992.
JENKINS, Henry.
Cultura da convergência.
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Meu cosplay, minhas regras:
e do espaço da mulher no unive
Produção Cultural). Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017.
MATOS, Patrícia.
O nerd virou cool
cultura juvenil em ascensão. (Mestrado em Comunicação). Univer
Fluminense, Niterói, 2014.
CASTRO, Flávia Lages de; PEREIRA, Stephany Lins; CARVALHO, Luiza. ‘I
: a presença feminina no universo nerd e geek
. PragMATIZES
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Niterói/RJ, Ano 12, n.
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(Fluxo contínuo)
mulheres. A rejeição ao gênero feminino apenas atrasa, mas não impede a entrada
cada vez mais notável das mulheres nesse grupo.
Finalmente, sabemos que para os que vendem os produtos nerds
o público inter
essante é aquele que compra, não importando
seu gênero. Prevemos então que a reação xica masculina a longo prazo não
surtirá o efeito desejado e por este motivo temos elaborado através desta pesquisa
ramificações em estudos acerca da presença das mulher
es no mundo nerd.
Referências bibliográficas
Outsiders
: estudos de sociologia do desvio. o Paulo: Editora
Companhia das Letras, 2008.
A distinção
: crítica social do julgamento. o Paulo: Edusp;
A dominação masculina
. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
Identidade e representação dos fãs de cultura nerd/geek
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Finalmente, sabemos que para os que vendem os produtos nerds
- filmes,
essante é aquele que compra, não importando
seu gênero. Prevemos então que a reação tóxica masculina a longo prazo não
surtirá o efeito desejado e por este motivo temos elaborado através desta pesquisa
es no mundo nerd.
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