REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
202
Criminalização da cultura e identidade negra no Brasil: reflexões a partir das
práticas do Coletivo Empodera Jovem
DOI: https://doi.org/
10.22409/pragmatizes
Resumo:
As reflexões aqui apresentadas acerca da criminalização da cultura e identidade negra no
Brasil contemporâneo.
Palavras-chave:
Criminalização da Cultura,
Coletivo Empodera Jovem
Resumen:
Las reflexiones que aquí se presentan sobre
Empodera Jovem, que actúa
en la s
de socioeducación; en la
conexión entre racismo estructural y criminalización de
1 Priscila Duarte dos Reis. Do
utoranda em Educação
Janeiro.
Membro do Coletivo Empodera Jovem
https://orcid.org/0000-0002-
7472
2
Bruno Nogueira Ferreira Borja).
Janeiro.
Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
borja.bruno@gmail.com -
http://orcid.org/0000
3 Jenifer Stéfani Silva.
Mestranda em Educação, Cultura e Comunicação em Per
UERJ.
Membro do Coletivo Empodera Jovem
https://orcid.org/0000-0002-
3227
4 Karine Rezende Barata.
Mestranda em Educação
Rio de Janeiro).
Membro do Coletivo Empodera
https://orcid.org/0000-0003-
4132
Recebido em 31/08/2021,
aceito para publicação em
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Criminalização da cultura e identidade negra no Brasil: reflexões a partir das
práticas do Coletivo Empodera Jovem
10.22409/pragmatizes
.v12i22.51423
Priscila Duarte dos Reis
Jenifer
Karine Rezende
As reflees aqui apresentadas acerca da criminalização da cultura e identidade negra no
Brasil são os resultados dos espaços de formação e atividades do Coletivo Empodera Jovem, atuante
na socioeducação no Estado do Rio de Janeiro. Para estruturar o debat
e teórico apresentado, o
artigo se organiza na apresentação do coletivo e dos espaços de socioeducação; na conexão entre
racismo estrutural e criminalização da cultura e identidade negra; no histórico da criminalização da
cultura e identidade negra no Bras
il; e por fim, na criminalização da cultura e identidade negra no
Criminalização da Cultura,
socioeducação, Empodera Jovem.
Criminalización de la cultura e identidad negra en Brasil: reflexiones a partir de laspráct
Las reflexiones que aquí se presentan sobre
la
criminalización de la cultura y de
identidad negra en Brasil son resultado de los
espacios de formación y de las
actividades
en la s
ocioeducación en
el Estado de Rio de Janeiro. Para estructurar
debate teórico presentado, el artículo se organiza
en la presentación del
colectivo y de los
conexión entre racismo estructural y criminalización de
utoranda em Educação
pela UERJ
/Universidade do Estado do Rio de
Membro do Coletivo Empodera Jovem
, Brasil. E-mail:
prisciladrtavares@gmail.com
7472
-3370
Bruno Nogueira Ferreira Borja).
Doutor em Economia pela UFRJ/Universidade Federal do Rio
Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
/UFRRJ
, Brasil.
http://orcid.org/0000
-0002-4813-7001
Mestranda em Educação, Cultura e Comunicação em Per
iferias Urbanas
Membro do Coletivo Empodera Jovem
, Brasil. E-mail:
jenifer.s.s30@gmail.com
3227
-9443
Mestranda em Educação
pela UNIRIO
/Universidade Federal do Estado do
Membro do Coletivo Empodera
Jovem, Brasil. E-mail:
rezendekari@gmail.com
4132
-6122
aceito para publicação em
25/01/2022 e disp
onibilizado online em
01/03/2022.
305
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Criminalização da cultura e identidade negra no Brasil: reflexões a partir das
Priscila Duarte dos Reis
1
Bruno Borja2
Jenifer
Stéfani Silva3
Karine Rezende
4
As reflees aqui apresentadas acerca da criminalização da cultura e identidade negra no
Brasil são os resultados dos espaços de formação e atividades do Coletivo Empodera Jovem, atuante
e teórico apresentado, o
artigo se organiza na apresentação do coletivo e dos espaços de socioeducação; na conexão entre
racismo estrutural e criminalização da cultura e identidade negra; no histórico da criminalização da
il; e por fim, na criminalização da cultura e identidade negra no
Criminalización de la cultura e identidad negra en Brasil: reflexiones a partir de laspráct
icasdel
criminalización de la cultura y de
la
actividades
del Coletivo
el Estado de Rio de Janeiro. Para estructurar
el
colectivo y de los
espacios
conexión entre racismo estructural y criminalización de
la cultura y de la
/Universidade do Estado do Rio de
prisciladrtavares@gmail.com
-
Doutor em Economia pela UFRJ/Universidade Federal do Rio
de
, Brasil.
E-mail:
iferias Urbanas
pela
jenifer.s.s30@gmail.com
-
/Universidade Federal do Estado do
rezendekari@gmail.com
-
onibilizado online em
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
202
identidad negra; en la
historia de
finalmente, en la
criminalización de la cultura y de
Palabras clave: Criminalizació
n de la cultura, s
Coletivo Empodera Jovem
Abstract:
The reflections presented here on the criminalization of black culture and
Keywords:
Criminalization of culture, socioeducation, Empodera Jovem
Criminalização da cultura e identidade negra no Brasil: reflexões a partir das
práticas do Coletivo Empodera Jovem
Introdução
Com o objetivo de contribuir
for
mação e a prática do Coletivo
Janeiro.
Indo além da escravidão
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
historia de
la criminalización de la cultura y de la
identidad negra en Brasil; y,
criminalización de la cultura y de
la identidad negra en
el Brasil contemporáneo.
n de la cultura, s
ocioeducación, Empodera Jovem.
Criminalization of Black culture and identity in Brazil: reflections from the practices of the
The reflections presented here on the criminalization of black culture and
are the results of the formation spaces and activities of the Coletivo Empodera Jovem, a group active
in socioeducation in the State of Rio de Janeiro. To structure the theoretical debate presented, the
article is organized in the presen
tation of the group and the spaces for social education; in the
connection between structural racism and criminalization of black culture and identity; in the history of
the criminalization of black culture and identity in Brazil; and finally, in the crimi
culture and identity in contemporary Brazil.
Criminalization of culture, socioeducation, Empodera Jovem
Criminalização da cultura e identidade negra no Brasil: reflexões a partir das
práticas do Coletivo Empodera Jovem
Com o objetivo de contribuir
com este dossiê temático sobre
coletivos culturais, o presente trabalho
tem como propósito discutir a
criminalização da cultura e identidade
negra no Brasil a partir de reflexões
construídas durante os espaços de
mação e a prática do Coletivo
Empodera Jovem, atuante na
socioeducação no Estado do Rio de
Indo além da escravidão
colonial, a classe social dirigente e o
governo enxergaram no
encarceramento e na judicialização de
jovens negros instrumentos efic
para tentar alcançar o modelo de
sociedade que se pretendia construir,
baseado em costumes e tradições
eurocentrados, brancos e elitizados,
expurgando das ruas todos aqueles
que pudessem colocar em risco o
modelo pretendido. O resultado
histórico diss
o é um mecanismo de
exclusão e segregação de raça e de
classe, que propiciou, desde o período
colonial, o encarceramento, a
institucionalização e a
“marginalização” da infância e da
juventude negra, através da
306
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
identidad negra en Brasil; y,
el Brasil contemporáneo.
ocioeducación, Empodera Jovem.
Criminalization of Black culture and identity in Brazil: reflections from the practices of the
The reflections presented here on the criminalization of black culture and
identity in Brazil
are the results of the formation spaces and activities of the Coletivo Empodera Jovem, a group active
in socioeducation in the State of Rio de Janeiro. To structure the theoretical debate presented, the
tation of the group and the spaces for social education; in the
connection between structural racism and criminalization of black culture and identity; in the history of
the criminalization of black culture and identity in Brazil; and finally, in the crimi
nalization of black
Criminalização da cultura e identidade negra no Brasil: reflexões a partir das
jovens negros instrumentos efic
azes
para tentar alcançar o modelo de
sociedade que se pretendia construir,
baseado em costumes e tradições
eurocentrados, brancos e elitizados,
expurgando das ruas todos aqueles
que pudessem colocar em risco o
modelo pretendido. O resultado
o é um mecanismo de
exclusão e segregação de raça e de
classe, que propiciou, desde o período
colonial, o encarceramento, a
institucionalização e a
marginalização da infância e da
juventude negra, através da
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
202
identidade.
P
ara tal análise,
uma
apresentação do
identidade negra
; na terceira seção
traçaremos um breve
histórico da
cri
minalização da cultura e identidade
negra no Brasil
; e, por fim, na quarta
debate sobre a
criminalização da
contemporâneo.
1.
Coletivo Empodera Jovem
desenvolvidas
1.1 Fundação do coletivo
O
Empodera Jovem
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
criminalização de sua cultura e
ara tal análise,
desenvolveremos os argumentos em
quatro seções. Na primeira faremos
apresentação do
Coletivo
Empodera Jovem e um breve relato
das atividades desenvolvidas
, sendo
um dos principais espaço que
proporcionou a construção do debate a
ser apresentado; na segunda seção
faremos uma conexão entre
racismo
estrutural e criminalização da cultura e
; na terceira seção
histórico da
minalização da cultura e identidade
; e, por fim, na quarta
levantaremos alguns elementos para o
criminalização da
cultura e identidade negra no Brasil
Coletivo Empodera Jovem
e um
breve relato das atividades
Empodera Jovem
nasce
como um coletivo no ano de 2015,
idealizado pela então Chefe do Setor
de Promoção de Eventos e Ações
Sociais (SPEAS) do Instituto
Multidisciplinar da Universidade
Federal Rural do Rio de Janei
(UFRRJ), a servidora Priscila Reis. A
motivação principal foi questionar por
quê uma universidade situada na
Baixada Fluminense não desenvolvia
nenhuma atividade com os jovens em
condição de “menores infratores”
situados na unidade do Departamento
Geral
de Ações Socioeducativas
(DEGASE) de Nova Iguaçu (REIS,
2018, p 17). A mesma procurou o
Centro de Recursos Integrados de
Atendimento ao Adolescente
(CRIAAD) de Nova Iguaçu a fim de
saber como poderia contribuir com a
socioeducação da cidade, enquanto
serv
idora de uma universidade que
está situada a menos de 2 km dessa
unidade do DEGASE.
Feito isso, o coletivo surge com
o encontro de estudantes do
de Nova Iguaçu da UFRRJ que viram
uma oportunidade de desenvolver
atividades diversas com jovens
socioe
ducandos. No início, as
atividades eram realizadas apenas
enquanto Coletivo, e, em maio de
2016, o mesmo se institucionalizou
como
projeto de exteno da UFRRJ.
A diversidade dos cursos de
graduação
história, pedagogia,
307
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Multidisciplinar da Universidade
Federal Rural do Rio de Janei
ro
(UFRRJ), a servidora Priscila Reis. A
motivação principal foi questionar por
quê uma universidade situada na
Baixada Fluminense não desenvolvia
nenhuma atividade com os jovens em
condição de menores infratores”
situados na unidade do Departamento
de Ações Socioeducativas
(DEGASE) de Nova Iguaçu (REIS,
2018, p 17). A mesma procurou o
Centro de Recursos Integrados de
Atendimento ao Adolescente
(CRIAAD) de Nova Iguaçu a fim de
saber como poderia contribuir com a
socioeducação da cidade, enquanto
idora de uma universidade que
está situada a menos de 2 km dessa
unidade do DEGASE.
Feito isso, o coletivo surge com
o encontro de estudantes do
campus
de Nova Iguaçu da UFRRJ que viram
uma oportunidade de desenvolver
atividades diversas com jovens
ducandos. No início, as
atividades eram realizadas apenas
enquanto Coletivo, e, em maio de
2016, o mesmo se institucionalizou
projeto de extensão da UFRRJ.
A diversidade dos cursos de
história, pedagogia,
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
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universidade s
ituada na Baixada
jovens que estavam cumprindo as
foram impostas.
Vale também destacar que ao
importante ev
idenciar também que a
passaram pelo
Empodera Jovem
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
turismo, letras, entre outros
que
as/os integrantes cursavam na época
foi de grande importância para que o
coletivo conseguisse promover
atividades das mais diversas
temáticas, metodologias e práticas
pedagógicas, trazendo diferentes
olhares tanto sobre a realidade de uma
ituada na Baixada
Fluminense e sua relação com o
entorno, quanto para a realidade dos
jovens que estavam cumprindo as
medidas socioeducacionais que lhes
Vale também destacar que ao
longo do tempo o coletivo se
modificou, tanto por ser aber
to para
que novas/os integrantes pudessem
participar, como também por vezes em
que algumas integrantes precisaram
se ausentar por questões pessoais,
porém em todas composições do
grupo, o mesmo tinha maioria de
mulheres e de pessoas negras. É
idenciar também que a
maior parte de integrantes que
Empodera Jovem
e
que ainda permanecem, são
estudantes e pesquisadoras/es da
área da educação, que não apenas
estudaram e estudam em
universidades da Baixada Fluminense,
como nasceram e fora
ambientes periféricos do Rio de
Janeiro.
Quando, em 2016, o coletivo se
institucionalizou como projeto de
extensão da UFRRJ, essa
institucionalização teve uma
considerável importância no sentido de
provocar uma melhor organização,
desde as reu
niões semanais para
pensar as atividades futuras, debatê
las e fazer uma avaliação das
atividades anteriores, até mesmo na
construção de atas das reuniões e
relatórios das atividades que serviam
de acervo para o coletivo e para o
projeto, mas também como u
de prestar contas à universidade
através da Pró Reitoria de Extensão.
O coletivo, enquanto projeto
Empodera Jovem,
objetivo geral auxiliar em uma melhor
integração social de jovens
socioeducandos que se encontravam
sob a tutela do E
stado, atuando e
cooperando no que se refere à
compreensão crítica da própria
realidade, na construção de identidade
étnico-
racial, de gênero, da
diversidade sexual e religiosa. A
metodologia utilizada desenvolveu
através de abordagens
308
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
como nasceram e fora
m criados em
ambientes periféricos do Rio de
Quando, em 2016, o coletivo se
institucionalizou como projeto de
exteno da UFRRJ, essa
institucionalização teve uma
considerável importância no sentido de
provocar uma melhor organização,
niões semanais para
pensar as atividades futuras, debatê
-
las e fazer uma avaliação das
atividades anteriores, até mesmo na
construção de atas das reuniões e
relatórios das atividades que serviam
de acervo para o coletivo e para o
projeto, mas também como u
ma forma
de prestar contas à universidade
através da Pró Reitoria de Extensão.
O coletivo, enquanto projeto
teve como seu
objetivo geral auxiliar em uma melhor
integração social de jovens
socioeducandos que se encontravam
stado, atuando e
cooperando no que se refere à
compreensão crítica da própria
realidade, na construção de identidade
racial, de gênero, da
diversidade sexual e religiosa. A
metodologia utilizada desenvolveu
-se
através de abordagens
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
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primordialmente r
elacionadas ao
utilizando-
se assim de oficinas,
saídas de campo.
Jovem
Número de atividades feitas
Média de jovens
participantes por dia de
atividade
Média de jovens atendidos
no período Maio/2016 -
Janeiro/2017
Dentre ess
as foram realizad
Cine debate
Jogos poéticos
Oficinas
Rodas de conversa
Ao inscrever o Projeto no edital
atividades no
DEGASE
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
elacionadas ao
cotidiano e às vivências dos jovens,
se assim de oficinas,
cinedebates, rodas de conversa e
1.2 Atividades pedagógicas
realizadas pelo Coletivo Empodera
A atuação do
Empodera Jovem como projeto de
extensão permaneceu vigente no
período de maio de 2016 a janeiro de
2017, e neste período foram realizadas
no total 15 atividades em unidades do
DEGASE, sendo 11 na Unidade de
Nova Iguaçu e 4 na Unidade de Barra
Mansa.
Unidade de Nova I
guaçu
Unidade de Barra Mansa
11
22
100
as foram realizad
as
as seguintes atividades descritas:
Unidade de Nova Iguaçu
Unidade de Barra mansa
8
0
1
2
Ao inscrever o Projeto no edital
Nº01/ Ano 2015 na PROEXT da
UFRRJ, a previsão era realizar oito
DEGASE
de Nova
Iguaçu e oito atividades no
DEGASE
de Barra Mansa. Na primeira unidade
realizamos o total de 11 atividades,
superando as estimativ
unidade de Barra Mansa, o número de
atividades foi menor que o estimado
309
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
A atuação do
Coletivo
Empodera Jovem como projeto de
exteno permaneceu vigente no
período de maio de 2016 a janeiro de
2017, e neste período foram realizadas
no total 15 atividades em unidades do
DEGASE, sendo 11 na Unidade de
Nova Iguaçu e 4 na Unidade de Barra
Unidade de Barra Mansa
4
15
40
as seguintes atividades descritas:
Unidade de Barra mansa
2
1
0
1
de Barra Mansa. Na primeira unidade
realizamos o total de 11 atividades,
superando as estimativ
as. na
unidade de Barra Mansa, o número de
atividades foi menor que o estimado
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
202
e também devido à
pe
ríodo de um mês e meio entre
Data
12/05/2016
19/05/2016
24/05/2016
01/06/2016
09/06/2016
23/06/2016
07/072016
25/08/2016
30/08/2016
14/09/2016
15/09/2016
18/10/2016
14/12/2016
25/01/2017
08/02/2017
Durante a realização do projeto,
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
devido a problemas relacionado ao
transporte oferecido pela universidade,
greve de
professores, técnicos e estudantes,
que paralisou nossas atividades no
ríodo de um mês e meio entre
início
de novembro e a primeira metade do
mês de dezembro
de 2016
Os dados mencionados o
evidenciados na tabela abaixo,
mostrando detalhadamente as datas,
unidades e os tipos de atividades
realizadas.
Unidade
Tipo de
Barra Mansa
Cinedebate
Nova Iguaçu
Cinedebate
Nova Iguaçu
Cinedebate
Nova Iguaçu
Cinedebate
Barra Mansa
Cinedebate
Nova Iguaçu
Cinedebate
Nova Iguaçu
Oficina
Barra Mansa
Jogos poéticos
Nova Iguaçu
Roda de Conversa
Nova Iguaçu
Cinedebate
Nova Iguaçu
Cinedebate
Barra Mansa
Roda de Conversa
Nova Iguaçu
Roda de Conversa
Nova Iguaçu
Cinedebate
Nova Iguaçu
Cinedebate
Durante a realização do projeto,
o coletivo pôde abordar temáticas que
perpassam diretamente a vida e o
cotidiano daqueles adolescentes,
como o debate acerca do direito de ir e
vir, que foi feito após a exibição do
documentário Hiato
, produzido em
2008. O
enredo aborda a ão
organizada por diversos movimentos
sociais, entre eles, o Movimento dos
310
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
de novembro e a primeira metade do
de 2016
.
Os dados mencionados são
evidenciados na tabela abaixo,
mostrando detalhadamente as datas,
unidades e os tipos de atividades
Tipo de
atividade
Cinedebate
Cinedebate
Cinedebate
Cinedebate
Cinedebate
Cinedebate
Oficina
Jogos poéticos
Roda de Conversa
Cinedebate
Cinedebate
Roda de Conversa
Roda de Conversa
Cinedebate
Cinedebate
vir, que foi feito após a exibição do
, produzido em
enredo aborda a ação
organizada por diversos movimentos
sociais, entre eles, o Movimento dos
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
202
de 2016.
Também foi realizado, na
Porque temos esperança
, que traz a
história de Marli Márcia,
uma mulher
tra
jetória pelos presídios de
relações familiares.
Na unidade de Nova Iguaçu, a
Maré
, que aborda a história de vida de
como o direi
to à educação, direito à
Também nesta unidade, foram
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Trabalhadores Sem Teto (MTST) em
agosto de 2000, quando ocuparam um
grande shopping da Zona Sul carioca.
Este documentário foi exibido na
primeira atividade do col
etivo como
projeto de exteno, no dia 12 de maio
Também foi realizado, na
unidade de Barra Mansa, um debate
sobre um documentário intitulado
, que traz a
uma mulher
pernambucana que constrói uma
jetória pelos presídios de
Pernambuco, na intenção que pais
reconheçam seus filhos em seus
registros, abordando após a exibição
temas como o abandono parental e as
Na unidade de Nova Iguaçu, a
primeira atividade como projeto foi a
exibição do documentário
Abraço de
, que aborda a história de vida de
uma família ribeirinha, que mora às
margens do Rio Potengi, no Rio
Grande do Norte. Debatendo questões
to à educação, direito à
moradia e o combate à pobreza.
Também nesta unidade, foram
abordados assuntos como o descaso
com a população carcerária,
características comuns a presos, e a
condição da população negra no
Brasil, assuntos estes que foram
levados
através da música
Chorou
, do grupo musical
Mc’s.
Uma das atividades que mais
despertou interesse dos jovens foi o
debate realizado as a exibição do
longa metragem
Cidade de Deus
produção audiovisual consagrada por
sua relevância social
, e que fomentou
o debate acerca da formação dos
núcleos urbanos periféricos no Rio de
janeiro, disputa e pertencimento
territorial, assim como o surgimento
das facções criminosas neste estado.
No mês de agosto de 2016, os
jogos olímpicos aconteceram na
cidade do Rio de Janeiro
movimentando grandes obras e
dinheiro público. Aproveitando o
contexto, o coletivo realizou uma
atividade no CRIAAD Nova Iguaçu, no
qual fizemos análises sobre notícias
previamente escolhidas pelos
integrantes do projeto, em relaçã
esses grandes eventos, trazendo
assim o debate sobre a atuação das
mídias nas representações dos
grandes eventos e suas escolhas de
narrativas.
311
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
condição da população negra no
Brasil, assuntos estes que foram
através da música
Jesus
, do grupo musical
Racionais
Uma das atividades que mais
despertou interesse dos jovens foi o
debate realizado após a exibição do
Cidade de Deus
,
produção audiovisual consagrada por
, e que fomentou
o debate acerca da formação dos
núcleos urbanos periféricos no Rio de
janeiro, disputa e pertencimento
territorial, assim como o surgimento
das facções criminosas neste estado.
No mês de agosto de 2016, os
jogos olímpicos aconteceram na
cidade do Rio de Janeiro
movimentando grandes obras e
dinheiro público. Aproveitando o
contexto, o coletivo realizou uma
atividade no CRIAAD Nova Iguaçu, no
qual fizemos análises sobre notícias
previamente escolhidas pelos
integrantes do projeto, em relaçã
o a
esses grandes eventos, trazendo
assim o debate sobre a atuação das
mídias nas representações dos
grandes eventos e suas escolhas de
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
202
As atividades do
Jovem
eram realizadas também com o
crianças e
dos adolescentes que se
numa sociedade livre.
A partir disso, são constru
promover uma for
mação de pessoas
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
As atividades do
Empodera
eram realizadas também com o
intuito de trabalhar a formação das
dos adolescentes que se
encontravam em privação parcial de
liberdade, entendendo aqui formação a
partir do conceito de Semiformação
e/ou Semicultura trabalhado por
Theodor Adorno (1996). Para Adorno,
a crise da formação cultural é
alimentada por uma alien
ação
onipresente, pois, se na ideia de
formação ressoam momentos de
finalidade, esses deveriam, em
consequência, tornar os indivíduos
aptos a se afirmarem como racionais
numa sociedade racional, como livres
A partir disso, o constru
ídas
indagações: quais são as condições
de formação que um jovem,
marginalizado pela sociedade, pode
encontrar numa situação de restrição
de liberdade, vigiado 24 horas por dia
e em ambientes com condições
estruturais precarizadas? Como
mação de pessoas
autônomas deixando jovens atrás de
grades em boa parte do dia e com
poucas atividades recreativas? São
muitas as contradições de uma política
pública que tem como missão
“Promover socioeducação no Estado
do Rio de Janeiro, favorecendo a
fo
rmação de pessoas autônomas,
cidadãos solidários e profissionais
competentes, possibilitando a
construção de projetos de vida e a
convivência familiar e comunitária
(DEGASE, 2021).
É importante problematizar que
a precarização da socioeducação
Rio de Janeiro atinge majoritariamente
jovens negros, do sexo masculino
(SINASE, 2017). Assim como a
população negra é a maioria no
encarceramento de maiores de 18
anos e os que mais morrem no país. A
cada 23 minutos morre um jovem
negro no Brasil, seg
undo a ONU e os
dados do
Mapa da Violência
(MARQUES, 2017). Esta realidade
está diretamente ligada às bases
sociais e culturais de uma sociedade
que teve por quase 400 anos uma
tradição escravocrata e que está longe
de realizar uma reparação histórica
com
as pessoas negras do país.
O
Empodera Jovem
como uma alternativa para que esses
jovens tenham contato com atividades
que os façam pessoas autônomas e
críticas, através de uma troca no qual
as/os integrantes do coletivo não
312
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Promover socioeducação no Estado
do Rio de Janeiro, favorecendo a
rmação de pessoas autônomas,
cidadãos solidários e profissionais
competentes, possibilitando a
construção de projetos de vida e a
convivência familiar e comunitária”
É importante problematizar que
a precarização da socioeducação
no
Rio de Janeiro atinge majoritariamente
jovens negros, do sexo masculino
(SINASE, 2017). Assim como a
população negra é a maioria no
encarceramento de maiores de 18
anos e os que mais morrem no país. A
cada 23 minutos morre um jovem
undo a ONU e os
Mapa da Violência
(MARQUES, 2017). Esta realidade
está diretamente ligada às bases
sociais e culturais de uma sociedade
que teve por quase 400 anos uma
tradição escravocrata e que está longe
de realizar uma reparação histórica
as pessoas negras do país.
Empodera Jovem
surge
como uma alternativa para que esses
jovens tenham contato com atividades
que os façam pessoas autônomas e
críticas, através de uma troca no qual
as/os integrantes do coletivo o
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
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do Oprimido:
A ação política junto aos
oprimidos tem de ser, no fundo,
“ação cultural” para a liberdade,
por si mesmo, ação com eles. A
sua dependência emocional, fruto
da situação concreta de
dominação em
que se acham e
que gera também a sua vio
inautêntica do mundo, não pode
ser aproveitada a não ser pelo
opressor. Este é que se serve
desta dependência para criar
mais dependência.
A ação libertadora, pelo contrário,
reconhecendo esta dependência
dos opri
midos como ponto
vulnerável, deve tentar, através
da reflexão e da ação,
transformá-
la em independência.
Esta, porém, não é doação que
uma liderança, por mais bem
intencionada que seja, lhes faça.
Não podemos esquecer que a
libertação dos oprimidos é
liber
tação de homens e não de
“coisas”. Por isto, se não é
autolibertação
ninguém se
liberta sozinho
, também não é
libertação de uns feita por outros.
Diante dessa perspectiva
político-
pedagógica, e com o objetivo
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
procurem assumir o papel d
e
possuidores de conhecimento, que
estão ali apenas para transmitir. Mas
que seja uma criação mútua de
aprendizagens no qual as/os
integrantes do coletivo e os
adolescentes estão ali tanto para
ensinar, quanto para aprender, assim
como a ideia trabalhada p
or Paulo
Freire (1969, p. 52), no livro
Pedagogia
A ação política junto aos
oprimidos tem de ser, no fundo,
ação cultural para a liberdade,
por si mesmo, ação com eles. A
sua dependência emocional, fruto
da situação concreta de
que se acham e
que gera também a sua visão
inautêntica do mundo, não pode
ser aproveitada a não ser pelo
opressor. Este é que se serve
desta dependência para criar
A ação libertadora, pelo contrário,
reconhecendo esta dependência
midos como ponto
vulnerável, deve tentar, através
da reflexão e da ação,
la em independência.
Esta, porém, não é doação que
uma liderança, por mais bem
-
intencionada que seja, lhes faça.
Não podemos esquecer que a
libertação dos oprimidos é
tação de homens e o de
coisas”. Por isto, se não é
ninguém se
, também não é
libertação de uns feita por outros.
Diante dessa perspectiva
pedagógica, e com o objetivo
de construir práticas culturais
libertador
as, o Coletivo Empodera
Jovem se s a refletir e pesquisar as
causas históricas e sociais do
encarceramento em massa da
população negra no Brasil. Na
construção do presente artigo, buscou
se fazer uma conexão entre racismo
estrutural e criminalização da c
identidade negra no país, reflees
maturadas a partir das atividades
desenvolvidas pelo coletivo, tema
próxima seção.
2. Racismo estrutural e
criminalização da cultura e
identidade negra
O racismo se coloca de forma
histórica e de longa duraç
formação social brasileira. Silvio
Almeida (2018), o qualifica de
estrutural
, dado que está entranhado
na estrutura social do país, se
perpetua e se reproduz
institucionalmente, se materializando
em práticas institucionais racistas,
discrimin
atórias e segregacionistas.
O Estado, maior instituição no
âmbito nacional, o está imune a
isso. Pelo contrário, é talvez seu
principal meio de propagação.
Especialmente através de seu aparato
313
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
de construir práticas culturais
as, o Coletivo Empodera
Jovem se pôs a refletir e pesquisar as
causas históricas e sociais do
encarceramento em massa da
população negra no Brasil. Na
construção do presente artigo, buscou
-
se fazer uma conexão entre racismo
estrutural e criminalização da c
ultura e
identidade negra no país, reflexões
maturadas a partir das atividades
desenvolvidas pelo coletivo, tema
da
2. Racismo estrutural e
criminalização da cultura e
O racismo se coloca de forma
histórica e de longa duraç
ão na
formação social brasileira. Silvio
Almeida (2018), o qualifica de
racismo
, dado que está entranhado
na estrutura social do país, se
perpetua e se reproduz
institucionalmente, se materializando
em práticas institucionais racistas,
atórias e segregacionistas.
O Estado, maior instituição no
âmbito nacional, não está imune a
isso. Pelo contrário, é talvez seu
principal meio de propagação.
Especialmente através de seu aparato
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
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e policial. A repre
ssão estatal atua no
1991).
Daí percebemos a necessidade
cultura
tem um potencial crítico e
2005), p
ermanentemente cerceada e
repressão.
Isso faz parte da luta para
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
repressivo, isto é, o sistema judiciário
ssão estatal atua no
sentido de controlar e domesticar os
grupos sociais subalternos, proibindo e
criminalizando suas práticas de
organização. A cultura se coloca,
nesse ponto, como um dos principais
meios de organização dos subalternos.
Espaços de congreg
ação e
convivência, de expressão coletiva da
identidade cultural do grupo, são ao
mesmo tempo espaços de
organização política (GRAMSCI,
Daí percebemos a necessidade
estrutural do grupo dominante reprimir
a cultura dos grupos subalternos: a
tem um potencial crítico e
contestador da ordem social. Essa
dinâmica perpassa diferentes esferas
da sociedade, enquanto conflito racial,
de classe e de gênero. Em todas elas,
os grupos subalternos desenvolvem
uma cultura de resistência (WILLIAMS,
ermanentemente cerceada e
perseguida pelos grupos dominantes
através do aparelho estatal de
Isso faz parte da luta para
legitimar o poder dominante e
estabelecer uma hegemonia política e
cultural na sociedade, na qual a
questão racial joga um p
Almeida (2018) nos dá outra
contribuição determinante nesse
quesito, ao traçar dois registros
básicos pelos quais o conceito de raça
opera:
1-
como característica biológica
em que a identidade racial será
atribuída por algum traço físico,
como a cor da pele;
2-
como característica étnico
cultural
, em que a identidade será
associada à origem geográfica, à
religião, à ngua, ou outros
costumes, “a uma certa forma de
existir”. À configuração de
processos discriminatórios a
partir do registro
Frantz Fanon denomina
cultural
. (ALMEIDA, 2018, p. 24,
itálicos no original)
Portanto, fica evidenciada a
origem estrutural da repressão policial
às práticas culturais negras e
periféricas no Brasil. Tais práticas
apresentam um
subversão da ordem, a partir da
organização da população negra. A fim
de manter a hegemonia do grupo
racial dominante, mobiliza
aparato estatal e se reproduz o
racismo através da repressão, nestes
dois registros básicos em que opera o
con
ceito de raça: a identidade negra e
suas práticas culturais. Ou seja, a
criminalização da negritude e suas
314
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resistências, disputas e potências
")
questão racial joga um p
apel central.
Almeida (2018) nos outra
contribuição determinante nesse
quesito, ao traçar dois registros
básicos pelos quais o conceito de raça
como característica biológica
,
em que a identidade racial será
atribuída por algum traço físico,
como a cor da pele;
como característica étnico
-
, em que a identidade será
associada à origem geográfica, à
religião, à língua, ou outros
costumes, a uma certa forma de
existir. À configuração de
processos discriminatórios a
partir do registro
étnico-cultural,
Frantz Fanon denomina
racismo
. (ALMEIDA, 2018, p. 24,
itálicos no original)
Portanto, fica evidenciada a
origem estrutural da repressão policial
às práticas culturais negras e
periféricas no Brasil. Tais práticas
apresentam um
potencial de
subvero da ordem, a partir da
organização da população negra. A fim
de manter a hegemonia do grupo
racial dominante, mobiliza
-se o
aparato estatal e se reproduz o
racismo através da repressão, nestes
dois registros básicos em que opera o
ceito de raça: a identidade negra e
suas práticas culturais. Ou seja, a
criminalização da negritude e suas
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
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cultural.
Clóvis Moura em seu texto
dominação
(2014) nos atenta para o
fato de que
o racismo não é uma
(MOURA, 2014).
Não surpreende, então, a
culturais afro-
brasileiras como crime
ide
ntificando o corpo negro à
institucionalizado.
Apesar dessa legi
ideológica, instituições de
controle social não administram
atualmente o crime como um
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
diferentes formas de expressão
Clóvis Moura em seu texto
O
Racismo como arma ideológica de
(2014) nos atenta para o
o racismo não é uma
dominação apenas étnica, mas
também ideológica e política. O
racismo é um multiplicador ideológico
que se nutre das ambições políticas
das classes e nações dominantes
Não surpreende, então, a
recorrente tipificação das p
ráticas
brasileiras como crime
ao longo da história. As construções
do imaginário popular e da política
institucional que caracterizam o perfil
do criminoso no Brasil são
estruturadas pelo racismo, têm na
questão racial um pilar central,
ntificando o corpo negro à
criminalidade. É
importante
compreender que a punição e o
controle penal, tal qual as instituições
ligadas a esse controle, não devem ser
dissociadas das dinâmicas do
capitalismo e do racismo
Apesar dessa legi
timação
ideológica, instituições de
controle social não administram
atualmente o crime como um
fenômeno que é antitético ao
imaginário “interesse geral da
sociedade; preferivelmente, por
apoiar um aparato ideológico que
reforça a ordem social existente e
as suas estruturas subjacentes
de desigualdade racial e de
exploração de classe, essas
instituições contribuem para
ocultar as contradições
estruturais endógenas à ordem
social do capitalismo racial.
Qualquer sistema penal é, por
definição, a expressão esp
de uma configuração de poderes
de classe e de raça, e é
ultimamente encarregado da
tarefa de preservar a estrutura
social existente contra qualquer
ato coletivo ou individual de
insubordinação contra ele.
(GIORGI, 2019, p.5)
Assim, podemos apontar
seletividade penal no sistema judiciário
(BORGES, 2018) e uma filtragem
racial nos mecanismos de suspeição
do sistema policial (BARROS, 2008).
O que gera uma sobrerrepresentação
da população negra no contingente
total da população carcerária do país,
especialmente acentuada nessa era
do encarceramento em massa.
No que se refere à raça/etnia,
segundo dados do
Anual do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo
56% dos adolescentes assistidos no
sistema socioeducativo eram
considerados negros no momento da
315
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
fenômeno que é antitético ao
imaginário interesse geral” da
sociedade; preferivelmente, por
apoiar um aparato ideológico que
reforça a ordem social existente e
as suas estruturas subjacentes
de desigualdade racial e de
exploração de classe, essas
instituições contribuem para
ocultar as contradições
estruturais endógenas à ordem
social do capitalismo racial.
Qualquer sistema penal é, por
definição, a expressão esp
ecífica
de uma configuração de poderes
de classe e de raça, e é
ultimamente encarregado da
tarefa de preservar a estrutura
social existente contra qualquer
ato coletivo ou individual de
insubordinação contra ele.
(GIORGI, 2019, p.5)
Assim, podemos apontar
uma
seletividade penal no sistema judiciário
(BORGES, 2018) e uma filtragem
racial nos mecanismos de suspeição
do sistema policial (BARROS, 2008).
O que gera uma sobrerrepresentação
da população negra no contingente
total da população carcerária do país,
especialmente acentuada nessa era
do encarceramento em massa.
No que se refere à raça/etnia,
segundo dados do
Levantamento
Anual do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo
de 2017,
56% dos adolescentes assistidos no
sistema socioeducativo eram
considerados negros no momento da
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
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atenção nos dad
os é que cerca de
com o
s dados insuficientes, o número
de jovens da cor branca.
O
Levantamento Nacional de
De forma
geral, no sistema
judiciário e policial um racismo
negros/as, criminali
zando sua cultura e
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
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resistências, disputas e potências
pesquisa, sendo que 21% eram da cor
branca, um pouco menos de 1% da
cor amarela, e cerca de 1% de
adolescentes indígenas. O que chama
os é que cerca de
22% dos adolescentes e jovens não
tiveram registro quanto a sua cor,
sendo classificados na categoria “sem
informação (SINASE, 2017). Essa
categoria demonstra mais um dado
incompleto que não nos um
panorama absoluto, porém mesmo
s dados insuficientes, o mero
de jovens negros é 35% maior que o
Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias
de 2019,
indica que negros e negras
representam 64% da população
carcerária do país (INFOPEN, 2019).
geral, há no sistema
judiciário e policial um racismo
institucional que associa o estereótipo
do negro das periferias do Brasil ao
criminoso. Neste sentido, o racismo
estrutural se coloca como elemento
central para o encarceramento de
zando sua cultura e
identidade ao longo da história, desde
a tipificação da contravenção da
capoeiragem, presente no Código
Penal de 1890, até a criminalização
dos bailes funks no Rio de Janeiro nos
dias atuais.
3. Histórico da criminalização da
cultura
e identidade negra no Brasil
A fim de compreendermos o alto
e crescente índice de apreensão de
jovens negras e negros no sistema
socioeducativo, assim como a
sobrerrepresentação de negras e
negros no sistema carcerário
brasileiro, se faz necessário traçar
breve panorama histórico da
criminalização da cultura e identidade
negra no Brasil. Destacandoque
costumes e legislações de Portugal
trazidas e incorporadas à colônia
serviram como um instrumento de
poder, correspondente a um saber,
resultando em um his
de exclusão e segregação de raça e
de classe, que propiciou, desde o
período colonial brasileiro, o
encarceramento, a institucionalização
e a “marginalização” da infância e da
juventude pobre, sobretudo negra,
através da criminalização de
condição social, suas culturas e suas
origens.
Controlar a força de trabalho,
impedindo que o cidadão saudável se
recusasse a fornecer sua mão de obra,
316
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resistências, disputas e potências
")
dos bailes funks no Rio de Janeiro nos
3. Histórico da criminalização da
e identidade negra no Brasil
A fim de compreendermos o alto
e crescente índice de apreensão de
jovens negras e negros no sistema
socioeducativo, assim como a
sobrerrepresentação de negras e
negros no sistema carcerário
brasileiro, se faz necessário traçar
um
breve panorama histórico da
criminalização da cultura e identidade
negra no Brasil. Destacandoque
costumes e legislações de Portugal
trazidas e incorporadas à colônia
serviram como um instrumento de
poder, correspondente a um saber,
resultando em um his
tórico mecanismo
de excluo e segregação de raça e
de classe, que propiciou, desde o
período colonial brasileiro, o
encarceramento, a institucionalização
e a marginalização da infância e da
juventude pobre, sobretudo negra,
através da criminalização de
sua
condição social, suas culturas e suas
Controlar a força de trabalho,
impedindo que o cidadão saudável se
recusasse a fornecer sua mão de obra,
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
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Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
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de
pendiam da assistência do Estado e
órfãos.
O instrumento de controle ao
trabalho
através do direito de punir e
relaciona
rmos com a formação
conexões, percebe-
se que o
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
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resistências, disputas e potências
era a forma mais eficaz como o Estado
podia controlar a sociedade e a
economia de forma rápida e ime
diata.
Esse controle era mais facilmente feito
com aqueles que possuíam ocupações
ilegais, ou que, desprovidos de meios
de produção da subsistência, não se
ocupavam de nada. Como exemplo
disso temos os pedintes e as
prostitutas, ou outras categorias que
pendiam da assistência do Estado e
da caridade, por lei ou por tradição,
para se manterem, como o caso de
O instrumento de controle ao
qual o parágrafo anterior faz menção é
o controle penal. A forma como o
Estado controlava essa força de
através do direito de punir e
restringir direitos. Por conta disso, não
há que se falar em analisar a história
das políticas de segurança pública,
aprisionamento de jovens negros e a
evolução do direito penal juvenil no
Brasil, sem analisarmos e
rmos com a formação
econômica e social do país, alicerçada
na escravidão e no racismo estrutural
e institucional. Ao estabelecermos tais
se que o
tratamento penal destinado a esses
sujeitos se mantém, ou se altera, de
acordo com as mudanç
ou que se pretende efetivar no modelo
econômico e social.
Analisando o histórico do direito
penal do Brasil, é posvel perceber
que desde antes do período colonial
brasileiro, a Coroa Portuguesa possuía
como praxe o esforço de transformar
a infância pobre e desvalida em corpos
úteis à servidão e ceis ao sistema,
aproveitando-
se desse mecanismo
para, além da criação de mão de obra
barata, expurgar das ruas todos os
grupos que pudessem macular a
imagem de uma sociedade ideal, de
acordo com
uma visão branca, elitista,
eurocentrada. Crianças negras,
crianças órfãs, crianças ciganas,
crianças bastardas, todas sem seu
lugar na sociedade, eram
cooptadas/dirigidas com fundamento
legal, cultural e institucional a
locais/estabelecimentos onde sua
me
ra existência “ingrata seria de
alguma forma aproveitada para prover
algum retorno produtivo à sociedade.
De acordo com o artigo 399, do
Código Criminal da República, de
1890, constituiria crime
deixar de exercitar profiso,
officio, ou qualquer mister
ganhe a vida, não possuindo
meios de subsistencia e domicilio
317
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resistências, disputas e potências
")
acordo com as mudanç
as efetivadas
ou que se pretende efetivar no modelo
Analisando o histórico do direito
penal do Brasil, é possível perceber
que desde antes do período colonial
brasileiro, a Coroa Portuguesa possuía
como praxe o esforço de “transformar”
a infância pobre e desvalida em corpos
úteis à servidão e dóceis ao sistema,
se desse mecanismo
para, além da criação de mão de obra
barata, expurgar das ruas todos os
grupos que pudessem macular a
imagem de uma sociedade ideal, de
uma visão branca, elitista,
eurocentrada. Crianças negras,
crianças órfãs, crianças ciganas,
crianças bastardas, todas sem seu
lugar na sociedade, eram
cooptadas/dirigidas com fundamento
legal, cultural e institucional a
locais/estabelecimentos onde sua
ra existência ingrata” seria de
alguma forma aproveitada para prover
algum retorno produtivo à sociedade.
De acordo com o artigo 399, do
Código Criminal da República, de
1890, constituiria crime
deixar de exercitar profissão,
officio, ou qualquer mister
em que
ganhe a vida, não possuindo
meios de subsistencia e domicilio
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
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certo em que habite; prover a
subsistencia por meio de
occupação
prohibida por lei, ou
manifestamente offensiva da
moral e dos bons costumes.
(BRASIL, 1890)
É necessário ressaltar que es
ser incoer
ente, visto que o problema
ínfimos.
Analisando a partir dessa
perspectiva, parece-
nos que o
Estado burguês,
enquanto um Estado
o
da cultura e identidade
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
certo em que habite; prover a
subsistencia por meio de
prohibida por lei, ou
manifestamente offensiva da
moral e dos bons costumes.
É necessário ressaltar que es
sa
cominação legal atinge direta e
amplamente crianças e jovens
abandonados (expostos, vadios), bem
como a população negra recém liberta,
transformando em crime ser negro, ser
menor abandonado ou ser um adulto
livre pobre sem moradia. Chegando a
ente, visto que o problema
da ociosidade negra àquela época foi
fruto da própria política do Estado,
baseada durante culos em uma
sociedade escravocrata e excludente,
onde o negro escravizado sempre
esteve à margem do sistema de
garantias, bem como exc
luído do
sistema de oportunidades, tendo suas
chances de mobilidade vertical
ascendente reduzidas a números
Analisando a partir dessa
nos que o
encarceramento da juventude negra
foi, desde sempre, um projeto do
enquanto um Estado
de classe (MARX; ENGELS, 2007).
Outra forma de criminalização da
população ex-
escravizada trazida pelo
referido dispositivo legal, foi a
tipificação do crime de
em seu artigo 402 e em seu artigo 404,
bem como os seguintes,
referida redação:
Art 402: Fazer nas ruas e praças
publicas
exercicios de agilidade e
destreza corporal conhecidos
pela denominação
andar em correrias, com armas
ou instrumentos capazes de
produzir uma leo corporal,
provocando tumulto
desordens, ameaçando pessoa
certa ou incerta, ou incutindo
temor de algum mal [...]
Art 404: Si nesses exercicios de
capoeiragem perpetrar homicidio,
praticar alguma leo corporal,
ultrajar o pudor publico e
particular, perturbar a ordem, a
tranquil
idade ou segurança
publica, ou for encontrado com
armas, incorrerá cumulativamente
nas penas comminadas para taes
crimes. (BRASIL, 1890)
Ao refletirmos sobre a letra da
lei no que tange ao crime de
capoeiragem, percebemos enormes
lacunas, brechas à subjetividade do
julgador, que abrem espaço para uma
facilidade no enquadramento do
sujeito ao tipo legal, como por
exemplo, na definição de
“in
strumentos capazes de produzir
uma lesão corporal”, onde a redação
deixa aberta uma definição na qual, de
acordo com a cabeça do julgador,
318
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
escravizada trazida pelo
referido dispositivo legal, foi a
tipificação do crime de
Capoeiragem,
em seu artigo 402 e em seu artigo 404,
bem como os seguintes,
com a
Art 402: Fazer nas ruas e praças
exercicios de agilidade e
destreza corporal conhecidos
pela denominação
capoeiragem;
andar em correrias, com armas
ou instrumentos capazes de
produzir uma lesão corporal,
provocando tumulto
s ou
desordens, ameaçando pessoa
certa ou incerta, ou incutindo
temor de algum mal [...]
Art 404: Si nesses exercicios de
capoeiragem perpetrar homicidio,
praticar alguma lesão corporal,
ultrajar o pudor publico e
particular, perturbar a ordem, a
idade ou segurança
publica, ou for encontrado com
armas, incorrerá cumulativamente
nas penas comminadas para taes
crimes. (BRASIL, 1890)
Ao refletirmos sobre a letra da
lei no que tange ao crime de
capoeiragem, percebemos enormes
lacunas, brechas à subjetividade do
julgador, que abrem espaço para uma
facilidade no enquadramento do
sujeito ao tipo legal, como por
exemplo, na definição de
strumentos capazes de produzir
uma lesão corporal, onde a redação
deixa aberta uma definição na qual, de
acordo com a cabeça do julgador,
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
202
pode-
se considerar um berimbau como
lesão corporal.
Outro exemplo que dá brecha à
ainda outro exemp
lo no trecho ultrajar
desgraças.
Na perspectiva de uma
os
vadios, eram uma ameaça à
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
se considerar um berimbau como
um instrumento apto a produzir uma
Outro exemplo que brecha à
subjetividade do julgador é a
passagem provocando tumultos ou
desordens, que, de acordo com essa
redação, poderia se considerar como
tal uma aglomeração de pessoas
cantando e participando de uma roda
de capoeira em local público. Temos
lo no trecho “ultrajar
o pudor público, onde praticar a
capoeira sem camisa, por exemplo,
em um país com clima tropical, poderia
ser um ultraje à moral e aos bons
costumes. Percebemos, assim, um
esforço público legal, nesse período
republicano, no que se
refere à
criminalização da população negra,
seja através de seus costumes, de sua
cultura, de suas crenças ou de suas
Na perspectiva de uma
preocupação com a ordem social,
onde crianças abandonadas nas ruas,
entregues à mendicância, assim como
vadios, eram uma ameaça à
sociedade que se tentava construir, de
acordo com os padrões das
sociedades ditas mais desenvolvidas
da época, o Código Criminal de 1890
veio para tentar limpar, ou melhor
dizendo, esconder o que se tinha
como mácula à pretendi
limpa e europeizada. Cumpre ressaltar
que esse dispositivo legal foi criado
antes da Constituição da República
recém proclamada, tamanha era a
urgência de controlar as massas de
negras e negros recém
encontravam entregues à pró
no país.
Neste sentido, nutria profunda
preocupação em extirpar das ruas as
prostitutas, os mendigos, os vadios, os
negros e as crianças abandonadas.
Merece especial atenção esse último
grupo, tendo em vista que à época
disseminava-
se o discurs
crianças eram o futuro da sociedade,
logo era necessário torná
desde cedo, disciplinando
não se destinassem à vadiagem, nem
à delinquência quando em idade
madura.
Apesar do discurso
supostamente destinado ao
da
infância, a verdade é que havia
uma grande preocupação com a
manutenção da ordem social de um
país recém-
lançado à modernização,
onde havia uma associação direta dos
menores moradores de rua (ou
319
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
veio para tentar limpar, ou melhor
dizendo, esconder o que se tinha
como mácula à pretendi
da sociedade
limpa e europeizada. Cumpre ressaltar
que esse dispositivo legal foi criado
antes da Constituição da República
rem proclamada, tamanha era a
urgência de controlar as massas de
negras e negros recém
-libertos que se
encontravam entregues à pró
pria sorte
Neste sentido, nutria profunda
preocupação em extirpar das ruas as
prostitutas, os mendigos, os vadios, os
negros e as crianças abandonadas.
Merece especial atenção esse último
grupo, tendo em vista que à época
se o discurs
o de que as
crianças eram o futuro da sociedade,
logo era necessário torná
-las úteis
desde cedo, disciplinando
-as, para que
não se destinassem à vadiagem, nem
à delinquência quando em idade
Apesar do discurso
supostamente destinado ao
bem-estar
infância, a verdade é que havia
uma grande preocupação com a
manutenção da ordem social de um
lançado à modernização,
onde havia uma associação direta dos
menores moradores de rua (ou
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
202
contemporâneo
Considerando a judicialização
jovens representam cerca de 60% do
(SINASE, 2017), faz-
se
jovens negros no
estado do Rio de
Janeiro.
A Lei Federal mero 8.069 de
Adolescente (ECA), passa a
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
pobres) com a delinquência urbana,
visto que muitos se entre
gavam a
pequenos delitos a fim de sobreviver.
Pairava sobre a sociedade um novo
modelo burguês de família e trabalho,
onde os que fugissem a essa regra
eram considerados marginais”.
4. Criminalização da cultura e
identidade negra no Brasil
Considerando a judicialização
do jovem negro cada vez mais
precoce, e considerando que esses
jovens representam cerca de 60% do
total de jovens em cumprimento de
medida socioeducativa de restrição ou
privação de liberdade no Brasil
se
necessário
entender de que forma se a
penalização desses adolescentes,
para que então possamos prosseguir
com a discussão a respeito de quais
atos infracionais mais encarceram
estado do Rio de
A Lei Federal número 8.069 de
09 de setembro de 1990, que
estabelece o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), passa a
diferenciar claramente entre o que é
criança/adolescente em situação de
vulnerabilidade socioeconômica e o
que é infância em conflito
prevendo o que se chama de medida
socioeducativa e definindo que o
jovem de 12 até 18 anos incompletos
não comete crime, mas sim ato
infracional análogo a crime. Entende
se por socioeducação, em sua
acepção jurídica, o ato de preparar o
jovem e
m conflito com a lei para o
exercício da cidadania.
Se considerarmos o termo
cidadania como o gozo de plenos
direitos e deveres civis, políticos e
sociais e a função da socioeducação
como sendo a de preparar o
adolescente em conflito com a lei para
esse e
xercício, passamos a entender
que é, também, função do sistema em
questão trabalhar com esse jovem os
temas da diversidade étnico
diversidade cultural. Tendo em vista o
direito constitucional à igualdade
(artigo 5º) e ao pleno exercio dos
dir
eitos culturais (artigo 215), são uma
reflexão da cidadania. Assim como o
direito a conhecer suas origens,
expressar-
se artisticamente, professar
uma religião e não ser discriminado
por raça, cor ou pertencimento
religioso.
320
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
vulnerabilidade socioeconômica e o
que é infância em conflito
com a lei,
prevendo o que se chama de medida
socioeducativa e definindo que o
jovem de 12 até 18 anos incompletos
não comete crime, mas sim ato
infracional análogo a crime. Entende
-
se por socioeducação, em sua
acepção jurídica, o ato de preparar o
m conflito com a lei para o
exercio da cidadania.
Se considerarmos o termo
cidadania como o gozo de plenos
direitos e deveres civis, políticos e
sociais e a função da socioeducação
como sendo a de preparar o
adolescente em conflito com a lei para
xercio, passamos a entender
que é, também, função do sistema em
questão trabalhar com esse jovem os
temas da diversidade étnico
-racial e da
diversidade cultural. Tendo em vista o
direito constitucional à igualdade
(artigo 5º) e ao pleno exercício dos
eitos culturais (artigo 215), são uma
reflexão da cidadania. Assim como o
direito a conhecer suas origens,
se artisticamente, professar
uma religião e não ser discriminado
por raça, cor ou pertencimento
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
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Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
202
Partindo desse prinpio,
anali
samos que essa discussão se
semiprivadas) e
stejam em constante
apresentando-
se, portanto, como fator
cultura refere-
se tanto ao modo
de vida total de um povo
inclui tudo aquilo que é
socialmente aprendido e
transmitido, quanto ao proc
de cultivo e desenvolvimento
mental, subjetivo e espiritual,
através de práticas e
subjetividades espeficas,
comumente chamadas de
manifestações artísticas
(BARROS, 2007).
Partindo da ideia de que em
época, um si
stema central de
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Partindo desse princípio,
samos que essa discussão se
torna importante, tendo em vista os
índices crescentes de encarceramento
da juventude negra e periférica, bem
como seu extermínio. É necessário
que entidades que trabalham com
populações privadas de liberdade (ou
stejam em constante
contato com esses temas, que se
encaixam no rol de direitos humanos.
Sendo a cultura a expressão da forma
de viver de determinada sociedade,
tem grande ingerência em sua
construção de subjetividade,
se, portanto, como fator
de empoderamento da identidade
coletiva e, também, de
desenvolvimento humano. Nas
palavras de Jo Márcio Barros,
se tanto ao modo
de vida total de um povo
isso
inclui tudo aquilo que é
socialmente aprendido e
transmitido, quanto ao proc
esso
de cultivo e desenvolvimento
mental, subjetivo e espiritual,
através de práticas e
subjetividades específicas,
comumente chamadas de
manifestações artísticas
Partindo da ideia de que em
todas as sociedades, em qualquer
stema central de
condutas, significados e valores, que
se apresentam como dominantes,
podemos perceber que as
manifestações culturais provenientes
de periferias são frequentemente
questionadas, criminalizadas e, por
vezes, desqualificadas pela classe
socia
l dominante, que, através de
determinados aparelhos e processos,
dita os padrões do que vem a ser
considerado cultura ou não.
Para tanto, levaremos em
consideração o que Williams (2005)
chama de
tradição seletiva
que forma determinadas
manife
stações culturais, padrões de
conduta e linguagens se legitimaram
como sendo o que se espera de um
cidadão. E como foi feita essa seleção,
dentro de um vasto campo de
possibilidades, de determinados
significados e práticas que se tornam
representação ofici
al de um todo, que
deve ser lembrado, repassado e
cobrado como tradição
outros são negligenciados, excluídos e
até mesmo criminalizados.
Consideramos o funk, o
linguajar marginal, o campo semântico
próprio construído por esses jovens,
atravé
s de ressignificação de palavras
e criação de outras como sendo uma
321
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
condutas, significados e valores, que
se apresentam como dominantes,
podemos perceber que as
manifestações culturais provenientes
de periferias o frequentemente
questionadas, criminalizadas e, por
vezes, desqualificadas pela classe
l dominante, que, através de
determinados aparelhos e processos,
dita os padrões do que vem a ser
considerado cultura ou não.
Para tanto, levaremos em
consideração o que Williams (2005)
tradição seletiva
, ou seja, de
que forma determinadas
stações culturais, padrões de
conduta e linguagens se legitimaram
como sendo o que se espera de um
cidadão. E como foi feita essa seleção,
dentro de um vasto campo de
possibilidades, de determinados
significados e práticas que se tornam
al de um todo, que
deve ser lembrado, repassado e
cobrado como tradição
ao passo que
outros o negligenciados, excluídos e
até mesmo criminalizados.
Consideramos o funk, o
linguajar marginal, o campo semântico
próprio construído por esses jovens,
s de ressignificação de palavras
e criação de outras como sendo uma
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
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Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
202
dominante.
Um ponto importante a se
funk por eles ouv
idas e muitas vezes
quem chame de
proibidões
cultural e rebaixá-
la a um status de
não-cultura.
O que observamos nas letras
chama
mos de crônica de seu cotidiano
absurdo o
paralelo a ser feito, mas
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
cultura de resistência aos padrões de
comportamento, moralidade e
linguagem impostos pela ideologia
Um ponto importante a se
destacar o as músicas do gênero
idas e muitas vezes
produzidas e escritas. O funk ouvido
comumente é produzido em sua
comunidade (ou comunidades com as
quais possuem bom relacionamento),
difundido no local pelo boca
-a-boca,
pelos bailes e pela internet,
dificilmente popularizado para que
m
não comunga da mesma realidade.
proibidões
, em um
esforço de criminalizar sua produção
la a um status de
O que observamos nas letras
trazidas pelos meninos são fortes
críticas sociais, aliadas ao que
mos de crônica de seu cotidiano
e exaltação de suas vivências. Muitos
falam, sim, da guerra do tráfico, das
atividades das facções, da
hipersexualização, no entanto isso
nada mais é do que cantar o cotidiano
no qual estão inseridos. Pode parecer
paralelo a ser feito, mas
assim como muitos cantores da
considerada Música Popular Brasileira
(MPB) e da própria Bossa Nova
retrataram em suas canções seu
cotidiano branco, classe média, regado
a imagens da Zona Sul carioca,
embebidos e mergulhados nas sua
rotinas comuns à hegemonia, os
cantores/MC’s de comunidades
retratam a imagem que veem através
de sua janela. Nem sempre retratam e
exaltam condutas consideradas
criminosas, visto que a favela não se
faz somente disso. No entanto o
quase sempre chamada
proibidões as músicas por eles
cantadas, independente do que se
canta, importando apenas quem o fez
e de onde vem. Se uma música com
uma letra qualquer é feita por um MC
que canta músicas que exaltam o
tráfico, ela será um proibidão.
Nos resta, entã
proibidão é a apologia ao crime ou o
que é proibida é a poesia de um poeta
marginal? A criminalização é da
tipicidade do fato, ou do seu executor?
de se pensar nessas questões,
levando em consideração fatos
históricos legais, como por e
fato de até pouco tempo atrás o samba
e a capoeira serem considerados
contravenções penais pelo direito
criminal brasileiro. É necessário
322
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
(MPB) e da própria Bossa Nova
retrataram em suas canções seu
cotidiano branco, classe média, regado
a imagens da Zona Sul carioca,
embebidos e mergulhados nas sua
s
rotinas comuns à hegemonia, os
cantores/MCs de comunidades
retratam a imagem que veem através
de sua janela. Nem sempre retratam e
exaltam condutas consideradas
criminosas, visto que a favela não se
faz somente disso. No entanto são
quase sempre chamada
s de
proibidões as músicas por eles
cantadas, independente do que se
canta, importando apenas quem o fez
e de onde vem. Se uma música com
uma letra qualquer é feita por um MC
que canta músicas que exaltam o
tráfico, ela será um proibidão.
Nos resta, entã
o, uma dúvida: o
proibidão é a apologia ao crime ou o
que é proibida é a poesia de um poeta
marginal? A criminalização é da
tipicidade do fato, ou do seu executor?
Há de se pensar nessas questões,
levando em consideração fatos
históricos legais, como por e
xemplo o
fato de até pouco tempo atrás o samba
e a capoeira serem considerados
contravenções penais pelo direito
criminal brasileiro. É necessário
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
202
p. 1):
Ao criminal
izarem o funk, e o
estilo de vida daqueles que se
identificam como funkeiros, os
que hoje defendem sua proibição
são os herdeiros históricos
daqueles que
perseguiam os
batuques nas senzalas, nos
fazendo ver, de modo
contraditório, as potencialidades
rebeldes
do ritmo que vem das
favelas.
Temos no conjunto de normas
multa. No entant
o, essa norma não
de ac
ordo com a lógica estatal e social
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
refletirmos sobre tal assunto tendo em
mente que existe um potencial criativo
e propulsor da engrenagem socia
l na
transgressão, na marginalidade. Neste
sentido, ressalta Adriana Facina
(2009,
izarem o funk, e o
estilo de vida daqueles que se
identificam como funkeiros, os
que hoje defendem sua proibição
o os herdeiros históricos
perseguiam os
batuques nas senzalas, nos
fazendo ver, de modo
contraditório, as potencialidades
do ritmo que vem das
Temos no conjunto de normas
penais um título denominado “Dos
crimes contra a paz pública”, que
prevê que incitação ao crime (artigo
286) e apologia de crime ou criminoso
(artigo 287) devem ser punidos com
pena de detenção de 3 a 6 meses ou
o, essa norma não
descreve quais fatos devem ser
enquadrados, ficando a cargo das
autoridades competentes definirem
quais condutas se enquadram nesse
comando legal de 1940. Assim,
podemos perceber que o agente do
Estado que fará esse trabalho, o fará
ordo com a lógica estatal e social
que se insere num contexto do
racismo estrutural e institucional, como
apontamos ao longo deste artigo. Isso
margem a julgar como criminosa,
por exemplo, uma cultura, como
vemos ocorrendo com as
representações culturai
onde o funk vem sendo considerado
por muitos um delito enquadrado
nesses dois artigos. Na verdade, se
analisarmos à luz de tudo o que foi
discutido, nada mais é do que uma
realidade cantada, uma manifestação
cultural que canta o cotidiano
determinado grupo social, não algo
que deve ser considerado criminoso
em si.
Por isso, dizemos que a lei é
castradora e não reconhece no
suposto “criminoso” um potencial
criativo, posto que tenta padronizar
condutas, pensamentos, identidades.
Pensando
bem, ela não só é
castradora, mas também é um
instrumento de seleção nas mãos de
uma sociedade elitista, branca,
produtivista e que criminaliza a
pobreza.
A autora Adriana Facina em seu
texto
Não me bate doutor: funk e
criminalização da pobreza,
o funk carioca desde sua asceno foi
visto como um ritmo marginal por boa
parte da mídia e por diversos
323
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
apontamos ao longo deste artigo. Isso
dá margem a julgar como criminosa,
por exemplo, uma cultura, como
vemos ocorrendo com as
representações culturai
s de periferias,
onde o funk vem sendo considerado
por muitos um delito enquadrado
nesses dois artigos. Na verdade, se
analisarmos à luz de tudo o que foi
discutido, nada mais é do que uma
realidade cantada, uma manifestação
cultural que canta o cotidiano
de
determinado grupo social, não algo
que deve ser considerado criminoso
Por isso, dizemos que a lei é
castradora e não reconhece no
suposto criminoso um potencial
criativo, posto que tenta padronizar
condutas, pensamentos, identidades.
bem, ela não é
castradora, mas também é um
instrumento de seleção nas mãos de
uma sociedade elitista, branca,
produtivista e que criminaliza a
A autora Adriana Facina em seu
Não me bate doutor”: funk e
criminalização da pobreza,
expõe que
o funk carioca desde sua ascensão foi
visto como um ritmo marginal por boa
parte da mídia e por diversos
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
Jovem. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 305-327, mar.
202
(FACINA, 2
009). Segundo a autora, o
e sua cultura.
É dentro desta lógica, que em
200
6, a lei Álvaro Lins, estipulava que
eventos (FACINA, 2009, p.
em setembro de 2009, é
Art. Compete ao poder público
assegurar a esse movimento a
realização de suas
manifestações
próprias, como festas, bailes,
reuniões, sem quaisquer regras
discriminatórias e nem diferentes
das que regem outras
manifestações da mesma
natureza. (Rio de Janeiro, 2009)
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
segmentos da sociedade. Porém,
recentemente, todo um aparato legal
foi construído para legitimar o funk
como problema de segurança pública
009). Segundo a autora, o
processo de criminalização da pobreza
posto pelo Estado capitalista requer
que se convença a sociedade que o
pobre é uma ameaça, e isso envolve
também criminalizar seu modo de vida
É dentro desta lógica, que em
6, a lei Álvaro Lins, estipulava que
a realização dos bailes funk
dependeria da aprovação dos
comandantes de batalhões da polícia
militar responsáveis pela área, fazendo
com que fosse praticamente
imposvel a organização desses
7).
em setembro de 2009, é
sancionada a lei nº 5543/09, que
define o funk carioca como movimento
cultural e musical de caráter popular,
estipulando em seu segundo artigo:
Art. 2º Compete ao poder público
assegurar a esse movimento a
manifestações
próprias, como festas, bailes,
reuniões, sem quaisquer regras
discriminatórias e nem diferentes
das que regem outras
manifestações da mesma
natureza. (Rio de Janeiro, 2009)
Porém, apesar dessa
estipulação, a livre elaboração de
bailes funk
não é uma realidade que
observamos nas favelas cariocas, pelo
contrário, frequentemente esses bailes
são invadidos pela polícia militar tendo
seu público disperso e muitas vezes
agredidos e presos, já que os agentes
de lei se apoiam no parágrafo único
desse mesmo
artigo que diz:
enquadram na regra prevista neste
artigo conteúdos que façam apologia
ao crime”.
Considerações finais
P
ara além da possibilidade de
proporcionar debates e espaços de
reflexão nas unidades
socioeducativas, o
Coletivo
Jovem
compreende como uma de
suas tarefas
a produção intelectual
acerca dessas reflexões construídas
em nossa prática. Durante todos os
anos de atuação do coletivo, uma
diversidade de questões atravessou o
nosso fazer político e pedagógico.
Entre elas, o debate
sobre a
cultural sempre est
compreendendo que o
empoderamento da juventude negra e
periférica encarcerada é essencial
para sua autoestima
324
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Porém, apesar dessa
estipulação, a livre elaboração de
não é uma realidade que
observamos nas favelas cariocas, pelo
contrário, frequentemente esses bailes
o invadidos pela polícia militar tendo
seu público disperso e muitas vezes
agredidos e presos, já que os agentes
de lei se apoiam no parágrafo único
artigo que diz:
Não se
enquadram na regra prevista neste
artigo conteúdos que façam apologia
Considerações finais
ara além da possibilidade de
proporcionar debates e espaços de
reflexão nas unidades
Coletivo
Empodera
compreende como uma de
a produção intelectual
acerca dessas reflexões construídas
em nossa prática. Durante todos os
anos de atuação do coletivo, uma
diversidade de questões atravessou o
nosso fazer político e pedagógico.
sobre a
produção
cultural sempre est
eve presente,
compreendendo que o
empoderamento da juventude negra e
periférica encarcerada é essencial
para sua autoestima
e sua
REIS, Priscila Duarte dos et alli. Criminalizaçã
o
negra no Brasil: reflexões a partir das práticas
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202
racial, para
que valorizem e cobrem
cultura.
Tomar conhecimento de sua
problema ligado a ques
tões raciais
empurrados.
Nesse sentido, o presente artigo
negra estão na
história do
encarceramento e
da privação de
liberdade. E
ssas temáticas
princípio,
nos debates realizados com
o
da cultura e identidade
do Coletivo Empodera
Americana de Estudos em Cultura,
202
2. www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
representatividade, para que se
apropriem de sua identidade étnico
-
que valorizem e cobrem
que o outro valorize suas
manifestações culturais, para que se
reconheçam enquanto produtores de
Tomar conhecimento de sua
história, sua cultura, suas origens e
reconhecer o valor de tudo isso é de
suma importância para que haja um
reajuste social. Tratar seu
encarceramento e a criminalização de
suas expressões culturais como um
tões raciais
históricas é fundamental para que
superem essa condição, para a qual
foram histórica e socialmente
Nesse sentido, o presente artigo
trouxe a ntese das reflexões
proporcionadas pelo fazer político e
pedagógico das atividades real
izadas
nas unidades socioeducativas, com
intuito de demonstrar que os debates
acerca do racismo estrutural e
da
criminalização da cultura e identidade
história do
da privação de
ssas temáticas
surgiram,a
nos debates realizados com
os jovens socioeducandos dentro das
unidades,
atores sociais que o
diretamente atingidos pelo racismo
estrutural produzido pelo sistema
capitalista
, que os priva de liberdade
Através da fsca surgida
debates nas unidad
es socioeducativas
que construímos aqui um histórico da
criminalização da cultura e identidade
negra no Brasil,
fazendo
entre a prática político
direta e a produção de conhecimento
no me
io acadêmico
isso,pretende-se d
emonstra
criminalização ocorre há um longo
período
e tem caráter histórico
estrutural na sociedade brasileira.
Além do mais, tal criminalização tomou
forma em
diversos marcos legais
perpassam
desde o crime de
capoeiragem
no século 19
imediato s-aboli
ção e proclamação
da República,
até o debate
contemporâneo acerca da proibição
dos bailes funks nas favelas cariocas
Registra-
se, assim, um forte impacto
negativo sobre percepção da
sociedade e do sistema judicial sobre
a cultura e a
identidade negra, que
serem criminalizadas, geram situações
de privação de liberdade e
encarceramento em massa
grupo da população.
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periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
atores sociais que são
diretamente atingidos pelo racismo
estrutural produzido pelo sistema
, que os priva de liberdade
.
Através da faísca surgida
dos
es socioeducativas
que construímos aqui um histórico da
criminalização da cultura e identidade
fazendo
uma ponte
entre a prática político
-pedagógica
direta e a produção de conhecimento
io acadêmico
.Com
emonstra
r que essa
criminalização ocorre um longo
e tem caráter histórico
-
estrutural na sociedade brasileira.
Além do mais, tal criminalização tomou
diversos marcos legais
, que
desde o crime de
no século 19
, no
ção e proclamação
até o debate
contemporâneo acerca da proibição
dos bailes funks nas favelas cariocas
.
se, assim, um forte impacto
negativo sobre percepção da
sociedade e do sistema judicial sobre
identidade negra, que
, ao
serem criminalizadas, geram situações
de privação de liberdade e
legitimam o
encarceramento em massa
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