MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
Tambor sem fronteiras: ressonâncias da presença do candombe afro
DOI:
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v12i22.51358
Resumo
: O artigo narra a trajetória de criação de um coletivo musical de candombe afro
sul do Brasil, na região da campanha, fronteira com o Uruguai. A iniciativa está vinculada ao projeto
Tambor Sem Fronteiras
, coordenado por brasileiros integrantes
Fronteiras,da cidade de Bagé (RS), dentre os quais se inclui o autor do presente texto. Trata
uma ação transfronteiriça de integração e intercâmbio entre grupos culturais do Brasil e Uruguai,
objetivando a difusão da pr
sociais, artísticas e culturais do coletivo de tamborileiros e tamborileiras confluíram para a formação
de um corredor cultural de faixa de fronteira (ou uma rota dos tambores) fundamentad
aprendizado rítmico e na convivência com
apresenta, pois, uma discussão a respeito dos efeitos,
dos tambores piano, chico e
repique
pelos tambores, os agentes culturais fronteiriços costuram histórias comuns entre as culturas afro
brasileiras e afro-
uruguaias, muitas vezes percebidas como independentes e separadas por limites
nacionais, bem c
omo propõem outras formas de ocupação do espaço público da rua, ancoradas na
presença ressonante e
afectante
Palavras-chave
: Candombe afro
Tambor sin fronteras: resonancias
Brasil.
Resumen:
El artículo narra la trayectoria de creación de un colectivo musical de candombe afro
uruguayo en el sur de Brasil, en la región de la campaña, frontera con Uruguay. La iniciativa es
vinculada al proyecto
Tambor sem Fronteras
Cultura Pampa Sem Fronteras, de la ciudad de Bagé
presente texto. Se trata de una acción transfronteriza de integración e intercambio entre grupos
culturales de Brasil y Uruguay, objetivando la difusión de la práctica musical del candombe en el lado
brasileñ
o de la frontera. Las acciones sociales, artísticas y culturales del colectivo de tamborileros y
tamborileras confluyeron para la formación de un corredor cultural de franja de frontera (o una ruta de
los tambores) fundamentado en el aprendizaje rítmico y
candombe del interior del Uruguay. El texto presenta, pues, una discusión acerca de los efectos,
afectos y controversias generadas por el tránsito de los tambores
las fronteras geográfic
as. Al seguir la ruta trazada por los tambores, los agentes culturales fronterizos
cosen historias comunes entre las culturas afrobrasileñas y afrouruguayas, muchas veces percibidas
1
Lisandro Lucas de Lima Moura. Doutor em Antropologia pela Universidade Federal de Pelotas
(UFPel), Professor do Instituto Federal Sul
lisandromoura@gmail.com
https://orcid.org/0000
Recebido em 28/08/2021,
aceito para publicação em
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Tambor sem fronteiras: ressonâncias da presença do candombe afro
no sul do Brasil.
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v12i22.51358
Lisandro Lucas de Lima Moura
: O artigo narra a trajetória de criação de um coletivo musical de candombe afro
sul do Brasil, na região da campanha, fronteira com o Uruguai. A iniciativa está vinculada ao projeto
, coordenado por brasileiros integrantes
do Ponto de Cultura Pampa Sem
Fronteiras,da cidade de Bagé (RS), dentre os quais se inclui o autor do presente texto. Trata
uma ação transfronteiriça de integração e intercâmbio entre grupos culturais do Brasil e Uruguai,
ática musical do candombe no lado brasileiro da fronteira. As ações
sociais, artísticas e culturais do coletivo de tamborileiros e tamborileiras confluíram para a formação
de um corredor cultural de faixa de fronteira (ou uma rota dos tambores) fundamentad
aprendizado rítmico e na convivência com
comparsas
de candombe do interior do Uruguai. O texto
apresenta, pois, uma discuso a respeito dos efeitos,
afectos
e controvérsias geradas pelo trânsito
repique
para além das frontei
ras geográficas. Ao seguirem a rota traçada
pelos tambores, os agentes culturais fronteiriços costuram histórias comuns entre as culturas afro
uruguaias, muitas vezes percebidas como independentes e separadas por limites
omo propõem outras formas de ocupação do espaço público da rua, ancoradas na
afectante
dos tambores de candombe.
: Candombe afro
-
uruguaio; tambores; fronteira; coletivos culturais.
Tambor sin fronteras: resonancias
de la presencia del candombe afro-
uruguayo en el sur de
El artículo narra la trayectoria de creación de un colectivo musical de candombe afro
uruguayo en el sur de Brasil, en la región de la campaña, frontera con Uruguay. La iniciativa es
Tambor sem Fronteras
, coordinado por brasileños integrantes del Punto de
Cultura Pampa Sem Fronteras, de la ciudad de Bagé
(RS), entre los cuales se incluye al autor del
presente texto. Se trata de una acción transfronteriza de integración e intercambio entre grupos
culturales de Brasil y Uruguay, objetivando la difusión de la práctica musical del candombe en el lado
o de la frontera. Las acciones sociales, artísticas y culturales del colectivo de tamborileros y
tamborileras confluyeron para la formación de un corredor cultural de franja de frontera (o una ruta de
los tambores) fundamentado en el aprendizaje rítmico y
en la convivencia con
candombe del interior del Uruguay. El texto presenta, pues, una discusión acerca de los efectos,
afectos y controversias generadas por el tránsito de los tambores
piano, chico
y
as. Al seguir la ruta trazada por los tambores, los agentes culturales fronterizos
cosen historias comunes entre las culturas afrobrasileñas y afrouruguayas, muchas veces percibidas
Lisandro Lucas de Lima Moura. Doutor em Antropologia pela Universidade Federal de Pelotas
(UFPel), Professor do Instituto Federal Sul
-rio-gra
ndense (IFSul Campus Bagé), Brasil. E
https://orcid.org/0000
-0001-6554-6184 .
aceito para publicação em
25/01/20
22 e disponibilizado online em
01/03/2022.
163
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Tambor sem fronteiras: ressonâncias da presença do candombe afro
-uruguaio
Lisandro Lucas de Lima Moura
1
: O artigo narra a trajetória de criação de um coletivo musical de candombe afro
-uruguaio no
sul do Brasil, na região da campanha, fronteira com o Uruguai. A iniciativa está vinculada ao projeto
do Ponto de Cultura Pampa Sem
Fronteiras,da cidade de Bagé (RS), dentre os quais se inclui o autor do presente texto. Trata
-se de
uma ação transfronteiriça de integração e intercâmbio entre grupos culturais do Brasil e Uruguai,
ática musical do candombe no lado brasileiro da fronteira. As ões
sociais, artísticas e culturais do coletivo de tamborileiros e tamborileiras confluíram para a formação
de um corredor cultural de faixa de fronteira (ou uma rota dos tambores) fundamentad
o no
de candombe do interior do Uruguai. O texto
e controvérsias geradas pelo trânsito
ras geográficas. Ao seguirem a rota traçada
pelos tambores, os agentes culturais fronteiriços costuram histórias comuns entre as culturas afro
-
uruguaias, muitas vezes percebidas como independentes e separadas por limites
omo propõem outras formas de ocupação do espaço público da rua, ancoradas na
uruguaio; tambores; fronteira; coletivos culturais.
uruguayo en el sur de
El artículo narra la trayectoria de creación de un colectivo musical de candombe afro
-
uruguayo en el sur de Brasil, en la región de la campaña, frontera con Uruguay. La iniciativa es
, coordinado por brasileños integrantes del Punto de
(RS), entre los cuales se incluye al autor del
presente texto. Se trata de una acción transfronteriza de integración e intercambio entre grupos
culturales de Brasil y Uruguay, objetivando la difusión de la práctica musical del candombe en el lado
o de la frontera. Las acciones sociales, artísticas y culturales del colectivo de tamborileros y
tamborileras confluyeron para la formación de un corredor cultural de franja de frontera (o una ruta de
en la convivencia con
comparsas de
candombe del interior del Uruguay. El texto presenta, pues, una discusión acerca de los efectos,
y
repique más allá de
as. Al seguir la ruta trazada por los tambores, los agentes culturales fronterizos
cosen historias comunes entre las culturas afrobrasileñas y afrouruguayas, muchas veces percibidas
Lisandro Lucas de Lima Moura. Doutor em Antropologia pela Universidade Federal de Pelotas
ndense (IFSul Campus Bagé), Brasil. E
-mail:
22 e disponibilizado online em
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
como independientes y separadas por límites nacionales, así como proponen
ocupación del espacio público de la calle, ancladas en la presencia resonante y afectante de los
tambores de candombe.
Palabras clave
: Candombe afrouruguayo; tambores; frontera; colectivos culturales.
Drum without frontiers: resonances of the presence of Afro
Brazil.
Abstract:
The article narrates the trajectory of the creation of a musical collective of Afro
candombe
in southern Brazil, in the region of the campaign, bordering Uruguay. The initiative is linked
to the project
TamborSem Fronteiras
Fronteiras Culture Point, in the city of Bagé (RS), among which is the au
cross-
border action of integration and exchange between cultural groups from Brazil and Uruguay,
aiming at the difusion of the musical practice of candombe on the Brazilian side of the border. The
social, artistic and cultural
actions of the collective of drummers converged for the formation of a
cultural corridor of border strip (or a route of drums) based on rhythmic learning and coexistence with
candombe comparsas
from the interior of Uruguay. The text therefore presents a di
effects, affections and controversies generated by the transit of
beyond geographical borders. By following the route traced by the drums, border cultural agents
weave common stories between Afro
independent and separated by national boundaries, as well as proposing other forms of occupation of
the public space of the street, anchored in the resonant and affecting presence of candombe drums.
Keywords: Afro-
Uruguayan candombe; drums; frontier; cultural collectives.
Tambor sem fronteiras:
ressonâncias
O entendimento das relações
sociais no território da fronteira entre
Brasil e Uruguai está, em grande
parte, centrado no intermbio de
produtos comerciais, nas trocas
culturais e nos constantes
cruzamentos de pessoas e coisas, de
um lado a outro. As possi
oferecidas pelas cidades
-
fronteira seca acabam atraindo
centenas de pessoas que levam e
trazem produtos de ocasião de um
país a outro. A fronteira deixa de ser
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
como independientes y separadas por límites nacionales, así como proponen
ocupación del espacio público de la calle, ancladas en la presencia resonante y afectante de los
: Candombe afrouruguayo; tambores; frontera; colectivos culturales.
Drum without frontiers: resonances of the presence of Afro
-
Uruguayan candombe in southern
The article narrates the trajectory of the creation of a musical collective of Afro
in southern Brazil, in the region of the campaign, bordering Uruguay. The initiative is linked
TamborSem Fronteiras
, coordinated by Brazilian members of the Pampa Sem
Fronteiras Culture Point, in the city of Bagé (RS), among which is the au
thor of this text. This is a
border action of integration and exchange between cultural groups from Brazil and Uruguay,
aiming at the difusion of the musical practice of candombe on the Brazilian side of the border. The
actions of the collective of drummers converged for the formation of a
cultural corridor of border strip (or a route of drums) based on rhythmic learning and coexistence with
from the interior of Uruguay. The text therefore presents a di
effects, affections and controversies generated by the transit of
piano,
chico
beyond geographical borders. By following the route traced by the drums, border cultural agents
weave common stories between Afro
-Brazilian and Afro-
Uruguayan cultures, often perceived as
independent and separated by national boundaries, as well as proposing other forms of occupation of
the public space of the street, anchored in the resonant and affecting presence of candombe drums.
Uruguayan candombe; drums; frontier; cultural collectives.
ressonâncias
da presença do candombe afro
no sul do Brasil.
O entendimento das relações
sociais no território da fronteira entre
Brasil e Uruguai está, em grande
parte, centrado no intercâmbio de
produtos comerciais, nas trocas
culturais e nos constantes
cruzamentos de pessoas e coisas, de
um lado a outro. As possi
bilidades
-
gêmeas na
fronteira seca acabam atraindo
centenas de pessoas que levam e
trazem produtos de ocasião de um
país a outro. A fronteira deixa de ser
pensada em seu sentido usual, como
limite ou barreira, e passa a ser
pratica
da como zona móvel e fluida
que possibilita os trânsitos, as
passagens e os laços de cooperação.
H
á gente que mora no Uruguai e
trabalha no Brasil ou que mora no
Brasil e trabalha no Uruguai. Há gente
que tem pai uruguaio e mãe brasileira
e que sai do próp
rio país apenas para
buscar uns quilos de arroz,
combustível, gás, porque do outro lado
é sempre mais em conta.
164
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
como independientes y separadas por límites nacionales, así como proponen
otras formas de
ocupación del espacio público de la calle, ancladas en la presencia resonante y afectante de los
: Candombe afrouruguayo; tambores; frontera; colectivos culturales.
Uruguayan candombe in southern
The article narrates the trajectory of the creation of a musical collective of Afro
-Uruguayan
in southern Brazil, in the region of the campaign, bordering Uruguay. The initiative is linked
, coordinated by Brazilian members of the Pampa Sem
thor of this text. This is a
border action of integration and exchange between cultural groups from Brazil and Uruguay,
aiming at the difusion of the musical practice of candombe on the Brazilian side of the border. The
actions of the collective of drummers converged for the formation of a
cultural corridor of border strip (or a route of drums) based on rhythmic learning and coexistence with
from the interior of Uruguay. The text therefore presents a di
scussion about the
chico
and repique drums
beyond geographical borders. By following the route traced by the drums, border cultural agents
Uruguayan cultures, often perceived as
independent and separated by national boundaries, as well as proposing other forms of occupation of
the public space of the street, anchored in the resonant and affecting presence of candombe drums.
da presença do candombe afro
-uruguaio
pensada em seu sentido usual, como
limite ou barreira, e passa a ser
da como zona móvel e fluida
que possibilita os trânsitos, as
passagens e os laços de cooperação.
á gente que mora no Uruguai e
trabalha no Brasil ou que mora no
Brasil e trabalha no Uruguai. gente
que tem pai uruguaio e mãe brasileira
rio país apenas para
buscar uns quilos de arroz,
combustível, gás, porque do outro lado
é sempre mais em conta.
Isso indica
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
que a
vida cotidiana se realiza,nesse
lugar, mediante formas variadas de
convivência com o país vizinho, onde
diferentes práticas so
ciais se cruzam e
se desterritorializam, não sem conflitos
e contradições, nas trocas comerciais,
culturais e simbólicas.
São essas relações
envolvendo o fluxo de pessoas, coisas
e mercadorias que estão no cerne do
entendimento sobre o trânsito de
tambor
es de candombe na fronteira
entre Uruguai e Brasil. Esse trânsito
tem se intensificado desde 2015 por
conta da criação do projeto
Sem Fronteiras
, vinculado ao Ponto de
Cultura Pampa Sem Fronteiras
situado na cidade de Bagé, no Rio
Grande do Sul. Esse coletivo,
composto por diferentes atores da
sociedade civil organizada, tem como
objetivo mais específico apoiar a
produção musical e audiovisual local
com ênfase nas manifestações
2
O Ponto de Cultura Pampa Sem Fronteiras
foi criado por meio do EDITAL SEDAC Nº 11,
de 22 de junho de 2012 –
Edital de
chamamento e seleção de entidades para o
desenvolvimento do projeto “Redes RS de
Pontos de Cultura. Está organizado atras da
parceria e
ntre a Associação Pró Santa Tereza,
a Secretaria de Estado da Cultura do Rio
Grande do Sul e dos Programas Cultura Viva e
Mais Cultura do Ministério da Cultura. Site:
https://www.pontodeculturapampasemfronteira
s.com/
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
vida cotidiana se realiza,nesse
lugar, mediante formas variadas de
convivência com o país vizinho, onde
ciais se cruzam e
se desterritorializam, não sem conflitos
e contradições, nas trocas comerciais,
São essas relações
envolvendo o fluxo de pessoas, coisas
e mercadorias que estão no cerne do
entendimento sobre o trânsito de
es de candombe na fronteira
entre Uruguai e Brasil. Esse trânsito
tem se intensificado desde 2015 por
conta da criação do projeto
Tambor
, vinculado ao Ponto de
Cultura Pampa Sem Fronteiras
2,
situado na cidade de Bagé, no Rio
Grande do Sul. Esse coletivo,
composto por diferentes atores da
sociedade civil organizada, tem como
objetivo mais espefico apoiar a
produção musical e audiovisual local
com ênfase nas manifestações
O Ponto de Cultura Pampa Sem Fronteiras
foi criado por meio do EDITAL SEDAC Nº 11,
Edital de
chamamento e seleção de entidades para o
desenvolvimento do projeto Redes RS de
Pontos de Cultura. Está organizado através da
ntre a Associação Pró Santa Tereza,
a Secretaria de Estado da Cultura do Rio
Grande do Sul e dos Programas Cultura Viva e
Mais Cultura do Ministério da Cultura. Site:
https://www.pontodeculturapampasemfronteira
culturais das regiõ
es em faixas de
fronteiras, especialmente aquelas
situadas entre Brasil e Uruguai. Utiliza
a música e o cinema como
ferramentas para aprofundar e difundir
o diálogo cultural constitutivo dos
povos da fronteira, bem como sua
paisagem visual e sonora, os
cos
tumes, o dialeto, o folclore, os
movimentos sociais e populares e o
patrimônio material e imaterial da
região do pampa. Recentemente, as
ações em torno dos tambores afro
uruguaios ganharam características de
um amplo e diversificado movimento
cultural que
tem possibilitado a
ampliação do interesse da população
sul-rio-
grandense nas sonoridades do
candombe, enquanto ritmo musical e
prática social.
O presente texto
num primeiro momento, a trajetória de
criação do projeto
Fronteiras e a c
onsequente formação
de um grupo musical de candombe no
lado brasileiro da fronteira.
aporte da etnomusicologia, apresenta
uma breve caracterização do
candombe em suas diferentes
tradições, desde suas origens
montevideanas até as posveis
variações d
e sua forma cultural e
165
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
es em faixas de
fronteiras, especialmente aquelas
situadas entre Brasil e Uruguai. Utiliza
a música e o cinema como
ferramentas para aprofundar e difundir
o diálogo cultural constitutivo dos
povos da fronteira, bem como sua
paisagem visual e sonora, os
tumes, o dialeto, o folclore, os
movimentos sociais e populares e o
patrimônio material e imaterial da
região do pampa. Recentemente, as
ações em torno dos tambores afro
-
uruguaios ganharam caractesticas de
um amplo e diversificado movimento
tem possibilitado a
ampliação do interesse da população
grandense nas sonoridades do
candombe, enquanto ritmo musical e
O presente texto
descreve,
num primeiro momento, a trajetória de
Tambor Sem
onsequente formação
de um grupo musical de candombe no
lado brasileiro da fronteira.
Com o
aporte da etnomusicologia, apresenta
uma breve caracterização do
candombe em suas diferentes
tradições, desde suas origens
montevideanas até as possíveis
e sua forma cultural e
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
rítmica motivadas pela presença em
território brasileiro.
Desse modo, o
texto discute os primeiros efeitos
gerados pelo trânsito e pelo ritmo dos
tambores piano, chico e
repique
além das fronteiras geográficas.Ao
seguirem a rota
traçada pelos
tambores, os agentes culturais
fronteiriços costuram histórias muitas
vezes percebidas como independentes
e separadas por limites nacionais, bem
como propõem formas alternativas de
ocupação do espaço público da rua,
ancoradas na polirritmia
ressonante e
afectante dos tambores
chico
e piano
, instrumentos tradicionais da
cultura afro-uruguaia.
A
abordagem teórico
metodológica que orienta a discuso
perpassa parte do interesse
demonstrado pela antropologia
contemporânea nos estudos de
mobilidade (cf. FREIRE-
MEDEIROS
LAGES, 2020; VIDAL E SOUZA
GUEDES, 2021), nas rotas de viagem
(CLIFFORD, 1987) e nos fluxos de
movimento (APPADURAI, 1986)
realizado por pessoas e coisas
materiais em regiões fronteiriças.
Silveira (2005) mostra que
ideia de fronteira possibilita
perspectivas antropológicas ambíguas.
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
rítmica motivadas pela presença em
Desse modo, o
texto discute os primeiros efeitos
gerados pelo trânsito e pelo ritmo dos
repique
para
além das fronteiras geográficas.Ao
traçada pelos
tambores, os agentes culturais
fronteiriços costuram histórias muitas
vezes percebidas como independentes
e separadas por limites nacionais, bem
como propõem formas alternativas de
ocupação do espaço público da rua,
ressonante e
chico
, repique
, instrumentos tradicionais da
abordagem teórico
-
metodológica que orienta a discussão
perpassa parte do interesse
demonstrado pela antropologia
contemporânea nos estudos de
MEDEIROS
;
LAGES, 2020; VIDAL E SOUZA
;
GUEDES, 2021), nas rotas de viagem
(CLIFFORD, 1987) e nos fluxos de
movimento (APPADURAI, 1986)
realizado por pessoas e coisas
materiais em regiões fronteiriças.
Silveira (2005) mostra que
a própria
ideia de fronteira possibilita
perspectivas antropológicas ambíguas.
Essas perspectivas privilegiam ora
uma visão redentora e romântica da
unificação entre nações, pessoas e
bens culturais, supostamente
facilitadas por processos de
globalização, or
a uma ênfase nos
processos desiguais, nas barreiras que
dificultam o fluxo de pessoas, fazendo
com que as trocas não sejam
necessariamente favoráveis para
ambos os lados (SILVEIRA, 2005).
Essa preocupação foi demonstrada
por diferentes autores e autoras qu
se debruçaram sobre os processos de
mobilidade acentuados a partir dos
anos 1980, quando as ciências sociais
passaram a adotar um vocabulário
repleto de metáforas e noções
conceituais que fazem jus a um mundo
em constante movimento (HANNERZ,
1997; FREIRE-
MEDEIROS
2020)3
. De todo modo, se alinha de
3
Ulf Hannerz analisa muito bem a orige
diferentes sentidos de termos como fluxo,
fronteira e híbridos” no interior da antropologia,
evidenciando tanto suas potencialidades para
a teoria social quando os problemas
decorrentes do uso exagerado e irrefletido
desses termos.
Sobretudo das an
desconsideram as assimetrias de fluxos, que
para ele são, há muito tempo, inegáveis: O
que a metáfora do fluxo nos propõe é a tarefa
de problematizar a cultura em termos
processuais, não a permiso para
desproblematizá-
la, abstraindo suas
comp
licações” (HANNERZ, 1997, p. 15). Mais
recentemente, Bianca Freire
Mauricio Piatti Lages retomam essa questão
166
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Essas perspectivas privilegiam ora
uma vio redentora e romântica da
unificação entre nações, pessoas e
bens culturais, supostamente
facilitadas por processos de
a uma ênfase nos
processos desiguais, nas barreiras que
dificultam o fluxo de pessoas, fazendo
com que as trocas não sejam
necessariamente favoráveis para
ambos os lados (SILVEIRA, 2005).
Essa preocupação foi demonstrada
por diferentes autores e autoras qu
e
se debruçaram sobre os processos de
mobilidade acentuados a partir dos
anos 1980, quando as ciências sociais
passaram a adotar um vocabulário
repleto de metáforas e noções
conceituais que fazem jus a um mundo
em constante movimento (HANNERZ,
MEDEIROS
; LAGES,
. De todo modo, se alinha de
Ulf Hannerz analisa muito bem a orige
m e os
diferentes sentidos de termos como “fluxo,
fronteira e híbridos no interior da antropologia,
evidenciando tanto suas potencialidades para
a teoria social quando os problemas
decorrentes do uso exagerado e irrefletido
Sobretudo das an
álises que
desconsideram as assimetrias de fluxos, que
para ele o, há muito tempo, inegáveis: “O
que a metáfora do fluxo nos propõe é a tarefa
de problematizar a cultura em termos
processuais, não a permissão para
la, abstraindo suas
licações (HANNERZ, 1997, p. 15). Mais
recentemente, Bianca Freire
-Medeiros e
Mauricio Piatti Lages retomam essa questão
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
fronteira se apresenta um tanto
borrada, sem contornos nítidos,
sobretudo para as pessoas que vivem
aí, sabemos também que as condições
que permitem a circulação de um lado
a outro não são iguais para to
Adotando as sugestões de
Appadurai a respeito das rotas e
desvios” de mercadorias e objetos,
vamos seguir a trajetória de circulação
de tambores de candombe
entre Brasil e Uruguai de maneira que
seja possível considerar o contexto
social em que estão inseridos e os
esquemas locais que ressignificam os
seus usos no contexto da fronteira
meridional do Brasil.
Se as relações
sociais nos territórios
de fronteira entre
Brasil e Uruguai são, em grande parte,
marcadas por relações de troca
cultural e econômica, os tambores não
poderiam ficar de fora desse
desde a perspectiva da “virada das
mobilidades” (mobilitiesturn
), uma guinada
epistêmica presente em diferentes matrizes
disciplinares,
sendo que as principais
proposições analíticas podem ser encontradas
na obra precursora do sociólogo britânico Joh
Urry, da Escola de Lancaster. A grande
questão elaborada por Freire-
Medeiros e
Lages (2020) coincide com os principais
problemas enfrentados
pelo “paradigma das
mobilidades”, qual seja, o de oferecer um
estatuto teórico para processos de mobilidade
sem cair no uso romântico e fetichista das
metáforas móveis e fluídas (FREIRE
MEDEIROS; LAGES, 2020).
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
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Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
fronteira se apresenta um tanto
borrada, sem contornos nítidos,
sobretudo para as pessoas que vivem
aí, sabemos também que as condições
que permitem a circulação de um lado
a outro não são iguais para to
dos.
Adotando as sugestões de
Appadurai a respeito das “rotas e
desvios” de mercadorias e objetos,
vamos seguir a trajetória de circulação
na fronteira
entre Brasil e Uruguai de maneira que
seja possível considerar o contexto
social em que estão inseridos e os
esquemas locais que ressignificam os
seus usos no contexto da fronteira
Se as relações
de fronteira entre
Brasil e Uruguai o, em grande parte,
marcadas por relações de troca
cultural e econômica, os tambores não
poderiam ficar de fora desse
desde a perspectiva da virada das
), uma guinada
epistêmica presente em diferentes matrizes
sendo que as principais
proposições analíticas podem ser encontradas
na obra precursora do sociólogo britânico Joh
Urry, da Escola de Lancaster. A grande
Medeiros e
Lages (2020) coincide com os principais
pelo paradigma das
mobilidades, qual seja, o de oferecer um
estatuto teórico para processos de mobilidade
sem cair no uso romântico e fetichista das
metáforas móveis e fluídas (FREIRE
-
intercâmbio, uma vez que sua força
material e sonora, além de fazer parte
da vida de inúmeras pessoa
região, agencia novas maneiras de
estar-
junto e novas percepções sobre
as relações sociais no território, desde
uma perspectiva descolonizante e
antirracista.
Considerar o exemplo da
circulação de tambores equivale a
estabelecer um contraponto import
à ideia de fronteira nacional, pensada
unicamente em termos mercantis ou
de segurança nacional, um território
constantemente vigiado e controlado
Muitas vezes, como mostra Almeida
(2018), a convivência e a integração
cultural promovidas por coletivo
culturais locais o são devidamente
reconhecidas nas políticas
governamentais e nos planos de
integração entre os países. Almeida
defende, então, que um plano de
integração cultural
precisa
servir como um
instrumento de reconhecimento
4 A
marcada gestão estatal das fronteiras
est
eve historicamente relacionada à
segurança
pública, ao controle do tráfico e
contrabando, com certo controle dos fluxos de
mobilidade entre
países (DORFMAN, 2013).
Estudos contemporâneos na temática
fronteiriça (DORFMAN, 2013; MACHADO
NOVAES;
MONTEIRO, 20
essa ênfase dada aos
processos
“securitização”.
167
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
intermbio, uma vez que sua força
material e sonora, além de fazer parte
da vida de inúmeras pessoa
s da
região, agencia novas maneiras de
junto e novas percepções sobre
as relações sociais no território, desde
uma perspectiva descolonizante e
Considerar o exemplo da
circulação de tambores equivale a
estabelecer um contraponto import
ante
à ideia de fronteira nacional, pensada
unicamente em termos mercantis ou
de segurança nacional, um território
constantemente vigiado e controlado
4.
Muitas vezes, como mostra Almeida
(2018), a convivência e a integração
cultural promovidas por coletivo
s
culturais locais não são devidamente
reconhecidas nas políticas
governamentais e nos planos de
integração entre os países. Almeida
defende, então, que um plano de
servir como um
instrumento de reconhecimento
marcada gestão estatal das fronteiras
eve historicamente relacionada à
pública, ao controle do tráfico e
contrabando, com certo controle dos fluxos de
países (DORFMAN, 2013).
Estudos contemporâneos na temática
fronteiriça (DORFMAN, 2013; MACHADO
;
MONTEIRO, 20
09) problematizam
processos
de
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
da rede de atores e de agentes
locais, regionais, estaduais
(provinciais), nacionais e
internacionais, que atuam nas
fronteiras nacionais, pois as
experiências são fundamentais,
assim como as temáticas, as
simb
ologias e as tecnologias
utilizadas” (ALMEIDA, 2018, p.
261).
Tambor sem fronteiras
O projeto
Tambor Sem
Fronteiras5
foi criado em 2015 pelos
agentes culturais do Ponto de Cultura.
A proposta tem como
divulgar e consolidar a prática do
candombe afro-
uruguaio no lado
brasileiroa partir da criação e formação
de um grupo de candombe (
na cidade de Bagé. A
Candomberos
, como tem sido
chamado esse coletivo, realiza
apresentações musicais com dança,
saída de tambores pelas ruas da
cida
de e formação por meio de
oficinas (talleres
), sempre em contato
direto com coletivos e
comparsas
Uruguai. A cidade de Bagé está
5
Esse projeto só se tornou possível graças à
rede colaborativa traçada inicialmente por
Adriana Gonçalves Ferreira, coordenadora do
Ponto de Cultura, e formada por diferentes
atores e instituições, como o
Ponto de Cultura
Pampa Sem Fronteiras, Sociedade Ur
Universidade Federal do Pampa, Instituo
Federal Sul-rio-
grandense, Consulado
Uruguaio em Bagé e a Associação de Santa
Thereza.
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
da rede de atores e de agentes
locais, regionais, estaduais
(provinciais), nacionais e
internacionais, que atuam nas
fronteiras nacionais, pois as
experiências o fundamentais,
assim como as temáticas, as
ologias e as tecnologias
utilizadas” (ALMEIDA, 2018, p.
Tambor Sem
foi criado em 2015 pelos
agentes culturais do Ponto de Cultura.
A proposta tem como
finalidade
divulgar e consolidar a prática do
uruguaio no lado
brasileiroa partir da criação e formação
de um grupo de candombe (
comparsa)
na cidade de Bagé. A
Grillos
, como tem sido
chamado esse coletivo, realiza
apresentações musicais com dança,
saída de tambores pelas ruas da
de e formação por meio de
), sempre em contato
comparsas
do
Uruguai. A cidade de Bagé está
Esse projeto só se tornou possível graças à
rede colaborativa traçada inicialmente por
Adriana Gonçalves Ferreira, coordenadora do
Ponto de Cultura, e formada por diferentes
Ponto de Cultura
Pampa Sem Fronteiras, Sociedade Ur
uguaia,
Universidade Federal do Pampa, Instituo
grandense, Consulado
Uruguaio em Bagé e a Associação de Santa
situada próximo das cidades uruguaias
de Vichadero, Aceguá, Melo e Rivera,
municípios que foram inseridos no
roteiro do proj
eto, configurando um
corredor cultural de faixa de fronteira
com foco na circulação dos tambores.
A finalidade última
é a de valorizar,
apoiar e movimentar a circulação de
grupos
candomberos
nessas regiões, por meio de um
trabalho colaborativo q
aportes culturais e materiais
comparsas
do interior Uruguai e para
os grupos brasileiros em formação.
Essas ações se justificam
porque a comunidade
Uruguai demonstra inegável interesse
em expandir a cultura
p
ara o lado brasileiro, já que o
candombe uruguaio, ainda que
reconhecido pela Unesco como
Patrimônio Cultural Imaterial da
Humanidade (2009), continua pouco
conhecido
por parte da população
brasileira. Em contrapartida, as
escolas de samba do Brasil gozam
um reconhecimento dentro do carnaval
uruguaio e estão presentes nos
desfiles carnavalescos das cidades
uruguaias do interior. A intenção futura
dos grupos
candomberos
a de equilibrar essa balança e incluir
168
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
situada próximo das cidades uruguaias
de Vichadero, Aceguá, Melo e Rivera,
munipios que foram inseridos no
eto, configurando um
corredor cultural de faixa de fronteira
com foco na circulação dos tambores.
é a de valorizar,
apoiar e movimentar a circulação de
candomberos
existentes
nessas regiões, por meio de um
trabalho colaborativo q
ue proporcione
aportes culturais e materiais
para as
do interior Uruguai e para
os grupos brasileiros em formação.
Essas ações se justificam
porque a comunidade
candombera do
Uruguai demonstra inegável interesse
em expandir a cultura
candombera
ara o lado brasileiro, que o
candombe uruguaio, ainda que
reconhecido pela Unesco como
Patrimônio Cultural Imaterial da
Humanidade (2009), continua pouco
por parte da população
brasileira. Em contrapartida, as
escolas de samba do Brasil gozam
de
um reconhecimento dentro do carnaval
uruguaio e estão presentes nos
desfiles carnavalescos das cidades
uruguaias do interior. A intenção futura
candomberos
é, portanto,
a de equilibrar essa balança e incluir
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
os desfiles de llamadas
de
nos festejos de carnaval da cidade de
Bagé, uma iniciativa que nos parece
bastante justa. Trabalhar na difuo do
candombe no lado brasileiro equivale,
assim, a pensar na criação de uma
rede ampla de afetos e alianças táticas
com a finalidade de d
ar visibilidade à
musicalidade e às manifestações
culturais própria das famílias afro
uruguaias, protagonizada pelo
de tambores e pelo encontro criativo
entre pessoas dos dois países.
O candombe
O candombe é considerado a
máxima expressão dos coleti
negros e afrodescendentes do Uruguai
e a principal manifestação popular do
carnaval do país. Assim como o tango,
a murga e a milonga, o candombe
ocupa um lugar importante na própria
formação da identidade cultural
uruguaia. Trata-
se de uma
manifestação
musical secular
praticada na rua por meio de
desfiles e saídas, e que conta com a
presença dos tambores
piano
repique
, sempre em grande
quantidade e acompanhados de um
corpo de baile.De modo geral, as
llamadas
são momentos rituais de
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
de
candombe
nos festejos de carnaval da cidade de
Bagé, uma iniciativa que nos parece
bastante justa. Trabalhar na difusão do
candombe no lado brasileiro equivale,
assim, a pensar na criação de uma
rede ampla de afetos e alianças táticas
ar visibilidade à
musicalidade e às manifestações
culturais própria das famílias afro
-
uruguaias, protagonizada pelo
cruce
de tambores e pelo encontro criativo
entre pessoas dos dois países.
O candombe é considerado a
máxima expressão dos coleti
vos
negros e afrodescendentes do Uruguai
e a principal manifestação popular do
carnaval do país. Assim como o tango,
a murga e a milonga, o candombe
ocupa um lugar importante na própria
formação da identidade cultural
se de uma
musical secular
praticada na rua por meio de
llamadas,
desfiles e saídas, e que conta com a
piano
, chico e
, sempre em grande
quantidade e acompanhados de um
corpo de baile.De modo geral, as
o momentos rituais de
ce
lebração entre
agrupaciones
de distintos bairros que
se encontram para tocar nas ruas, em
forma de cortejo, marcha e/ou desfile.
A denominação de
tem origem na prática dos antigos
candombes realizados nas
Nación
do período
termo aludia a momentos de evocação
e convocação da memória
ancestrais africanos (OLIVERA
CHIRIMINI;
VARESE, 2018). O
candombe estavaassociado, no
princípio, às
ocasiones en que los
africanos ejecutaban sus
nacionales y recreaban, espiritual y
simbólicamente, sus sociedades de
origen
(FERREIRA, 1997, p.
36).
Sendo parte de uma cultura afro
diaspórica, o candombe atua como
prática de liberdade e resistência à
discriminação racial e de reconstrução
iden
titária ancorada na memória dos
antepassados africanos timas da
colonização escravista. Por isso, sua
importância transcende o aspecto
unicamente musical que lhe é
característico, para tornar
de vida
de grande parte da população
uruguaia.Atual
mente, o candombe tem
como lócus
de excelência o espaço
público da rua e uma forma de
169
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
lebração entre
comparsas ou
de distintos bairros que
se encontram para tocar nas ruas, em
forma de cortejo, marcha e/ou desfile.
A denominação de
llamada
tem origem na prática dos antigos
candombes realizados nas
Salas de
do período
colonial, onde o
termo aludia a momentos de evocação
e convocação da memória
dos
ancestrais africanos (OLIVERA
VARESE, 2018). O
candombe estavaassociado, no
ocasiones en que los
africanos ejecutaban sus
danzas
nacionales y recreaban, espiritual y
simbólicamente, sus sociedades de
(FERREIRA, 1997, p.
Sendo parte de uma cultura afro
-
diaspórica, o candombe atua como
prática de liberdade e resistência à
discriminação racial e de reconstrução
titária ancorada na memória dos
antepassados africanos vítimas da
colonização escravista. Por isso, sua
importância transcende o aspecto
unicamente musical que lhe é
característico, para tornar
-se um modo
de grande parte da população
mente, o candombe tem
de excelência o espaço
público da rua e uma forma de
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
socialidade assentada nas relações de
parentesco e vizinhança entre famílias
e bairros, das quais se originam e se
configuram as estruturas rítmicas do
candombe (
toques m
Cuareim, Ansina e Cordón), bem como
na relação entre atores e audiência,
relações estas nem sempre bem
delimitadas.
Muitas vezes, para facilitar o
entendimento do público brasileiro
somos impelidos
a traçar comparações
entre o candombe
uruguaio com, por
exemplo, o candombe brasileiro
praticado em regiões tradicionais de
Minas Gerais, ou então com as festas
do congado, com o maracatu
pernambucano, com as escolas de
samba do Brasil ou mesmo com o
candomblé brasileiro. É possível
observar
elementos de ligação entre
essas manifestações que contam com
a presença de tambores, sendo que o
elo entre elas é mais ou menos
comum: são experiências sonoras
transatlânticas com forte registro
africano, provenientes da África
Central e Ocidental. Segund
(2016, p. 33),
el vocablo (
candombe
tanto en Argentina como en Brasil
para designar otras
manifestaciones musicales com
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
socialidade assentada nas relações de
parentesco e vizinhança entre famílias
e bairros, das quais se originam e se
configuram as estruturas rítmicas do
toques m
adres de
Cuareim, Ansina e Cordón), bem como
na relação entre atores e audiência,
relações estas nem sempre bem
Muitas vezes, para facilitar o
entendimento do público brasileiro
a traçar comparações
uruguaio com, por
exemplo, o candombe brasileiro
praticado em regiões tradicionais de
Minas Gerais, ou então com as festas
do congado, com o maracatu
pernambucano, com as escolas de
samba do Brasil ou mesmo com o
candomblé brasileiro. É possível
elementos de ligação entre
essas manifestações que contam com
a presença de tambores, sendo que o
elo entre elas é mais ou menos
comum: o experiências sonoras
transatlânticas com forte registro
africano, provenientes da África
Central e Ocidental. Segund
o Picún
candombe
) se utiliza
tanto en Argentina como en Brasil
para designar otras
manifestaciones musicales com
un origen
cercano al referido
candombe (
uruguayo
La ejecución del tambor, su
principal instrumento, tra
el espacio geopolítico de
Uruguay.
Na história do estado do Rio
Grande do Sul, por exemplo,há fortes
indícios de cerimônias religiosas e
festivas que receberam a mesma
denominação. No
final do século XIX,
o cronista Antônio Alvares
Coruja registra, em seu livro de
memórias sobre a cidade de Porto
Alegre6, a presença
do Candombe da
Mae Rita de Xangô, praticado nas
tardes de domingo próximo do Parque
Farroupilha. As cerimônias contavam
com diferentes instrumentos de origem
a
fricana e afrodescendente, tais como
canzás, urucungos, marimbas e
elementos rituais dos quicumbis e das
congadas afro-
brasileiras (CORUJA,
1881, p. 15). O folclorista Paixão
Côrtes também apresenta alguns
registros textuais e imagéticos do
6
Os textos escritos pelo Professor Coruja
foram publicados em 1881. No entanto, como
mostra Maciel, (2019, p. 27) os rel
candombe de Mãe Rita “são decorrentes de
uma memória que ele guardou por mais de
quarenta anos sobre o período em que viveu
em Porto Alegre, ou seja, são lembranças de
algo que ele vivenciou até o ano de 1836, pois
a partir de 1837 ele fixa su
cidade do Rio de Janeiro.”
170
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
cercano al referido
uruguayo
); asimismo,
La ejecución del tambor, su
principal instrumento, tra
sciende
el espacio geopolítico de
Na história do estado do Rio
Grande do Sul, por exemplo,há fortes
indícios de cerimônias religiosas e
festivas que receberam a mesma
final do século XIX,
o cronista Antônio Alvares
Pereira
Coruja registra, em seu livro de
memórias sobre a cidade de Porto
do “Candombe da
Mae Rita de Xangô”, praticado nas
tardes de domingo próximo do Parque
Farroupilha. As cerimônias contavam
com diferentes instrumentos de origem
fricana e afrodescendente, tais como
cans, urucungos, marimbas e
elementos rituais dos quicumbis e das
brasileiras (CORUJA,
1881, p. 15). O folclorista Paixão
Côrtes também apresenta alguns
registros textuais e imagéticos do
Os textos escritos pelo Professor Coruja
foram publicados em 1881. No entanto, como
mostra Maciel, (2019, p. 27) os rel
atos sobre o
candombe de Mãe Rita são decorrentes de
uma memória que ele guardou por mais de
quarenta anos sobre o período em que viveu
em Porto Alegre, ou seja, são lembranças de
algo que ele vivenciou até o ano de 1836, pois
a partir de 1837 ele fixa su
a residência na
cidade do Rio de Janeiro.
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
candombe pratic
ado nos anos de 1950
no Rio Grande do Sul,
na região do
Alto Taquari, especialmente no
município de Bom Retiro do Sul, no
então terreiro do Silva Velho, de
propriedade de Dona Pombica
(CÔRTES, 2006 [1957], p. 191). Os
“bailes de candombe” foram por ele
d
ocumentados como “manifestação
festiva da cultura popular afro
grandense, sem cunho fetichista,
encontrada na região do Alto Taquari
(idem
, p. 190). O autor cita, para fins
de comparação, o candombe afro
uruguaio de Montevideo, tomando
como referência
os trabalhos do
musicólogo uruguaio Lauro Ayestarán
e do folclorista uruguaio Isidoro De
Maria. E acrescenta:
Em nossa terra natal
Livramento
territorialmente à Rivera, cidade
uruguaia irmã
conhecemos,
com o nome de Candombe,
desde criança,
grupos musicais
que participavam –
e ainda hoje
das ‘murgas carnavalescas
durante os festejos momescos
àquela cidade (CÔRTES, 2006,
p. 190).
Tais comparações, no entanto,
não são suficientes para uma
compreensão adequada do fenômeno
particular do
candombe afro
em sua expressão rítmica, social e
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
ado nos anos de 1950
na região do
Alto Taquari, especialmente no
munipio de Bom Retiro do Sul, “no
então terreiro do Silva Velho”, de
propriedade de Dona Pombica
(CÔRTES, 2006 [1957], p. 191). Os
bailes de candombe foram por ele
ocumentados como manifestação
festiva da cultura popular afro
-rio-
grandense, sem cunho fetichista,
encontrada na região do Alto Taquari”
, p. 190). O autor cita, para fins
de comparação, o candombe afro
-
uruguaio de Montevideo, tomando
os trabalhos do
musilogo uruguaio Lauro Ayestarán
e do folclorista uruguaio Isidoro De
Em nossa terra natal
ligada
territorialmente à Rivera, cidade
conhecemos,
com o nome de Candombe,
grupos musicais
e ainda hoje
das murgas carnavalescas
durante os festejos momescos
àquela cidade (CÔRTES, 2006,
Tais comparações, no entanto,
não são suficientes para uma
compreensão adequada do fenômeno
candombe afro
-uruguaio,
em sua expressão rítmica, social e
cultural consolidada e praticada
atualmente. Isso porque a forma de
organização das populações negras
sobreviventes da diáspora africana
adquire contornos muito espeficos
em cada país e região do
latino-
americano. Além disso, como se
sabe, não há uma unidade homogênea
ou uma única cultura que defina as
populações forçadamente trazidas de
diferentes regiões de África.As
comunidades diaspóricas o frutos de
constantes interações históric
e contatos criativos
(GILROY, 2012).
As ressalvas que se podem
fazer sobre as comparações entre
diferentes manifestações históricas do
candombe
não impossibilitou que
inúmeros artistas, músicos e ativistas
sul-rio-
grandenses buscassem tecer
aproximações entre elas. Atualmente,
o interesse que os coletivos culturais
do Brasil manifestam pelas
sonoridades do candombe afro
uruguaio é facilmente obse
incorporação do ritmo em canções
locais, na fusão do tambor
sopapo7
com os tambores de
7
O Sopapo é um tambor genuinamente
gaúcho, de grandes dimensões, criado por
negros escravizados nas charqueadas de
Pelotas no século XIX. Para conhecimento
171
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
cultural consolidada e praticada
atualmente. Isso porque a forma de
organização das populações negras
sobreviventes da diáspora africana
adquire contornos muito específicos
em cada país e região do
continente
americano. Além disso, como se
sabe, não há uma unidade homogênea
ou uma única cultura que defina as
populações forçadamente trazidas de
diferentes regiões de África.As
comunidades diaspóricas são frutos de
constantes interações históric
as, fluxos
(GILROY, 2012).
As ressalvas que se podem
fazer sobre as comparações entre
diferentes manifestações históricas do
não impossibilitou que
inúmeros artistas, músicos e ativistas
grandenses buscassem tecer
aproximações entre elas. Atualmente,
o interesse que os coletivos culturais
do Brasil manifestam pelas
sonoridades do candombe afro
-
uruguaio é facilmente obse
rvado na
incorporação do ritmo em canções
locais, na fuo do tambor
com os tambores de
O Sopapo é um tambor genuinamente
gaúcho, de grandes dimensões, criado por
negros escravizados nas charqueadas de
Pelotas no século XIX. Para conhecimento
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
candombee na criação mais recente
de grupos e comparsas
candomberas
presentes em diferentes localidades do
Brasil, como por exemplo em Bagé
(RS), Pelotas (RS), P
orto Alegre (RS),
Florianópolis (SC), Campinas (SP), Rio
de Janeiro (RJ), entre outras.
A formação desses grupos
provoca um importante debate sobre
relações musicais
transfronteiriças que
vão além das elaboradas por outros
artistas
da região e que fora
analisadas por pesquisadores do
assunto (cf. PANITZ, 2017;
SERRARIA, 2017;). Panitz (2017), por
exemplo, acompanhou a trajetória de
músicos8
da Argentina, Uruguai e Brasil
a fim de entender o processo de
formação dessas redes musicais
transnacionais entre
os países
citados.O trabalho contempla a fuo
de gêneros musicais e a cooperação
entre artistas com ênfase em suas
estéticas e linguagens espeficas,
como o templadismo, o tropicalismo e
a estética do frio.
sobre as origens e transformações do tambor
sopapo, ver Maia (2008).
8
O autor analisa a fusão rítmica da música
platina, sobretudo a partir da obra dos artistas
Kevin Johansen, Pablo Grinjot, Vitor Ramil,
Marcelo Delacroix, Richard Serraria, Daniel
Drexler, Jorge Drexler, Dani López, Ana
Prada, dentre outros.
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
candombee na criação mais recente
candomberas
presentes em diferentes localidades do
Brasil, como por exemplo em Bagé
orto Alegre (RS),
Florianópolis (SC), Campinas (SP), Rio
de Janeiro (RJ), entre outras.
A formação desses grupos
provoca um importante debate sobre
transfronteiriças que
vão além das já elaboradas por outros
da região e que fora
m
analisadas por pesquisadores do
assunto (cf. PANITZ, 2017;
SERRARIA, 2017;). Panitz (2017), por
exemplo, acompanhou a trajetória de
da Argentina, Uruguai e Brasil
a fim de entender o processo de
formação dessas redes musicais
os países
citados.O trabalho contempla a fusão
de gêneros musicais e a cooperação
entre artistas com ênfase em suas
estéticas e linguagens específicas,
como o templadismo, o tropicalismo e
sobre as origens e transformações do tambor
O autor analisa a fusão rítmica da música
platina, sobretudo a partir da obra dos artistas
Kevin Johansen, Pablo Grinjot, Vitor Ramil,
Marcelo Delacroix, Richard Serraria, Daniel
Drexler, Jorge Drexler, Dani López, Ana
Serraria (2011), por sua vez,
reivindica a con
tribuição negra para a
formação dessas redes, inserindo o
elemento “quente” e tropical dos
rítmicos percussivos de matriz africana
às produções musicais da região
platina, território normalmente
representado
pela estética do frio
(RAMIL, 2004
).Essa
demon
strou em sua obra o artista e
compositor Vitor Ramil, está permeada
por valores musicais que remetem
rigor, à concisão, à clareza e à
profundidade, tão bem expressos
tom introspectivo e melanlico da
milonga9
, gênero musical co
regiões do pampa do Rio Grande do
Sul, do Uruguai e da Argentina. A
intenção de Richard Serraria é
justamente tencionar e ampliar o
repertório das representações sociais
musicais sobre a identidade cultural do
Sul, frequentemente restrita
imaginá
rio do frio e da cultura branca
de matriz europeia (SERRARIA, 2017).
Faltaria acrescentar a essa
importante “geografia da música em
9
Ainda que a milonga tenha suas origens na
cultura africana dos povos bantos, ela
encontrou terreno fértil no nativismo gaúcho,
especialmente sul-rio-
grandense, e passou a
ser concebida como canção tipicamente rural.
Sobre a milonga, ver Ayestarán
172
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Serraria (2011), por sua vez,
tribuição negra para a
formação dessas redes, inserindo o
elemento quente e tropical dos
rítmicos percussivos de matriz africana
às produções musicais da região
platina, território normalmente
pela “estética do frio”
).Essa
estética, como
strou em sua obra o artista e
compositor Vitor Ramil, está permeada
por valores musicais que remetem
ao
rigor, à concio, à clareza e à
profundidade, tão bem expressos
pelo
tom introspectivo e melancólico da
, gênero musical co
mum às
regiões do pampa do Rio Grande do
Sul, do Uruguai e da Argentina. A
intenção de Richard Serraria é
justamente tencionar e ampliar o
repertório das representações sociais
musicais sobre a identidade cultural do
Sul, frequentemente restrita
ao
rio do frio e da cultura branca
de matriz europeia (SERRARIA, 2017).
Faltaria acrescentar a essa
importante geografia da música” em
Ainda que a milonga tenha suas origens na
cultura africana dos povos bantos, ela
encontrou terreno fértil no nativismo gaúcho,
grandense, e passou a
ser concebida como canção tipicamente rural.
Sobre a milonga, ver Ayestarán
(1985).
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
território platino, nos termos de Panitz
(2017),
os grupos que praticam o
candombe de rua (candombe de
llamada), observand
o também o modo
como as comparsas
traçam suas
próprias redes em parceria com os
grupos do Brasil, parceria essa que só
recentemente começou a ser formada.
Seguindo os tambores
Os tambores
chico
repiquese
constituem como a mais
legítima expressão da cultura afro
uruguaia. Ainda que tenham passado
por transformações ao longo dos
séculos, marcaram sobremaneira a
música popular do país.São, portanto,
considerados instrumentos autóctones
do Uruguai, feitos ini
cialmente com
pesadas madeiras de roble extraídas
dos barris de erva-
mate,
outros insumos que chegavam ao
Porto de Montevideo até meados do
século XX (AYESTARÁN, 1967;
FERREIRA, 1997). Atualmente, a
maioria dos tambores são compostos
por materiais
distintos, como
aduelasde madeira, couro e metais.
Tamborileiros uruguaios comentam
que os metais (ferro e alumínio) foram
incorporados recentemente, mais
precisamente a partir dos anos 1970.
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
território platino, nos termos de Panitz
os grupos que praticam o
candombe de rua (candombe de
o também o modo
traçam suas
próprias redes em parceria com os
grupos do Brasil, parceria essa que
recentemente começou a ser formada.
chico
, piano e
constituem como a mais
legítima expressão da cultura afro
-
uruguaia. Ainda que tenham passado
por transformações ao longo dos
culos, marcaram sobremaneira a
música popular do país.São, portanto,
considerados instrumentos autóctones
cialmente com
pesadas madeiras de roble extraídas
mate,
whisky e
outros insumos que chegavam ao
Porto de Montevideo até meados do
culo XX (AYESTARÁN, 1967;
FERREIRA, 1997). Atualmente, a
maioria dos tambores o compostos
distintos, como
aduelasde madeira, couro e metais.
Tamborileiros uruguaios comentam
que os metais (ferro e alumínio) foram
incorporados recentemente, mais
precisamente a partir dos anos 1970.
O couro, também chamado de
em sua maioria proveniente
vacas, mas também alguns
tambores que se utilizam da pele de
cavalo (potro). A escolha do tipo de
madeira vai determinar o peso, a
sonoridade e a durabilidade do
instrumento. E a qualidade e
espessura da
lonja
diretamente na quali
variando do grave ao agudo.
Figura 1 -
Tambores de candombe.
Foto do autor.
Os tambores afro
concebidos pelos próprios
candomberos
como
compostos por organismos vivos:
vegetais
(madeira), animais (peles) e
humanos (tamborileiros). Por isso,
podemos dizer que são forças vivas ou
dotadas de “agência”
10
O conceito do antropólogo Alfred Gell ajuda
a entender a importância que tambores têm
para a vida da população
173
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
O couro, também chamado de
lonja, é
em sua maioria proveniente
da pele de
vacas, mas há também alguns
tambores que se utilizam da pele de
cavalo (potro). A escolha do tipo de
madeira vai determinar o peso, a
sonoridade e a durabilidade do
instrumento. E a qualidade e
lonja
vão incidir
diretamente na quali
dade do som,
variando do grave ao agudo.
Tambores de candombe.
Foto do autor.
Os tambores afro
-uruguaios são
concebidos pelos próprios
como
instrumentos
compostos por organismos vivos:
(madeira), animais (peles) e
humanos (tamborileiros). Por isso,
podemos dizer que são forças vivas ou
dotadas de agência
(GELL, 2018)10.
O conceito do antropólogo Alfred Gell ajuda
a entender a importância que tambores têm
para a vida da população
candombera do
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
Se repararmos bem, essa maneira de
lidar e conceber os materiais que
confluem na fabricação dos tambores
contrapõe-se
à clássica divio entre
natureza e cultura, o que está de
acordo com a cosmologia
dos povos bantos de que a vida está
em tudo o que existe.
Em seu belíssimo ensaio
inclinado ao tambor,” o professor,
músico e poeta Tiganá Santana (2020)
certif
ica essa indistinção entre
natureza e cultura na cosmologia
bantu, a qual encontramos também na
percepção dos tamborileiros do
candombe afro-
uruguaio. Conforme as
palavras de Santana (2020, p. 153), o
tambor, enquanto entidade negra em
comunidade, é, a um
pessoa e natureza; acontencia e
buraco; artifício e substrato orgânico.
As coisas que existem no campo
material ou espiritual se manifestam,
para os bantos, por meio de sua
energia vital (
Ntu
comportamento é
Uruguai. Gell (2018) está preocupado com o
papel prático dos objetos artísticos, ou seja,
com aquilo que os objetos faze
m no mundo.
Daí sua ênfase na “agência” que os artefatos
adquirem no tecido das relações sociais. Um
agente social é “aquele que faz com que os
eventos aconteçam em torno de si (GELL,
2018, p. 45).
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Se repararmos bem, essa maneira de
lidar e conceber os materiais que
confluem na fabricação dos tambores
à clássica divisão entre
natureza e cultura, o que está de
acordo com a cosmologia
multiversa
dos povos bantos de que a vida está
Em seu belíssimo “ensaio
inclinado ao tambor, o professor,
músico e poeta Tiganá Santana (2020)
ica essa indistinção entre
natureza e cultura na cosmologia
bantu, a qual encontramos também na
percepção dos tamborileiros do
uruguaio. Conforme as
palavras de Santana (2020, p. 153), “o
tambor, enquanto entidade negra em
tempo,
pessoa e natureza; acontecência e
buraco; artifício e substrato orgânico”.
As coisas que existem no campo
material ou espiritual se manifestam,
para os bantos, por meio de sua
Ntu
), cujo
Uruguai. Gell (2018) está preocupado com o
papel prático dos objetos artísticos, ou seja,
m no mundo.
Daí sua ênfase na agência que os artefatos
adquirem no tecido das relações sociais. Um
agente social é aquele que faz com que os
eventos aconteçam em torno de si” (GELL,
de
uma força cantante que faz
tudo o quanto possível viver,
alicerçada na pele do animal
compartilhado pelo estômago
comum do coletivo, como
também na madeira de árvore
que caiu na hora certa porque era
tempo de sua encantação para
virar música. Árvore e ani
tombam, entregando
ancestralidade protegida pela
terra, para que se levante a
música-
tambor como se deve
erguer uma pessoa, segundo a
cosmologia
centro da sua ocupação
existencial (
telama mu didi
toda uma conjuntura se levantar
por uma espécie de ressonância
simpática (SANTANA, 2020, p.
154).
Se nas sociedades
ocidentalizadas as coisas o
concebidas como inertes e mudas,
como mostrou Appadurai (2008), aqui
elas pensadas como forças vita
capazes de criarem situações sociais
específicas. Quando seguimos as
coisas materiais em si mesmas,
atentos às suas trajetórias de
circulação, conseguimos pensar
também as ações humanas e o
contexto social em que se inserem,
como já mostrou Appadurai
assim,
seguindo a rota dos tambores
por entre fronteiras, na participação
prática junto aos tamborileiros das
comparsas
do interior do Uruguai, que
pudemos aprender a ouvir, a identificar
174
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
uma força cantante que faz
tudo o quanto possível viver,
alicerçada na pele do animal
compartilhado pelo estômago
comum do coletivo, como
também na madeira de árvore
que caiu na hora certa porque era
tempo de sua encantação para
virar música. Árvore e ani
mal
tombam, entregando
-se à
ancestralidade protegida pela
terra, para que se levante a
tambor como se deve
erguer uma pessoa, segundo a
cosmologia
bantu-kongo, no
centro da sua ocupação
telama mu didi
) e fa
toda uma conjuntura se levantar
por uma espécie de ressonância
simpática (SANTANA, 2020, p.
Se nas sociedades
ocidentalizadas as coisas o
concebidas como inertes e mudas,
como mostrou Appadurai (2008), aqui
elas pensadas como forças vita
is
capazes de criarem situações sociais
espeficas. Quando seguimos as
coisas materiais em si mesmas,
atentos às suas trajetórias de
circulação, conseguimos pensar
também as ações humanas e o
contexto social em que se inserem,
como já mostrou Appadurai
(2008). Foi
seguindo a rota dos tambores
por entre fronteiras, na participação
prática junto aos tamborileiros das
do interior do Uruguai, que
pudemos aprender a ouvir, a identificar
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
e a praticar o diálogo polirrítmico dos
tambores chico, repique
e
como pudemos elucidar os efeitos
ressonantes de suas sonoridades no
ambiente urbano.
A relação que os agentes
culturais do Ponto de Cultura vieram a
ter com a prática do candombe afro
uruguaio teve início, mais
precisamente,
após a reali
um evento intitulado
Tambor, Canção
e Poesia11
, organizado em agosto de
2015 pelo Ponto de Cultura Pampa
Sem Fronteiras.
A atividade trouxe à
Bagé os músicos porto
Mimmo
Ferreira e Richard Serraria,
que estavam acompanhados dos
tambores de candombe, além do
tambor sopapo.
A programação foi
organizada em três momentos
distintos: oficinas de percussão para
estudantes
da Universidade Federal
do Pampa (Unipampa)12
e do Institu
11
O projeto só foi possível graças ao
envolvimento de pes
soas ligadas ao NEABI do
IFSul Campus
Bagé, ao curso de música da
Unipampa, ao Laboratório de Leitura e
Produção Textual (LAB e Junipampa), à
Secretaria Municipal de Educação, ao Ponto
de Cultura Pampa Sem Fronteiras e tantos
outros parceiros(as) que ouvir
am o chamado
dos tambores.
12
A Oficina de Sopapo e Candombe
aconteceu no turno da noite do dia 19 de
agosto de 2015, sob responsabilidade do prof.
Matheus Leite, professor da Unipampa. O
público presente era, na maioria, estudantes
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
e a praticar o diálogo polirrítmico dos
e
piano, bem
como pudemos elucidar os efeitos
ressonantes de suas sonoridades no
A relação que os agentes
culturais do Ponto de Cultura vieram a
ter com a prática do candombe afro
-
uruguaio teve início, mais
após a reali
zação de
Tambor, Canção
, organizado em agosto de
2015 pelo Ponto de Cultura Pampa
A atividade trouxe à
Bagé os músicos porto
-alegrenses
Ferreira e Richard Serraria,
que estavam acompanhados dos
tambores de candombe, além do
A programação foi
organizada em três momentos
distintos: oficinas de percussão para
da Universidade Federal
e do Institu
to
O projeto só foi posvel graças ao
soas ligadas ao NEABI do
Bagé, ao curso de música da
Unipampa, ao Laboratório de Leitura e
Produção Textual (LAB e Junipampa), à
Secretaria Municipal de Educação, ao Ponto
de Cultura Pampa Sem Fronteiras e tantos
am o chamado
A Oficina de Sopapo e Candombe
aconteceu no turno da noite do dia 19 de
agosto de 2015, sob responsabilidade do prof.
Matheus Leite, professor da Unipampa. O
público presente era, na maioria, estudantes
Federal Sul-rio-
grandense (IFSul),
palestras musicadas
13
da rede municipal, estadual e federal e
um show de encerramento
Sociedade Uruguaia, espaço cultural
originado em 1928 e mantido até hoje
por sócios e dirigentes, dentre os quais
es
tão os integrantes do Ponto de
Cultura Pampa Sem Fronteiras. A
realização do evento cultural foi uma
oportunidade de revivermos a história
do Rio Grande do Sul através de
ritmos afro-
diaspóricos e de
repensarmos os caminhos da mitologia
gaúcha na cidade fr
reconhecendo o legado deixado por
ícones da cultura
popular do estado
(MOURA;
CARVALHO LEITE, 2015).
Logo após o término das
atividades, o músico percursionista
Mimmo
Ferreira colocou os agentes do
do curso de Licenciatura
em Música da
Unipampa.
13
A palestra musicada aconteceu na manhã
do dia 19 de agosto de 2015, no Teatro Santo
Antônio, localizado no Centro Histórico Vila de
Santa Thereza. Intitulada
Cultura afro
brasileira: artigo Sopapo
, foi ministrada por
Richard Serr
aria e destinada especialmente a
professores e professoras da rede pública
municipal de ensino.
14
O ciclo de palestras, oficinas e intermbio
cultural proporcionado pelo Ponto de Cultura
Pampa Sem Fronteiras, foi encerrado na noite
do dia 20 de agosto de
2015 com o show e
confraternização com os músicos Richard
Serraria, Mimmo Ferreira, professores e
alunos do Curso de Música da Unipampa.
175
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
grandense (IFSul),
13
para docentes
da rede municipal, estadual e federal e
um show de encerramento
14na
Sociedade Uruguaia, espaço cultural
originado em 1928 e mantido até hoje
por cios e dirigentes, dentre os quais
tão os integrantes do Ponto de
Cultura Pampa Sem Fronteiras. A
realização do evento cultural foi uma
oportunidade de revivermos a história
do Rio Grande do Sul através de
diaspóricos e de
repensarmos os caminhos da mitologia
gaúcha na cidade fr
onteiriça,
reconhecendo o legado deixado por
popular do estado
CARVALHO LEITE, 2015).
Logo após o término das
atividades, o músico percursionista
Ferreira colocou os agentes do
em Música da
A palestra musicada aconteceu na manhã
do dia 19 de agosto de 2015, no Teatro Santo
Antônio, localizado no Centro Histórico Vila de
Cultura afro
-
, foi ministrada por
aria e destinada especialmente a
professores e professoras da rede pública
O ciclo de palestras, oficinas e intercâmbio
cultural proporcionado pelo Ponto de Cultura
Pampa Sem Fronteiras, foi encerrado na noite
2015 com o show e
confraternização com os músicos Richard
Serraria, Mimmo Ferreira, professores e
alunos do Curso de Música da Unipampa.
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
Ponto em contato com Fred Parreño e
outros candomberos
de Rivera.Alguns
meses depois
, o grupo deu início ao
projeto
Tambor Sem Fronteiras
a venda de roupas usadas em brechós
beneficentes, conseguiram adquirir os
três primeiros tambores de candombe
(uma cuerda
, ou seja, o conjunto dos
três tambores)15.
15Esse feito deveu-
se muito à iniciativa e
esforço de Adriana Gonçalves Ferreira, ativista
cultural e coordenadora do
Ponto de Cultura, e
de Matheus Leite, professor de Música da
Unipampa. Adriana articulou a compra dos
primeiros tambores com a
Comparsa
de Montevideo, fabricados pelo artesão e
luthier uruguaio Marcelo Pulga, por intermédio
de Fred Parreño. Matheus
, por sua vez,
despertou o interesse dos seus alunos e
alunas para a prática do candombe durante as
aulas de percussão ministradas na
Universidade. Dentre esses alunos, destaco a
importante participação de Felissimo Franco,
que esteve presente desde o in
ício da
formação do grupo.
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Ponto em contato com Fred Parreño e
de Rivera.Alguns
, o grupo deu início ao
Tambor Sem Fronteiras
, e com
a venda de roupas usadas em brechós
beneficentes, conseguiram adquirir os
três primeiros tambores de candombe
, ou seja, o conjunto dos
se muito à iniciativa e
esforço de Adriana Gonçalves Ferreira, ativista
Ponto de Cultura, e
de Matheus Leite, professor de Música da
Unipampa. Adriana articulou a compra dos
Comparsa
Elumbé,
de Montevideo, fabricados pelo artesão e
luthier uruguaio Marcelo Pulga, por intermédio
, por sua vez,
despertou o interesse dos seus alunos e
alunas para a prática do candombe durante as
aulas de percuso ministradas na
Universidade. Dentre esses alunos, destaco a
importante participação de Felicíssimo Franco,
ício da
Figura 2
. Piano, repique e chico. Primeira
cuerda do grupo Grillos
Candomberos.
Foto do autor.
Depois de prontos, os
tambores saíram de Montevideo em
direção à cidade de Rivera (UY), na
fronteira com Santana do Livramento,
sendo recebidos na rodoviária por
integrantes do Ponto de Cultura e
tamborileiros de Rivera. Na ocasião o
grupo participou do
talleres
(oficinas) intensivos, gravados
em vídeo, com a finalidade de dar
início à aprendizagem da prática
musical dos tambores. Posteriormente,
num contato permanente com grupos
de candombe de Rivera, Melo e
Montevideo, teve início o processo
criação e formação do grupo de
candombe de Bagé, a
Candomberos16.
16
O grupo mantém um perfil em rede social:
https://www.instagram.com/grilloscandombero
s/
176
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
. Piano, repique e chico. Primeira
Candomberos.
Foto do autor.
Depois de prontos, os
tambores saíram de Montevideo em
direção à cidade de Rivera (UY), na
fronteira com Santana do Livramento,
sendo recebidos na rodoviária por
integrantes do Ponto de Cultura e
tamborileiros de Rivera. Na ocasião o
grupo já participou do
s primeiros
(oficinas) intensivos, gravados
em vídeo, com a finalidade de dar
início à aprendizagem da prática
musical dos tambores. Posteriormente,
num contato permanente com grupos
de candombe de Rivera, Melo e
Montevideo, teve início o processo
de
criação e formação do grupo de
candombe de Bagé, a
Grillos
O grupo mantém um perfil em rede social:
https://www.instagram.com/grilloscandombero
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
A cuerda
de tambores foi
“batizada" pelo grupo de Rivera, que
tempos de depois foi a Bagé para
realizar mais oficinas e inaugurar um
primeiro toque de candombe aberto ao
público,
na Sociedade Uruguaia, local
onde acontecem hoje os encontros
semanais. Com o passar dos anos o
grupo foi crescendo, mais integrantes
aderiram ao projeto e os encontros na
Sociedade passaram a acontecer com
mais frequência e sempre com a
presença de um
blico expressivo.
Até o momento, a
Candomberos
conta com um total de
onze tambores (dois
trêsrepiques e seischicos
) e figurinos
típicos para tamborileiros(as) e
bailarinas. O grupo envolve hoje a
presença de professores,músicos
percussionis
tas, estudantes do curso
de Música e de Letras da Unipampa,
bailarinas, agentes culturais, ativistas
do movimento negro local e
simpatizantes da cultura popular
uruguaia17.
17
Faço questão de mencionar os nomes dos
integrantes do grupo, a saber: Lisandro Moura,
Adriana Ferreira, Matheus Leite, Felicíssimo
Franco,
Andresa Xavier, Rosiméri Goulart,
Danieli Geissler, Antoniel Lopes, Greice
kvietinski, Rodrigo Bordón, Andressa Correa,
Roger Gomes e Kika Simoni.
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
de tambores foi
batizada" pelo grupo de Rivera, que
tempos de depois foi a Bagé para
realizar mais oficinas e inaugurar um
primeiro toque de candombe aberto ao
na Sociedade Uruguaia, local
onde acontecem hoje os encontros
semanais. Com o passar dos anos o
grupo foi crescendo, mais integrantes
aderiram ao projeto e os encontros na
Sociedade passaram a acontecer com
mais frequência e sempre com a
blico expressivo.
Até o momento, a
Grillos
conta com um total de
onze tambores (dois
pianos,
) e figurinos
típicos para tamborileiros(as) e
bailarinas. O grupo envolve hoje a
presença de professores,músicos
tas, estudantes do curso
de Música e de Letras da Unipampa,
bailarinas, agentes culturais, ativistas
do movimento negro local e
simpatizantes da cultura popular
Faço questão de mencionar os nomes dos
integrantes do grupo, a saber: Lisandro Moura,
Adriana Ferreira, Matheus Leite, Felicíssimo
Andresa Xavier, Rosiméri Goulart,
Danieli Geissler, Antoniel Lopes, Greice
kvietinski, Rodrigo Bordón, Andressa Correa,
De 2016 em diante foi posvel
estabelecer uma série de eventos que
visavam a
formação musical do
coletivo Grillos
Candomberos
oficinas, apresentações musicais e a
realização de
llamadas
tambores, desfiles, festas e bailes de
candombe. Esses eventos o
realizados tanto em Bagé como em
Melo, Rivera (cidades urugu
próximas) e envolvem a presença de
brasileiros e uruguaios, com suas
respectivas
comparsas
eventos que foram chave para a
formação do grupo, destaca
Homenagem Global ao Candombe,
realizada em 28 de abril de 2019.O
evento contou com um
tambores pelas ruas da cidade de
Bagé com a participação de
tamborileiros e bailarinas de
candombe de Bagé, Rivera, Melo e
Montevideo. A convocatória, proposta
pelo
Consejo Consultivo de Los
Angeles
, reuniu 50 cidades de
diferentes países e marc
de Bagé no mapa global do
candombe18.
18
A esse respeito, ver matéria publicada no
Jo
rnal Minuano, de Bagé:
https://www.jornalminuano.com.br/noticia/2019
/04/27/bage-tera-
programacao
homenagem-global-ao-
candombe
177
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
De 2016 em diante foi possível
estabelecer uma série de eventos que
formação musical do
Candomberos
, desde
oficinas, apresentações musicais e a
llamadas
, salidas de
tambores, desfiles, festas e bailes de
candombe. Esses eventos são
realizados tanto em Bagé como em
Melo, Rivera (cidades urugu
aias
próximas) e envolvem a presença de
brasileiros e uruguaios, com suas
comparsas
. Dentre os
eventos que foram chave para a
formação do grupo, destaca
-se a
Homenagem Global ao Candombe,
realizada em 28 de abril de 2019.O
evento contou com um
desfile de
tambores pelas ruas da cidade de
Bagé com a participação de
tamborileiros e bailarinas de
candombe de Bagé, Rivera, Melo e
Montevideo. A convocatória, proposta
Consejo Consultivo de Los
, reuniu 50 cidades de
diferentes países e marc
ou a entrada
de Bagé no mapa global do
A esse respeito, ver matéria publicada no
rnal Minuano, de Bagé:
https://www.jornalminuano.com.br/noticia/2019
programacao
-de-
candombe
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
Controvérsias, ressonâncias e
afectos
No momento em que os
tambores passam a ser deslocados do
seu lugar de origem (Montevideo) para
adentrar no lado brasileiro (Bagé),
ganham uma conotação nova, gerando
afetos, efeitos e controvérsiasa
respeito dosfundamentos de sua
prática, bem como das formas de
aprendizagem19
que estavam ao
alcance dos integrantes, gerando
processos de ressignificação e
ressemantização20
. Os deslocamentos
e cruzamentos de fronteiras impl
não apenas a restrição legal e
geográfica entre nacionalidades
19
Dediquei atenção às noções e práticas de
aprendizagem no candombe
afro
minha tese de doutorado, defendida em março
de 2021 no âmbito do Programa de Pós
Graduação em Antropologia da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel), sob orientação da
prof.ª Drª Claudia Turra Magni. Grande parte
dos temas trazidos neste
artigo são partes das
reflexões realizadas ao longo dessa pesquisa.
Ver Moura, 2021.
20
As pesquisas etnomusicológicas de Mario
Maia apontam também esses processos de
ressignificação e ressemantização ocorridos a
partir da circulação e deslocamentos do
tam
bor de sopapo. Segundo Maia, após
transpor fronteiras do Atlântico, o tambor foi
apropriado nas celebrações dos escravos e
reapropriado no século seguinte pelos
percussionistas das baterias das escolas de
samba em Pelotas e, por fim, reapropriado
mais uma
vez e ressemantizado por músicos
populares gaúchos e grupos de dança afro em
Pelotas e Porto Alegre, a partir do ano 2000.
(MAIA, 2013, p. 220).
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Controvérsias, ressonâncias e
No momento em que os
tambores passam a ser deslocados do
seu lugar de origem (Montevideo) para
adentrar no lado brasileiro (Bagé),
ganham uma conotação nova, gerando
afetos, efeitos e controvérsiasa
respeito dosfundamentos de sua
prática, bem como das formas de
que estavam ao
alcance dos integrantes, gerando
processos de ressignificação e
. Os deslocamentos
e cruzamentos de fronteiras impl
icam
não apenas a restrição legal e
geográfica entre nacionalidades
Dediquei atenção às noções e práticas de
afro
-uruguaio em
minha tese de doutorado, defendida em março
de 2021 no âmbito do Programa de Pós
-
Graduação em Antropologia da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel), sob orientação da
prof.ª Drª Claudia Turra Magni. Grande parte
artigo são partes das
reflexões realizadas ao longo dessa pesquisa.
As pesquisas etnomusicológicas de Mario
Maia apontam também esses processos de
ressignificação e ressemantização ocorridos a
partir da circulação e deslocamentos do
bor de sopapo. Segundo Maia, “após
transpor fronteiras do Atlântico, o tambor foi
apropriado nas celebrações dos escravos e
reapropriado no século seguinte pelos
percussionistas das baterias das escolas de
samba em Pelotas e, por fim, reapropriado
vez e ressemantizado por músicos
populares gaúchos e grupos de dança afro em
Pelotas e Porto Alegre, a partir do ano 2000.
distintas e controles aduaneiros, mas
também a existência de fronteiras
subjetivas, linguísticas, éticas, de
ethos
, de rítmos, de códigos e corpos
diferentes.
Apesar de estarmos tão
próxi
mos do Uruguai, a cultura do
candombe era completamente
desconhecida dos bajeenses. Ao
chegarem em Bagé, os tambores
chico, repique e
piano
estranhamento na população dos
arredores da Sociedade Uruguaia,
onde se realizam os ensaios e toques
abertos ao público. O termo
“candombe” é ainda hoje confundido
com “candomblé”, religião de matriz
africana. Para uma parcela
significativa da
população bajeense, a
sonoridade dos tambores era,
inicialmente, percebida moralmente
como perturbadora da ordem e da boa
convivência.
A simples junção e
exposição dos tambores na rua já
causava certo impacto ao ambiente e
à vizinhança do bairro.
mo
radores, indignados com os ensaios
constantes e com as junções na rua,
chamavam a polícia, faziam abaixo
assinado e reclamavam para as
autoridades locais, referindo
178
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
distintas e controles aduaneiros, mas
também a existência de fronteiras
subjetivas, linguísticas, éticas, de
, de rítmos, de códigos e corpos
Apesar de estarmos tão
mos do Uruguai, a cultura do
candombe era completamente
desconhecida dos bajeenses. Ao
chegarem em Bagé, os tambores
piano
provocavam
estranhamento na população dos
arredores da Sociedade Uruguaia,
onde se realizam os ensaios e toques
abertos ao público. O termo
candombe é ainda hoje confundido
com candomblé, religião de matriz
africana. Para uma parcela
população bajeense, a
sonoridade dos tambores era,
inicialmente, percebida moralmente
como perturbadora da ordem e da boa
A simples junção e
exposição dos tambores na rua
causava certo impacto ao ambiente e
à vizinhança do bairro.
Alguns
radores, indignados com os ensaios
constantes e com as junções na rua,
chamavam a polícia, faziam abaixo
assinado e reclamavam para as
autoridades locais, referindo
-se à
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
prática sempre em tom pejorativo
como “baderna”, “bagunça” etc.
Para os aprendizes d
o candombe era visto, de início, tão
somente como um ritmo musical
desprovido da conotação com a
ancestralidade que o originou e com
as formas de vida que tornaram
possíveis a sua sobrevincia como
prática habitual em Montevideo e em
outras cid
ades do interior do Uruguai.
Se o candombe pressupõe um
conjunto de conhecimentos próprios,
com um vocabulário específico e
atitudes imprescindíveis que o
compartilhadas por todos que querem
se tornar “bons tamborileiros”, esses
conhecimentos são modific
realocados quando praticados em solo
brasileiro. Um exemplo disso é a
maneira diferente com que brasileiros
e uruguaios tocam o tambor
considerado um instrumento que
permite maior liberdade de improviso,
como veremos mais adiante. As frase
de improviso e o acento dado pelo
palo
(baqueta) e não pela mão, como
recomenda a tradição, lembra aos
uruguaios a forma e o gesto de
tocadores de “repinique”, instrumento
das escolas de samba.
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
prática sempre em tom pejorativo
como baderna, bagunça” etc.
Para os aprendizes d
a prática,
o candombe era visto, de início, tão
-
somente como um ritmo musical
desprovido da conotação com a
ancestralidade que o originou e com
as formas de vida que tornaram
posveis a sua sobrevivência como
prática habitual em Montevideo e em
ades do interior do Uruguai.
Se o candombe pressupõe um
conjunto de conhecimentos próprios,
com um vocabulário específico e
atitudes imprescindíveis que são
compartilhadas por todos que querem
se tornar bons tamborileiros”, esses
conhecimentos o modific
ados ou
realocados quando praticados em solo
brasileiro. Um exemplo disso é a
maneira diferente com que brasileiros
e uruguaios tocam o tambor
repique,
considerado um instrumento que
permite maior liberdade de improviso,
como veremos mais adiante. As frase
s
de improviso e o acento dado pelo
(baqueta) e não pela mão, como
recomenda a tradição, lembra aos
uruguaios a forma e o gesto de
tocadores de repinique, instrumento
Além disso, era possível
observar
que não havia, de nossa
p
arte, a necessária disposição em
responder às demandas do tambor,
em termos de cuidado, conserto,
manutenção, transporte,
disponibilidade de tempo e
comprometimento com ensaios mais
frequentes. Seu uso dependia mais do
aprendizado de algumas técnicas
music
ais do que da experimentação de
outro modo de vida, com devidos
compromissos e responsabilidades.
Os vínculos afetivos com os
instrumentos e o conhecimento sobre
as técnicas de reparo e de trocas dos
couros foram sendo construídos e
ressignificados lentame
que a prática dos toques e o
intercâmbio com
Uruguai foram se tornando mais
frequentes e mais significativos para
os integrantes do projeto.
No processo de iniciação da
Grillos
Candomberos
fundamental, portanto, levar em
c
onsideração o reconhecimento dos
fundamentos sociais, históricos e
políticos que perpassam a cultura dos
tambores afro-
uruguaios, pois
conforme dizem os tamborileiros mais
referentes,
los tambores no suenan
179
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Além disso, era possível
que não havia, de nossa
arte, a necesria disposição em
responder às demandas do tambor,
em termos de cuidado, conserto,
manutenção, transporte,
disponibilidade de tempo e
comprometimento com ensaios mais
frequentes. Seu uso dependia mais do
aprendizado de algumas técnicas
ais do que da experimentação de
outro modo de vida, com devidos
compromissos e responsabilidades.
Os nculos afetivos com os
instrumentos e o conhecimento sobre
as técnicas de reparo e de trocas dos
couros foram sendo construídos e
ressignificados lentame
nte, à medida
que a prática dos toques e o
intermbio com
comparsas do
Uruguai foram se tornando mais
frequentes e mais significativos para
os integrantes do projeto.
No processo de iniciação da
Candomberos
, era
fundamental, portanto, levar em
onsideração o reconhecimento dos
fundamentos sociais, históricos e
políticos que perpassam a cultura dos
uruguaios, pois
conforme dizem os tamborileiros mais
los tambores no suenan
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
sin razón
”. Entender essas razões era,
ao mesmo
tempo, evitar apropriações
indevidas e a reprodução de atitudes
colonialistas e fetichistas que
concebem esse movimento cultural e
político nos termos do exotismo
suscitado pelos tambores. Entretanto,
mesmo que o fascínio incorra a todos
os que se deparam
com o ritmo
sincopado dos tambores, surgem
também questionamentos profundos
aos modos de vida hegemônicos,
colonialistas e racistas propiciados
pela presença dos tambores. Veremos
mais adiante que o candombe é,
fundamentalmente, a possibilidade
concreta de
repensar nosso modo de
viver e de estar presente com o outro,
um novo regime da atenção e da
percepção das relações sociais
marcado pela atitude antirracista
expressa na própria estrutura rítmica
dos tambores.
Num primeiro momento, é
possível dizer que n
ossa própria
relação com o candombe era de uma
admiração superficial e de uma
curiosidade insistente para entender a
dinâmica rítmica dos toques. Para
quem cresceu com o ouvido formado
por outros compassos e outros
tambores, compreender o tempo
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
. Entender essas razões era,
tempo, evitar apropriações
indevidas e a reprodução de atitudes
colonialistas e fetichistas que
concebem esse movimento cultural e
político nos termos do exotismo
suscitado pelos tambores. Entretanto,
mesmo que o fasnio incorra a todos
com o ritmo
sincopado dos tambores, surgem
também questionamentos profundos
aos modos de vida hegemônicos,
colonialistas e racistas propiciados
pela presença dos tambores. Veremos
mais adiante que o candombe é,
fundamentalmente, a possibilidade
repensar nosso modo de
viver e de estar presente com o outro,
um novo regime da atenção e da
percepção das relações sociais
marcado pela atitude antirracista
expressa na própria estrutura tmica
Num primeiro momento, é
ossa própria
relação com o candombe era de uma
admiração superficial e de uma
curiosidade insistente para entender a
dinâmica rítmica dos toques. Para
quem cresceu com o ouvido formado
por outros compassos e outros
tambores, compreender o tempo
rítmico e a
conversação entre
repiques e pianos
, é um exercio
extremamente difícil. Os toques de
candombe são normalmente
percebidos como confusos e
enigmáticos, demasiado entrecruzados
e difíceis de decifrar. É provável que
essa sensação advenha
familiaridade com a música afro
americana
unicamente percussiva,
fruto do processo de colonização da
escuta musical a que somos
constantemente submetidos
amigos não uruguaios comunicavam a
mesma sensação de estranhamento
quando ouviam pela primeir
som dos tambores na rua. A
constância rítmica sincopada e sem
variações melódicas lhes provocava
certo incômodo.
Outras pessoas, que
comunicavam sua impressão sobre o
candombe uruguaio, demonstravam
ter dificuldades de distinguir a função
21 O antropólogo Evans-
Pritchard (2014 [1928],
p. 24), que tinha consciência do seu pouco
conhecimento musical
”, reconhecia que as
melodias africanas parecem, ao ouvido
destreinado, ter pouca variação de sons. Em
sua análise clássica sobre a dança da cerveja
(gberebuda
) praticada pelos
da África Central (também acompanhada por
tambores), o antropól
ogo britânico reconhecia
nossa equivocada tendência a estimar a
diferença melódica pelo seu grau de
semelhança com canções europeias.
180
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
conversação entre
chicos,
, é um exercício
extremamente difícil. Os toques de
candombe o normalmente
percebidos como confusos e
enigmáticos, demasiado entrecruzados
e difíceis de decifrar. É provável que
essa sensação advenha
da pouca
familiaridade com a música afro
-
unicamente percussiva,
fruto do processo de colonização da
escuta musical a que somos
constantemente submetidos
21. Nossos
amigos não uruguaios comunicavam a
mesma sensação de estranhamento
quando ouviam pela primeir
a vez o
som dos tambores na rua. A
constância rítmica sincopada e sem
variações melódicas lhes provocava
Outras pessoas, que
comunicavam sua impressão sobre o
candombe uruguaio, demonstravam
ter dificuldades de distinguir a função
Pritchard (2014 [1928],
p. 24), que tinha consciência do seu “pouco
, reconhecia que as
melodias africanas parecem, ao ouvido
destreinado, ter pouca variação de sons. Em
sua análise clássica sobre a dança da cerveja
) praticada pelos
azande do norte
da África Central (também acompanhada por
ogo britânico reconhecia
nossa equivocada tendência a “estimar a
diferença melódica pelo seu grau de
semelhança com canções europeias”.
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
específ
ica de cada tambor durante a
execução musical. A impressão delas
era de que cada músico toca o que
bem quiser e da forma como quiser, de
modo que a noção de musicalidade,
técnica e fundamento rítmico não lhes
parecia familiar, dificultando assim a
apreciaç
ão. “Candombe é puro
barulho”, como disse Miguel Gonzales,
cubano que hoje vive em Bagé. A
frase foi proferida em tom jocoso e
provocativo, na ocasião em que
discutíamos as relações da música
cubana com o candombe uruguaio.
Miguel referia-
se, obviamente, a
candombe de comparsa
e de
realizado por cortejo de tambores na
rua, e não ao
candombe canção
candombe fusión
, este considerado
mais familiar ao ouvido devido à
presença de instrumentos melódicos
que acompanham os tambores. Em
outra ocasião, u
m morador dos
arredores da Sociedade Uruguaia
estabeleceu uma curiosa associação
entre o toque dos tambores de
candombe na rua com uma carreira
de cavalos em cancha reta, prática
tradicional
da população gaúcha que
vive no campo.
Mesmo que esses exemplo
tenham sido lançados em conversas
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
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Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
ica de cada tambor durante a
execução musical. A impressão delas
era de que cada músico toca o que
bem quiser e da forma como quiser, de
modo que a noção de musicalidade,
técnica e fundamento rítmico não lhes
parecia familiar, dificultando assim a
ão. Candombe é puro
barulho, como disse Miguel Gonzales,
cubano que hoje vive em Bagé. A
frase foi proferida em tom jocoso e
provocativo, na ocasião em que
discutíamos as relações da música
cubana com o candombe uruguaio.
se, obviamente, a
o
e de
llamada,
realizado por cortejo de tambores na
candombe canção
ou
, este considerado
mais familiar ao ouvido devido à
presença de instrumentos melódicos
que acompanham os tambores. Em
m morador dos
arredores da Sociedade Uruguaia
estabeleceu uma curiosa associação
entre o toque dos tambores de
candombe na rua com uma “carreira
de cavalos em cancha reta”, prática
da população gaúcha que
Mesmo que esses exemplo
s
tenham sido lançados em conversas
de tom descontraído, eles têm
relevância por conta de sua
recorrência em diferentes situações e
com distintas pessoas. Diferentes
musicólogos que se dedicaram ao
estudo do candombe manifestam a
mesma impressão:
rítmica del candombe puede ser de
difícil decodificación para
no familiarizado con esta
manifestación musical
p. 263). Os exemplos nos falam de
condições variadas de escuta,
provocadas por sensações inusuais
que levam, por vezes, a julgamentos
curiosos e um tanto etnontricos. Por
outro lado, é preciso dizer que não há
juízo depreciativo na comparação do
ritmo candombe com o movimento
galopante dos cavalos em carreira,
desde que se considere a ideia de
força
que esses movimentos evocam.
E a força tem tudo a ver com o
candombe, conforme mostrou Plastino
(2013). A noção de “barulho,invocada
e compartilhada na experiência social
da escuta dos tambores, não deve ser
necessariamente confundida com um
tipo de agre
ssão explícita e
inadequada decorrente de uma má
execução musical. Ela é, ao contrário,
uma forma de expressar o
181
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
de tom descontraído, eles têm
relevância por conta de sua
recorrência em diferentes situações e
com distintas pessoas. Diferentes
musilogos que se dedicaram ao
estudo do candombe manifestam a
mesma impressão:
La configuración
rítmica del candombe puede ser de
difícil decodificación para
um oyente
no familiarizado con esta
manifestación musical”
(JURE, 2013,
p. 263). Os exemplos nos falam de
condições variadas de escuta,
provocadas por sensações inusuais
que levam, por vezes, a julgamentos
curiosos e um tanto etnocêntricos. Por
outro lado, é preciso dizer que não
juízo depreciativo na comparação do
ritmo candombe com o movimento
galopante dos cavalos em carreira,
desde que se considere a ideia de
que esses movimentos evocam.
E a força tem tudo a ver com o
candombe, conforme mostrou Plastino
(2013). A noção de barulho”,invocada
e compartilhada na experiência social
da escuta dos tambores, não deve ser
necessariamente confundida com um
ssão explícita e
inadequada decorrente de uma má
execução musical. Ela é, ao contrário,
uma forma de expressar o
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
estranhamento causado pela
complexidade rítmica dos tambores e
pela apresentação de novos registros
sensíveis para a experiência da
escuta, mai
s dissonantes e intensos
(ou galopantes).
Essa percepção da escuta tem
a ver, pois, com o efeito próprio da
estrutura polirrítmica do
candombe.Trata-
se de uma
informação pouco acessível e não
disponível a qualquer pessoa, ainda
que esta seja uruguaia, es
candombe e assista às
Podemos dizer que o que acontece na
música do candombe é uma
combinação complexa de dois
modelos rítmicos assimétricos que
bagunçam as percepções
convencionais de escuta musical. De
um lado, a presença constante e
re
gular da métrica (tambor
base (tambor piano
), e, de outro, uma
improvisação de frases e figuras
rítmicas (tambor repique
). O tambor
chico
, de som agudo e penetrante,
entra com golpes repetitivos e
regulares (como um metrônomo),
tendo ao lado o
acompanhamento do
grave do tambor
piano
apresenta bases diferentes também
repetitivas, tocadas sempre em
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uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
estranhamento causado pela
complexidade rítmica dos tambores e
pela apresentação de novos registros
sensíveis para a experiência da
s dissonantes e intensos
Essa percepção da escuta tem
a ver, pois, com o efeito próprio da
estrutura polirrítmica do
se de uma
informação pouco acessível e não
disponível a qualquer pessoa, ainda
que esta seja uruguaia, es
cute
candombe e assista às
llamadas.
Podemos dizer que o que acontece na
música do candombe é uma
combinação complexa de dois
modelos rítmicos assimétricos que
bagunçam as percepções
convencionais de escuta musical. De
um lado, há a presença constante e
gular da métrica (tambor
chico) e da
), e, de outro, uma
improvisação de frases e figuras
). O tambor
, de som agudo e penetrante,
entra com golpes repetitivos e
regulares (como um metrônomo),
acompanhamento do
piano
, o qual
apresenta bases diferentes também
repetitivas, tocadas sempre em
relação assimétrica com o
tambor repique
entra para improvisar
frases rítmicas sincopadas e
sobrepostas aos outros dois tambores,
ora
confirmando a métrica do
ora criando frases contrapostas a essa
métrica (
JURE, 2013
envolve, assim,
o diálogo sincopado
entre os três tambores, realizado
meio de perguntas e respostas, de
entradas e saídas, de subidas e
baixadas, arreglos
e cortes. Segundo o
antropólogo e etnomusilogo
Ferreira (2001), esse modo de
execução é característico dos
sistemas simbólicos musicais da
cultura afro-
atlântica presente nas
Américas22.
A relação entre a base, a
métrica e o improviso acontece de
maneira permanentemente
contrastante ou entrecruzada. Essa
presença simultânea de diferentes
estruturas rítmicas forma o que a
etnomusicologia denomina de
“polirritmia” (ARON, 1985). Na
discussão
proposta por Arom (1985, p.
379), a respeito da organização do
22
A síncope, a antífona (chamado e resposta),
a polirritmia, a improvisação, a dramaturgia e
um sistema próprio de comun
voz
) fazem parte daquilo que Ferreira (2008)
denomina de “artes performáticas negras.
182
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
relação assimétrica com o
chico. O
entra para improvisar
frases rítmicas sincopadas e
sobrepostas aos outros dois tambores,
confirmando a métrica do
chico,
ora criando frases contrapostas a essa
JURE, 2013
). Esse jogo
o diálogo sincopado
entre os três tambores, realizado
por
meio de perguntas e respostas, de
entradas e saídas, de subidas e
e cortes. Segundo o
antropólogo e etnomusicólogo
Luis
Ferreira (2001), esse modo de
execução é característico dos
sistemas simbólicos musicais da
atlântica presente nas
A relação entre a base, a
métrica e o improviso acontece de
maneira permanentemente
contrastante ou entrecruzada. Essa
presença simultânea de diferentes
estruturas rítmicas forma o que a
etnomusicologia denomina de
polirritmia (ARON, 1985). Na
proposta por Arom (1985, p.
379), a respeito da organização do
A síncope, a antífona (chamado e resposta),
a polirritmia, a improvisação, a dramaturgia e
um sistema próprio de comun
icação (doble
) fazem parte daquilo que Ferreira (2008)
denomina de artes performáticas negras”.
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
tempo na música centro
-
polirritmia é definida pela articulação
de dois ou mais elementos e figuras
rítmicas que se sobrepõem de tal
forma a criar um efeito de
entrelaçamento. A cara
dominante do ritmo consiste, assim,
em "uma tendência muito forte à
contrametricidade, causando uma
relação conflituosa permanente entre a
estrutura métrica do período e os
eventos rítmicos que ocorrem aí
(AROM, 1985, p. 434).23
Essa configuraç
ão polirrítmica,
observada em diferentes tradições
musicais não ocidentais,
especialmente aquelas oriundas de
diferentes povos africanos, está
presente no candombe afro
Ao improvisar de forma sobreposta ao
piano e ao chico
, o fraseado do
repique
faz com que os outros dois
tambores sejam ouvidos de uma
maneira nova. A sensação que temos
é que, embora haja sempre uma
repetição inerente de frases e figuras,
elas são percebidas como sendo
23
A característica predominante da música
polirrítmica centro-
africana consiste
très forte tendance à la
contramétricité,
suscitant une relation co
nflictuelle permanente
entre la structure métrique de la
période et le
sévénements ryth miques quis'y
(AROM, 1985, p. 434).
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
-
africana, a
polirritmia é definida pela articulação
de dois ou mais elementos e figuras
rítmicas que se sobrepõem de tal
forma a criar um efeito de
entrelaçamento. A cara
cterística
dominante do ritmo consiste, assim,
em "uma tendência muito forte à
contrametricidade, causando uma
relação conflituosa permanente entre a
estrutura métrica do período e os
eventos rítmicos que ocorrem aí”
ão polirrítmica,
observada em diferentes tradições
musicais não ocidentais,
especialmente aquelas oriundas de
diferentes povos africanos, está
presente no candombe afro
-uruguaio.
Ao improvisar de forma sobreposta ao
, o fraseado do
faz com que os outros dois
tambores sejam ouvidos de uma
maneira nova. A sensação que temos
é que, embora haja sempre uma
repetição inerente de frases e figuras,
elas o percebidas como sendo
A característica predominante da música
africana consiste “
en une
contramétricité,
nflictuelle permanente
période et le
produisent
diferentes (WISNIK, 2016). Essa
diferença é o saliente e repe
ponto de ser traduzida, na percepção
leiga, como desordem. Além disso,
podemos compreender de fato a
função rítmica de cada tambor quando
colocados em relação uns com os
outros. Trata-
se de uma unidade
formada pela diferença, já estudada e
desc
rita por Ferreira (2013), o que
dificulta a distinção tida do que cada
tambor faz, posto que, no conjunto dos
três, e impressão é de que
algo
sempre variante. Gerhard Kubik
(1962; 2008) denominou de
subjective pattern
s” esse fenômeno
subjetivo e subjacente aos ritmos
africanos, e cujo sentido depende da
intenção da escuta, oferecendo muitas
maneiras de leitura e percepção
(KUBIK, 2008, p. 94).
Outras formas de habitar as ruas
Além da complexa organização
musical polirrítmica
, a prática do
candombe requer também formas
sociais não habituais de participar e
experienciar a música dos tambores.
Isso porque o candombe é realizado,
como dissemos, no ambiente da rua e
envolve, assim, junções públicas e
formas coletivas de expressão,
183
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
diferentes (WISNIK, 2016). Essa
diferença é tão saliente e repe
titiva a
ponto de ser traduzida, na percepção
leiga, como desordem. Além disso,
podemos compreender de fato a
função rítmica de cada tambor quando
colocados em relação uns com os
se de uma unidade
formada pela diferença, estudada e
rita por Ferreira (2013), o que
dificulta a distinção nítida do que cada
tambor faz, posto que, no conjunto dos
três, e impressão é de que
ouvimos
sempre variante. Gerhard Kubik
(1962; 2008) denominou de “
inherentor
s” esse fenômeno
subjetivo e subjacente aos ritmos
africanos, e cujo sentido depende da
intenção da escuta, oferecendo muitas
maneiras de leitura e percepção
Outras formas de habitar as ruas
Além da complexa organização
, a prática do
candombe requer também formas
sociais não habituais de participar e
experienciar a música dos tambores.
Isso porque o candombe é realizado,
como dissemos, no ambiente da rua e
envolve, assim, junções públicas e
formas coletivas de expressão,
um
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
fazer partilhado, o que atesta a
importância do ambiente e da
recepção na composição da
experiência sonora. Conceber o
candombe exclusivamente como um
gênero musical seria um tanto restrito,
pois não abarca a maneira e o
contexto local em que essa músi
produzida. Turino (2008) chamou esse
tipo de performance musical de
participatory music
”, isto é, uma
prática musical aberta e participativa,
não restrita aos músicos profissionais.
O sucesso da experiência não se limita
ao universo estritamente musi
se estende ao ato mesmo de fazer
música de forma coletiva.
Ao contrário das apresentações
musicais ensaiadas e previsíveis, com
diferenciação nítida entre os músicos e
a audiência (
presentational
termos de Turino), o candombe é uma
prát
ica musical que convida à
participação, ou melhor, que
público à rua. Ainda que essa
participação não contemple a inserção
na cuerda
de tambores, ela possibilita
que o blico se junte à
dançando, batendo palmas e
acompanhando o grupo na
atrás dos tambores.
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
fazer partilhado, o que atesta a
importância do ambiente e da
recepção na composição da
experiência sonora. Conceber o
candombe exclusivamente como um
gênero musical seria um tanto restrito,
pois não abarca a maneira e o
contexto local em que essa músi
ca é
produzida. Turino (2008) chamou esse
tipo de performance musical de
, isto é, uma
prática musical aberta e participativa,
não restrita aos músicos profissionais.
O sucesso da experiência não se limita
ao universo estritamente musi
cal, mas
se estende ao ato mesmo de fazer
Ao contrário das apresentações
musicais ensaiadas e previsíveis, com
diferenciação nítida entre os músicos e
presentational
music, nos
termos de Turino), o candombe é uma
ica musical que convida à
participação, ou melhor, que
llama o
público à rua. Ainda que essa
participação não contemple a inserção
de tambores, ela possibilita
que o público se junte à
comparsa,
dançando, batendo palmas e
acompanhando o grupo na
frente ou
Desse modo, a qualidade do
desempenho geral da
durante um desfile ou
ver com a capacidade de produzir no
público o efeito de
goze
seja, o quanto são capazes de fazer os
tambores
sonar
erizarlapiel
ou
(“quebrar tudo”). Assim, as expreses
sonar ou
suena
proferidas no contexto
não se referem unicamente ao diálogo
musical dos tambores ou às
habilidades espeficas dos
tamborileiros,
mas se estendem ao
ambiente e ao modo como o público
reage ao som. Existe uma troca
dinâmica, em termos de afetação,
entre a comparsa
e o público. Quanto
mais o público goza
mais a cuerda suena
, e vice
As llamadas
de tambores o,
portanto, eventos performáticos
marcados por uma maneira coletiva de
praticar a música, um acontecimento
feito para ser experimentado, ouvido e
sentido.
Daí sua força para tensionar a
normalidade cotidiana, alterando a
rotina da cidade e as relações no
bairro e na rua.
Para que a marcha
dos tambores avance é necesrio,
portanto, saber negociar o uso do
184
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Desse modo, a qualidade do
desempenho geral da
comparsa
durante um desfile ou
llamada tem a
ver com a capacidade de produzir no
goze
e desfrute, ou
seja, o quanto são capazes de fazer os
sonar
bien”, fazer
ou
romper todo
(quebrar tudo). Assim, as expressões
suena
”, amplamente
proferidas no contexto
candombero,
não se referem unicamente ao diálogo
musical dos tambores ou às
habilidades específicas dos
mas se estendem ao
ambiente e ao modo como o público
reage ao som. Existe uma troca
dinâmica, em termos de afetação,
e o blico. Quanto
e disfruta, tanto
, e vice
-versa.
de tambores são,
portanto, eventos performáticos
marcados por uma maneira coletiva de
praticar a música, um acontecimento
feito para ser experimentado, ouvido e
Daí sua força para tensionar a
normalidade cotidiana, alterando a
rotina da cidade e as relações no
Para que a marcha
dos tambores avance é necessário,
portanto, saber negociar o uso do
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
espaço público com os moradores das
redondezas, dos transeuntes e,
principalmente, dos automóveis.
Diferentemente de Montevideo
algumas cidades do interior do
Uruguai, a prática do candombe no
lado brasileiro da fronteira não está
totalmente consolidada, e por isso os
praticantes precisam lidar com
situações que repousam ainda num
velho e conhecido dispositivo de
controle aci
onado sempre que os
corpos sinalizam outras formas de
habitar as ruas.
Nassaídas de tambores
protagonizadas pela
Candomberos
de Bagé, realizadas em
conjunto com comparsas
que cruzam a fronteira rumo ao Brasil,
fazer candombe envolve ader
verdadeira disputa pelos domínios da
rua. Isso ocorre desde o ato de fazer o
fogo na beira da calçada para afinar os
tambores, antes de iniciar a marcha.
Depois,pelo tempo que se leva para
armar la cuerda
, ou seja, para dispor
os tambores conforme
a posição de
cada tamborileiro e tamborileira. E
quando os integrantes iniciam o
percurso por algumas quadras do
centro da cidade, os automóveis vão
se
acumulando atrás da
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uruguaio no sul do Brasil
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
espaço público com os moradores das
redondezas, dos transeuntes e,
principalmente, dos automóveis.
Diferentemente de Montevideo
e de
algumas cidades do interior do
Uruguai, a prática do candombe no
lado brasileiro da fronteira o está
totalmente consolidada, e por isso os
praticantes precisam lidar com
situações que repousam ainda num
velho e conhecido dispositivo de
onado sempre que os
corpos sinalizam outras formas de
Nassaídas de tambores
protagonizadas pela
Grillos
de Bagé, realizadas em
do Uruguai
que cruzam a fronteira rumo ao Brasil,
fazer candombe envolve ader
ir a uma
verdadeira disputa pelos domínios da
rua. Isso ocorre desde o ato de fazer o
fogo na beira da calçada para afinar os
tambores, antes de iniciar a marcha.
Depois,pelo tempo que se leva para
, ou seja, para dispor
a posição de
cada tamborileiro e tamborileira. E
quando os integrantes iniciam o
percurso por algumas quadras do
centro da cidade, os automóveis vão
acumulando atrás da
cuerda.
Apenas quando estão em número
reduzido de tambores é que o grupo
ocupa a ca
lçada, para evitar barrar o
trânsito, o que destoa muito das
marchas realizadas no contexto
uruguaio. O percurso abarca uma
região bastante movimentada do
centro de Bagé, nos arredores da
Sociedade Uruguaia. Existe um acordo
implícito entre tamborileiros d
durante o toque
não se pode parar de
tocar para dar passagem aos veículos,
ou qualquer outro motivo. As motos
costumam subir a calçada para poder
ultrapassar o grupo, mas os carros
devem esperar. Muitos motoristas
buzinam pedindo passagem; outros
esp
eram pacientemente ou retornam
para pegar outra via.
nesse caso,
é manter um tipo ideal de
comportamento guerreiro, traduzido na
força, na persistência e na coragem
para desafiar os caminhos sinuosos do
trânsito e da cidade orientada para os
valores utilitários do trabalho e do
consumo. Se o projeto colonial se
fundamen
ta na domesticação do
corpo, como lembra Simas (2019), o
corpo que
candombea
de resistência a esse projeto colonial.
Resistir é, na percepção
não parar de tocar até que se vença
185
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Apenas quando estão em número
reduzido de tambores é que o grupo
lçada, para evitar barrar o
trânsito, o que destoa muito das
marchas realizadas no contexto
uruguaio. O percurso abarca uma
região bastante movimentada do
centro de Bagé, nos arredores da
Sociedade Uruguaia. Existe um acordo
implícito entre tamborileiros d
e que
não se pode parar de
tocar para dar passagem aos veículos,
ou qualquer outro motivo. As motos
costumam subir a calçada para poder
ultrapassar o grupo, mas os carros
devem esperar. Muitos motoristas
buzinam pedindo passagem; outros
eram pacientemente ou retornam
Ser candombero,
é manter um tipo ideal de
comportamento guerreiro, traduzido na
força, na persistência e na coragem
para desafiar os caminhos sinuosos do
trânsito e da cidade orientada para os
valores utilitários do trabalho e do
consumo. Se o projeto colonial se
ta na domesticação do
corpo, como lembra Simas (2019), o
candombea
é a expressão
de resistência a esse projeto colonial.
Resistir é, na percepção
candombera,
não parar de tocar até que se vença
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
por completo o trajeto, custe o que
custar.
Considerações finais
Vimos ao longo do texto que a
criação e formação de um grupo de
candombena fronteira do Brasil com o
Uruguai
trouxe questionamentos
importantes sobre a própria prática do
candombe. Desvinculada de seu lugar
de origem, dos bairros trad
Montevideo e de seus contextos
discursivos hegemônicos, a prática do
candombe
se movimenta e se
transforma conforme a dinâmica
processual dos territórios e das
relações sociais estabelecidas entre o
grupo de Bagé e as
comparsas
interior do U
ruguai. Como
consequência, os agentes culturais do
Ponto de Cultura
traçam conees
entre lugares comumente vistos como
equidistantes e separados por
fronteiras geográficas, bem como
entrelaçam suas vidas à vida dos
tambores afro-uruguaios.
Os efeitos gerados pelo
deslocamento de tambores para além
fronteiras foram pensados nos termos
do próprio fundamento sonoro dos
tambores piano, chico
e
suas execuções polirrítmicas
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uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
por completo o trajeto, custe o que
Vimos ao longo do texto que a
criação e formação de um grupo de
candombena fronteira do Brasil com o
trouxe questionamentos
importantes sobre a própria prática do
candombe. Desvinculada de seu lugar
de origem, dos bairros trad
icionais de
Montevideo e de seus contextos
discursivos hegemônicos, a prática do
se movimenta e se
transforma conforme a dinâmica
processual dos territórios e das
relações sociais estabelecidas entre o
comparsas
do
ruguai. Como
consequência, os agentes culturais do
traçam conexões
entre lugares comumente vistos como
equidistantes e separados por
fronteiras geográficas, bem como
entrelaçam suas vidas à vida dos
Os efeitos gerados pelo
deslocamento de tambores para além
-
fronteiras foram pensados nos termos
do próprio fundamento sonoro dos
e
repique, e
suas execuções polirrítmicas
assentadas, respectivamente, na base,
na métrica e no improviso
as ações que compõem o ritual das
llamadas
, praticadas no ambiente da
rua, suspendem o tempo ordinário e
esperado, provocando um corte no
curso normal do cotidiano. Esse corte
repercute no próprio ritmo da cidade,
no trânsito de veículos, no
f
uncionamento dos negócios
comerciais, na rotina do trabalho,
rompendo assim com os limites
impostos pela normalidade cotidiana e
pela domesticação dos corpos.
Como pudemos observar, o
movimento de integração
proporcionado por coletivos
candomberos está
atravessamentos históricos, por
relações transnacionais e por
cruzamentos rítmicos, um exemplo de
que os tambores não respeitam
fronteiras, ao menos no sentido usual
do termo. Aqui estamos de acordo
com
Mbembe (2009), para quem a
verdadeira funç
ão de uma fronteira
a de ser cruzada”. Nas palavras do
filósofo camaronês:
Não há fronteira
concebível fora desse prinpio, a lei
da permeabilidade” (MBEMBE, 2009,
s/p). Sendo assim, as relações de
troca agenciadas pelo deslocamento
186
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
assentadas, respectivamente, na base,
na métrica e no improviso
.Além disso,
as ações que compõem o ritual das
, praticadas no ambiente da
rua, suspendem o tempo ordinário e
esperado, provocando um corte no
curso normal do cotidiano. Esse corte
repercute no próprio ritmo da cidade,
no trânsito de veículos, no
uncionamento dos negócios
comerciais, na rotina do trabalho,
rompendo assim com os limites
impostos pela normalidade cotidiana e
pela domesticação dos corpos.
Como pudemos observar, o
movimento de integração
proporcionado por coletivos
permeado por
atravessamentos históricos, por
relações transnacionais e por
cruzamentos rítmicos, um exemplo de
que os tambores não respeitam
fronteiras, ao menos no sentido usual
do termo. Aqui estamos de acordo
Mbembe (2009), para quem a
ão de uma fronteira
“é
a de ser cruzada. Nas palavras do
“Não fronteira
concebível fora desse princípio, a lei
da permeabilidade (MBEMBE, 2009,
s/p). Sendo assim, as relações de
troca agenciadas pelo deslocamento
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
de tambores, do Ur
uguai ao Brasil,
estão de acordo com essa lei da
permeabilidade” que concebe a
fronteira como zona de passagem.
expressão remete à
movimento, do deslocamento, da
confluência e da integração de
pessoas, mercadorias, insumos ou
mesmo a de tambores, ideias, lutas e
sonhos.
Por outro lado, como
mencionado no início do texto,dizer
que a fronteira entre Brasil e Uruguai é
local
dos fluxos de mobilidade não
significa ignorar
o controle intenso
exercido nessas margens pelas
autoridades estatais, seja na presença
do exército ou agências de controle
aduaneiro. Isso mostra que os
deslocamentos por parte dos grupos
candomberos do Brasi
l e do Uruguai
não ocorrem sem dificuldades. As
assimetrias de poder que constituem
as práticas de mobilidade (FREIRE
MEDEIROS;
LAGES, 2020) podem ser
facilmente observadas no impasse
provocado por fiscais aduaneiros no
momento de cruzarmos
a fronteira de
ônibus ou de carro, levando grande
quantidade de tambores e artefatos
típicos das comparsas
. Na zona de
fronteira, somos todos considerados
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
uruguaio no sul do Brasil
. PragMATIZES -
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Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
uguai ao Brasil,
estão de acordo com essa “lei da
permeabilidade que concebe a
fronteira como zona de passagem.
A
prática do
movimento, do deslocamento, da
confluência e da integração de
pessoas, mercadorias, insumos ou
mesmo a de tambores, ideias, lutas e
Por outro lado, como
mencionado no início do texto,dizer
que a fronteira entre Brasil e Uruguai é
dos fluxos de mobilidade não
o controle intenso
exercido nessas margens pelas
autoridades estatais, seja na presença
do exército ou agências de controle
aduaneiro. Isso mostra que os
deslocamentos por parte dos grupos
l e do Uruguai
não ocorrem sem dificuldades. As
assimetrias de poder que constituem
as práticas de mobilidade (FREIRE
-
LAGES, 2020) podem ser
facilmente observadas no impasse
provocado por fiscais aduaneiros no
a fronteira de
ônibus ou de carro, levando grande
quantidade de tambores e artefatos
. Na zona de
fronteira, somos todos considerados
“criaturas perigosas”, suspeitas de
estarmos cometendo alguma infração,
levando ou trazendo algo indevido.
Ademais,
as oportunidades de
mobilidade estão, muitas vezes,
restritas aos sujeitos que possuem
condições materiais e econômicas
para realizar viagens constantes, com
a finalidade de participar de oficinas e
de llamadas
em Rivera, Melo ou
Montevideo. Para que o pr
intercâmbio não se limite às atitudes
voluntariosas e altruístas de uma ou
outra pessoa com capital de rede
(URRY, 2007), é necessário que esses
projetos de
integração binacional se
fortaleçam enquanto partes de uma
política pública voltada par
populações em faixa de fronteira, uma
luta constante da rede de Pontos de
Cultura do sul do Brasil.
Nos últimos dois anos, as
condições desfavoráveis e os
processos desiguais que constituem
as práticas de mobilidade foram ainda
mais acentuadas devido à
de circulação e do fechamento das
fronteiras entre estados
decorrência da pandemia do
coronavírus. Essas medidas sanitárias,
necessárias para evitar o contágio,
impossibilitaram a ida e a vinda dos
187
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
criaturas perigosas”, suspeitas de
estarmos cometendo alguma infração,
levando ou trazendo algo indevido.
as oportunidades de
mobilidade estão, muitas vezes,
restritas aos sujeitos que possuem
condições materiais e econômicas
para realizar viagens constantes, com
a finalidade de participar de oficinas e
em Rivera, Melo ou
Montevideo. Para que o pr
ocesso de
intermbio não se limite às atitudes
voluntariosas e altruístas de uma ou
outra pessoa com “capital de rede”
(URRY, 2007), é necessário que esses
integração binacional se
fortaleçam enquanto partes de uma
política pública voltada par
a
populações em faixa de fronteira, uma
luta constante da rede de Pontos de
Cultura do sul do Brasil.
Nos últimos dois anos, as
condições desfavoráveis e os
processos desiguais que constituem
as práticas de mobilidade foram ainda
mais acentuadas devido à
s restrições
de circulação e do fechamento das
fronteiras entre estados
-nações, em
decorrência da pandemia do
coronavírus. Essas medidas sanitárias,
necessárias para evitar o contágio,
impossibilitaram a ida e a vinda dos
MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
da presença do candombe afro-
uruguaio no sul do Brasil
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
22, p. 163-190, mar. 2022.
coletivos para realizarem eventos
atividades em conjunto, como era de
costume. Isso implicou na busca por
alternativas
à distância, via
comunicação por redes sociais e envio
de material audiovisual. É
precisamente por conta dessa
impossibilidade de haver um convívio
presencial permanente
entre os grupos
do Brasil e do Uruguai que as
contradições atuais do processo de
multiplicam. Cada mais vez mais,
essas contradições enfrentadas por
coletivos candomberos
envolvem a
reflexão permanente sobre os
fundamentos culturais e rítmicos da
prática
do candombe, com devido
reconhecimento e respeito aos
sistemas de conhecimentos próprios
da população afro-
uruguaia, e as
novas circunstâncias e condições
locais de adaptação.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, Ricardo. Fronteiras
culturais: metáforas ou realidades?
Revista P2P e Inovação
, v. 5, n. 1, p.
260-
275, 2018. DOI:
10.21721/p2p.2018v5n1.p260
Acesso em: 24 jul. 2021.
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MOURA, Lisandro Lucas de Lima. Tambor sem fronteiras: ressonâncias
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. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
coletivos para realizarem eventos
e
atividades em conjunto, como era de
costume. Isso implicou na busca por
à distância, via
comunicação por redes sociais e envio
de material audiovisual. É
precisamente por conta dessa
impossibilidade de haver um convívio
entre os grupos
do Brasil e do Uruguai que as
contradições atuais do processo de
multiplicam. Cada mais vez mais,
essas contradições enfrentadas por
envolvem a
reflexão permanente sobre os
fundamentos culturais e rítmicos da
do candombe, com devido
reconhecimento e respeito aos
sistemas de conhecimentos próprios
uruguaia, e as
novas circunstâncias e condições
Referências bibliográficas
ALMEIDA, Ricardo. Fronteiras
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