BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
A
reinvenção do lugar social do trabalho pela cultura na
Paulo: ativistas culturais e seus trabalhos políticos
DOI: https://doi.org/
10.22409/pragmatizes
Resumo:
O campo da cultura é aqui investigado como trabalho. Os processos laborais da cultura o
produzindo possibilidades nas contra
pela política instituída na vida comum. Os trabalhos militantes da cultura na periferia da Zona Sul de
São Paulo o abordados no texto atras de entrevis
trajetórias
vida.
Palavras-chave: Trabalho;
cultura
La reinvención del
local del trabajo en
culturales
y sus trabajos politicos
Resumen:
El campo de la cultura se investiga aquí como trabajo. Los procesos de trabajo de la
cultura producen possibilidades em
por la política estabelecida em la vida común. Las obras militantes de la cultura e
zona sur de São Paulo se abordan en el texto.
Palabras clave: Trabajo;
cultura
The reinvention of the social labor place trough culture
cultural activists and their pol
i
Abstract: The field of culture is
possibilities, in the peripheral
counter
established in common life. The militant
Paulo is addressed in the text.
Keywords: Labor; culture;
periphery
1
Marta de Aguiar Bergamin. Doutora em Sociologia pela U
Professora na FESP/
Fundação Escola de Sociologia e Política
mbergamin@fespsp.org.br -
https://orcid.org/
Recebido em 29/08/2021,
aceito para publicação em
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
reinvenção do lugar social do trabalho pela cultura na
Zona S
Paulo: ativistas culturais e seus trabalhos políticos
10.22409/pragmatizes
.v12i22.51379
Marta de Aguiar Bergamin
O campo da cultura é aqui investigado como trabalho. Os processos laborais da cultura o
produzindo possibilidades nas contra
estéticas periféricas para perfazer um sentido do trabalho dado
pela política instituída na vida comum. Os trabalhos militantes da cultura na periferia da Zona Sul de
São Paulo o abordados no texto através de entrevis
tas com ativistas da cultura,
de trabalho e ativismo na última década,mostrando um percurso político de composição da
cultura
; ativismo cultural; periferia.
local del trabajo en
la cultura de la Zona Sur
de São Paulo: activistas
y sus trabajos politicos
El campo de la cultura se investiga aquí como trabajo. Los procesos de trabajo de la
cultura producen possibilidades em
la contra estética periférica de rehacer
un sentido
por la política estabelecida em la vida común. Las obras militantes de la cultura e
zona sur de São Paulo se abordan en el texto.
cultura
; periferia.
The reinvention of the social labor place trough culture
in the
South Region
i
tical labors
investigated
here as a labor. The labor processes of
counter
aesthetics, of remaking a sense of
labor
established in common life. The militant
cultural labor from the periphery of
the
periphery
.
Marta de Aguiar Bergamin. Doutora em Sociologia pela U
niversidade F
ederal de
Fundação Escola de Sociologia e Política
de São Paulo
, Brasil
https://orcid.org/
0000-0002-0015-6676
aceito para publicação em
25/01/2022 e disp
onibilizado online em
01/03/2022.
219
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Zona S
ul de São
Paulo: ativistas culturais e seus trabalhos políticos
Marta de Aguiar Bergamin
1
O campo da cultura é aqui investigado como trabalho. Os processos laborais da cultura vão
estéticas periféricas para perfazer um sentido do trabalho dado
pela política instituída na vida comum. Os trabalhos militantes da cultura na periferia da Zona Sul de
tas com ativistas da cultura,
que contam suas
de trabalho e ativismo na última década,mostrando um percurso político de composição da
de São Paulo: activistas
El campo de la cultura se investiga aquí como trabajo. Los procesos de trabajo de la
un sentido
del trabajo dado
por la política estabelecida em la vida común. Las obras militantes de la cultura e
n la periferia de la
South Region
of São Paulo:
here as a labor. The labor processes of
culture produce
labor
given by the policy
the
south region of São
ederal de
São Carlos.
, Brasil
. E-mail:
onibilizado online em
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
A
reinvenção do lugar social do trabalho pela cultura na zona sul de São
Paulo: ativistas culturais e seus trabalhos políticos
Introdução
A pandemia de Covid
início em 2020, definitivamente abre
um contexto mundial de crise, um
“tempo das catástrofes” (STENGERS,
2017),
e mostra, como consequência e
sintoma, um sistema mundo que não
tem conseguido combater as
desigualdades. No Brasil, vimos
agravar alguns processos no mundo
do trabalho
na cultura, o que mostra as
facetas da brutal
desigualdade do país
e faz visível, nesse campo,
dificuldades das relações laborais mais
instáveis, também por conta da
precariedade dos vínculos constituídos
na informalidade, que muitos agentes
na cultura mantêm.
Na área da cultura, que constituí
um
importante campo de trabalho, o
baque da interrupção
provocada pela
pandemia
ressignificou o meio.
estratégias de produção e de formação
de público sofreram mudanças
radicais, mas, principalmente,
sentida uma crise de financiamento
nesse momento tão
difícil. A crise é
agravada pelas escolhas políticas da
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
reinvenção do lugar social do trabalho pela cultura na zona sul de São
Paulo: ativistas culturais e seus trabalhos políticos
A pandemia de Covid
-19, com
início em 2020, definitivamente abre
um contexto mundial de crise, um
tempo das catástrofes” (STENGERS,
e mostra, como consequência e
sintoma, um sistema mundo que não
tem conseguido combater as
desigualdades. No Brasil, vimos
agravar alguns processos no mundo
na cultura, o que mostra as
desigualdade do país
e faz vivel, nesse campo,
as
dificuldades das relações laborais mais
instáveis, também por conta da
precariedade dos vínculos constituídos
na informalidade, que muitos agentes
Na área da cultura, que constituí
importante campo de trabalho, o
provocada pela
ressignificou o meio.
As
estratégias de produção e de formação
de público sofreram mudanças
radicais, mas, principalmente,
foi
sentida uma crise de financiamento
difícil. A crise é
agravada pelas escolhas políticas da
extrema-
direita no governo brasileiro
desde 2019, que percebe
como um campo de embate ideológico
e
faz minguar as verbas para seus
trabalhadores. Conseguimos mapear
alguns aspectos
desse em
olhar para quem es,
na lida cotidiana à frente das
produções culturais na Zona Sul da
cidade de São Paulo, onde o coletivo
da Agência Solano Trindade
desenvolve suas atividades, além de
outros entrevistados ligados ao campo
cultural
que traçam seus percursos de
trabalhos e ativismos
2
O campo da cultura na periferia
se tornou uma parte importante do
mercado de trabalho no Brasil nas
últimas décadas. Trata
de atuação social que se fortaleceu
também como expressão ident
2
A pesquisa teve financiamento da Fundação
Escola de Sociologia e Política, no programa
PIPED de 2019/ 2020.
Foram
pesquisas
de observação participante,
entrevistas gravadas, uma entrevista coletiva
aberta com um dos ativistas culturais, que
também foi entrevistado mais detidamente,
além de conversas informais com ativistas da
Zona Sul de São Paulo; todos li
historicamente aos movimentos de cultura do
Campo Limpo na última década.
220
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
reinvenção do lugar social do trabalho pela cultura na zona sul de São
Paulo: ativistas culturais e seus trabalhos políticos
direita no governo brasileiro
desde 2019, que percebe
a cultura
como um campo de embate ideológico
faz minguar as verbas para seus
trabalhadores. Conseguimos mapear
desse em
bate ao
olhar para quem está,
e quem esteve,
na lida cotidiana à frente das
produções culturais na Zona Sul da
cidade de São Paulo, onde o coletivo
da Agência Solano Trindade
desenvolve suas atividades, além de
outros entrevistados ligados ao campo
que traçam seus percursos de
2
.
O campo da cultura na periferia
se tornou uma parte importante do
mercado de trabalho no Brasil nas
últimas décadas. Trata
-se de uma área
de atuação social que se fortaleceu
também como expressão ident
itária,
A pesquisa teve financiamento da Fundação
Escola de Sociologia e Política, no programa
Foram
realizadas
de observação participante,
entrevistas gravadas, uma entrevista coletiva
aberta com um dos ativistas culturais, que
também foi entrevistado mais detidamente,
além de conversas informais com ativistas da
Zona Sul de São Paulo; todos li
gados
historicamente aos movimentos de cultura do
Campo Limpo na última década.
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
assim, promovendo
profissionalização de produções
culturais em diversos territórios das
cidades brasileiras. Esse processo se
fortaleceu
em consequência da
descentralização dos financiamentos
culturais,
que ocorreu a partir dos anos
2003, com G
ilberto Gil à frente do
MINC (Ministério da Cultura),
permitindo a expansão e consolidação
da produção cultural
elemento gerador de trabalho e de
renda.
Com teatros, cinemas, museus,
centros culturais e outros
equipamentos operando em
mais lento, os postos de trabalho
na área da cultura (atividades
artesanais, artes cênicas e artes
visuais, cinema, música,
fotografia, rádio e TV e museus e
patrimônio) foram os mais
afetados pela retração, com
recuo de 18% no período
analisado. No
quarto trimestre de
2019 havia 773.962 postos de
trabalho para profissionais de
cultura no país. No final do quarto
trimestre de 2020, o núm
havia baixado para 634.297.
O discurso do
emp
reendedorismo não deixa de
encontrar ecos em quem trabalha de
maneira informal, através de
3
Painel de Dados do Observatório Itaú
Cultural. Disponível em:
https://culturaemercado.com.br/observatorio
itau-cultural-divulga-dados-de-
emprego
desemprego-do-4o-trimestre-de
-
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
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-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
uma
profissionalização de produções
culturais em diversos territórios das
cidades brasileiras. Esse processo se
em consequência da
descentralização dos financiamentos
que ocorreu a partir dos anos
ilberto Gil à frente do
MINC (Ministério da Cultura),
permitindo a expano e consolidação
como um
elemento gerador de trabalho e de
Com teatros, cinemas, museus,
centros culturais e outros
equipamentos operando em
ritmo
mais lento, os postos de trabalho
na área da cultura (atividades
artesanais, artes nicas e artes
visuais, cinema, música,
fotografia, rádio e TV e museus e
patrimônio) foram os mais
afetados pela retração, com
recuo de 18% no período
quarto trimestre de
2019 havia 773.962 postos de
trabalho para profissionais de
cultura no país. No final do quarto
trimestre de 2020, o núm
ero
havia baixado para 634.297.
3
O discurso do
reendedorismo não deixa de
encontrar ecos em quem trabalha de
maneira informal, através de
projetos,
Painel de Dados do Observatório It
https://culturaemercado.com.br/observatorio
-
emprego
-e-
-
2020/.
convivendo com a intermitência de
trabalhos, por vezes pautada em
fatores sazonais.
Nessa medida, existe um
cenário conflitante, de combate à essa
produçã
o emergente
deslocamentos das concepções da
própria cultura, alargando sua
influência
e, assim,balançando o que
estava estabelecido.
um tipo de domínio da cultura no
Brasil,
exercido por uma elite cultural
que, caminhando ju
nto com o mercado
de arte, estabelecia
os padrões gerais
ligados à essa área. Dessa forma,
algumas dessas estruturas e disputas
têm sido mexidas consistentemente
nas últimas duas décadas.
Na Zona Sul da cidade de São
Paulo, a cultura se torna um
efervescen
te caminho de mobilização
social, de participação em movimentos
e
de produção de identidades, gerando
uma participação política que permite
produzir curas, saídas e novas
possibilidades para a profunda
experiência da violência cotidiana que
a periferia pro
duz. Nesse exercio de
narrar as próprias questões,
mudanças são experimentadas,
representando uma marca de risca de
221
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
convivendo com a intermitência de
trabalhos, por vezes pautada em
Nessa medida, existe um
cenário conflitante, de combate à essa
o emergente
que arriscou
deslocamentos das concepções da
própria cultura, alargando sua
e, assim,balançando o que
Existia até então,
um tipo de domínio da cultura no
exercido por uma elite cultural
nto com o mercado
os padrões gerais
ligados à essa área. Dessa forma,
algumas dessas estruturas e disputas
têm sido mexidas consistentemente
nas últimas duas décadas.
Na Zona Sul da cidade de São
Paulo, a cultura se torna um
te caminho de mobilização
social, de participação em movimentos
de produção de identidades, gerando
uma participação potica que permite
produzir curas, saídas e novas
possibilidades para a profunda
experiência da violência cotidiana que
duz. Nesse exercício de
narrar as próprias questões,
as
mudanças o experimentadas,
representando uma marca de risca de
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
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giz para toda a produção simbólica da
margem da cidade.
Nessa medida, estar em um
coletivo se mostra potente como um
movimentador de di
ferentes afetos
sociais que mobilizam os corpos,
propondo uma superação dos modos
hegemônicos de estar no centro (do
que é ser o centro) e transformando,
portanto,
o significado do que é estar
na margem. Esse processo também
balança os retratos que negam
pertencimento à cidade, como a mídia
e os centros de poder, invertendo e
criando narrativas
próprias da periferia
e interrompendo sua contínua
exposição somente como território da
violência.
Assim, ao
pensarmos a
expressão cultural nessa chave de
mudança social,
estamos expondo os
mecanismos de reprodução que
mantinham continuamente a periferia
atrelada a uma representação, em
grande medida, negativa.
Capturando,
assim, nessas representações,
definições de tudo o que o centro da
cidade não quer ser, cria
lugar social um negativo: a periferia
como negativo da cidade.
Os territórios da periferia
carregam essa negatividade da
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
giz para toda a produção simbólica da
Nessa medida, estar em um
coletivo se mostra potente como um
ferentes afetos
sociais que mobilizam os corpos,
propondo uma superação dos modos
hegemônicos de estar no centro (do
que é ser o centro) e transformando,
o significado do que é estar
na margem. Esse processo também
balança os retratos que negam
o
pertencimento à cidade, como a mídia
e os centros de poder, invertendo e
próprias da periferia
e interrompendo sua contínua
exposição somente como território da
pensarmos a
expressão cultural nessa chave de
estamos expondo os
mecanismos de reprodução que
mantinham continuamente a periferia
atrelada a uma representação, em
Capturando,
assim, nessas representações,
definições de tudo o que o “centro” da
cidade não quer ser, cria
ndo como
lugar social um negativo: a periferia
Os territórios da periferia
carregam essa negatividade da
composição da margem, uma vez que
se empurrou para as bordas a
violência, a segregação territorial, o
crime organizado em
presença do Estado se configura
especialmente por sua ausência.
partir disso, o conceito de branquitude
permite vislumbrar,
composição social estabelecida, como
é (para os brancos) deixar para o
Outro (os negros), tudo o que não
quer ser (KILOMBA, 2019). Assim é o
mecanismo da violência: os jovens
negros e da periferia o a violência
que a cidade não quer assumir como
sua,
e devem, portanto, ser
combatidos. A expressão cultural
também empenha essa concepção: a
produção da marg
considerada centralmente como
relevante.
Dessa forma, compreende
se o conflito como aparato político
para novos estabelecimentos.
Como “destinos” sociais
traçados por este “centro
de poder, de cultura), as
estruturas,produzidas e r
de forma incessante,
desigualdade, que, afinal, se encontra
inteiramente caracterizada na periferia.
As consequências se apresentam nos
adoecimentos mentais e do corpo,
222
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
composição da margem, uma vez que
se empurrou para as bordas a
violência, a segregação territorial, o
crime organizado em
espaços onde a
presença do Estado se configura
especialmente por sua ausência.
A
partir disso, o conceito de branquitude
permite vislumbrar,
através da
composição social estabelecida, como
é (para os brancos) deixar para o
Outro (os negros), tudo o que não
se
quer ser (KILOMBA, 2019). Assim é o
mecanismo da violência: os jovens
negros e da periferia são a violência
que a cidade não quer assumir como
e devem, portanto, ser
combatidos. A expressão cultural
também empenha essa concepção: a
produção da marg
em não era
considerada centralmente como
Dessa forma, compreende
-
se o conflito como aparato político
para novos estabelecimentos.
Como destinos” sociais
traçados por este centro”
(financeiro,
de poder, de cultura), as
estruturas,produzidas e r
eproduzidas
de forma incessante,
repõem a
desigualdade, que, afinal, se encontra
inteiramente caracterizada na periferia.
As consequências se apresentam nos
adoecimentos mentais e do corpo,
que
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
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em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
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acabam por suprimir a potência de
outras mobilizações que a vi
permitir.
A recusa de organizar
inteiramente a vida ligada a um
trabalho precário, desqualificado, de
remuneração irrisória e que não perfaz
sentido subjetivo forte, produz outros
corpos; aqui, a produção cultural
participa da concretização de
s
ubjetividades mais profundas.
O campo da cultura pode
encontrar caminhos que guiam outros
fazeres; pela crítica, pela busca de
raízes ancestrais, pela renovação
proveniente da construção de outros
elos com a cidade,
remontando
trajetórias ou produzindo
identidades. Às vezes, partindo de
escombros
para encontrar outros
caminhos do fazer da vida.
Vamos examinar
neste texto
algumas experiências de trabalho
através de percursos de atores sociais
ligados ao campo da cultura da
Sul da cidade de São Pau
década, para,
assim, pensarmos sobre
essa ligação entre trabalho e cultura e
investigar
como essas experiências
constituíram,
para os percussores,
formatos de trabalho que permitissem
o sustento da vida e as lutas que o
campo cultural exigiu d
e cada um.
o
lugar social do trabalho
a
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44, mar. 2022. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
acabam por suprimir a potência de
outras mobilizações que a vi
da poderia
A recusa de organizar
inteiramente a vida ligada a um
trabalho prerio, desqualificado, de
remuneração irriria e que não perfaz
sentido subjetivo forte, produz outros
corpos; aqui, a produção cultural
participa da concretização de
ubjetividades mais profundas.
O campo da cultura pode
encontrar caminhos que guiam outros
fazeres; pela crítica, pela busca de
raízes ancestrais, pela renovação
proveniente da construção de outros
remontando
-se
trajetórias ou produzindo
-se
identidades. Às vezes, partindo de
para encontrar outros
neste texto
algumas experiências de trabalho
através de percursos de atores sociais
ligados ao campo da cultura da
Zona
Sul da cidade de São Pau
lo na última
assim, pensarmos sobre
essa ligação entre trabalho e cultura e
como essas experiências
para os percussores,
formatos de trabalho que permitissem
o sustento da vida e as lutas que o
e cada um.
Nessa medida, a proposta é discutir
como trabalhos podem produzir
sentidos identitários, sociais
políticos, agregando sentidos
subjetivos aos
seus percursos, mas
também abrindo caminhos para outros
modelos de trabalhos, que hoje o
fundamento
para desbloquear as lutas
políticas na periferia. As práticas de
trabalho mais conectadas com a
coletividade e com realizações
subjetivas ficam suprimidas nos
cotidianos violentos, que sem
vitalidade social,
população
e reprimem os desejos de
re
alização, encontrando modos de
canalização, por exemplo, nas Igrejas
Evangélicas. A cultura se firmou nesse
lugar social que fundamenta outras
perspectivas.
O trabalho da cultura na margem da
cidade
Esta diferença em relação ao
espaço criando esta cooper
no conflito e este conflito na
cooperação, porque numa cidade
estamos condenados a viver
juntos. A cidade produz um
destino coletivo que vem do fato
exatamente desta cooperação no
conflito e deste conflito na
cooperação. (...) São os pobres,
são os mi
grantes, as minorias
que são mais capazes de ver,
porque mais capazes de sentir.
Por conseguinte, é um equívoco
223
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Nessa medida, a proposta é discutir
como trabalhos podem produzir
sentidos identitários, sociais
e
políticos, agregando sentidos
seus percursos, mas
também abrindo caminhos para outros
modelos de trabalhos, que hoje são
para desbloquear as lutas
políticas na periferia. As práticas de
trabalho mais conectadas com a
coletividade e com realizações
subjetivas ficam suprimidas nos
cotidianos violentos, que sem
adoecem a
e reprimem os desejos de
alização, encontrando modos de
canalização, por exemplo, nas Igrejas
Evangélicas. A cultura se firmou nesse
lugar social que fundamenta outras
O trabalho da cultura na margem da
Esta diferença em relação ao
espaço criando esta cooper
ação
no conflito e este conflito na
cooperação, porque numa cidade
juntos. A cidade produz um
destino coletivo que vem do fato
exatamente desta cooperação no
conflito e deste conflito na
cooperação. (...) São os pobres,
grantes, as minorias
que o mais capazes de ver,
porque mais capazes de sentir.
Por conseguinte, é um equívoco
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
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Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
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imaginar que o futuro é portado
pelos mais fortes. São os mais
fracos, no espaço, que têm a
força de portar o futuro
(SANTOS, 1996).
Ao
mirar a cultura produzida
como trabalho na periferia de São
Paulo,
muitos temas importantes se
apresentam para compor a reflexão.
Na periferia, a produção cultural,
constantemente,
forma na margem
novas sociabilidades,
inclusive novas
sociabilidades de tra
balho, que vamos
propor investigar a partir da cultura.
A margem periférica provoca,
nesse universo de produção no campo
da cultura,
o surgimento
possibilidades de rompimento com os
fluxos de poder (PARDUE, 2013). A
produção estética, por vezes uma
contra estética, forma-
se como desvio,
se estabelecendo, então, como
conflito, significando uma quebra da
ordem
do que esestabelecido
e fazendo surgir, assim,
consequentemente promovendo um
choque de versões do mundo,
com Rancière (1997)
chamaremos de
Política.
A produção da cultura na
margem promove outros parâmetros
para a
luta política do cotidiano, que
vão sendo forjados nas leituras do
o
lugar social do trabalho
a
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
imaginar que o futuro é portado
pelos mais fortes. São os mais
fracos, no espaço, que têm a
força de portar o futuro
mirar a cultura produzida
como trabalho na periferia de São
muitos temas importantes se
apresentam para compor a reflexão.
Na periferia, a produção cultural,
forma na margem
inclusive novas
balho, que vamos
propor investigar a partir da cultura.
A margem periférica provoca,
nesse universo de produção no campo
o surgimento
de
possibilidades de rompimento com os
fluxos de poder (PARDUE, 2013). A
produção estética, por vezes uma
se como desvio,
se estabelecendo, então, como
conflito, significando uma quebra da
do que já está estabelecido
algo novo,
consequentemente promovendo um
choque de veres do mundo,
que
chamaremos de
A produção da cultura na
margem promove outros parâmetros
luta política do cotidiano, que
vão sendo forjados nas leituras do
mundo pelas franjas, onde
enxergamos
as dificuldades e
emergências como o que dão forma a
uma contra
estética. Podemos tomar a
recepção interna da participação da
Agência Solano Trindade, na 31ª
Bienal Internacional
de São Paulo, em
2014, na apresentação de abertura da
exposição como retrato dessa contra
estética. Como a Bienal é a exposição
de art
e mais importante do país, a
Agência levou a instalação sonora
Treme-Terra
para abrir o evento, que
contava com o mestre de cerimônia,
músicos, dançarinos, poetas e
jovem Xondaro
Guarani, em uma
apresentação grandiosa. Entretanto,
para a produção interna da Bienal,
nenhum deles estava trajado como
imaginavam que deveriam estar em
uma abertura. Estavam como sempre
se apresentavam; com suas roupas, o
que parecia ali,
naquela noite,
amador, e os membros da produção
da própria Bienal se frustraram com
essa suposta falta de preparação
para a grande abertura do evento da
Agência Solano Trindade. Era a
própria contra estética em jogo no
mundo estabelecido da arte, criando
uma fenda
: um evento com grande
reconhecimento internacional
224
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
mundo pelas franjas, onde
as dificuldades e
emergências como o que dão forma a
estética. Podemos tomar a
recepção interna da participação da
Agência Solano Trindade, na 31ª
de São Paulo, em
2014, na apresentão de abertura da
exposição como retrato dessa contra
estética. Como a Bienal é a exposição
e mais importante do país, a
Agência levou a instalação sonora
para abrir o evento, que
contava com o mestre de cerimônia,
músicos, dançarinos, poetas e
o coral
Guarani, em uma
apresentação grandiosa. Entretanto,
para a produção interna da Bienal,
nenhum deles estava trajado como
imaginavam que deveriam estar em
uma abertura. Estavam como sempre
se apresentavam; com suas roupas, o
naquela noite,
algo
amador, e os membros da produção
da própria Bienal se frustraram com
essa suposta falta de “preparação”
para a grande abertura do evento da
Agência Solano Trindade. Era a
própria contra estética em jogo no
mundo estabelecido da arte, criando
: um evento com grande
reconhecimento internacional
que
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
convida grupos das periferias
brasileiras para integrar a exposição,
causando um desencontro estético e
por que não, de trabalho.
A estética do prerio ali
presente era resultado de muito
trabalho d
e todos os produtores e
artistas da Agência Solano Trindade.
Levar as pessoas até o Parque do
Ibirapuera e alimentar quem tinha
enfrentado um longo percurso, como
os Guaranis que vinham da aldeia
Tenondé Porã, localizada no extremo
sul da cidade. Em entrev
ista, falando
sobre a apresentação, Thiago Vinicius
relata: “As nossas roupas não eram as
esperadas, a apresentação estava
aquém do que o evento ‘demandava.
Lefebvre (2008)
se interessava
por essas frestas de sentido que
podem emergir do encontro e da fe
uma práxis revolucionária que realoca
o direito à cidade, preenchendo de
significação, pela invenção política, o
que estava vazio, ou somente
preenchido pelo lado instituído de
poder.Assim, é
sempre preciso
perceber as lacunas que o
ordenamento dos
campos deixa para
uma disputa de outra vida possível, e
ali na Bienal,se confrontaram mundos.
Centro e periferia. Centro e margem.
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
convida grupos das periferias
brasileiras para integrar a exposição,
causando um desencontro estético e
A estética do precário ali
presente era resultado de muito
e todos os produtores e
artistas da Agência Solano Trindade.
Levar as pessoas até o Parque do
Ibirapuera e alimentar quem tinha
enfrentado um longo percurso, como
os Guaranis que vinham da aldeia
Tenondé Porã, localizada no extremo
ista, falando
sobre a apresentação, Thiago Vinicius
relata: As nossas roupas não eram as
esperadas, a apresentação estava
aquém do que o evento demandava’”.
se interessava
por essas frestas de sentido que
podem emergir do encontro e da fe
sta,
uma práxis revolucionária que realoca
o direito à cidade, preenchendo de
significação, pela invenção política, o
que estava vazio, ou somente
preenchido pelo lado já instituído de
sempre preciso
perceber as lacunas que o
campos deixa para
uma disputa de outra vida possível, e
ali na Bienal,se confrontaram mundos.
Centro e periferia. Centro e margem.
Estética estabelecida e antiestética.
Movimento do dinheiro e um
movimento sem dinheiro. Dessa
experiência linda, por um lad
desencontro, por outro, foi também de
mobilização de novos afetos, que
naquele momento da apresentação
puderam ganhar existência.
Aline Maria participou do
processo de composição da produção
dessa participação da Agência Solano
Trindade na Bienal e
experiência foi importante por trazer
uma presença da cultura de Terreiro,
dos Guarani, com seu coral jovem
presente nas apresentações semanais
da exposição, misturando as periferias
estéticas ao consagrado mundo da
arte. Ela fala da sua co
mulher negra nessa produção de uma
contra estética. As roupas não foram
preparadas especialmente para as
apresentações e os agentes da própria
Bienal se incomodaram, viram isso
como certo desleixo. Um choque das
estéticas da margem, de uma
precária trazendo outras configurações
na mistura de mundos.
Como mostra sua trajetória,
Aline Maria
conheceu um trabalho
engajado na entrada em uma
organização não governamental que
225
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Estética estabelecida e antiestética.
Movimento do dinheiro e um
movimento sem dinheiro. Dessa
experiência linda, por um lad
o, de
desencontro, por outro, foi também de
mobilização de novos afetos, que
naquele momento da apresentação
puderam ganhar existência.
Aline Maria participou do
processo de composição da produção
dessa participação da Agência Solano
Trindade na Bienal e
conta como essa
experiência foi importante por trazer
uma presença da cultura de Terreiro,
dos Guarani, com seu coral jovem
presente nas apresentações semanais
da exposição, misturando as periferias
estéticas ao consagrado mundo da
arte. Ela fala da sua co
nstituição como
mulher negra nessa produção de uma
contra estética. As roupas não foram
preparadas especialmente para as
apresentações e os agentes da própria
Bienal se incomodaram, viram isso
como certo desleixo. Um choque das
estéticas da margem, de uma
estética
preria trazendo outras configurações
na mistura de mundos.
Como mostra sua trajetória,
conheceu um trabalho
engajado na entrada em uma
organização não governamental que
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
modificou inicialmente toda sua
estrutura subjetiva. Abriu
mundo para ela que não estava
presente na sua vida até então. Foi
uma libertação!”, diz ela. Aline
um curso universitário de Artes
Plásticas, com bolsa do PROUNI,
tornando-
se primeira da família a
chegar a um curso universitário, que
ainda não
conseguiu concluir. Filha de
doméstica, foi conhecer a diversidade
da periferia com outro olhar a partir do
seu trabalho na União Popular de
Mulheres. Conhecer os povos
indígenas de São Paulo e ampliar sua
espiritualidade conhecendo as
religiões de matriz
africana, mostram
para ela uma outra realidade
desconhecida. Participou da produção
da Agência Solano Trindade na Bienal
em questão. O tema da exposição
aquele ano era: “Como falar de coisas
que não existem”. Os coletivos que
participaram eram o que não ex
Aline ainda conta sobre relação
composição dos grupos com o tema,
em que a periferia não produz cultura
para estar no centro:
Foi um projeto muito legal porque
foram mais de 25 atividades que
aconteceram na Bienal, um em
cada final de semana. De
em quinze dias tinha sarau. E em
todas essas atividades a gente
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
modificou inicialmente toda sua
estrutura subjetiva. Abriu
-se um
mundo para ela que não estava
presente na sua vida até então. “Foi
uma libertação!, diz ela. Aline
iniciou
um curso universitário de Artes
Plásticas, com bolsa do PROUNI,
se primeira da família a
chegar a um curso universitário, que
conseguiu concluir. Filha de
doméstica, foi conhecer a diversidade
da periferia com outro olhar a partir do
seu trabalho na União Popular de
Mulheres. Conhecer os povos
indígenas de São Paulo e ampliar sua
espiritualidade conhecendo as
africana, mostram
para ela uma outra realidade
desconhecida. Participou da produção
da Agência Solano Trindade na Bienal
em questão. O tema da exposição
aquele ano era: Como falar de coisas
que não existem. Os coletivos que
participaram eram o que não ex
istia.
Aline ainda conta sobre relação
da
composição dos grupos com o tema,
em que a periferia não produz cultura
Foi um projeto muito legal porque
foram mais de 25 atividades que
aconteceram na Bienal, um em
cada final de semana. De
quinze
em quinze dias tinha sarau. E em
todas essas atividades a gente
colocou em contato o povo da
periferia, o povo indígena e o
povo tradicional de candomblé.
Em todos esses encontros eles
estavam lá, comercializando
produtos, artesanatos, se
apresentan
do com o coral. Foi
muito maravilhoso! E foi muito
intenso. Foi um ano assim muito
intens
o de convio, de contato.
(Aline Maria, entrevista em
21/08/2020).
O convite para a participação da
Agência Solano Trindade abriu muitas
portas para ela e para o
pessoas que participou da
programação da Bienal de forma
remunerada, mostrando sua produção
cultural autêntica. Foram 25 atividades
ao todo e Aline trabalhou na produção
desse evento. Para ela,
acontecimento muito grande que
correspondia a
esse novo mundo
descoberto em que se juntam trabalho,
espiritualidade e as sociabilidades
produzidas no processo.
Trabalho e produção subjetiva
A principal questão no momento
que atravessamos
passa por entender
como superar a crescente retirada de
sent
ido do trabalho numa certa ponta
das atividades, mas que é
preponderante para a maioria da
população ativa, tanto pela redução
226
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
povo tradicional de candomblé.
Em todos esses encontros eles
produtos, artesanatos, se
do com o coral. Foi
muito maravilhoso! E foi muito
intenso. Foi um ano assim muito
o de convívio, de contato.
(Aline Maria, entrevista em
O convite para a participação da
Agência Solano Trindade abriu muitas
portas para ela e para o
grupo de
pessoas que participou da
programação da Bienal de forma
remunerada, mostrando sua produção
cultural autêntica. Foram 25 atividades
ao todo e Aline trabalhou na produção
desse evento. Para ela,
foi um
acontecimento muito grande que
esse novo mundo
descoberto em que se juntam trabalho,
espiritualidade e as sociabilidades
produzidas no processo.
Trabalho e produção subjetiva
A principal questão no momento
passa por entender
como superar a crescente retirada de
ido do trabalho numa certa ponta
das atividades, mas que é
preponderante para a maioria da
população ativa, tanto pela redução
da
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
renda do trabalho, quanto pela
diminuição do alcance subjetivo do
trabalho individual e coletivo para cada
um. Esses tempos
o caracterizados
por trabalhos sem sentido, um pós
taylorismo “modernizado pelos
algoritmos a u
berização do trabalho
surge como expoente ximo desse
processo de contínua desqualificação
dos sentidos do trabalho e, nessa
medida, construir e manter ativi
laborais que produzam subjetivação e
significação é luta.
A produção cultural da Zona Sul
de São Paulo
pode ser caracterizada
como política, que
mexe com as
sociabilidades jovens e adultas da
cidade, a partir de faíscas culturais
fisgadas por atua
ções coletivas.
Iniciado pelos saraus, desde a
Cooperifa (2001) e o Sarau do Binho
(2004), maturou-se
o desenvolvimento
da produção literária, que veio esteado
no
fenômeno musical dos Racionais
MCs
que montaram um estúdio de
gravação na favela no auge do
sucesso do grupo, no próprio Capão
Redondo, que na época conhecido
como um dos bairros mais violentos da
cidade de São Paulo. Dessa forma, a
importância dos Racionais nesse
conjunto de eventos da década de
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
renda do trabalho, quanto pela
diminuição do alcance subjetivo do
trabalho individual e coletivo para cada
o caracterizados
por trabalhos sem sentido, um s
-
taylorismo modernizado” pelos
berização do trabalho
surge como expoente máximo desse
processo de contínua desqualificação
dos sentidos do trabalho e, nessa
medida, construir e manter ativi
dades
laborais que produzam subjetivação e
A produção cultural da Zona Sul
pode ser caracterizada
mexe com as
sociabilidades jovens e adultas da
cidade, a partir de faíscas culturais
ções coletivas.
Iniciado pelos saraus, desde a
Cooperifa (2001) e o Sarau do Binho
o desenvolvimento
da produção literária, que veio esteado
fenômeno musical dos Racionais
que montaram um estúdio de
gravação na favela no auge do
sucesso do grupo, no próprio Capão
Redondo, que na época conhecido
como um dos bairros mais violentos da
cidade de São Paulo. Dessa forma, a
importância dos Racionais nesse
conjunto de eventos da década de
2000 faz surgir uma virada de como
retratar a per
iferia, mudando a rota da
produção cultural a partir da própria
periferia (D’ANDREA, 2013).
caminhos que foram surgindo a partir
dessas primeiras manifestações
constituem um campo da cultura
mobilizado na Zona Sul de São Paulo,
e multiplicam a atuaç
periferia.
Os processos de
institucionalização
das associações de
bairro e das ONGs profissionalizaram
os atores políticos dos movimentos
sociais, e aqui se
pode localizar um
encontro dos campos da política e da
cultura que se misturaram també
entrada dos anos 2000.
As experiências da Agência
Popular de Fomento à Cultura Solano
Trindade, iniciadas em 2011,
combinam esses processos na sua
constituição e em toda sua atuação
nessa última década. A construção
dessas experiências veio dos
desdobramentos políticos
Associação do bairro do Campo Limpo
União Popular de Mulheres
proporcionou. Com a chegada de
Rafael Mesquita na associação, as
práticas políticas ganham outros
interlocutores no bairro e permite
227
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
2000 faz surgir uma virada de como
iferia, mudando a rota da
produção cultural a partir da própria
periferia (DANDREA, 2013).
Outros
caminhos que foram surgindo a partir
dessas primeiras manifestações
constituem um campo da cultura
mobilizado na Zona Sul de São Paulo,
e multiplicam a atuaç
ão social na
Os processos de
das associações de
bairro e das ONGs profissionalizaram
os atores políticos dos movimentos
pode localizar um
encontro dos campos da política e da
cultura que se misturaram també
m na
entrada dos anos 2000.
As experiências da Agência
Popular de Fomento à Cultura Solano
Trindade, iniciadas em 2011,
combinam esses processos na sua
constituição e em toda sua atuação
nessa última década. A construção
dessas experiências veio dos
desdobramentos políticos
que a
Associação do bairro do Campo Limpo
União Popular de Mulheres
proporcionou. Com a chegada de
Rafael Mesquita na associação, as
práticas políticas ganham outros
interlocutores no bairro e permite
-se a
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
constituição do Banco Com
União Sampaio4
. Uma experiência que
ganha visibilidade e permite outros
voos, como a constituição de uma
agência cultural da periferia que
conectava os movimentos já
corporificados, mas também
incentivando novas experiências.
Thiago Vinicius coordena a
Agência Solano Trindade, fazendo
diversas atividades no território, com
um escritório coletivo com impressora,
internet, um estúdio de som e também
um restaurante na sua sede o Rango
Organicamente. Anualmente,
produzem o Festival
recebendo convidados para debates,
shows e uma feira de alimentos
orgânicos. Durante a pandemia, em
2020, a emergência tomou as
atividades das associações; ONGs
pela cidade e a Agência como
restaurante se voltaram à confecção
de quentinhas e à d
istribuição de
cestas básicas. Com parcerias
estabelecidas com editoras
começaram também a distribuir livros
nas cestas.
A gente fez uma ação na
pandemia de distribuição de livros
4
Essa experiência foi analisada em Bergamin
(2011; 2015).
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
constituição do Banco Com
unitário
. Uma experiência que
ganha visibilidade e permite outros
voos, como a constituição de uma
agência cultural da periferia que
conectava os movimentos
corporificados, mas também
incentivando novas experiências.
Thiago Vinicius coordena a
Agência Solano Trindade, fazendo
diversas atividades no território, com
um escritório coletivo com impressora,
internet, um estúdio de som e também
um restaurante na sua sede o Rango
Organicamente. Anualmente,
Percurso,
recebendo convidados para debates,
shows e uma feira de alimentos
orgânicos. Durante a pandemia, em
2020, a emergência tomou as
atividades das associações; ONGs
pela cidade e a Agência como
restaurante se voltaram à confecção
istribuição de
cestas básicas. Com parcerias
estabelecidas com editoras
começaram também a distribuir livros
A gente fez uma ação na
pandemia de distribuição de livros
Essa experiência foi analisada em Bergamin
em parcerias com grandes
editoras
como a Cia
Cobogó, que fort
ação mandando livros de
literatura negra.
junto com as quentinhas,
Emicida, o da Grada Kilomba, foi
o livro mais lido na FLIPE do ano
passado,que fala sobre o
racismo; o da Djamila. As
pessoas pediam primeiro o livro,
depois a
cesta. Mas não me
surpreendi, porque a periferia é
um território de leitores. A
periferia sempre leu.
Vinicius,
32 anos, Informação
Verbal5
, 2020).
Thiago ganhou um prêmio
internacional em 2021, o 50 NEXT, de
jovem empreendedor em gastronom
do World’s 50 Best, destinado a jovens
empreendedores que contribuem para
a gastronomia no mundo. O que
mostra a visibilidade do trabalho da
Agência e do trabalho de Thiago na
periferia. As ações promovidas na
Agência frequentemente ganham
visibilidade
midiática e permitem com
que novos financiamentos e atividades
ganhem corpo.
Na sede da Agência, tem uma
venda de verduras orgânicas de
5
“Trabalho e ativismo se encontram na
produção de cultura”, Informação Verbal, Live
Atividade dessa pesquisa no Canal da
FESPSP. Participação de Marta Bergamin e
Thiago Vinicius,s
etembro de 2020. Disponível
em:
https://www.youtube.com/watch?v=jC3NrVHB
OWc&t=203s.
228
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
em parcerias com grandes
como a Cia
. das Letras e
Cobogó, que fort
aleceram nossa
ação mandando livros de
literatura negra.
A gente mandou
junto com as quentinhas,
Emicida, o da Grada Kilomba, foi
o livro mais lido na FLIPE do ano
passado,que fala sobre o
racismo; o da Djamila. As
pessoas pediam primeiro o livro,
cesta. Mas não me
surpreendi, porque a periferia é
um território de leitores. A
periferia sempre leu.
(Thiago
32 anos, Informação
, 2020).
Thiago ganhou um prêmio
internacional em 2021, o 50 NEXT, de
jovem empreendedor em gastronom
ia
do Worlds 50 Best, destinado a jovens
empreendedores que contribuem para
a gastronomia no mundo. O que
mostra a visibilidade do trabalho da
Agência e do trabalho de Thiago na
periferia. As ações promovidas na
Agência frequentemente ganham
midiática e permitem com
que novos financiamentos e atividades
Na sede da Agência, tem uma
venda de verduras orgânicas de
Trabalho e ativismo se encontram na
produção de cultura, Informação Verbal, Live
,
Atividade dessa pesquisa no Canal da
FESPSP. Participação de Marta Bergamin e
etembro de 2020. Disponível
https://www.youtube.com/watch?v=jC3NrVHB
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
agricultura familiar,
com parcerias com
produtores como Rafael Mesquita e
Aline Maria, que saíram da
participação do
cotidiano da Agência e
foram produzir alimentos orgânicos em
um sítio na Grande São Paulo, assim,
acionando a relação com a terra, como
potência potica, com outras
articulações de trabalho e política.
“Uma sustentabilidade da vida, que
uma terra fértil p
ode promover, diz
Rafael. O cansaço com o cotidiano das
atividades do terceiro setor na periferia
acaba vencendo, e mesmo com a
importante liderança que Rafael
exercia na Zona Sul no período
anterior,
acabaram se mudando,
compondo um caminho que pôde
inventar
no modo de se relacionar com
a cultura pelos alimentos e contato
com a terra.
Os trabalhos ligados à cultura
na periferia de São Paulo ganharam
um lugar social de ativismo,
produzindo novas conformações de
trabalho
um comum, no
entrelaçamento das lu
tas cotidianas
periféricas e dos diversos ativismos.
Alguns dos sentidos do trabalho no
campo da cultura estão relacionados
aos trabalhos que permitem perfazer
vínculos políticos na produção da vida
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
com parcerias com
produtores como Rafael Mesquita e
Aline Maria, que saíram da
cotidiano da Agência e
foram produzir alimentos orgânicos em
um tio na Grande São Paulo, assim,
acionando a relação com a terra, como
potência política, com outras
articulações de trabalho e política.
Uma sustentabilidade da vida, que
ode promover”, diz
Rafael. O cansaço com o cotidiano das
atividades do terceiro setor na periferia
acaba vencendo, e mesmo com a
importante liderança que Rafael
exercia na Zona Sul no período
acabaram se mudando,
compondo um caminho que pôde
no modo de se relacionar com
a cultura pelos alimentos e contato
Os trabalhos ligados à cultura
na periferia de São Paulo ganharam
um lugar social de ativismo,
produzindo novas conformações de
um comum, no
tas cotidianas
periféricas e dos diversos ativismos.
Alguns dos sentidos do trabalho no
campo da cultura estão relacionados
aos trabalhos que permitem perfazer
nculos políticos na produção da vida
comum. Aqui apresentando uma
hipótese da pesquisa realiza
postula-se que,
aos mais jovens,essas
experiências culturais partilhadas
abrem possibilidades de constituição
da vida social que passa pelo trabalho,
para além do trabalho sem
significação, que compõe em grande
medida os discursos e práticas
la
bor dos pobres, dos que habitam as
margens sociais, como a única forma
de construção da vida.
Essa multiplicação das
experiências de trabalho na cultura
formou
uma geração na Zona Sul de
São Paulo. O ativismo político que a
produção cultural exigiu
observado como trabalho, mostrando
as faíscas que as sociabilidades da
margem produzem na periferia ou a
exigência da convero social para
que a significação e a produção de
subjetividade faça parte da vida de
trabalho. Aqui temos um ponto
importante, p
osto que o trabalho é
experienciado na casa familiar, nas
experiências dos pais ou dos
familiares primários, que formam a
primeira impressão na vida de cada
um.Se a experiência passa por
desempregos longos ou grave
precariedade laboral, a impreso
229
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
comum. Aqui apresentando uma
hipótese da pesquisa realiza
da,
aos mais jovens,essas
experiências culturais partilhadas
abrem possibilidades de constituição
da vida social que passa pelo trabalho,
para além do trabalho sem
significação, que compõe em grande
medida os discursos e práticas
sobre o
bor dos pobres, dos que habitam as
margens sociais, como a única forma
de construção da vida.
Essa multiplicação das
experiências de trabalho na cultura
uma geração na Zona Sul de
São Paulo. O ativismo político que a
produção cultural exigiu
pode ser
observado como trabalho, mostrando
as faíscas que as sociabilidades da
margem produzem na periferia ou a
exigência da conversão social para
que a significação e a produção de
subjetividade faça parte da vida de
trabalho. Aqui temos um ponto
osto que o trabalho é
experienciado na casa familiar, nas
experiências dos pais ou dos
familiares primários, que formam a
primeira impressão na vida de cada
um.Se a experiência passa por
desempregos longos ou grave
precariedade laboral, a impressão
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
geracio
nal pode se consumar como
destino social.
Temos reproduzido a
desigualdade desse modo no Brasil.
As primeiras gerações a chegar aos
cursos universitários são verdadeiras
revoluções nas histórias familiares. É
um rompimento geracional com os
trabalhos mais
precarizados e sem
qualificação. O campo da cultura
acrescenta, ainda, a produção de
sentido a esse trabalho
ao romper com
trajetórias unicamente
precárias, na
luta por outra inserção social vinda das
atividades laborais que possa sair
dessa constituição
que a produção
neoliberal do mundo social determina
para os mais pobres (TELLES, 2006).
Os trabalhos ativistas, e muitos
atores sociais desse campo da cultura,
precisam manter um ativismo para
construir seus percursos;
constroem como inspiração para se
contrapor aos trabalhos que seguem
meramente reproduzindo a
desigualdade, que são engajamentos
dos processos neoliberais de
reprodução social. O rebaixamento da
subjetividade do trabalho da população
das periferias das cidades,
de atividades labo
rais de baixa
significação, suprime uma existência
o
lugar social do trabalho
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resistências, disputas e potências
nal pode se consumar como
Temos reproduzido a
desigualdade desse modo no Brasil.
As primeiras gerações a chegar aos
cursos universitários o verdadeiras
revoluções nas histórias familiares. É
um rompimento geracional com os
precarizados e sem
qualificação. O campo da cultura
acrescenta, ainda, a produção de
ao romper com
precárias, na
luta por outra inserção social vinda das
atividades laborais que possa sair
que a produção
neoliberal do mundo social determina
para os mais pobres (TELLES, 2006).
Os trabalhos ativistas, e muitos
atores sociais desse campo da cultura,
precisam manter um ativismo para
construir seus percursos;
se
constroem como inspiração para se
contrapor aos trabalhos que seguem
meramente reproduzindo a
desigualdade, que o engajamentos
dos processos neoliberais de
reprodução social. O rebaixamento da
subjetividade do trabalho da população
das periferias das cidades,
por conta
rais de baixa
significação, suprime uma existência
política. As experiências que desviam
das imposições socioeconômicas
compostas pelos dispositivos
espalhados em cada canto das
margens da cidade (a moradia
precária, o aluguel custoso, o medo de
adoecer, a
extrema violência da
sociabilidade periférica exposta na
atuação policial, os trabalhos
degradados sem perspectiva),
mostram como uma potência de luta
por uma vida mais significativa pode
estar contida nessas formas de
trabalho
no campo da cultura.
Os pe
rcursos desses trabalhos
na última década de ativistas mostram,
nas trajetórias, como seus arranjos de
militância e trabalho no campo da
cultura foram produzindo um potente
processo que se multiplica nos lugares
sociais periféricos. Mostrando assim, a
reve
ladora abertura de novos fluxos de
trabalho que a produção cultural
representa comas novas estéticas do
século XXI. São novas formas de vida.
Crítica à cultura e a formação da
subjetividade política
Algumas análises criticam
radicalmente uma composição
ne
oliberal da chegada de alguns
programas, conformando modelos de
230
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
política. As experiências que desviam
das imposições socioeconômicas
compostas pelos dispositivos
espalhados em cada canto das
margens da cidade (a moradia
preria, o aluguel custoso, o medo de
extrema violência da
sociabilidade periférica exposta na
atuação policial, os trabalhos
degradados sem perspectiva),
mostram como uma potência de luta
por uma vida mais significativa pode
estar contida nessas formas de
no campo da cultura.
rcursos desses trabalhos
na última década de ativistas mostram,
nas trajetórias, como seus arranjos de
militância e trabalho no campo da
cultura foram produzindo um potente
processo que se multiplica nos lugares
sociais periféricos. Mostrando assim, a
ladora abertura de novos fluxos de
trabalho que a produção cultural
representa comas novas estéticas do
culo XXI. São novas formas de vida.
Crítica à cultura e a formação da
subjetividade política
Algumas análises criticam
radicalmente uma composição
oliberal da chegada de alguns
programas, conformando modelos de
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
cultura, mas deixando de fora muitos
outros que não se encaixaram. Como
aponta Augusto
(2010), em programas
empresariais que apelam para a
responsabilidade social e que,por
vezes, mais do que
tirar os jovens da
pobreza da periferia, acabam por
performar a reprodução incessante da
criminalização dos jovens negros
periféricos, constituindo esse desastre
social brasileiro.
Os grupos que acessam
financiamentos muitas vezes precisam
ter um CNPJ pró
prio e conseguir
preencher os formulários
prestação de contas, como foi o caso
do Programa REDES (Redes de
Cooperação Solidária
Nacional de Economia Solidária, edital
lançado em 2012), n
o qual a Agência
Solano Trindade participou, qu
apresentava uma prestação de contas
complexa, que só um coletivo bastante
estruturado como era a Agência
Solano Trindade podia realizar. Nessa
experiência,
formada por uma grande
rede de empreendimentos da Zona Sul
de São Paulo, coletivos muito variados
de alimentação, de dança, de música,
saraus etc. fizeram parte. A prestação
de contas, feita por Rafael Mesquita na
época, era muito complexa e exigia
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
cultura, mas deixando de fora muitos
outros que não se encaixaram. Como
(2010), em programas
empresariais que apelam para a
responsabilidade social e que,por
tirar os jovens da
pobreza da periferia, acabam por
performar a reprodução incessante da
criminalização dos jovens negros
periféricos, constituindo esse desastre
Os grupos que acessam
financiamentos muitas vezes precisam
prio e conseguir
preencher os formulários
online de
prestação de contas, como foi o caso
do Programa REDES (Redes de
Secretaria
Nacional de Economia Solidária, edital
o qual a Agência
Solano Trindade participou, qu
e
apresentava uma prestação de contas
complexa, que um coletivo bastante
estruturado como era a Agência
Solano Trindade podia realizar. Nessa
formada por uma grande
rede de empreendimentos da Zona Sul
de São Paulo, coletivos muito variados
de alimentação, de dança, de música,
saraus etc. fizeram parte. A prestação
de contas, feita por Rafael Mesquita na
época, era muito complexa e exigia
especialização, tomando um tempo
grande do projeto. Essas
características excluem muitos
empreendiment
os e experiências de
conseguir buscar recursos e eles
tinham uma refleo bastante
elaborada sobre a participação no
projeto.
De qualquer forma, essa nova
formatação de um campo cultural
permitiu vislumbre de novos trabalhos
para muitos
jovens. Circular n
cultural, convivendo com quem
mantém atividades de trabalho, o que
antes era marginalizado ou visto
como “coisa de jovem, coisa de
periferia”, permite formar novas
concepções e dimensões de trabalho.
Parece interessante notar esse
aspecto para
avançar na discussão da
produção desse campo.
Fernando Ferrari é hoje co
deputado da Mandata Ativista
Assembleia Legislativa de São Paulo,
desde 2019, na primeira experiência
de mandato coletivo do Brasil
conta sobre a imbricação entre a
militância e a luta pela cultura,
iniciando coma abertura do Sarau da
Vila fundão, no Capão Redondo:
Enfim, com o Sarau a gente foi
criando outros mecanismos, o
231
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
especialização, tomando um tempo
grande do projeto. Essas
características já excluem muitos
os e experiências de
conseguir buscar recursos e eles
tinham uma reflexão bastante
elaborada sobre a participação no
De qualquer forma, essa nova
formatação de um campo cultural
permitiu vislumbre de novos trabalhos
jovens. Circular n
o meio
cultural, convivendo com quem
mantém atividades de trabalho, o que
antes era marginalizado ou visto
como coisa de jovem”, “coisa de
periferia, permite formar novas
concepções e dimensões de trabalho.
Parece interessante notar esse
avançar na discussão da
produção desse campo.
Fernando Ferrari é hoje co
-
deputado da Mandata Ativista
na
Assembleia Legislativa de São Paulo,
desde 2019, na primeira experiência
de mandato coletivo do Brasil
. Ele
conta sobre a imbricação entre a
militância e a luta pela cultura,
iniciando coma abertura do Sarau da
Vila fundão, no Capão Redondo:
Enfim, aí com o Sarau a gente foi
criando outros mecanismos, o
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
Sarau Vila Fundão, fez um
resgate das lutas do território, dos
movimentos populares de
mulheres, do movimento de
moradia, do próprio movimento
Rap, que na nossa região foi a
primeira região
que teve a
primeira posse de Rap, Conceitos
de Rua, que tinham mais ou
menos uns 14 grupos de rap, que
eram Racionais e outros rios
grupos.Então a gente começou a
fazer esse resgate dos
movimentos populares, e aí a
gente começou, parece que era
uma sina, né?
Quando a gente
abre a boca as coisas m, né?
Quando você quer e você fala, as
coisas surgem.
Então a gente começou a criar
movimentos, então a gente criou
o Luta Popular, que hoje está no
Brasil todo, ajudamos a construir
a Agência Solano Trindade.
C
omeçamos a também interferir
nas lutas do território, no Parque
Santo Antônio, fazer também
ocupação de terras em terras que
estavam abandonadas
historicamente, pela questão da
moradia.
Começamos a fazer a
luta pelo transporte pela
ampliação M-
boi Mirim, o
concluída, travamos a avenida
pelo menos umas quatro vezes,
começamos a limpar terreno para
fazer praça pública. (...) Na
Cultura comecei a entender como
que funcionavam outros territórios
e acho que meu tempo está
acabando, acho que não vai dar
t
empo de tudo, mas a gente cria
um processo extremamente novo,
que é trabalhar em Rede, eu não
sabia, eu ainda não sei trabalhar
em Rede, a gente está
aprendendo, é um negócio muito
novo, mas esse novo para nós
deu a possibilidade da gente
aprovar a Lei de
Cultura da Periferia, que hoje a
gente conseguiu 32 milhões de
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Sarau Vila Fundão, fez um
resgate das lutas do território, dos
movimentos populares de
mulheres, do movimento de
moradia, do próprio movimento
Rap, que lá na nossa região foi a
que teve a
primeira posse de Rap, Conceitos
de Rua, que tinham mais ou
menos uns 14 grupos de rap, que
eram Racionais e outros vários
grupos.Então a gente começou a
fazer esse resgate dos
movimentos populares, e a
gente começou, parece que era
Quando a gente
abre a boca as coisas vêm, né?
Quando vo quer e você fala, as
Então a gente começou a criar
movimentos, então a gente criou
o Luta Popular, que hoje está no
Brasil todo, ajudamos a construir
a Agência Solano Trindade.
omeçamos a também interferir
nas lutas do território, no Parque
Santo Antônio, fazer também
ocupação de terras em terras que
estavam abandonadas
historicamente, pela questão da
Começamos a fazer a
luta pelo transporte pela
boi Mirim, o
bra hoje
concluída, travamos a avenida
pelo menos umas quatro vezes,
começamos a limpar terreno para
fazer praça pública. (...) Na
Cultura comecei a entender como
que funcionavam outros territórios
e acho que meu tempo está
acabando, acho que não vai dar
empo de tudo, mas a gente cria
um processo extremamente novo,
que é trabalhar em Rede, eu não
sabia, eu ainda não sei trabalhar
em Rede, a gente está
aprendendo, é um negócio muito
novo, mas esse novo para nós
deu a possibilidade da gente
aprovar a Lei de
Fomento à
Cultura da Periferia, que hoje a
gente já conseguiu 32 milhões de
reais, que contemplou pelo
menos uns 120, 130 coletivos
com 315 mil cada um, as casas
de Cultura que a gente conseguiu
fazer, voltar para a Secretaria
Municipal de Cultura, os E
Públicos de Gestão Comunitária,
fomos criando coisas, formas
histórias.”
(FERRARI, Fernando,
Informação Verbal, Seminário
“Economia da Cultura:
aprendizados a partir da Zona Sul
de São Paulo na FGV,
19/03/2019).
O trabalho tem um lugar social
que se desloca no tempo. Tanto os
agentes de produção da cultura, muito
variados com seus múltiplos
interesses, como o Estado,
interessado na isca cultural
(ARANTES, 2000) do desenvolvimento
econômico das cidades a partir do que
a cultura apresenta,
descobrem
a periferia. Dessa forma,
ocupam
territórios das periferias para
buscar o seu público
pedindo um enquadramento nas
práticas empreendedoras, mas
também, como aponta Augusto (2010),
muitas vezes com práticas
segregado
ras. Nessa medida, o
ativismo cultural parece constituir certo
“antídoto” necessário para formar as
lutas desse campo como lutas contra a
desigualdade racial, de gênero e de
classe, que marcam as periferias da
232
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
menos aí uns 120, 130 coletivos
com 315 mil cada um, as casas
fazer, voltar para a Secretaria
Municipal de Cultura, os E
spaços
Públicos de Gestão Comunitária,
fomos criando coisas, formas
e
(FERRARI, Fernando,
Informação Verbal, Seminário
Economia da Cultura:
de São Paulo” na FGV,
O trabalho tem um lugar social
que se desloca no tempo. Tanto os
agentes de produção da cultura, muito
variados com seus múltiplos
interesses, como o Estado,
interessado na “isca cultural”
(ARANTES, 2000) do desenvolvimento
econômico das cidades a partir do que
mais tardiamente
a periferia. Dessa forma,
territórios das periferias para
buscar o seu público
-alvo: os jovens,
pedindo um enquadramento nas
práticas empreendedoras, mas
também, como aponta Augusto (2010),
muitas vezes com práticas
ras. Nessa medida, o
ativismo cultural parece constituir certo
antídoto necesrio para formar as
lutas desse campo como lutas contra a
desigualdade racial, de gênero e de
classe, que marcam as periferias da
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
cidade;
lutas que possam romper uma
continuida
de perversa dos ciclos que a
desigualdade produz incessantemente
(SOUZA, 2018).
Para aqueles que participam de
iniciativas culturais como trabalho,
surge
nova implicação. Ao investigar o
trabalho como localização e dimensão
política de quem produz, partici
amplia a noção de cultura, afirmamos
ser esse um trabalho que perfaz
trajetórias de vida, ganhando uma
dimensão política de trabalhos
implicados com a produção de vida
mais significativa. São ativismos
políticos guiados pelos trabalhos ou
mesmo para
além do trabalho
remunerado.
Na pandemia de 2020,
estende em 2021, ficou evidente que
muitos
profissionais da cultura da
periferia não têm trabalhos fixos; em
grande medida, trabalham por projetos
e na informalidade. Pertencer ao
precariado
pode ser por escolha, como
afirma Standing (2013), mas aqui,
confrontados com uma precariedade
que marca os trabalhadores da
periferia, as oportunidades
profissionais na área cultural envolvem
a informalidade, muito comumente.
Mas não muito diferente ness
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
lutas que possam romper uma
de perversa dos ciclos que a
desigualdade produz incessantemente
Para aqueles que participam de
iniciativas culturais como trabalho,
nova implicação. Ao investigar o
trabalho como localização e dimensão
política de quem produz, partici
pa ou
amplia a noção de cultura, afirmamos
ser esse um trabalho que perfaz
trajetórias de vida, ganhando uma
dimensão política de trabalhos
implicados com a produção de vida
mais significativa. São ativismos
políticos guiados pelos trabalhos ou
além do trabalho
Na pandemia de 2020,
que se
estende em 2021, ficou evidente que
profissionais da cultura da
periferia não têm trabalhos fixos; em
grande medida, trabalham por projetos
e na informalidade. Pertencer ao
pode ser por escolha, como
afirma Standing (2013), mas aqui,
confrontados com uma precariedade
que marca os trabalhadores da
periferia, as oportunidades
profissionais na área cultural envolvem
a informalidade, muito comumente.
Mas não muito diferente ness
e
aspecto, vale ressaltar, de outros
trabalhos disponíveis a quem é da
periferia.
Os afetos como fagulhas para a
construção de um trabalho com
sentido forte na margem da cidade
Perguntar sobre um
agenciamento individual das
construções objetivas e, sobret
subjetivas do trabalho, sempre supõe
um questionamento sobre como
recebemos as diretrizes coletivas do
trabalho, a partir das nossas
socializações, e vamos processando e
traduzindo individualmente esse
agenciamento social. De qualquer
forma, a composi
ção da socialização
primária, acaba por se firmar como a
base essencial na qual se
construção da subjetividade e a
construção social da realidade para
cada um, como colocam Berger e
Luckmann (1978). Ou seja, a
socialização da casa e as referên
familiares, materna e paterna, o
fundamentos da vida social do
trabalho. A sociedade é uma realidade
objetiva e subjetiva ao mesmo tempo.
Três movimentos dialéticos definem
isso para os autores: a interiorização,
a exteriorização e a objetivação. Es
233
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
aspecto, vale ressaltar, de outros
trabalhos disponíveis a quem é da
Os afetos como fagulhas para a
construção de um trabalho com
sentido forte na margem da cidade
Perguntar sobre um
agenciamento individual das
construções objetivas e, sobret
udo,
subjetivas do trabalho, sempre supõe
um questionamento sobre como
recebemos as diretrizes coletivas do
trabalho, a partir das nossas
socializações, e vamos processando e
traduzindo individualmente esse
agenciamento social. De qualquer
ção da socialização
primária, acaba por se firmar como a
base essencial na qual se
referencia a
construção da subjetividade e a
construção social da realidade para
cada um, como colocam Berger e
Luckmann (1978). Ou seja, a
socialização da casa e as referên
cias
familiares, materna e paterna, são
fundamentos da vida social do
trabalho. A sociedade é uma realidade
objetiva e subjetiva ao mesmo tempo.
Três movimentos dialéticos definem
isso para os autores: a interiorização,
a exteriorização e a objetivação. Es
tar
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
em sociedade nessa articulação
dialética é processo que ocorre tanto
para as sociedades, como para os
indivíduos. Um indivíduo exterioriza
seu ser no mundo e interioriza o
mundo como realidade objetiva, em
movimentos simultâneos. Nessa
medida, um senti
do produzido sobre o
mundo se torna comum aos membros
de uma sociedade por uma expansão
das subjetividades nas objetividades, o
que pode ser um modo de começar a
definir a cultura.
Nesse alargamento das
concepções culturais, se mexe nas
concepções juvenis
de cultura e,
portanto, de trabalho. Com a cultura,
essas mudanças acontecem como
dinâmica, com o grafite, o teatro, a
música (campos mais reconhecidos,
mas sempre com novas vertentes
artísticas/culturais), como foi o caso
dos saraus na Zona Sul de São Pau
Como disse Fernando Ferrari, co
deputado da Mandata da Bancada
Ativista, contando como montou o
Sarau da Vila Fundão: “Nosso Sarau
era um Levante Popular em
solidariedade aos excluídos.
Outro ingrediente importante é o
território. A cultura consagrad
financiamentos naturalizados nas
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
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-Americana de Estudos
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44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
em sociedade nessa articulação
dialética é processo que ocorre tanto
para as sociedades, como para os
indivíduos. Um indiduo exterioriza
seu ser no mundo e interioriza o
mundo como realidade objetiva, em
movimentos simultâneos. Nessa
do produzido sobre o
mundo se torna comum aos membros
de uma sociedade por uma expansão
das subjetividades nas objetividades, o
que pode ser um modo de começar a
Nesse alargamento das
concepções culturais, se mexe nas
de cultura e,
portanto, de trabalho. Com a cultura,
essas mudanças acontecem como
dinâmica, com o grafite, o teatro, a
música (campos mais reconhecidos,
mas sempre com novas vertentes
artísticas/culturais), como foi o caso
dos saraus na Zona Sul de São Pau
lo.
Como disse Fernando Ferrari, co
-
deputado da Mandata da Bancada
Ativista, contando como montou o
Sarau da Vila Fundão: Nosso Sarau
era um Levante Popular em
solidariedade aos excluídos”.
Outro ingrediente importante é o
território. A cultura consagrad
a tem
financiamentos naturalizados nas
dinâmicas elitistas
de hierarquização
da produção da cidade, mas que
carregam concepções do que é boa
cultura e, portanto, do que não é,
constituindo tijolo a tijolo as
expressões celebradas da cultura.
Todavia,os
movimentos e agentes dos
territórios periféricos ousaram balançar
esse edifício, constituindo novas
concepções de cultura como
construções identitárias, que buscam
as raízes familiares, sociais, raciais e
de gênero para remontar a cidade,
pela margem. Assi
m, mexendo com as
arrumações forjadas da história da
cidade
que afinal permanecem como
fundamento da desigualdade. Narrar a
contrapelo
passa por
para deixar novas afetações
emergirem.
No fim se trata de decolonizar o
conhecimento, que passa
reconhecer a branquidade como
produtora de um
epistemidio
Paterniani
(2020), que anula corpos
por rebaixamentos, por fim uma
constante subalternização de grupos
que podem fazer frente ao capitalismo.
Para reduzir a desigualdade, é preciso
reconhecer em primeiro lugar esses
bloqueios
como estruturas racistas que
a branquidade forma e reproduz como
234
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
de hierarquização
da produção da cidade, mas que
carregam concepções do que é boa
cultura e, portanto, do que não é,
constituindo tijolo a tijolo as
expressões celebradas da cultura.
movimentos e agentes dos
territórios periféricos ousaram balançar
esse edifício, constituindo novas
concepções de cultura como
construções identitárias, que buscam
as raízes familiares, sociais, raciais e
de gênero para remontar a cidade,
m, mexendo com as
arrumações forjadas da história da
que afinal permanecem como
fundamento da desigualdade. Narrar a
passa por
romper ciclos
para deixar novas afetações
No fim se trata de decolonizar o
conhecimento, que passa
por
reconhecer a branquidade como
epistemicídio
, diz
(2020), que anula corpos
por rebaixamentos, por fim uma
constante subalternização de grupos
que podem fazer frente ao capitalismo.
Para reduzir a desigualdade, é preciso
reconhecer em primeiro lugar esses
como estruturas racistas que
a branquidade forma e reproduz como
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
esse racismo estrutural. Processo
longo e doloroso
para mexer nas
estruturas de reprodução social que
marcam os percursos de ativismos e
trabalho
dos nossos entrevistados, se
configurando, nessa medida, como
políticos.
A quebrada tem isso, vo
conhece pessoas lendárias, como
em Cuba, com Compay Segundo
ou Chapéu Mangueira com
Cartola, conheci o Binho, acho
que em 1994, porque morava ali
no Cam
po Limpo. Eu e meu
irmão Marcelo, o Sá, erámos
clientes do bar do Binho.
forma inconsciente fui marcado
pelo lado cultural do Bar, porque
como jovem eu não lia até aquele
momento, esse encontro mudou
minha vida, foi um encontro que
me fez anos depois te
óculos para ver o mundo mais
ampliado. É muito interessante,
porque o que me incentivou a
perdoar, foi ler o mundo para
além do que você , teve um
caso que perdoei uma pessoa
que me deu uma facada, que era
uma pessoa bem próxima, um
amigo, e ess
e levar facada me
fez morar no Ceará na casa
desse meu tio Francis, com a
minha tia Leny, que lá tinha uma
biblioteca, por exemplo. Então lá
eu comecei a ler, e aí quando eu
voltei pro bairro, com meus livros,
foi uma surpresa para meus
amigos, eu lendo Ch
Olga Benário, Feliz Ano Velho.
(...) Era isso, lendo com novos
olhos e com o mesmo corpo em
um bairro que era o mais violento
do mundo. Estava liberto!
(Fernando Ferrari, Intervenção
Verbal, Seminário “Economia da
Cultura: aprendizados a partir
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
esse racismo estrutural. Processo
para mexer nas
estruturas de reprodução social que
marcam os percursos de ativismos e
dos nossos entrevistados, se
configurando, nessa medida, como
A quebrada tem isso, você
conhece pessoas lendárias, como
em Cuba, com Compay Segundo
ou Chapéu Mangueira com
Cartola, lá conheci o Binho, acho
que em 1994, porque morava ali
po Limpo. Eu e meu
irmão Marcelo, o Sá, erámos
clientes do bar do Binho.
De
forma inconsciente fui marcado
pelo lado cultural do Bar, porque
como jovem eu não lia aaquele
momento, esse encontro mudou
minha vida, foi um encontro que
me fez anos depois te
r outros
óculos para ver o mundo mais
ampliado. É muito interessante,
porque o que me incentivou a
perdoar, foi ler o mundo para
além do que vo vê, teve um
caso que perdoei uma pessoa
que me deu uma facada, que era
uma pessoa bem próxima, um
e levar facada me
fez morar no Ceará na casa
desse meu tio Francis, com a
minha tia Leny, que tinha uma
biblioteca, por exemplo. Então
eu comecei a ler, e quando eu
voltei pro bairro, com meus livros,
foi uma surpresa para meus
amigos, eu lendo Ch
e Guevara,
Olga Benário, Feliz Ano Velho.
(...) Era isso, lendo com novos
olhos e com o mesmo corpo em
um bairro que era o mais violento
do mundo. Estava liberto!
(Fernando Ferrari, Intervenção
Verbal, Seminário Economia da
Cultura: aprendizados a partir
da
Zona Sul de São Paulo,
18/03/2019).
O encontro com a leitura, depois
com o sarau, acendeu uma faísca
veio
por afetividades familiares como
fundamento de um percurso de
militância na área da cultura para
Fernando. São essas relações que
podem pr
oduzir uma sedimentação
para trabalhos que, por vezes,
rompem com trajetórias de
precarização, de trabalhos com pouca
criatividade, sem qualificação. Os
percursos de trabalho de produtores
de cultura, nesse caso de um militante
por financiamentos de cultur
periferia, como é a trajetória de
Fernando, não são fácies, mas se
mostram potentes.
Acontece que também
precisamos levar em conta a
localização de cada um no mundo
social e as idiossincrasias localizadas
na biografia individual. São como filtros
da vida social que fazem com que as
experiências de vida tenham cortes de
classe, de raça e de gênero e cada um
absorva na socialização primária
(infantil) cortes subjetivos e objetivos.
Nossos entrevistados
apresentam relatos da composição
235
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Zona Sul de São Paulo”,
O encontro com a leitura, depois
com o sarau, acendeu uma faísca
que
por afetividades familiares como
fundamento de um percurso de
militância na área da cultura para
Fernando. São essas relações que
oduzir uma sedimentação
para trabalhos que, por vezes,
rompem com trajetórias de
precarização, de trabalhos com pouca
criatividade, sem qualificação. Os
percursos de trabalho de produtores
de cultura, nesse caso de um militante
por financiamentos de cultur
a para a
periferia, como é a trajetória de
Fernando, não são fácies, mas se
Acontece que também
precisamos levar em conta a
localização de cada um no mundo
social e as idiossincrasias localizadas
na biografia individual. São como filtros
da vida social que fazem com que as
experiências de vida tenham cortes de
classe, de raça e de gênero e cada um
absorva na socialização primária
(infantil) cortes subjetivos e objetivos.
Nossos entrevistados
apresentam relatos da composição
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
familiar com chaves de profunda
ligação com o familiar afetivo. Quando
Dêssa, atriz e cantora, fala de sua
vocação artística, aponta para afetos
de proximidade com seus tios como
fundamento da sua ligaç
música e com o mundo das artes.
Lembra das festas que promoviam no
quintal com música, comida, dança:
Toda infância, tinha lembranças na
fogueira com viola. o meus tios
pretos, sempre falo assim, que o os
pretos da família”.
A condução da vida profissional
foi um novelo de afetos familiares: a
música, com a descoberta tardia de
um tio luthier, as músicas ouvidas em
casa; a profissão de desenhista de
móveis pela formação técnica, que fez
a ligação
das primeiras incures
profis
sionais à marcenaria do avô e
depois do tio, onde furava os pés na
oficina quando criança, e
posteriormente o trabalho,
deformada, em técnica em edificação.
Essa profissão possibilitou uma
estabilidade financeira logo no início
da vida profissional,
e perdurou
bastante tempo como fonte de um
rendimento seguro para poder
desenvolver outros projetos, daí, sim,
absolutamente ligados à arte e à
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
familiar com chaves de profunda
ligação com o familiar afetivo. Quando
Dêssa, atriz e cantora, fala de sua
vocação artística, aponta para afetos
de proximidade com seus tios como
fundamento da sua ligaç
ão com a
música e com o mundo das artes.
Lembra das festas que promoviam no
quintal com música, comida, dança:
Toda infância, tinha lembranças na
fogueira com viola. São meus tios
pretos, sempre falo assim, que são os
A condução da vida profissional
foi um novelo de afetos familiares: a
música, com a descoberta tardia de
um tio luthier, as músicas ouvidas em
casa; a profiso de desenhista de
móveis pela formação técnica, que fez
das primeiras incursões
sionais à marcenaria do avô e
depois do tio, onde furava os pés na
oficina quando criança, e
posteriormente o trabalho,
depois
deformada, em técnica em edificação.
Essa profissão possibilitou uma
estabilidade financeira logo no início
e perdurou
bastante tempo como fonte de um
rendimento seguro para poder
desenvolver outros projetos, daí, sim,
absolutamente ligados à arte e à
produção cultural. ssa, tem 38 anos
na data da entrevista, é cantora e atriz,
participante de um grupo de tea
Entrou na companhia de teatro para
fazer cenários das peças e acabou se
encantado e descobrindo seu lado
atriz. A trajetória artística se encontrou
com a técnica de desenho. A veia
artística para ela vem da família, da
parte preta da família, como e
A possibilidade de ser cantora e atriz
na periferia de São Paulo vem dessa
mescla dos
trabalhos artísticos com o
irmão mais novo, e essa profiso
técnica pôde manter essa tripla
realização.
Então enxergo essa ligação
primeira: essa efervescência
tinha em Barueri. Os artistas que
estavam em Barueri não tinham
espaço em Barueri. Então, o
Vento Forte foi o primeiro para
mim, eles estavam se
apresentando na Augusta, na
Brigadeiro, na Roosevelt, eles já
estavam nesse meio. E a partir
daí rolou...
lembrei a coneo
com a zona sul. Um amigo de
Embú das Artes e que trabalhava
em Alphaville que indicou a
Banda Preto Soul para mim.
Meu, tem uma banda muito legal
da zona sul que vo vai curtir
estão precisando de guitarrista. E
o Sandro [s
eu irmão] ve
na banda. [...]
num processo de cantar em
bares. Eu e ele. Cantando em
Barueri, em Pinheiros. Mas os
bares não tinham espaço para
música autoral, pelo menos não
236
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
produção cultural. Dêssa, tem 38 anos
na data da entrevista, é cantora e atriz,
participante de um grupo de tea
tro.
Entrou na companhia de teatro para
fazer cenários das peças e acabou se
encantado e descobrindo seu lado
atriz. A trajetória artística se encontrou
com a técnica de desenho. A veia
artística para ela vem da família, “da
parte preta da família”, como e
la fala.
A possibilidade de ser cantora e atriz
na periferia de São Paulo vem dessa
trabalhos artísticos com o
irmão mais novo, e essa profissão
técnica pôde manter essa tripla
primeira: essa efervescência
que
tinha em Barueri. Os artistas que
estavam em Barueri não tinham
espaço em Barueri. Então, o
Vento Forte foi o primeiro para
mim, eles estavam se
apresentando na Augusta, na
estavam nesse meio. E a partir
com a zona sul. Um amigo de
Banda Preto Soul para mim.
da zona sul que você vai curtir
estão precisando de guitarrista. E
eu irmão] ve
io tocar
A gente estava
num processo de cantar em
bares. Eu e ele. Cantando em
bares não tinham espaço para
música autoral, pelo menos não
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
esses que a gente conseguiu
acessar. A gente não queria mais
cantar
músicas dos outros, cantar
o que todo mundo queria ouvir. A
gente queria fazer um trabalho
mais autoral
(Dêssa).
O equilíbrio entre a percepção
da realidade e o desejo interno de
realização é incerto, posto que
corresponde a uma dinâmica, como
nos lemb
ra Dejours (2000). Se torna
um imperativo obedecer ao que vem
de fora como determinação de
organização da subjetividade. Mas
como os elementos da vida social
chegam para os indivíduos de forma
fragmentada, organizar o desejo
interno acaba esquecido no torv
incessante de manter a vida
“ocupada”, sem nenhum “tempo morto
(GAULEJAC, 2007). As diferentes
temporalidades da vida podem
produzir um tempo criativo. A oposição
disso seria uma vida que reproduz
um produtivismo que perde coneo
com as forças
internas, com a
produção da subjetividade e da
personalidade.
As redes sociais o as novas
exigências compulsórias do uso do
tempo em um consumo desenfreado.
Desse modo, se está laborando
uma distinção precisa das divies
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
esses que a gente conseguiu
acessar. A gente não queria mais
músicas dos outros, cantar
o que todo mundo queria ouvir. A
gente queria fazer um trabalho
(Dêssa).
O equilíbrio entre a percepção
da realidade e o desejo interno de
realização é incerto, posto que
corresponde a uma dinâmica, como
ra Dejours (2000). Se torna
um imperativo obedecer ao que vem
de fora como determinação de
organização da subjetividade. Mas
como os elementos da vida social
chegam para os indiduos de forma
fragmentada, organizar o desejo
interno acaba esquecido no torv
elinho
incessante de manter a vida
ocupada, sem nenhum tempo morto”
(GAULEJAC, 2007). As diferentes
temporalidades da vida podem
produzir um tempo criativo. A oposição
disso seria uma vida que reproduz
um produtivismo que perde conexão
internas, com a
produção da subjetividade e da
As redes sociais são as novas
exigências compulrias do uso do
tempo em um consumo desenfreado.
Desse modo, se está laborando
sem
uma distinção precisa das divisões
entre descanso, lazer, traba
consumo. Com isso, o tempo gasto
com produtividade do trabalho não é
remunerado, muitas vezes. E esse
tempo misturado abala o equilíbrio
psíquico. Quem trabalha com cultura
precisa estar nas redes sociais e
muitas vezes não consegue monetizar
esse tempo
de trabalho.
Quando olhamos para trabalhos
artísticos ativistas, concebemos um
trabalho que imprime sentido, que foge
de um trabalho destinado à
reprodução da desigualdade brasileira.
É um
bonito fio que com que faz as
escolhas de trabalho e as conjunç
das trajetórias de trabalhos sejam
umbilicalmente ligadas às trajetórias
familiares. Na periferia nada é simples,
as trajetórias não o meritocráticas,
são sempre resultadas de luta. Para as
mulheres, as barreiras de
oportunidades são maiores, e
podem
os aqui nomear de lutas
políticas, para fazer parte da vida
social com produção de sentido. No
caso de Dêssa essa composição de
trabalhos artístico e profissional foi
acontecendo:
estava enfiada até o pescoço.
[...]
Minha filha nasceu em 2009,
uma coisa é vo atravessar a
cidade para fazer coisas, ensaiar
237
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
entre descanso, lazer, traba
lho e
consumo. Com isso, o tempo gasto
com produtividade do trabalho não é
remunerado, muitas vezes. E esse
tempo misturado abala o equilíbrio
pquico. Quem trabalha com cultura
precisa estar nas redes sociais e
muitas vezes não consegue monetizar
de trabalho.
Quando olhamos para trabalhos
artísticos ativistas, concebemos um
trabalho que imprime sentido, que foge
de um trabalho destinado à
reprodução da desigualdade brasileira.
bonito fio que com que faz as
escolhas de trabalho e as conjunç
ões
das trajetórias de trabalhos sejam
umbilicalmente ligadas às trajetórias
familiares. Na periferia nada é simples,
as trajetórias não são meritocráticas,
o sempre resultadas de luta. Para as
mulheres, as barreiras de
oportunidades o maiores, e
os aqui nomear de lutas
políticas, para fazer parte da vida
social com produção de sentido. No
caso de Dêssa essa composição de
trabalhos artístico e profissional foi
estava enfiada até o pescoço.
Minha filha nasceu em 2009,
uma coisa é você atravessar a
cidade para fazer coisas, ensaiar
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
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você. Depois que nasce o
baby fica um pouco diferente. Aí
tem um processo também... em
2008 me desliguei da empresa do
meu tio, porque eu trabalhava
com marcena
ria... me formei
técnica em edificações e aí vim
trabalhar com uns arquitetos aqui
em São Paulo, mas meu tio me
chamou, vem trabalhar comigo.
Cinco minutos de casa, falei:
vou. F
iquei 7 anos, de 2001 até
2008. (Dêssa).
Quando pensamos sobre o
trabalh
o ligado ao exercício da política,
como ativismo social6
, também é
preciso ponderar alguns aspectos a
respeito da produção de renda e a
associação social de todo esse
agenciamento entre atividade política e
produção da vida.
Para Dêssa, a primeira
profissã
o foi importante como um
fundamento para novos voos depois
da juventude: tornou-
se cantora e
depois atriz. Os processos formativos,
as novas iniciativas para fazer
acontecer coisas simultâneas, foram
acontecendo. A participação em uma
ocupação artística ga
nha esse teor
político que um coletivo de teatro tem
na periferia. O grupo ocupou um
terreno público, antiga sede da
subprefeitura do Campo Limpo,
6 Ver definição de Lavalle (2020
)
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
vo. Depois que nasce o
baby fica um pouco diferente.
tem um processo também... em
2008 me desliguei da empresa do
meu tio, porque eu trabalhava
ria... me formei
técnica em edificações e vim
trabalhar com uns arquitetos aqui
em São Paulo, mas meu tio me
chamou, vem trabalhar comigo.
Cinco minutos de casa, falei:
-
iquei 7 anos, de 2001 até
Quando pensamos sobre o
o ligado ao exercio da política,
, também é
preciso ponderar alguns aspectos a
respeito da produção de renda e a
associação social de todo esse
agenciamento entre atividade política e
Para Dêssa, a primeira
o foi importante como um
fundamento para novos voos depois
se cantora e
depois atriz. Os processos formativos,
as novas iniciativas para fazer
acontecer coisas simultâneas, foram
acontecendo. A participação em uma
nha esse teor
político que um coletivo de teatro tem
na periferia. O grupo ocupou um
terreno público, antiga sede da
subprefeitura do Campo Limpo,
)
.
enfrentando
uma longa disputa para
permanecer no local. Foi na gestão da
ocupação do
espaço Cita, espaço
ocup
ado por coletivos de cultura na
antiga sede da Sub
Campo Limpo, que muitos
do coletivo de teatro foram sendo
produzidos. Dêssa conta que ainda
permanecem 11 coletivos compondo a
ocupação do espaço, mas a gestão da
ocupação, sempr
e trabalhosa, não faz
parte agora de seus planos.
Suas várias atuações
profissionais como desenhista,
cantora, atriz e produtora fazem uma
diversificação que pode compor um
processo de conhecimento dos
trâmites
completos da feitura de um
espetáculo, por
exemplo.
como atravessar a cidade sem ser
atravessada por ela
Intervenção Oral, Live do Instagram,
em 2020,
durante a pandemia).
Considerações finais
A produção de cultura é objeto
de análise sociológica e urbana desde
o início do capitalismo. Arantes (2002)
chama atenção de que, nesse
momento pós-
fordista de gestão das
cidades, se adere a uma lógica que vai
transformando a própria cidade em
238
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
uma longa disputa para
permanecer no local. Foi na gestão da
espaço Cita, espaço
ado por coletivos de cultura na
antiga sede da Sub
-Prefeitura do
Campo Limpo, que muitos
trabalhos
do coletivo de teatro foram sendo
produzidos. Dêssa conta que ainda
permanecem 11 coletivos compondo a
ocupação do espaço, mas a gestão da
e trabalhosa, não faz
parte agora de seus planos.
Suas várias atuações
profissionais como desenhista,
cantora, atriz e produtora fazem uma
diversificação que pode compor um
processo de conhecimento dos
completos da feitura de um
exemplo.
Não tem
como atravessar a cidade sem ser
atravessada por ela
(Dêssa,
Intervenção Oral, Live do Instagram,
durante a pandemia).
Considerações finais
A produção de cultura é objeto
de análise sociológica e urbana desde
o início do capitalismo. Arantes (2002)
chama atenção de que, nesse
fordista de gestão das
cidades, se adere a uma lógica que vai
transformando a própria cidade em
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
mercadoria
a partir da cultura. Uma
sofisticação do processo que torna a
gestão da cidade uma busca por
vendas. O que está sendo vendido?
Qual é o produto? A cidade
mercadoria produz certo tipo de
cidade.
O lugar reservado aos pobres
nesse grande negócio, no geral,
envolve perdas, nos deslocamentos de
população e na negação do
desenvolvimento de novos modos de
vida mais justos nas periferias. A
separação entre centro e periferia
marca padrões de desenvolvimento
das cidades brasileiras, de modo que
em uma cidade se
tenha lógicas
muito diversas e desiguais. Assim, a
cidade se torna foco do
desenvolvimento cultural falseado,
sem lugar para uma produção que
enfrente essas forças estabelecidas na
produção de uma contra estética.
Quando se discute a cultura nas
periferias, torna-
se essencial olhar
para esse processo a fim de se ter
entendimento de como as
decolonizações podem produzir novas
expressões culturais, de como fugir da
captura constante ou de como se
reinventam. Os movimentos
feministas, negros e de moradia,
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
a partir da cultura. Uma
sofisticação do processo que torna a
gestão da cidade uma busca por
vendas. O que está sendo vendido?
Qual é o produto? A cidade
-
mercadoria produz certo tipo de
O lugar reservado aos pobres
nesse grande negócio, no geral,
envolve perdas, nos deslocamentos de
população e na negação do
desenvolvimento de novos modos de
vida mais justos nas periferias. A
separação entre centro e periferia
marca padrões de desenvolvimento
das cidades brasileiras, de modo que
tenha lógicas
muito diversas e desiguais. Assim, a
cidade se torna foco do
desenvolvimento cultural falseado,
sem lugar para uma produção que
enfrente essas forças estabelecidas na
produção de uma contra estética.
Quando se discute a cultura nas
se essencial olhar
para esse processo a fim de se ter
um
entendimento de como as
decolonizações podem produzir novas
expressões culturais, de como fugir da
captura constante ou de como se
reinventam. Os movimentos
feministas, negros e de moradia,
se
articulam nos movimentos de cultura.
São movimentos importantes de serem
destacados para compreensão da
periferia Sul de São Paulo e de como
os atores sociais foram produzindo
novos enlaces. A crise do sindicalismo,
dos partidos políticos e
instituc
ionalidades conhecidas foram
mostrando outros caminhos para
novos atores sociais: as feministas, os
feminismos negros, os movimentos
negros, os movimentos LGBTQI+
podem ser definidos como
institucionalidades socioculturais,
como diz García
Canclini
dimensão política do trabalho na
cultura pode ser aqui afirmada.
Entretanto, também na periferia
aparece um agenciamento neoliberal
da cidade-
mercadoria que chega com
força. O agenciamento neoliberal
pode, ainda assim, produzir
articulações e
experiências que
movem coisas, mas também podem se
perder em uma funcionalização da
pobreza a partir da cultura.
A cultura virou um mercado de
trabalho nada desprezível. Ora
bastante conectado às lógicas
lucrativas dos agenciamentos mais
neoliberais, que c
hegam na periferia
também, ora
também produzindo
239
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
articulam nos movimentos de cultura.
São movimentos importantes de serem
destacados para compreensão da
periferia Sul de São Paulo e de como
os atores sociais foram produzindo
novos enlaces. A crise do sindicalismo,
dos partidos políticos e
das
ionalidades conhecidas foram
mostrando outros caminhos para
novos atores sociais: as feministas, os
feminismos negros, os movimentos
negros, os movimentos LGBTQI+
podem ser definidos como
institucionalidades socioculturais,
Canclini
(2020). E a
dimensão política do trabalho na
cultura pode ser aqui afirmada.
Entretanto, também na periferia
aparece um agenciamento neoliberal
mercadoria que chega com
força. O agenciamento neoliberal
pode, ainda assim, produzir
experiências que
movem coisas, mas também podem se
perder em uma funcionalização da
pobreza a partir da cultura.
A cultura virou um mercado de
trabalho nada desprezível. Ora
bastante conectado às lógicas
lucrativas dos agenciamentos mais
hegam na periferia
também produzindo
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
Revista Latino
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
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renda e trabalhos significativos para
muitos a partir de outras matrizes de
sociabilidade. Esses aspectos de um
trabalho conectado a sentidos que
produzem subjetividades fortes e
produzem cidade, podem reali
cidade comum. Essa é uma discussão
que fundamenta os trabalhos na
cultura na periferia.
Onde as forças do comum se
esvaem em processos que perdem
conexão com a produção deixada à
margem, se perdem esses processos
de conexão com uma produção mais
p
otente de significações coletivas e
subjetivas individuais. O ataque à
cultura nesse momento pela extrema
direita no governo não parece ser algo
feito de forma aleatória, temos aqui
potencias de transformação, ao
menos,construções de significações
maior da vida.
Mas é preciso olhar cada
processo para identificar as diferenças,
as positividades e também o que
escapa e escorrega na cidade
mercadoria
tornando a falta de
financiamentos para projetos a própria
crise. E agora, mais
contemporaneamente, o ataque
cultura
por grupos que enxergam na
diversidade da produção cultural algo
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
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44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
renda e trabalhos significativos para
muitos a partir de outras matrizes de
sociabilidade. Esses aspectos de um
trabalho conectado a sentidos que
produzem subjetividades fortes e
produzem cidade, podem reali
zar uma
cidade comum. Essa é uma discussão
que fundamenta os trabalhos na
Onde as forças do comum se
esvaem em processos que perdem
conexão com a produção deixada à
margem, se perdem esses processos
de coneo com uma produção mais
otente de significações coletivas e
subjetivas individuais. O ataque à
cultura nesse momento pela extrema
-
direita no governo não parece ser algo
feito de forma aleatória, temos aqui
potencias de transformação, ao
menos,construções de significações
Mas é preciso olhar cada
processo para identificar as diferenças,
as positividades e também o que
escapa e escorrega na cidade
-
tornando a falta de
financiamentos para projetos a própria
crise. E agora, mais
contemporaneamente, o ataque
à
por grupos que enxergam na
diversidade da produção cultural algo
a ser combatido, sem reconhecer a
dimensão econômica da cultura para
as cidades. Sem dúvida, um setor que
se torna um grande empregador e
gerador de renda com uma abertura
de novos
agenciamentos de trabalho.
Um choque cultural é promovido como
tentativa de fazer recuar as mudanças
sociais que estavam em curso. Na
pandemia, em 2020 e 2021,
quem trabalha com cultura na periferia,
foi uma situação dramática; os
trabalhos por projet
os de editais, já
bastante precários, sem garantias de
um trabalho formal,
foram
da crise desse período
mais inacessíveis.
Esse campo cultural foi
expandido nas periferias, e uma das
dimensões disso o os
associativismos engaja
caminham para formar mercados de
trabalhos compostos por essa
expressão sociocultural. Daí a
importância do trabalho na área para
manter um enraizamento social que a
cultura pode promover. A Agência
Cultural Solano Trindade, formada em
2011, mostra
uma experiência de
formar redes e coletivos,
anseios presentes na sociabilidade
240
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
a ser combatido, sem reconhecer a
dimensão econômica da cultura para
as cidades. Sem dúvida, um setor que
se torna um grande empregador e
gerador de renda com uma abertura
agenciamentos de trabalho.
Um choque cultural é promovido como
tentativa de fazer recuar as mudanças
sociais que estavam em curso. Na
pandemia, em 2020 e 2021,
para
quem trabalha com cultura na periferia,
foi uma situação dramática; os
os de editais,
bastante prerios, sem garantias de
foram
a expressão
da crise desse período
e ficaram ainda
Esse campo cultural foi
expandido nas periferias, e uma das
dimensões disso são os
associativismos engaja
dos que
caminham para formar mercados de
trabalhos compostos por essa
expressão sociocultural. Daí a
importância do trabalho na área para
manter um enraizamento social que a
cultura pode promover. A Agência
Cultural Solano Trindade, formada em
uma experiência de
formar redes e coletivos,
captando os
anseios presentes na sociabilidade
BERGAMIN, Marta de Aguiar. A reinvenção d
o
pela cultura na Zona Sul de São Paulo: ativist
a
trabalhos políticos. PragMATIZES -
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em Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 219-
2
engajada que se firmava na periferia
sul da cidade desde os anos 2000.
O empreendedorismo ganhou
corpo como um processo de
convencimento que foi invadindo as
novas
gerações, que não conseguem
mais planejar a vida em um tempo
longo. o curto prazo consegue ser
administrado. Como se implicar na
vida social sem acessar um
planejamento de vida mais a longo
prazo? O futuro parece bloqueado aos
jovens sem a abertura de
trabalhos que o campo cultural pode
trazer.
Referências bibliográfi
cas
ABILIO, Ludmila Costhek.
Uberização
subsunção real da viração.
Boitempo.
22.fev.2017. Disponível em
https://blogdaboitempo.com.br/2017/02
/22/uberizacao-do-trabalho
-
subsuncao-real-da-
viracao/
ADORNO, Theodor W.;
HORKHEIMER, Max.
A dialética do
esclarecimento –
fragmentos
filosóficos
. Rio de Janeiro: Zahar,
1985.
AGAMBEN, G
iorgio. O que é um
dispositivo? In
: O que é o
contemporâneo?
E outros ensaios
Chapecó: Argos, 2009.
p 25
ARANTES, Otília. Uma estratégia fatal:
a cultura nas novas gestões urbanas.
In
: A cidade do pensamento único.
de Janeiro: Vozes, 2002.
o
lugar social do trabalho
a
s culturais e seus
Revista Latino
-Americana de Estudos
2
44, mar. 2022. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
engajada que se firmava na periferia
sul da cidade desde os anos 2000.
O empreendedorismo ganhou
corpo como um processo de
convencimento que foi invadindo as
gerações, que não conseguem
mais planejar a vida em um tempo
longo. Só o curto prazo consegue ser
administrado. Como se implicar na
vida social sem acessar um
planejamento de vida mais a longo
prazo? O futuro parece bloqueado aos
jovens sem a abertura de
novos
trabalhos que o campo cultural pode
cas
Uberização
:
subsunção real da viração.
Blog da
22.fev.2017. Disponível em
https://blogdaboitempo.com.br/2017/02
-
viracao/
A dialética do
fragmentos
. Rio de Janeiro: Zahar,
iorgio. O que é um
: O que é o
E outros ensaios
.
p 25
-51.
ARANTES, Otília. Uma estratégia fatal:
a cultura nas novas gestões urbanas.
: A cidade do pensamento único.
Rio
AUGUSTO, Acácio. Para Além da
prisão-
prédio: as periferias como
campos de concentração a u aberto.
Cadernos da Metrópole
Paulo, vol. 12, n.
23, 2010. Disponível
em:
https://www.aca
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