GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
Trabalho, produção, midiativismo e militância cultural em rede: o Circuito Fora
DOI:
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v12i22.51448
Resumo: Este artigo
trata da rede Circuito Fora do Eixo (FdE), que logrou constituir
uma rede de coletivos culturais, ou de coletivos de produção cultural, de amplo
alcance, especialmente entre o final da década de 2000, e o início da década de
2010. Sua estrutura, organizaçã
anos, desde a sua fundação (no final de 2005), até hoje, embora algumas
características tenham se mantido ao longo de todo o seu percurso. O texto será
mais descritivo, utilizando material do estudo de caso qu
como parte da pesquisa empírica de minha tese de doutorado, cujo tema é a
produção cultural no Brasil contemporâneo.
Palavras-chave
: Circuito Fora do Eixo; militância cultural; produção cultural.
Trabajo, producción, comunicación y militancia cultural en red: el Circuito Fora
do Eixo
Resumen:
establecer una red de colectivos culturales, o colectivos de producción cultural, de
amplio alcance, especialmente entre finales de la década de 2000 y principios de la
de 2010. Su estructura, organización e incluso rendimiento, han cambiado mucho a
lo largo de los años, desde su fundación (a finales de 2005) hasta la actualidad,
aunque al
gunas características se han mantenido a lo largo de su trayectoria. El
texto será más descriptivo, utilizando material del estudio de caso que reali en la
red, como parte de la investigación empírica de mi tesis doctoral, cuyo tema es la
producción cult
ural en el Brasil contemporáneo.
Palabras clave
: Circuito Fora do Eixo; militância cultural; géstion cultural.
1
André Peralta Grillo. Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Professor no Instituto Federal de Mato Grosso do Sul/ IFMS, Brasil
- https://orcid.org/0000-0001-
6804
Recebido em 31/08/2021,
aceito para publicação em
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Trabalho, produção, midiativismo e militância cultural em rede: o Circuito Fora
do Eixo
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v12i22.51448
André Peralta Grillo
trata da rede Circuito Fora do Eixo (FdE), que logrou constituir
uma rede de coletivos culturais, ou de coletivos de produção cultural, de amplo
alcance, especialmente entre o final da década de 2000, e o início da década de
2010. Sua estrutura, organizaçã
o, e mesmo atuação, mudaram muito ao longo dos
anos, desde a sua fundação (no final de 2005), até hoje, embora algumas
características tenham se mantido ao longo de todo o seu percurso. O texto será
mais descritivo, utilizando material do estudo de caso qu
e realizei sobre a rede,
como parte da pesquisa empírica de minha tese de doutorado, cujo tema é a
produção cultural no Brasil contemporâneo.
: Circuito Fora do Eixo; militância cultural; produção cultural.
Trabajo, producción, comunicación y militancia cultural en red: el Circuito Fora
Este artículo trata sobre la red Circuito Fora do Eixo (FdE), que logró
establecer una red de colectivos culturales, o colectivos de producción cultural, de
amplio alcance, especialmente entre finales de la década de 2000 y principios de la
de 2010. Su estructura, organización e incluso rendimiento, han cambiado mucho a
lo largo de los años, desde su fundación (a finales de 2005) hasta la actualidad,
gunas características se han mantenido a lo largo de su trayectoria. El
texto será más descriptivo, utilizando material del estudio de caso que reali en la
red, como parte de la investigación empírica de mi tesis doctoral, cuyo tema es la
ural en el Brasil contemporáneo.
: Circuito Fora do Eixo; militância cultural; géstion cultural.
André Peralta Grillo. Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Professor no Instituto Federal de Mato Grosso do Sul/ IFMS, Brasil
. E-mail:
grillo_andre@hotmail.com
6804
-6011
aceito para publicação em
25/01/20
22 e disponibilizado online em
01/03/2022.
113
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Trabalho, produção, midiativismo e militância cultural em rede: o Circuito Fora
André Peralta Grillo
1
trata da rede Circuito Fora do Eixo (FdE), que logrou constituir
uma rede de coletivos culturais, ou de coletivos de produção cultural, de amplo
alcance, especialmente entre o final da década de 2000, e o início da década de
o, e mesmo atuação, mudaram muito ao longo dos
anos, desde a sua fundação (no final de 2005), até hoje, embora algumas
características tenham se mantido ao longo de todo o seu percurso. O texto será
e realizei sobre a rede,
como parte da pesquisa empírica de minha tese de doutorado, cujo tema é a
: Circuito Fora do Eixo; militância cultural; produção cultural.
Trabajo, producción, comunicación y militancia cultural en red: el Circuito Fora
Este artículo trata sobre la red Circuito Fora do Eixo (FdE), que logró
establecer una red de colectivos culturales, o colectivos de producción cultural, de
amplio alcance, especialmente entre finales de la década de 2000 y principios de la
de 2010. Su estructura, organización e incluso rendimiento, han cambiado mucho a
lo largo de los años, desde su fundación (a finales de 2005) hasta la actualidad,
gunas características se han mantenido a lo largo de su trayectoria. El
texto será más descriptivo, utilizando material del estudio de caso que realicé en la
red, como parte de la investigación empírica de mi tesis doctoral, cuyo tema es la
: Circuito Fora do Eixo; militância cultural; géstion cultural.
André Peralta Grillo. Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
grillo_andre@hotmail.com
22 e disponibilizado online em
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cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
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Americana de Estudos em Cultura,
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mar. 2022.
Network work, production, media and cultural militancy: the Fora do Eixo
Circuit
Abstract:
This article deals with the
managed to establish a network of cultural collectives, or cultural production
collectives, with a wide reach, especially between the late 2000s and early 2010s. Its
structure, organization, and even performance,
since its foundation (at the end of 2005) until today, although some characteristics
have remained throughout its course. The text will be more descriptive, using
material from the case study I carried out on the network
research of my doctoral thesis, whose theme is cultural production in contemporary
Brazil.
Keywords
: Circuito Fora do Eixo; cultural militancy; cultural management.
Trabalho, produção, midiativismo e militância cultural em re
Este artigo trata da rede Circuito
Fora do Eixo (FdE), que logrou
constituir uma rede de coletivos
culturais, ou de coletivos de produção
cultural, de amplo alcance,
especialmente entre o final da década
de 2000, e o início da década de 2010.
Sua estrutura
, organização, e mesmo
atuação, mudaram muito ao longo dos
anos, desde a sua fundação (no final
de 2005), até hoje, embora algumas
características tenham se mantido ao
longo de todo esse percurso.
O texto será mais descritivo,
utilizando material do estudo de caso
que realizei sobre a rede, como parte
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e militância
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2, n. 22, p. 113-136, www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Network work, production, media and cultural militancy: the Fora do Eixo
This article deals with the
Circuito Fora do Eixo (FdE) network, which
managed to establish a network of cultural collectives, or cultural production
collectives, with a wide reach, especially between the late 2000s and early 2010s. Its
structure, organization, and even performance,
have changed a lot over the years,
since its foundation (at the end of 2005) until today, although some characteristics
have remained throughout its course. The text will be more descriptive, using
material from the case study I carried out on the network
, as part of the empirical
research of my doctoral thesis, whose theme is cultural production in contemporary
: Circuito Fora do Eixo; cultural militancy; cultural management.
Trabalho, produção, midiativismo e militância cultural em re
de: o Circuito Fora
do Eixo
Este artigo trata da rede Circuito
Fora do Eixo (FdE), que logrou
constituir uma rede de coletivos
culturais, ou de coletivos de produção
cultural, de amplo alcance,
especialmente entre o final da década
de 2000, e o início da década de 2010.
, organização, e mesmo
atuação, mudaram muito ao longo dos
anos, desde a sua fundação (no final
de 2005), até hoje, embora algumas
características tenham se mantido ao
longo de todo esse percurso.
O texto será mais descritivo,
utilizando material do estudo de caso
que realizei sobre a rede, como parte
da pesquisa empírica de minha tese
de doutorado, cujo tema é a produção
cultural no Brasil contemporâneo, o
que explica certa ênfase nessa faceta
do F
dE nos dados levantados, embora
não tenha me furtado a destacar, em
capítulo específico e em alguns
artigos, as características da rede para
além de sua atuação na área da
produção cultural (assim como não
limitar minha pesquisa à rede e seus
agentes).
Os
principais recursos
metodológicos da pesquisa foram a
observação participante eentrevistas
em profundidade com roteiro semi
114
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Network work, production, media and cultural militancy: the Fora do Eixo
Circuito Fora do Eixo (FdE) network, which
managed to establish a network of cultural collectives, or cultural production
collectives, with a wide reach, especially between the late 2000s and early 2010s. Its
have changed a lot over the years,
since its foundation (at the end of 2005) until today, although some characteristics
have remained throughout its course. The text will be more descriptive, using
, as part of the empirical
research of my doctoral thesis, whose theme is cultural production in contemporary
: Circuito Fora do Eixo; cultural militancy; cultural management.
de: o Circuito Fora
da pesquisa empírica de minha tese
de doutorado, cujo tema é a produção
cultural no Brasil contemporâneo, o
que explica certa ênfase nessa faceta
dE nos dados levantados, embora
não tenha me furtado a destacar, em
capítulo específico e em alguns
artigos, as características da rede para
além de sua atuação na área da
produção cultural (assim como não
limitar minha pesquisa à rede e seus
principais recursos
metodológicos da pesquisa foram a
observação participante eentrevistas
em profundidade com roteiro semi
-
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
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mar. 2022.
estruturado, além de levantamento
historiográfico e analítico sobre
produção cultural e música
independente no Brasil, assim como
so
bre o Fora do Eixo. O problema e
objetivo geral foi buscar identificar e
entender alguns dos sentidos do
trabalho possíveis, mobilizados pelos
produtores culturais analisados,
partindo da hipótese que ao menos
para boa parte dos produtores,
especialmente
no nicho da música
independente”, esse remonta a um
sentido para o trabalho (e para a vida)
forjado e difundido pelos movimentos
de Contracultura dos anos
como uma crítica radical ao modelo
fordista então dominante, e que
acabou sendo incorpora
parcialmente (seguindo a tese de
Boltanski e Chiapello (2009) )pela
nova ideologia do capitalismo em sua
reestruturação produtiva (e ideológica)
a partir dos anos 19
70, denominada de
várias maneiras: s
capitalismo cognitivo, sociedade em
red
e, sociedade da informação,
capitalismo tardio, e etc (CAMARGO,
2011), ou simplesmente novo
capitalismo”(SENNETT, 2008)
(importante ressaltar que, segundo os
autores, esta incorporação parcial
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e militância
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2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
estruturado, além de levantamento
historiográfico e analítico sobre
produção cultural e música
independente no Brasil, assim como
bre o Fora do Eixo. O problema e
objetivo geral foi buscar identificar e
entender alguns dos sentidos do
trabalho posveis, mobilizados pelos
produtores culturais analisados,
partindo da hipótese que ao menos
para boa parte dos produtores,
no nicho da “música
independente, esse remonta a um
sentido para o trabalho (e para a vida)
forjado e difundido pelos movimentos
de Contracultura dos anos
1950 e 60,
como uma crítica radical ao modelo
fordista então dominante, e que
acabou sendo incorpora
do
parcialmente (seguindo a tese de
Boltanski e Chiapello (2009) )pela
nova ideologia do capitalismo em sua
reestruturação produtiva (e ideológica)
70, denominada de
várias maneiras: pós
-fordismo,
capitalismo cognitivo, sociedade em
e, sociedade da informação,
capitalismo tardio, e etc (CAMARGO,
2011), ou simplesmente “novo
capitalismo(SENNETT, 2008)
(importante ressaltar que, segundo os
autores, esta incorporação “parcial”
ancora ideologicamente este novo
capitalismo”, criando a mo
o engajamento nas formas de trabalho
que passam a ser dominantes e, no
geral, servindo para legitimar a
progressiva precarização do mundo do
trabalho observada desde os anos 70.
O quanto pode-
se de fato ter mais
liberdade e realização no traba
nesse contexto, é uma discussão que
perpassa o debate da literatura e a
tese).
Desde o começo da minha
pesquisapesquisa observei,
especialmente entre os produtores do
FdE, mas não só, em sua atuação e
discurso, as características e o perfil
mais valori
zados pelo novo espírito do
capitalismo” (BOLTANKI; CHIAPELLO,
2009), esta ideologia do novo
capitalismo, características que
remetem, como afirmam os autores,
diretamente ao “repertório do Maio de
68”:
Assim, por exemplo, as
qualidades que, nesse novo
es
pírito, são penhores de
sucesso
espontaneidade, mobilidade,
capacidade rizomática,
polivalência (em oposição à
especialização restrita da antiga
divisão do trabalho),
comunicabilidade, abertura para
os outros e para as novidades,
disponibilida
de, criatividade,
115
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
ancora ideologicamente este “novo
capitalismo, criando a mo
tivação para
o engajamento nas formas de trabalho
que passam a ser dominantes e, no
geral, servindo para legitimar a
progressiva precarização do mundo do
trabalho observada desde os anos 70.
se de fato ter mais
liberdade e realização no traba
lho
nesse contexto, é uma discussão que
perpassa o debate da literatura e a
Desde o começo da minha
pesquisapesquisa observei,
especialmente entre os produtores do
FdE, mas não , em sua atuação e
discurso, as características e o perfil
zados pelo “novo espírito do
capitalismo (BOLTANKI; CHIAPELLO,
2009), esta ideologia do novo
capitalismo, características que
remetem, como afirmam os autores,
diretamente ao repertório do Maio de
Assim, por exemplo, as
qualidades que, nesse novo
pírito, o penhores de
sucesso
autonomia,
espontaneidade, mobilidade,
capacidade rizomática,
polivalência (em oposição à
especialização restrita da antiga
divisão do trabalho),
comunicabilidade, abertura para
os outros e para as novidades,
de, criatividade,
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cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
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Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
intuição visionária, sensibilidade
para as diferenças, capacidade
de dar atenção à vivência alheia,
aceitação de múltiplas
experiências, atração pelo
informal e busca de contatos
interpessoais
são diretamente
extraídos do repertório do
de 68. (BOLTANKI; CHIAPELLO,
2009, p. 130)
Em minha tese (GRILLO,
2017a
), e em artigo posterior (GRILLO,
2020), busco me aprofundar nessa
relação entre o perfil do trabalhador
mais valorizado e o sentido do trabalho
típicos do novo capitalismo, que s
apenas apontados por Boltasnki e
Chiapello, ao, inclusive, analisar como
esse sentido é construído e divulgado
por alguns dos principais ideólogos da
Contracultura.
Sobre o trabalho empírico,
acompanhei o FdE de outubro de 2010
(quando participei de se
encontro nacional) até meados de
2015, quando realizei uma última série
de entrevistas em profundidade, com
roteiro semi-
estruturado, com 9
integrantes da rede (nos meses
seguintes, realizei mais 5 entrevistas,
com o mesmo roteiro, mas com
produ
tores não vículados à mesma,
embora 2 deles fossem ex
Em minha pesquisa, o FdE foi
principalmente um laboratório onde
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e militância
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2, n. 22, p. 113-136, www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
intuição visionária, sensibilidade
para as diferenças, capacidade
de dar atenção à vivência alheia,
aceitação de múltiplas
experiências, atração pelo
informal e busca de contatos
o diretamente
extraídos do repertório do
maio
de 68. (BOLTANKI; CHIAPELLO,
Em minha tese (GRILLO,
), e em artigo posterior (GRILLO,
2020), busco me aprofundar nessa
relação entre o perfil do trabalhador
mais valorizado e o sentido do trabalho
típicos do novo capitalismo, que s
ão
apenas apontados por Boltasnki e
Chiapello, ao, inclusive, analisar como
esse sentido é construído e divulgado
por alguns dos principais ideólogos da
Sobre o trabalho empírico,
acompanhei o FdE de outubro de 2010
(quando participei de se
u terceiro
encontro nacional) até meados de
2015, quando realizei uma última série
de entrevistas em profundidade, com
estruturado, com 9
integrantes da rede (nos meses
seguintes, realizei mais 5 entrevistas,
com o mesmo roteiro, mas com
tores não vículados à mesma,
embora 2 deles fossem ex
-membros).
Em minha pesquisa, o FdE foi
principalmente um laboratório onde
pude conhecer, observar, conversar e
entrevistar produtores de todo o país,
assim como ouvir relatos sobre suas
cenas locais (pa
rte central da dinâmica
dos encontros), especialmente nos
encontros nacionais (dos quais
participei de 4). Participei também de
encontros regionais, realizei
observação participante em festivais
(participando da cobertura colaborativa
em alguns), especialm
Circuito Mineiro de Festivais
Independentes de 2012 (no qual estive
em 6 dos 18 festivais). Além disso,
acompanhei de perto toda a trajetória
do coletivo de Juiz de Fora/MG
vinculado à rede, e a tentativa de se
formar um coletivo em Três Rio
onde inclusive fui o principal
responsável na produção de uma
semana do audiovisual, com um
evento de múltiplas artes, incluindo
música, dança e poesia, em seu
encerramento. Participei assim de
listas de email, de todo tipo de
encontro e interação, o
fora o acompanhamento constante
pela internet das atividades da rede,
realizando entrevistas com coletivos,
bandas, produtores, agentes e
lideranças, além da recorrente
observação participante, ao longo do
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- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
pude conhecer, observar, conversar e
entrevistar produtores de todo o país,
assim como ouvir relatos sobre suas
rte central da dinâmica
dos encontros), especialmente nos
encontros nacionais (dos quais
participei de 4). Participei também de
encontros regionais, realizei
observação participante em festivais
(participando da cobertura colaborativa
em alguns), especialm
ente durante o
Circuito Mineiro de Festivais
Independentes de 2012 (no qual estive
em 6 dos 18 festivais). Além disso,
acompanhei de perto toda a trajetória
do coletivo de Juiz de Fora/MG
vinculado à rede, e a tentativa de se
formar um coletivo em Três Rio
s/RJ,
onde inclusive fui o principal
responsável na produção de uma
semana do audiovisual, com um
evento de múltiplas artes, incluindo
música, dança e poesia, em seu
encerramento. Participei assim de
listas de email, de todo tipo de
encontro e interação, o
nline e offline,
fora o acompanhamento constante
pela internet das atividades da rede,
realizando entrevistas com coletivos,
bandas, produtores, agentes e
lideranças, além da recorrente
observação participante, ao longo do
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
período mencionado. À partir dess
ampla pesquisa, trago então nesse
texto um panorama mais geral e
descritivo do Fora do Eixo (diferente
do que fiz em alguns artigos, ao
analisar o FdE em relação a algum
tema específico, como a cibercultura,
os movimentos sociais, e etc (GRILLO,
2051a; 2015b; 2015d
; 2016), desde os
acontecimentos mais relevantes à sua
formação e desenvolvimento,
passando por sua cambiante trajetória,
até suas configurações mais recentes.
A trajetória nem sempre será linear, na
medida em que irei retomando ao
longo do t
exto acontecimentos
relevantes para o compreensão do
surgimento da rede.
Começo então fazendo um
breve panorama geral. O Fora do Eixo
surge da articulação de produtores e
coletivos de produção cultural de
diferentes partes do país. Formada por
coletivos qu
e, a princípio, se dedicam
à produção de artistas e de eventos
culturais, principalmente shows e
festivais de música no nicho da
chamada “música independente, as
atividades da rede vão se
diversificando e, gradativamente,
passam a assumir mais um cunho
mi
litante (embora este componente
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
período mencionado. À partir dess
a
ampla pesquisa, trago então nesse
texto um panorama mais geral e
descritivo do Fora do Eixo (diferente
do que já fiz em alguns artigos, ao
analisar o FdE em relação a algum
tema específico, como a cibercultura,
os movimentos sociais, e etc (GRILLO,
; 2016), desde os
acontecimentos mais relevantes à sua
formação e desenvolvimento,
passando por sua cambiante trajetória,
até suas configurações mais recentes.
A trajetória nem sempre será linear, na
medida em que irei retomando ao
exto acontecimentos
relevantes para o compreensão do
Começo então fazendo um
breve panorama geral. O Fora do Eixo
surge da articulação de produtores e
coletivos de produção cultural de
diferentes partes do país. Formada por
e, a prinpio, se dedicam
à produção de artistas e de eventos
culturais, principalmente shows e
festivais de música no nicho da
chamada música independente”, as
atividades da rede vão se
diversificando e, gradativamente,
passam a assumir mais um cunho
litante (embora este componente
estivesse presente desde o seu
começo). Este (cunho militante) é
gestado pela intervenção e atuação
em defesa do fortalecimento de
políticas blicas para a cultura,
contribuindo para a dotação de sentido
militante que a atu
agentes e coletivos assume, seja pelo
sentido de engajamento e dedicação
às suas atividades (laborais), seja pela
incorporação de pautas progressistas
que expressam anseios da juventude e
da defesa de direitos humanos (como
legalização das dro
defesa de grupos marginalizados e
excluídos, de novos modelos de
família e estilos de vida), articulando
se com inúmeros movimentos socais,
associados diretamente à juventude ou
não.
A rede, integrada como um
circuito cultural, se fortalec
movimento social a partir de 2011, ao
se envolver diretamente em uma rie
de manifestações (como a marcha da
maconha) e se aproximar de vários
outros movimentos, como o MST. Seu
trabalho como um todo, sua
comunicação, o fortalecimento de sua
identi
dade, de seus vínculos afetivos,
seus fluxos de reciprocidade, tem
como pilar as novas TIC´s, em uma
117
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resistências, disputas e potências
")
estivesse presente desde o seu
começo). Este (cunho militante) é
gestado pela intervenção e atuação
em defesa do fortalecimento de
políticas públicas para a cultura,
contribuindo para a dotação de sentido
militante que a atu
ação de seus
agentes e coletivos assume, seja pelo
sentido de engajamento e dedicação
às suas atividades (laborais), seja pela
incorporação de pautas progressistas
que expressam anseios da juventude e
da defesa de direitos humanos (como
legalização das dro
gas, do aborto,
defesa de grupos marginalizados e
excluídos, de novos modelos de
família e estilos de vida), articulando
-
se com inúmeros movimentos socais,
associados diretamente à juventude ou
A rede, integrada como um
circuito cultural, se fortalec
e como
movimento social a partir de 2011, ao
se envolver diretamente em uma série
de manifestações (como a marcha da
maconha) e se aproximar de vários
outros movimentos, como o MST. Seu
trabalho como um todo, sua
comunicação, o fortalecimento de sua
dade, de seus vínculos afetivos,
seus fluxos de reciprocidade, tem
como pilar as novas TIC´s, em uma
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
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mar. 2022.
alternância e mistura de vivências
online e offline, mantendo e reforçando
laços formados em encontros
presenciais e circulação de agentes.
Sua atuação pol
ítica se destaca
através do chamado midiativismo, ou
seja, a cobertura (por múltiplos meios
e em tempo real ou não) de protestos,
manifestações e intervenções públicas
coletivas diversas da sociedade civil,
organizadas ou não por movimentos
(incluindo ele
mesmo). A partir da
experiência acumulada com a
cobertura de eventos e com as
primeiras coberturas de
manifestações, seus agentes
consolidam um núcleo de midiativismo
específico (podendo ou não ser
ocupado pelos agentes da mídia
FdE), a Mídia N.I.N.J.A. (
Independentes, Jornalismo e Ação),
que ganha destaque pela cobertura
das manifestações de Junho de 2013
(Grillo, 2016). Desde por volta de
meados de 2015, a atuação na Mídia
Ninja parece ser o principal foco,
embora não exclusivo, da atividade
dos membros do FdE.
Embora seu ato de fundação
“oficial” ocorra em dezembro de 2005,
a compreensão da formação do FdE
passa pela história do que pode ser
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e militância
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resistências, disputas e potências
alternância e mistura de vivências
online e offline, mantendo e reforçando
laços formados em encontros
presenciais e circulação de agentes.
ítica se destaca
através do chamado midiativismo, ou
seja, a cobertura (por múltiplos meios
e em tempo real ou não) de protestos,
manifestações e intervenções públicas
coletivas diversas da sociedade civil,
organizadas ou não por movimentos
mesmo). A partir da
experiência acumulada com a
cobertura de eventos e com as
primeiras coberturas de
manifestações, seus agentes
consolidam um núcleo de midiativismo
espefico (podendo ou não ser
ocupado pelos agentes da mídia
FdE), a Mídia N.I.N.J.A. (
Narrativas
Independentes, Jornalismo e Ação),
que ganha destaque pela cobertura
das manifestações de Junho de 2013
(Grillo, 2016). Desde por volta de
meados de 2015, a atuação na Mídia
Ninja parece ser o principal foco,
embora não exclusivo, da atividade
Embora seu ato de fundação
oficial ocorra em dezembro de 2005,
a compreensão da formação do FdE
passa pela história do que pode ser
considerado seu primeiro coletivo, o
Espaço Cubo, de Cuiabá. As duas
principais lideranças aqui, e que
mantêm esse protagonismo na rede
até hoje, são Lenissa
Capilé. Ambos são estudantes de
comunicação em 2001, Lenissa na
UFMT e Pablo na rede particular.
Segundo Lenissa, que participava do
movimento estudantil como liderança
no C.A. de seu cur
so, Pablo a procura
no intuito de articularem possíveis
ações conjuntas, aproximando os
normalmente distantes mundos das
faculdades públicas e particulares. A
partir daí, e com a aproximação do fim
de sua atuação direta no movimento
estudantil, vislumbram
da faculdade, algo que, segundo a
mesma, permita levar adiante o que
normalmente se encerra com a
graduação acadêmica
experimentação e o engajamento
críticos e subversivos
continuidade à produção de eventos
“alternativos”.
O pri
meiro núcleo é formado por
cinco pessoas, contando, além dos
mencionados, com músicos e
designers. Segundo eles, não há
referências teóricas, apenas amigos
morando juntos e formando, sem usar
118
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
considerado seu primeiro coletivo, o
Espaço Cubo, de Cuiabá. As duas
principais lideranças aqui, e que
mantêm esse protagonismo na rede
até hoje, o Lenissa
Lenza e Pablo
Capilé. Ambos o estudantes de
comunicação em 2001, Lenissa na
UFMT e Pablo na rede particular.
Segundo Lenissa, que participava do
movimento estudantil como liderança
so, Pablo a procura
no intuito de articularem possíveis
ações conjuntas, aproximando os
normalmente distantes mundos das
faculdades públicas e particulares. A
partir daí, e com a aproximação do fim
de sua atuação direta no movimento
estudantil, vislumbram
algo para além
da faculdade, algo que, segundo a
mesma, permita levar adiante o que
normalmente se encerra com a
graduação acadêmica
- a
experimentação e o engajamento
críticos e subversivos
- e dar
continuidade à produção de eventos
meiro núcleo é formado por
cinco pessoas, contando, além dos
mencionados, com músicos e
designers. Segundo eles, não
referências teóricas, apenas amigos
morando juntos e formando, sem usar
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
o nome, um caixa coletivo. Quase uma
república. Porém, a diferen
não formam apenas um espaço de
moradia e convivência de amigos, mas
um empreendimento que deveria
manter seus moradores, que exerciam
inúmeras atividades na área de
comunicação, e que irão se consolidar
na produção de eventos regulares de
música a
lternativa, além de assumirem
a realização do festival Calango,
anteriormente realizado por uma dupla
de produtores amigos. Os locais de
moradia, assim como o número de
moradores, mudam algumas vezes,
até se consolidarem em uma casa no
centro da cidade, an
tes ocupada por
uma produtora parceira, e já com a
presença constante e parceria dos
membros do coletivo. Para lá, espaço
que possibilitava também a realização
de shows, se transferiram, junto com
os equipamentos de estúdio que
possuíam desde o começo (tro
por Pablo por seu carro), e que
utilizavam para troca de serviços.
Realizam então os “12 atos”, uma
proposta de um evento mensal, e no
qual trazem bandas que já eram (como
Autoramas) ou se tornariam (como os
Forgotten Boys) destaque no cenário
independente nacional.
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
o nome, um caixa coletivo. Quase uma
república. Porém, a diferen
ça é que
não formam apenas um espaço de
moradia e convivência de amigos, mas
um empreendimento que deveria
manter seus moradores, que exerciam
inúmeras atividades na área de
comunicação, e que irão se consolidar
na produção de eventos regulares de
lternativa, além de assumirem
a realização do festival Calango,
anteriormente realizado por uma dupla
de produtores amigos. Os locais de
moradia, assim como o número de
moradores, mudam algumas vezes,
até se consolidarem em uma casa no
tes ocupada por
uma produtora parceira, e com a
presença constante e parceria dos
membros do coletivo. Para lá, espaço
que possibilitava também a realização
de shows, se transferiram, junto com
os equipamentos de estúdio que
possuíam desde o começo (tro
cados
por Pablo por seu carro), e que
utilizavam para troca de serviços.
Realizam então os 12 atos”, uma
proposta de um evento mensal, e no
qual trazem bandas que já eram (como
Autoramas) ou se tornariam (como os
Forgotten Boys) destaque no cenário
O Espaço Cubo forma o modelo
de coletivo que será posteriormente
adotado, total ou parcialmente, pelos
outros coletivos do que vai ser a rede
FdE. Nele estão presentes o caixa
coletivo (com retiradas por demandas,
a partir de cartões comp
registro das movimentações), a sede
moradia (os membros moram na sede
do coletivo), a dedicação exclusiva, e o
sentido militante da atividade coletiva.
No intuito de estabelecer
contato com bandas independentes e
outros produtores desta cena
alternativa”, os membros do Cubo
começam a circular pelos festivais, a
princípio mais próximos (como em
Goiânia), e posteriormente pelo resto
do país.
A consolidação como rede e a
atuação como movimento tem como
marco os encontros presenciais
nacionais, o
s “Congressos Fora do
Eixo”. O primeiro é realizado em 2007,
em Cuiabá, junto com o festival
Calango, e conta com representantes
de coletivos espalhados por todo o
país. No segundo, realizado em Rio
Branco (AC) no ano seguinte, tem
presença de aproxim
pessoas (o dobro do anterior). É
fundamental aqui, segundo Lenissa, a
119
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
O Espaço Cubo forma o modelo
de coletivo que será posteriormente
adotado, total ou parcialmente, pelos
outros coletivos do que vai ser a rede
FdE. Nele estão presentes o caixa
-
coletivo (com retiradas por demandas,
a partir de cartões comp
artilhados e
registro das movimentações), a sede
-
moradia (os membros moram na sede
do coletivo), a dedicação exclusiva, e o
sentido militante da atividade coletiva.
No intuito de estabelecer
contato com bandas independentes e
outros produtores desta “cena
alternativa, os membros do Cubo
começam a circular pelos festivais, a
prinpio mais próximos (como em
Goiânia), e posteriormente pelo resto
A consolidação como rede e a
atuação como movimento tem como
marco os encontros presenciais
s Congressos Fora do
Eixo. O primeiro é realizado em 2007,
em Cuiabá, junto com o festival
Calango, e conta com representantes
de coletivos espalhados por todo o
país. No segundo, realizado em Rio
Branco (AC) no ano seguinte, tem
-se a
presença de aproxim
adamente 100
pessoas (o dobro do anterior). É
fundamental aqui, segundo Lenissa, a
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
presença de membros do Massa
Coletiva”, de São Carlos, já presentes
no anterior, mas desta vez
acompanhados do professor da
UFSCAR, e especialista em economia
solidária, Ioshiaqui
Shimbo, que
sugere a criação coletiva de uma carta
de princípios e de um regimento
interno2
, levando a uma
sistematização da ação da rede.
A carta de princípios reafirma os
valores do colaborativismo e da
descentralização, da lógica hacker
(pautad
as no código aberto e no
software livre), sua postura anti
hegemônica aos dominantes modos
de produção, circulação e fruição com
ênfase no campo da cultura, o
fomento da produção criativa e autoral,
“da igualdade de condições e da
polivalência individual
e coletiva, a
busca por “equilibrar trabalho manual e
intelectual”, o fomento a criação de
moedas sociais, à organização
experimental e cambiante da rede, às
práticas de comunicação livre, à
proposta de se “criar ferramentas de
formação e qualificação do
2
Ambos estão disponíveis, junto com um
cronograma desde 2001 de momentos,
números e eventos considerados mais
importantes pela rede, no seu site o
www.foradoeixo.org.br .
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
presença de membros do “Massa
Coletiva, de São Carlos, presentes
no anterior, mas desta vez
acompanhados do professor da
UFSCAR, e especialista em economia
Shimbo, que
sugere a criação coletiva de uma carta
de prinpios e de um regimento
, levando a uma
sistematização da ação da rede.
A carta de prinpios reafirma os
valores do colaborativismo e da
descentralização, da lógica hacker
as no digo aberto e no
software livre), sua postura anti
-
hegemônica aos dominantes “modos
de produção, circulação e fruição com
ênfase no campo da cultura”, o
fomento da produção criativa e autoral,
da igualdade de condições e da
e coletiva”, a
busca por equilibrar trabalho manual e
intelectual, o fomento a criação de
moedas sociais, à organização
experimental e cambiante da rede, às
práticas de comunicação livre, à
proposta de se criar ferramentas de
formação e qualificação do
s agentes”,
Ambos estão disponíveis, junto com um
cronograma desde 2001 de momentos,
números e eventos considerados mais
importantes pela rede, no seu site o
ficial,
e etc. Forma assim um sistema
orgânico e coeso de valores e
princípios, e que reflete as demandas
assimiladas pela cultura ocidental a
partir dos movimento de Contracultura
dos anos 1960. Isso em uma atividade
que, ao contrário dos setores
avan
çados da economia que
incorporam essas demandas de forma
parcial na formação do novo espírito
do capitalismo” (
CHIAPELLO
, 2009), não possui fins
lucrativos, e que impossibilita a
acumulação privada, e não realiza
uma acumulação coletiva de
ao menos econômico.
O regimento interno, aprovado
em 2009, serve hoje como documento
histórico da trajetória do FdE, na
medida em que a organização da rede
torna-
semuito diferente com o passar
dos anos, mais enxuta, embora
mantendo, segundo os seu
os mesmo princípios. Ao invés das
inúmeras frentes gestoras (simulacros
das instituições “mainstrem, como
Banco FdE, Partido FdE, Mídia FdE e
Universidade Livre FdE) e frentes
temáticas (Música, Palco, Literatura,
Audiovisual, e etc.
), a divi
ser mais, como me descreveu um
membro orgânico e liderança da rede
120
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
e etc. Forma assim um sistema
orgânico e coeso de valores e
prinpios, e que reflete as demandas
assimiladas pela cultura ocidental a
partir dos movimento de Contracultura
dos anos 1960. Isso em uma atividade
que, ao contrário dos setores
çados da economia que
incorporam essas demandas de forma
parcial na formação do “novo espírito
do capitalismo (
BOLTANSKI;
, 2009), não possui fins
lucrativos, e que impossibilita a
acumulação privada, e não realiza
uma acumulação coletiva de
capital,
ao menos econômico.
O regimento interno, aprovado
em 2009, serve hoje como documento
histórico da trajetória do FdE, na
medida em que a organização da rede
semuito diferente com o passar
dos anos, mais enxuta, embora
mantendo, segundo os seu
s membros,
os mesmo prinpios. Ao invés das
inúmeras frentes gestoras (simulacros
das instituições mainstrem”, como
Banco FdE, Partido FdE, Mídia FdE e
Universidade Livre FdE) e frentes
temáticas (Música, Palco, Literatura,
), a divisã
o passa a
ser mais, como me descreveu um
membro orgânico e liderança da rede
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
(mais atuante no campo da produção)
em meados de 2015, entre o núcleo de
comunicação e o núcleo de produção,
embora ambos possam partilhar as
mesmas pessoas, e a referência e
recu
rso às frentes mais específicas
ainda possa ser feita. A minha
impressão, ao final de 2016, é que a
atuação está agora ainda mais
concentrada na comunicação, através
da Mídia Ninja, que surge como núcleo
de comunicação mais engajada e
militante politicamen
te (em relação ao
núcleo de comunicação voltado para a
cobertura de eventos culturais
embora, mais uma vez, essas
diferentes facetas compartilhassem
sempre os mesmos membros).
Antes disso, em 2011, como
mencionado anteriormente, é possível
observar um mom
ento de infleo na
rede, que passará a dar mais ênfase e
fortalecer-
se como movimento social,
sem deixar de lado, ao menos
inicialmente, sua atuação como
circuito cultural (mantendo ainda, por
alguns anos, um circuito de festivais
por todo o país, a Rede
Festivais). Isso se depreende da
própria fala de Capilé no III Congresso
FdE (outubro de 2010), em Uberlândia:
“estamos fortes como circuito cultural,
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
(mais atuante no campo da produção)
em meados de 2015, entre o núcleo de
comunicação e o núcleo de produção,
embora ambos possam partilhar as
mesmas pessoas, e a referência e
rso às frentes mais específicas
ainda possa ser feita. A minha
impressão, ao final de 2016, é que a
atuação está agora ainda mais
concentrada na comunicação, através
da Mídia Ninja, que surge como núcleo
de comunicação mais engajada e
te (em relação ao
núcleo de comunicação voltado para a
cobertura de eventos culturais
-
embora, mais uma vez, essas
diferentes facetas compartilhassem
sempre os mesmos membros).
Antes disso, em 2011, como
mencionado anteriormente, é possível
ento de inflexão na
rede, que passará a dar mais ênfase e
se como movimento social,
sem deixar de lado, ao menos
inicialmente, sua atuação como
circuito cultural (mantendo ainda, por
alguns anos, um circuito de festivais
por todo o país, a Rede
Brasil de
Festivais). Isso se depreende da
própria fala de Capilé no III Congresso
FdE (outubro de 2010), em Uberlândia:
estamos fortes como circuito cultural,
mas fracos como movimento social.
tratei desta questão alhures
(GRILLO, 2014; 2015a; 2015b;
2015d), em interpretação próxima a
desenvolvida por Savazoni (2014).
Este define o FdE como uma rede
político cultural”, afirmando que ela
passa a realizar mais plenamente suas
características a partir deste momento
em que fortalece sua atuação c
movimento social, aproximando
outros movimentos e participando da
organização e articulação de uma
série de atividade em rede, como as
marchas da liberdade e os
movimentos Existe Amor em SP
(contra a candidatura de Celso
Russomano à prefeitura de
Mobiliza Cultura (contra a presença de
Ana de Holanda como ministra da
cultura). A minha interpretação difere
na medida em que dou mais ênfase na
continuidade da inserção do FdE no
mercado de bens culturais, chamado
independente, ou seja, sua atuaçã
como circuito cultural e como uma
rede de produtores culturais,
desenvolvendo projetos principalmente
(mas não só) em torno de festivais de
música (ou de artes integradas)
independente (s). Embora, de fato, é
preciso admitir que essa atuação
121
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
mas fracos como movimento social”.
tratei desta questão alhures
(GRILLO, 2014; 2015a; 2015b;
2015c,
2015d), em interpretação próxima a
desenvolvida por Savazoni (2014).
Este define o FdE como uma “rede
político cultural, afirmando que ela
passa a realizar mais plenamente suas
características a partir deste momento
em que fortalece sua atuação c
omo
movimento social, aproximando
-se de
outros movimentos e participando da
organização e articulação de uma
rie de atividade em rede, como as
marchas da liberdade e os
movimentos Existe Amor em SP
(contra a candidatura de Celso
Russomano à prefeitura de
SP) e
Mobiliza Cultura (contra a presença de
Ana de Holanda como ministra da
cultura). A minha interpretação difere
na medida em que dou mais ênfase na
continuidade da inserção do FdE no
mercado de bens culturais, chamado
independente, ou seja, sua atuaçã
o
como circuito cultural e como uma
rede de produtores culturais,
desenvolvendo projetos principalmente
(mas não ) em torno de festivais de
música (ou de artes integradas)
independente (s). Embora, de fato, é
preciso admitir que essa atuação
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
diminui ao l
ongo dos anos, tornando
se marginal ou quase inexistente em
anos mais recentes.
Utilizei então, para definir o
FdE, o termo “rede de militância
laboral”, para acentuar o fato de que
em sua atuação uma indistinção
entre militância e atividade produtiva
(o que talvez ainda se mantenha,
apesar do foco maior em atividades de
comunicação no geral). A diferença
para agentes de outros movimentos
que tem dedicação exclusiva à causa
é que no FdE a própria atividade
militante se realizava na produção de
bens ou
eventos que se inserem em
um mercado, no caso, de bens
culturais4.
Os agentes do FdE apresentam
uma identidade militante com a rede,
assumindo sua atividade como uma
luta, e como algo que envolva toda a
sua vida (como manifesto na
expressão recorrente
“vida FdE).
3
Algo presente no repertório de reivindicações
da Contracultura dos anos 1960
, assim como
a luta por uma sociedade na qual poderia
haver uma indistinção entre trabalho e tempo
livre, na medida em que o trabalho fosse
transformado, e a luta festiva.
4
Um movimento como o MST, por ex., tem
fins econômicos e se insere em um mercado,
mas nele há uma separação entre o momento
de militância e o momento de produção, no
caso, agrícola.
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
ongo dos anos, tornando
-
se marginal ou quase inexistente em
Utilizei então, para definir o
FdE, o termo rede de militância
-
laboral, para acentuar o fato de que
em sua atuação há uma indistinção
entre militância e atividade produtiva
3
(o que talvez ainda se mantenha,
apesar do foco maior em atividades de
comunicação no geral). A diferença
para agentes de outros movimentos
que tem dedicação exclusiva à causa
é que no FdE a própria atividade
militante se realizava na produção de
eventos que se inserem em
um mercado, no caso, de bens
Os agentes do FdE apresentam
uma identidade militante com a rede,
assumindo sua atividade como uma
luta, e como algo que envolva toda a
sua vida (como manifesto na
vida FdE”).
Algo presente no repertório de reivindicações
, assim como
a luta por uma sociedade na qual poderia
haver uma indistinção entre trabalho e tempo
livre, na medida em que o trabalho fosse
Um movimento como o MST, por ex., tem
fins econômicos e se insere em um mercado,
mas nele há uma separação entre o momento
de militância e o momento de produção, no
Possuem ampla mobilidade, em geral
entre os festivais, com deslocamentos
seja por motivo de ajuda na produção,
seja na cobertura, assim como para a
realização de atividades de formação
(em todos os tipos de atividades
desenvolvidos na rede). E
período de expano, e ainda
recentemente, algumas de suas
lideranças realizam as chamadas
“colunas”, fazendo contato com
pessoas ligadas à cultura nas mais
diversas cidades, em especial no
interior, no intuito de apresentar sua
iniciativa e interlig
ar mais pessoas,
grupos e/ou coletivos à rede, ou
mesmo apresentando o modelo de
coletivo por eles utilizado.
Fica claro no perfil dos agentes
do FdE, e em suas práticas e valores
professados, as características e
demandas defendidas pela
Contracultura, e
parcialmente pelo novo espírito do
capitalismo. A participação no FdE
engendra o desenvolvimento,
percebido como uma transformação
pessoal e intersubjetiva, das
habilidades mais valorizados no
contexto do trabalho imaterial e do que
Boltanski e
Chiapello (2009) chamam
de “ambiente normativo da cidade por
122
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
Possuem ampla mobilidade, em geral
entre os festivais, com deslocamentos
seja por motivo de ajuda na produção,
seja na cobertura, assim como para a
realização de atividades de formação
(em todos os tipos de atividades
desenvolvidos na rede). E
m seu
período de expansão, e ainda
recentemente, algumas de suas
lideranças realizam as chamadas
colunas”, fazendo contato com
pessoas ligadas à cultura nas mais
diversas cidades, em especial no
interior, no intuito de apresentar sua
ar mais pessoas,
grupos e/ou coletivos à rede, ou
mesmo apresentando o modelo de
coletivo por eles utilizado.
Fica claro no perfil dos agentes
do FdE, e em suas práticas e valores
professados, as características e
demandas defendidas pela
Contracultura, e
assimiladas
parcialmente pelo novo espírito do
capitalismo. A participação no FdE
engendra o desenvolvimento,
percebido como uma transformação
pessoal e intersubjetiva, das
habilidades mais valorizados no
contexto do trabalho imaterial e do que
Chiapello (2009) chamam
de ambiente normativo da cidade por
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
projetos”, pautada na “lógica de rede.
Constitui-
se em uma organização em
rede ímpar, na medida em que
congrega atividade produtiva e
engajamento político/cultural, além da
defesa de uma ethos,
um estilo de vida
que se propõe contra-
hegemônico,
embora em muitos aspectos próximo
dos setores mais dinâmicos da
economia, tendo, porém, outro sentido
para seus agentes.
Dois pontos são importantes
aqui: (1) o sentido mais pleno da
realização de uma at
ividade cujo fim é
em si valorado, e o apenas um meio
para se adquirir capital ou poder: a
produção cultural; (2) uma rede que
radicaliza esta tendência posvel à
atividade, na medida em que se
constitui em um movimento social e é
imbuída de um sentido
militante em
suas atividades, mesmo nas mais
específicas de produção5.
Vontando à história do
surgimento da rede, destaco a fala de
Lenissa Lensa6
, que, junto com Pablo
Capilé, como mencionado, começa a
história do que seria o FdE,
5
Em seu discurso, a realização de eventos
alternativos também faz parte da luta, ou seja,
é um momento da defesa e afirmação da luta
festiva”, da “guerrilha cultural”.
6
Entrevista realizada em julho de 2015.
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
projetos”, pautada na lógica de rede”.
se em uma organização em
rede ímpar, na medida em que
congrega atividade produtiva e
engajamento político/cultural, além da
um estilo de vida
hegemônico,
embora em muitos aspectos próximo
dos setores mais dinâmicos da
economia, tendo, porém, outro sentido
Dois pontos são importantes
aqui: (1) o sentido mais pleno da
ividade cujo fim é
em si valorado, e não apenas um meio
para se adquirir capital ou poder: a
produção cultural; (2) uma rede que
radicaliza esta tendência possível à
atividade, na medida em que se
constitui em um movimento social e é
militante em
suas atividades, mesmo nas mais
Vontando à história do
surgimento da rede, destaco a fala de
, que, junto com Pablo
Capilé, como mencionado, começa a
história do que seria o FdE,
Em seu discurso, a realização de eventos
alternativos também faz parte da luta, ou seja,
é um momento da defesa e afirmação da “luta
Entrevista realizada em julho de 2015.
permanecendo ambos as pr
lideranças ainda hoje.
Lenissa formou
Comunicação, tendo sido liderança
bastante atuante no movimento
estudantil da UFMT. Diz que
ser Che Guevara
na faculdade
queria levar essa experiência de uma
vida mais subversiva e de l
Narra então a história do
começo do Espaço Cubo, o primeiro
coletivo, o criador do modelo, e seu
mais radical implementador, do que
seria o FdE:
A gente queria levar aquela
sensação, aquele sentimento,
trabalhar com cultura, trabalhar
com política, e etc., nessa
perspectiva, uma política cultural
e tal. Então beleza, vamos
montar esse negócio, que a gente
não sabia o que que era ainda, a
gente se j
untou em 5, [...] e
montamos o que viria a ser o
Espaço Cubo. No começo era
Cubo Mágico o nome. A gente
tava sobre forte influência de
festivais de cinema, tava muito ali
na universidade, a gente absorvia
muito, eu particularmente [...]. A
gente começa o
engano em abril de 2002, ou um
pouco antes. Como que a gente
começa: alugando uma casa,
fomos para essa casa, e aí a
gente estabeleceu o pacto de
“gente, vamos viver desse
negócio, então vamos morar aqui,
quem tiver empregos, saiam dos
s
eus empregos e vamos se
dedicar aqui...faculdade, vai ter
que priorizar aqui. Então eu fui a
única que fiquei na faculdade
123
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
permanecendo ambos as pr
incipais
lideranças ainda hoje.
Lenissa formou
-se em
Comunicação, tendo sido liderança
bastante atuante no movimento
estudantil da UFMT. Diz que
é cil
na faculdade
”, e que
queria levar essa experiência de uma
vida mais subversiva e de l
uta além.
Narra então a história do
começo do Espaço Cubo, o primeiro
coletivo, o criador do modelo, e seu
mais radical implementador, do que
A gente queria levar aquela
sensação, aquele sentimento,
trabalhar com cultura, trabalhar
com política, e etc., nessa
perspectiva, uma política cultural
e tal. Então beleza, vamos
montar esse negócio, que a gente
não sabia o que que era ainda, a
untou em 5, [...] e
montamos o que viria a ser o
Espaço Cubo. No começo era
Cubo Mágico o nome. A gente
tava sobre forte influência de
festivais de cinema, tava muito ali
na universidade, a gente absorvia
muito, eu particularmente [...]. A
gente começa o
Cubo, se não me
engano em abril de 2002, ou um
pouco antes. Como que a gente
começa: alugando uma casa,
fomos para essa casa, e a
gente já estabeleceu o pacto de
gente, vamos viver desse
negócio, então vamos morar aqui,
quem tiver empregos, saiam dos
eus empregos e vamos se
dedicar aqui...faculdade, vai ter
que priorizar aqui”. Então eu fui a
única que fiquei na faculdade
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
ainda, os outros todos largaram e
entraram, eu fiquei na faculdade
porque a negociação com meus
pais era ir e fazer a faculdade,
ent
ão eu tinha também que
equilibrar isso. Me formei em 10
anos, porque trancava, voltava,
trancava, voltava, não dava pra
ficar na faculdade no início de
uma história, onde vo tem que
se dedicar muito, não tinha
dinheiro, a gente tinha que... a
gente começ
ou, o Pablo trocou o
carro que ele tinha em um estúdio
[...]. A gente pegou muito trampo
de vídeo na época, a gente
começou a ir atrás pra pegar e
juntar uma grana e a gente
começar a se virar com aquilo.
[...]Mas o principal, o que deu
mais estabilidade,
gente discutia “a gente não é uma
empresa, a gente não quer ser
uma empresa”, sair por aí
pegando serviço, vendendo um
monte de serviço, conseguindo o
dinheiro, e pronto. Então rolava
uma crise de identidade nesse
sentido, e política mesmo, de p
onde nós vamos, o que que nós
queremos. Então, a melhor
solução, a mais orgânica, foi
quando a gente pensou no
projeto 12 atos, que era uns
eventos que a gente ia fazer para
começar a movimentar a cena
musical. E a música começou a
aparecer muito mais f
pra nós. Os meninos já vinham
da música, outros amigos nossos
haviam feito a primeira edição
do festival Calango em 2001, a
gente viu aquilo e achou foda,
então a gente tava mais
disposto a organizar uma cena de
música, foi aonde a gente
co
meçou a pensar em organizar
essa cena. [...] O projeto do
Calango era de 2 amigos do
Pablo, eles conseguiram um
recurso da lei estadual, 30 mil, 40
mil não sei, coisa assim. Mas
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
ainda, os outros todos largaram e
entraram, eu fiquei na faculdade
porque a negociação com meus
pais era ir e fazer a faculdade,
ão eu tinha também que
equilibrar isso. Me formei em 10
anos, porque trancava, voltava,
trancava, voltava, não dava pra
ficar na faculdade no início de
uma história, onde você tem que
se dedicar muito, não tinha
dinheiro, a gente tinha que... a
ou, o Pablo trocou o
carro que ele tinha em um estúdio
[...]. A gente pegou muito trampo
de deo na época, a gente
começou a ir atrás pra pegar e
juntar uma grana e a gente
começar a se virar com aquilo.
[...]Mas o principal, o que deu
por que a
gente discutia a gente não é uma
empresa, a gente não quer ser
uma empresa, sair por
pegando serviço, vendendo um
monte de serviço, conseguindo o
dinheiro, e pronto. Então rolava
uma crise de identidade nesse
sentido, e política mesmo, de p
ra
onde nós vamos, o que que nós
queremos. Então, a melhor
solução, a mais orgânica, foi
quando a gente pensou no
projeto 12 atos, que era uns
eventos que a gente ia fazer para
começar a movimentar a cena
musical. E a música começou a
aparecer muito mais f
ortemente
pra nós. Os meninos vinham
da música, outros amigos nossos
já haviam feito a primeira edição
do festival Calango em 2001, a
gente viu aquilo e achou foda,
então a gente já tava mais
disposto a organizar uma cena de
música, foi aonde a gente
meçou a pensar em organizar
essa cena. [...] O projeto do
Calango era de 2 amigos do
Pablo, eles conseguiram um
recurso da lei estadual, 30 mil, 40
mil não sei, coisa assim. Mas
fizeram um puta festival bacana e
aquilo, a gente falou que louco,
pra...
e no meio das pessoas
que foram levadas pra lá, tinha
um cara, tipo um olheiro de uma
gravadora que os meninos
chamaram, ele foi, acho que Adel
Valério o nome dele, e ele falou
“ó gente, muito legal o festival de
vocês, mas não adianta nada
fazer um festi
val desse uma vez
por ano, e não ter uma cena. [...]
e a gente começou a conspirar
pra esse projeto que o Espaço
Cubo viria a ser, e o Pablo
pensou no projeto 12 atos,
começar a fazer um evento por
mês, pra começar.
Posteriormente acabam assumindo o
Festival Calango:
E dali a gente começa, em
2003 o Calango junto, em 2005 já
era nós no Calango. Então, a
gente pegou o Calango e
continuou tocando. E o Calango
de 2005 foi um marco assim,
porque foi quando a gente
definitivamente entrou na rota da
cen
a independente. Era a terceira
edição do Calango, já foi muito
mais encorpada, foi lá na UFMT.
Levamos um monte de banda
legal, que a gente já tinha
circulado por Goiânia, já tava com
o Nobre [produtor do Goiânia
Noise]... [...] 2005 foi quando a
gente com
eçou a sair mesmo.
Até 2005, a gente ia no máximo
em Goiânia, que era cena perto,
centro-
oeste, e era uma cena
muito bombada né, era uma cena
nacional, embora fosse em
Goiânia era uma das cenas mais
bombadas. [...] A ideia era isso,
tocar festival, ampliar
pouco ter uma casa de shows,
ver como eles conseguiram
construir a historia lá, a cena
deles pra s era uma puta
124
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
fizeram um puta festival bacana e
aquilo, a gente falou “que louco”,
e no meio das pessoas
que foram levadas pra , tinha
um cara, tipo um olheiro de uma
gravadora que os meninos
chamaram, ele foi, acho que Adel
Valério o nome dele, e ele falou
ó gente, muito legal o festival de
vos, mas não adianta nada
val desse uma vez
por ano, e não ter uma cena”. [...]
e a gente começou a conspirar
pra esse projeto que o Espaço
Cubo viria a ser, e o Pablo
pensou no projeto 12 atos,
começar a fazer um evento por
mês, pra começar.
Posteriormente acabam assumindo o
E aí dali a gente começa, em
2003 o Calango junto, em 2005 já
era nós no Calango. Então, a
gente pegou o Calango e
continuou tocando. E o Calango
de 2005 foi um marco assim,
porque foi quando a gente
definitivamente entrou na rota da
a independente. Era a terceira
edição do Calango, foi muito
mais encorpada, foi na UFMT.
Levamos um monte de banda
legal, que a gente tinha
circulado por Goiânia, já tava com
o Nobre [produtor do Goiânia
Noise]... [...] 2005 foi quando a
eçou a sair mesmo.
Até 2005, a gente ia no máximo
em Goiânia, que era cena perto,
oeste, e era uma cena
muito bombada né, era uma cena
nacional, embora fosse em
Goiânia era uma das cenas mais
bombadas. [...] A ideia era isso,
tocar festival, ampliar
pra daqui a
pouco ter uma casa de shows,
ver como eles conseguiram
construir a historia lá, a cena
deles pra nós era uma puta
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
referência, a gente falou vamos
ser Goiânia”, tipo, o nosso
primeiro objetivo é a gente ser
uma cena mesmo, e tal. Mas aí
nessa
parceria com Goiânia, de
conhecer Goiânia, a gente viu
que... Goiânia também tinha um
espírito mais mercadológico. Era
um mercado independente, era
um mercado... ideológico
também. Mas era muito...
mercado sabe, e a gente era
mais coisa pública, a gente ta
pensando mais política pública,
tudo tem que ser muito barato,
tudo tem que ser popular, de
graça, pras pessoas... Então era
meio que o extremo da coisa, um
e outro. E a gente foi meio que
tentando, “vamos tentar cruzar as
duas coisas”, porque a gente
p
recisa criar esse mercado, pra
sobreviver e tal, e ao mesmo
tempo a gente não pode fazer
com que esse mercado engula o
objetivo maior, que é ter uma
política pública ali mesmo e tal.
Então a gente foi meio que
criando uma ponte pra essas
duas coisas, a gen
tinha um mercado, mas o nosso
mercado era um povo mais
precário do que o deles, e a
gente foi desenvolvendo isso,
esse equilíbrio. [...] Eu lembro
que os shows que eles faziam era
15 reais, pra gente era caríssimo,
o nosso era 3, 5, entendeu? O
c
alango mesmo que tinha
incentivo, poder público, estadual,
“não gente, vamos fazer preço
popular, 3 conto”.
A fundação do FdE se dá em
paralelo com a fundação da Abrafin
(Associação Brasileira de Festivais
Independentes):
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
referência, a gente falou “vamos
ser Goiânia, tipo, o nosso
primeiro objetivo é a gente ser
uma cena mesmo, e tal. Mas
parceria com Goiânia, de
conhecer Goiânia, a gente viu
que... Goiânia também tinha um
espírito mais mercadológico. Era
um mercado independente, era
um mercado... ideológico
também. Mas era muito...
mercado sabe, e a gente era
mais coisa pública, a gente ta
va
pensando mais política pública,
tudo tem que ser muito barato,
tudo tem que ser popular, de
graça, pras pessoas... Então era
meio que o extremo da coisa, um
e outro. E a gente foi meio que
tentando, vamos tentar cruzar as
duas coisas, porque a gente
recisa criar esse mercado, pra
sobreviver e tal, e ao mesmo
tempo a gente não pode fazer
com que esse mercado engula o
objetivo maior, que é ter uma
política pública ali mesmo e tal.
Então a gente foi meio que
criando uma ponte pra essas
duas coisas, a gen
te também
tinha um mercado, mas o nosso
mercado era um povo mais
prerio do que o deles, e a
gente foi desenvolvendo isso,
esse equilíbrio. [...] Eu lembro
que os shows que eles faziam era
15 reais, pra gente era caríssimo,
o nosso era 3, 5, entendeu? O
alango mesmo que tinha
incentivo, poder público, estadual,
não gente, vamos fazer preço
A fundação do FdE se em
paralelo com a fundação da Abrafin
(Associação Brasileira de Festivais
A Abrafin foi fundada no final d
2005, no Noise, aí dessa
galera da Abrafin a gente juntou a
galera que era mais... a ver,
galera que era mais de guerrilha,
que não era aquela galera que
queria ficar nos festivais e tal, e
montamos o Fora do Eixo. [...] e
nessa em 2008 já foi o pr
congresso, foi um monte de
gurizada afim de entender melhor
o FdE, participar do FdE, e nessa
vem a gurizada lá de São Carlos,
do Massa Coletiva, Felipe, Carol,
ele arrebentaram. [...] eles que
trouxeram o Shimbo, aí que nós
ficamos sabendo de ec
solidária, por conta deles, porque
a gente mesmo era ignorância
total. [...] o Shimbo que
desenvolveu com a gente, foi no
congresso do Acre, o segundo
congresso [...].
Sobre o caixa coletivo:
[...] vocês não o
economia solidária, como vos
tem as tecnologias mais
avançadas do mundo, de caixa
coletivo [fala do Shimbo], que o
Cubo sempre teve isso né. A rede
nem sempre, não foi todo mundo
que pegou o caixa coletivo como
aplicativo, baixou, e falou vam
fazer. Começaram aos poucos,
porque geralmente tinha alguns
que não quiseram sair dos
empregos e mudar pra uma casa,
foi gradativo né. A gente foi o
único coletivo que já começou
assim, chegou chegando,
começou radicalizando. A gente
nem sabia que
radicalizando na pauta na época.
Mas a gente foi o único, da
história da rede. Até o Massa
Coletiva foi aos poucos [...]
125
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
A Abrafin foi fundada no final d
e
2005, lá no Noise, dessa
galera da Abrafin a gente juntou a
galera que era mais... a ver,
galera que era mais de guerrilha,
que não era só aquela galera que
queria ficar nos festivais e tal, e
montamos o Fora do Eixo. [...] e
nessa em 2008 foi o pr
imeiro
congresso, já foi um monte de
gurizada afim de entender melhor
o FdE, participar do FdE, e nessa
vem a gurizada de São Carlos,
do Massa Coletiva, Felipe, Carol,
ele arrebentaram. [...] eles que
trouxeram o Shimbo, que nós
ficamos sabendo de ec
onomia
solidária, por conta deles, porque
a gente mesmo era ignorância
total. [...] o Shimbo que
desenvolveu com a gente, foi no
congresso do Acre, o segundo
congresso [...].
Sobre o caixa coletivo:
[...] vos não são
totalmente
economia solidária, como vocês
tem as tecnologias mais
avançadas do mundo, de caixa
coletivo [fala do Shimbo], que o
Cubo sempre teve isso né. A rede
nem sempre, não foi todo mundo
que pegou o caixa coletivo como
aplicativo, baixou, e falou vam
o
fazer. Começaram aos poucos,
porque geralmente tinha alguns
que não quiseram sair dos
empregos e mudar pra uma casa,
aí foi gradativo né. A gente foi o
único coletivo que começou
assim, já chegou chegando,
começou radicalizando. A gente
nem sabia que
a gente tava
radicalizando na pauta na época.
Mas a gente foi o único, da
história da rede. Até o Massa
Coletiva foi aos poucos [...]
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
Sobre o modelo de coletivo do
FdE, ou o “pacote inteiro” (expressão
minha) desse modelo:
Olha, no início, a gente
provoca
va muito pra que os
coletivos fossem esse pacote
inteiro. Então, a grande maioria
tinha um pacote inteiro. Aí,
porque mesmo que não fosse o
caixa coletivo na sua
performance mais alta, todo
mundo... começou a ter a história
do caixa coletivo integral, e
pa
rcial, então alguns já
começavam a se juntar, mesmo
que não estivessem morando em
um lugar só. Porque isso também
foi um pulo, a galera começou a
mudar rápido pras casas, porque
viu que era mais barato, era uma
coisa prática, otimizava muito
mais. Então a
galera começou a
mudar, mesmo que tinha cada
um seus empregos, morar junto
não inviabiliza isso. Aí uns
preservavam o emprego, outros
saíam, a galera ia fazendo mais
ou menos isso, sai 3 do emprego,
2 ficam e mantem pra gente
garantir um caixa, mais tranqu
pra todo mundo... Então aí do
cara ali trabalhando e ter o
salário que é dele em tese, mas
que ele disponibiliza pro coletivo,
pra ajudar a gestão coletiva, ele
era um caixa coletivo. Então a
galera começou a fazer isso.
Então depois a gente c
decupar isso, tinha o caixa
coletivo parcial e o integral. Igual
o núcleo durável: existe um
núcleo dedicado em dedicação
exclusiva e dedicação integral. O
integral, as vezes ele tá numa
faculdade, as vezes ele trabalha
em outro lugar, mas ele mes
do trabalho ou da faculdade ele tá
pensando o tempo inteiro nas
articulações pro coletivo, ele
ajuda o coletivo, ele hackeia o
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Sobre o modelo de coletivo do
FdE, ou o pacote inteiro (expressão
Olha, no início, a gente
va muito pra que os
coletivos fossem esse pacote
inteiro. Então, a grande maioria
tinha um pacote inteiro. Aí,
porque mesmo que não fosse o
caixa coletivo na sua
performance mais alta, todo
mundo... começou a ter a história
do caixa coletivo integral, e
rcial, então alguns
começavam a se juntar, mesmo
que não estivessem morando em
um lugar . Porque isso também
foi um pulo, a galera começou a
mudar rápido pras casas, porque
viu que era mais barato, era uma
coisa prática, otimizava muito
galera começou a
mudar, mesmo que tinha cada
um seus empregos, morar junto
não inviabiliza isso. uns
preservavam o emprego, outros
saíam, a galera ia fazendo mais
ou menos isso, sai 3 do emprego,
2 ficam e mantem pra gente
garantir um caixa, mais tranqu
ilo
pra todo mundo... Então do
cara tá ali trabalhando e ter o
salário que é dele em tese, mas
que ele disponibiliza pro coletivo,
pra ajudar a gestão coletiva, ele
já era um caixa coletivo. Então a
galera começou a fazer isso.
Então depois a gente c
omeçou a
decupar isso, tinha o caixa
coletivo parcial e o integral. Igual
o núcleo durável: existe um
núcleo dedicado em dedicação
exclusiva e dedicação integral. O
integral, as vezes ele numa
faculdade, as vezes ele trabalha
em outro lugar, mas ele mes
mo
do trabalho ou da faculdade ele tá
pensando o tempo inteiro nas
articulações pro coletivo, ele
ajuda o coletivo, ele hackeia o
lugar que ele tá pro coletivo [...]
começamos, isso aqui é
colaborador, isso aqui é eventual,
porque tinha muita gente que
vinha no Cubo estimulado pelo
Calango, eu quero fazer o
Calango, eu quero trabalhar no
Calango, esse resto do pacote aí
não me interessa, entendeu, ou
eu quero o Grito Rock, ou eu
quero a Seda, a próxima cena, as
frentes gestoras que a gente
começou a trab
gente começou a ver que a gente
tinha um leque de opções pra
agregar um monte de gente, cada
um fica na sua camada, não
precisa ficar ali convivendo, e ter
ruído, e ter problema de
desorganização, [...] então o trem
começou a fluir, olha de
pessoa ir vindo aos poucos, vem
pelo Calango [...] e diz, opa eu
me interesso, então fica por
experiência, fica aqui um tempo
aprendendo, depois você vai pra
sua casa, pensa se é isso mesmo
que você quer, depois vo entra.
Um trem mais leve, começou
ficar mais leve, porque antes todo
mundo entrava, aí tretava, aí já
não dava e saia, era mais
traumático mesmo, era mais
violento, entendeu, porque
ninguém sabia de nada, e todo
mundo tava ali tentando. Quando
a gente começa a sistematizar
essas coisas,
aí o trem fica mais
suave.
Vontando à antes disso tudo,
podemos observar que oFdE surge a
partir do novo circuito de festivais
independentes que começa a se
formar nos anos 90 (com alguns dessa
época existindo ainda hoje), e se
consolida nos anos 2000. U
126
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
lugar que ele pro coletivo [...]
Aí começamos, isso aqui é
colaborador, isso aqui é eventual,
porque tinha muita gente que
vinha no Cubo estimulado pelo
Calango, eu quero fazer o
Calango, eu quero trabalhar no
Calango, esse resto do pacote
não me interessa, entendeu, ou
eu quero o Grito Rock, ou eu
quero a Seda, a próxima cena, as
frentes gestoras que a gente
começou a trab
alhar. Então, a
gente começou a ver que a gente
tinha um leque de opções pra
agregar um monte de gente, cada
um fica na sua camada, não
precisa ficar ali convivendo, e ter
ruído, e ter problema de
desorganização, [...] então o trem
começou a fluir, olha de
ixa a
pessoa ir vindo aos poucos, vem
pelo Calango [...] e diz, opa eu
me interesso, então fica por
experiência, fica aqui um tempo
aprendendo, depois você vai pra
sua casa, pensa se é isso mesmo
que vo quer, depois você entra.
Um trem mais leve, começou
a
ficar mais leve, porque antes todo
mundo entrava, tretava,
não dava e saia, era mais
traumático mesmo, era mais
violento, entendeu, porque
ninguém sabia de nada, e todo
mundo tava ali tentando. Quando
a gente começa a sistematizar
o trem fica mais
Vontando à antes disso tudo,
podemos observar que oFdE surge a
partir do novo circuito de festivais
independentes que começa a se
formar nos anos 90 (com alguns dessa
época existindo ainda hoje), e se
consolida nos anos 2000. U
ma série
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
de fatores irão influenciar o surgimento
desse fenômeno social peculiar que é
o FdE, mas pode-
se situar seu
surgimento e consolidação como uma
rede de abrangência nacional na
articulação realizada por produtores de
festivais deste circuito “indepe
em meados dos anos 2000. Ao tratar
da discussão específica sobre o que é,
afinal, o FdE, constata
-
mesmo está ao mesmo tempo aquém
e além da discussão sobre produção
cultural -
que é, como mencionado no
início, o tema da minha tese de
doutorado (GRILLO, 2017
a
A minha tese é de que a
produção cultural é uma atividade em
que é possível a experiência de um
sentido mais pleno, autônomo e livre
para o trabalho, sentido que emerge
no imaginário ocidental, sendo
incorporado à seu repertório, a p
do movimento de Contracultura,
sentido, porém, que é capturado pela
lógica do Capital, transformado na
ideologia que é o “novo espírito do
capitalismo”, mas que permanece em
seu significado autêntico como uma
7
Embora o ideal em si deste novo sentido
para o trabalho já estivesse presente, de certa
maneira, por ex. em Marx, ou mesmo, indo
mais longe, na Utopia de Thomas Morus.
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
de fatores irão influenciar o surgimento
desse fenômeno social peculiar que é
se situar seu
surgimento e consolidação como uma
rede de abrangência nacional na
articulação realizada por produtores de
festivais deste circuito indepe
ndente”
em meados dos anos 2000. Ao tratar
da discussão específica sobre o que é,
-
se que o
mesmo está ao mesmo tempo aquém
e além da discussão sobre produção
que é, como mencionado no
início, o tema da minha tese de
a
).
A minha tese é de que a
produção cultural é uma atividade em
que é possível a experiência de um
sentido mais pleno, autônomo e livre
para o trabalho, sentido que emerge
7
no imaginário ocidental, sendo
incorporado à seu repertório, a p
artir
do movimento de Contracultura,
sentido, porém, que é capturado pela
lógica do Capital, transformado na
ideologia que é o novo espírito do
capitalismo, mas que permanece em
seu significado autêntico como uma
Embora o ideal em si deste novo sentido
para o trabalho já estivesse presente, de certa
maneira, por ex. em Marx, ou mesmo, indo
mais longe, na Utopia de Thomas Morus.
possibilidade, para os poucos que
consegu
em de fato vivê
liberdade. Defendo que esse é o
sentido subjetivo atribuído à atividade
de produção cultural por muitos dos
produtores analisados em minha
pesquisa de doutorado (tanto
membros quanto ex
-
membros do FdE), embora esta não
seja, como não se pretende ser, uma
interpretação generalizável a toda a
categoria de produtores culturais,
sendo, como defendido, um sentido
possível, possuindo a atividade
tendências possíveis de radicalização
das demandas forjadas no âmbito da
Contracu
ltura, radicalização de formas
de trabalho, assim como de militância
política e mesmo existenciais
8
Embora normalmente não se c
produção em si, que costuma ser bastante
trabalhosa e até mesmo estressante (sendo o
grosso do ato de produzir, além da elaboração
e organização, a resolução de problemas e
imprevistos no desenrolar da elaboração e
execução de um evento), e nã
(como defendiam alguns dos mais radicais da
Contracultura que o trabalho deveria se
transformar), e sendo usualmente executada
com grande seriedade, sua realização pode ter
um sentido mais pleno e pode ser gratificante
em si mesma. É interes
sante nesse ponto um
relato que ouvi de um dos entrevistados, em
uma roda de conversas que abria o tradicional
festival de rock que produz há 12 anos na
cidade: de que não podia esperar pra semana
passar logo, que festival dava muito trabalho.
Ele já havia
dito na entrevista que era muito
cansativo, que há muito já queria ter parado de
fazer, mas era importante para a cena, todo
127
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
possibilidade, para os poucos que
em de fato vivê
-lo como
liberdade. Defendo que esse é o
sentido subjetivo atribuído à atividade
de produção cultural por muitos dos
produtores analisados em minha
pesquisa de doutorado (tanto
-
membros e o-
membros do FdE), embora esta não
seja, como não se pretende ser, uma
interpretação generalizável a toda a
categoria de produtores culturais,
sendo, como defendido, um sentido
posvel, possuindo a atividade
tendências possíveis de radicalização
das demandas forjadas no âmbito da
ltura, radicalização de formas
de trabalho, assim como de militância
política e mesmo existenciais
8.
Embora normalmente não se c
aracterize a
produção em si, que costuma ser bastante
trabalhosa e até mesmo estressante (sendo o
grosso do ato de produzir, além da elaboração
e organização, a resolução de problemas e
imprevistos no desenrolar da elaboração e
execução de um evento), e
o uma diversão
(como defendiam alguns dos mais radicais da
Contracultura que o trabalho deveria se
transformar), e sendo usualmente executada
com grande seriedade, sua realização pode ter
um sentido mais pleno e pode ser gratificante
sante nesse ponto um
relato que ouvi de um dos entrevistados, em
uma roda de conversas que abria o tradicional
festival de rock que produz há 12 anos na
cidade: de que não podia esperar pra semana
passar logo, que festival dava muito trabalho.
dito na entrevista que era muito
cansativo, que há muito já queria ter parado de
fazer, mas era importante para a cena, todo
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
Minha análise então do FdE se
na perspectiva, desenvolvida do
longo da tese, da produção cultural,
através de uma sociologia do trabalho
com arte e cul
tura. Outras
perspectivas, obviamente, o
possíveis, e até mais apropriadas se o
que se têm em vista é a estudo do FdE
em si, e não como um caso peculiar
que joga luz a tendências
contemporâneas possíveis da
atividade de produção cultural, como
foi meu ca
so. Apesar de inexistentes
quando comecei a estudá
meados de 2010, ao longo dos anos
inúmeros trabalhos sobre o FdE foram
surgindo, uma série de TCCs de
graduação, de dissertações de
mundo ficava na expectativa... Já outros, como
o caso em especial de uma entrevistada,
defendiam a atividade em si como prazerosa,
embora, ao reencontrá-
la posteriormente, ela
me disse que estava evitando os trabalhos
como produtora, para se dedicar as suas
atividades específicas como arquiteta. Minha
experiência, como uma pessoa não muito hábil
na resolução de problemas práticos, ai
mais imprevistos em um ritmo frenético,
experiência pouca e precária, não foi
prazerosa nas atividades de produção em si,
basicamente um festival de cinema do FdE
(com um encerramento de multi
-
incluindo música) e alguns shows meus (como
músico a
mador). Com tudo resolvido e sob
controle, com boa resposta, era gratificante,
dava certo orgulho e satisfação. Mas nunca fui
um bom produtor,os shows das bandas em
que toquei eram bem esporádicos, e sempre
achei péssimo ter que lidar com essas
questões quando ia tocar.
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
Minha análise então do FdE se
dá na perspectiva, desenvolvida do
longo da tese, da produção cultural,
através de uma sociologia do trabalho
tura. Outras
perspectivas, obviamente, são
posveis, e até mais apropriadas se o
que se têm em vista é a estudo do FdE
em si, e não como um caso peculiar
que joga luz a tendências
contemporâneas possíveis da
atividade de produção cultural, como
so. Apesar de inexistentes
quando comecei a estudá
-lo, em
meados de 2010, ao longo dos anos
inúmeros trabalhos sobre o FdE foram
surgindo, uma série de TCC’s de
graduação, de dissertações de
mundo ficava na expectativa... Já outros, como
o caso em especial de uma entrevistada,
defendiam a atividade em si como prazerosa,
la posteriormente, ela
me disse que estava evitando os trabalhos
como produtora, para se dedicar as suas
atividades específicas como arquiteta. Minha
experiência, como uma pessoa não muito hábil
na resolução de problemas práticos, ai
nda
mais imprevistos em um ritmo frenético,
experiência pouca e precária, não foi
prazerosa nas atividades de produção em si,
basicamente um festival de cinema do FdE
-
artes,
incluindo música) e alguns shows meus (como
mador). Com tudo resolvido e sob
controle, com boa resposta, era gratificante,
dava certo orgulho e satisfação. Mas nunca fui
um bom produtor,os shows das bandas em
que toquei eram bem esporádicos, e sempre
achei péssimo ter que lidar com essas
mestrado e, até onde conheço, apenas
uma tese de doutorado, na ár
Administração.
Em sua tese, Renata Barcellos
(2012) desenvolve, a partir da teoria
de Laclau e Mouffe, uma análise do
discurso dos agentes do FdE,
caracterizando a rede como uma
“forma alternativa de organização
baseada em um discurso contra
hegemôn
ico”. A autora já trás como
elementos para a compreensão do
FdE a análise das políticas culturais e
o surgimento de um novo circuito de
festivais.
Outro trabalho sobre o FdE que
destaco é a já mencionada
dissertação, posteriormente lançada
em livro (na ár
ea de Ciência Política),
de Rodrigo Savazoni (2014). Para
quem quer ler um trabalho sobre o
FdE, esse é o livro, visto que nele o
autor apresenta uma descrição
pormenorizada da trajetória da rede,
atento a todos os acontecimentos mais
importantes, inclusiv
e às polêmicas e
às graves acusações que surgiram em
bloco em agosto de 2013, cujos
principais relatos críticos estão
inclusive reproduzidos no livro. O autor
parte da teoria de redes desenvolvida
por Manuel Castells, através da qual
128
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
mestrado e, até onde conheço, apenas
uma tese de doutorado, na ár
ea de
Em sua tese, Renata Barcellos
(2012) desenvolve, a partir da teoria
de Laclau e Mouffe, uma análise do
discurso dos agentes do FdE,
caracterizando a rede como uma
forma alternativa de organização
baseada em um discurso contra
-
ico. A autora trás como
elementos para a compreensão do
FdE a análise das políticas culturais e
o surgimento de um novo circuito de
Outro trabalho sobre o FdE que
destaco é a mencionada
dissertação, posteriormente lançada
ea de Ciência Política),
de Rodrigo Savazoni (2014). Para
quem quer ler um trabalho sobre o
FdE, esse é o livro, visto que nele o
autor apresenta uma descrição
pormenorizada da trajetória da rede,
atento a todos os acontecimentos mais
e às polêmicas e
às graves acusações que surgiram em
bloco em agosto de 2013, cujos
principais relatos críticos estão
inclusive reproduzidos no livro. O autor
parte da teoria de redes desenvolvida
por Manuel Castells, através da qual
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cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
se desenvolve o entend
imento de que
a formação e a atuação em rede o a
forma por excelência de se conseguir
e maximizar o poder na “sociedade em
rede”. Expõe uma articulação
interessante sobre a questão da
horizontalidade, tão polêmica em
estudos de rede, afirmando que, no
Fd
E, uma horizontalidade cotidiana
convive com momentos de
verticalidade, fundamentais para a
estruturação e curso das atividades da
rede.
Minha interpretação do FdE,
como visto, se a partir do objetivo
de analisar seus agentes, ou ao
menos parte deles, c
omo casos
peculiares de produtores culturais que
radicalizam algumas tendências
possíveis do trabalho e da política no
mundo contemporâneo. O fato de o
FdE ser mais e menos, e com o passar
dos anos acentuadamente mais e
menos, do que uma rede de
produtores
culturais, apenas corrobora
essa hipótese. O sentido militante da
atividade, que podemos observar
cotidianamente refletido na nossa
dominante ideologia do novo espírito
do capitalismo por meio do discurso do
empreendedorismo superficial, do
coaching e de
toda gama de discursos
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
imento de que
a formação e a atuação em rede são a
forma por excelência de se conseguir
e maximizar o poder na sociedade em
rede. Expõe uma articulação
interessante sobre a questão da
horizontalidade, tão polêmica em
estudos de rede, afirmando que, no
E, uma horizontalidade cotidiana
convive com momentos de
verticalidade, fundamentais para a
estruturação e curso das atividades da
Minha interpretação do FdE,
como visto, se dá a partir do objetivo
de analisar seus agentes, ou ao
omo casos
peculiares de produtores culturais que
radicalizam algumas tendências
posveis do trabalho e da política no
mundo contemporâneo. O fato de o
FdE ser mais e menos, e com o passar
dos anos acentuadamente mais e
menos, do que uma rede de
culturais, apenas corrobora
essa hipótese. O sentido militante da
atividade, que podemos observar
cotidianamente refletido na nossa
dominante ideologia do novo espírito
do capitalismo por meio do discurso do
empreendedorismo superficial, do
toda gama de discursos
motivacionais, levou aqui a que a
militância mesma, como atuação e luta
política, tenha ganho preponderância e
passasse a ter existência quase
exclusiva na atuação dos membros da
rede, e da rede em si.
Não tem-se
aqui a pretensão,
mesmo fundamentado em densas
referências teóricas e longa pesquisa
empírica, de se apresentar uma
palavra final sobre o que a rede é em
si”, e do que significam o
descontentamento de tantos que se
insurgiram em bloco para denunciá
la”.
Como observador, conjecturo que:
muito da insatisfação pode advir
simplesmente de conflitos e mágoas
pessoais (por vezes proveniente de
sentimentos de falta de
reconhecimento do seu trabalho, do
seu empenho e dedicação à rede), não
decorrentes da forma de
que foi vivida como gratificante até
certo momento; alguns podem ter visto
na rede uma forma de alcançar,
pessoalmente, mais poder e influência,
e, tendo-
se frustrado em suas
expectativas, voltaram
a mesma (como especulam algu
membros da rede ao se
“defenderem”); ou, ao contrário, se
decepcionaram ao perceber que ela
129
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
motivacionais, levou aqui a que a
militância mesma, como atuação e luta
política, tenha ganho preponderância e
passasse a ter existência quase
exclusiva na atuação dos membros da
rede, e da rede em si.
aqui a pretensão,
mesmo fundamentado em densas
referências teóricas e longa pesquisa
empírica, de se apresentar uma
palavra final sobre o que a rede é “em
si, e do que significam o
descontentamento de tantos que se
insurgiram em bloco para “denunciá
-
Como observador, conjecturo que:
muito da insatisfação pode advir
simplesmente de conflitos e mágoas
pessoais (por vezes proveniente de
sentimentos de falta de
reconhecimento do seu trabalho, do
seu empenho e dedicação à rede), não
decorrentes da forma de
organização,
que foi vivida como gratificante até
certo momento; alguns podem ter visto
na rede uma forma de alcançar,
pessoalmente, mais poder e influência,
se frustrado em suas
expectativas, voltaram
-se então contra
a mesma (como especulam algu
ns
membros da rede ao se
defenderem); ou, ao contrário, se
decepcionaram ao perceber que ela
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cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
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Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
não era o ideal que talvez
imaginassem; ou ainda, o que seria
uma interpretação corroborada pela
discussão teórica da minha tese, de
que alguns, embora ante um f
inicial, em especial pelos discursos do
líder carismático que inegavelmente é
Pablo Capilé, não possuíam as
características necessárias ao bom
desempenho dentro da lógica do
“trabalho imaterial” pautado na lógica
de rede” e, não conseguindo
desenvolvê-
las, em uma espécie de
“conversão” vivida como uma
transformação pessoal (o que de fato
é), e dado o sentido de vanguarda, de
portador de um futuro melhor e de uma
forma de viver mais, digamos,
“avançada”, ou que se julga ser o
futuro”, esses que não
se adaptam
vivem a experiência como uma grande
frustração que, acompanhada do
convívio com um discurso de que esse
modo de vida ao qual não se
consegue adaptar é uma forma
superior de vida, mais madura ou o
que seja, pode levar a um grande
descontentament
o, a sentir
oprimido por uma visão de mundo que,
na prática, coloca a forma de viver na
qual esses se sentem melhor como
inferior de certa forma. Nota pessoal
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e militância
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Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
não era o ideal que talvez
imaginassem; ou ainda, o que seria
uma interpretação corroborada pela
discuso teórica da minha tese, de
que alguns, embora ante um f
ascínio
inicial, em especial pelos discursos do
líder carismático que inegavelmente é
Pablo Capilé, não possuíam as
características necesrias ao bom
desempenho dentro da lógica do
trabalho imaterial pautado na “lógica
de rede e, não conseguindo
las, em uma espécie de
convero vivida como uma
transformação pessoal (o que de fato
é), e dado o sentido de vanguarda, de
portador de um futuro melhor e de uma
forma de viver mais, digamos,
avançada, ou que se julga ser “o
se adaptam
vivem a experiência como uma grande
frustração que, acompanhada do
convio com um discurso de que esse
modo de vida ao qual não se
consegue adaptar é uma forma
superior de vida, mais madura ou o
que seja, pode levar a um grande
o, a sentir
-se
oprimido por uma visão de mundo que,
na prática, coloca a forma de viver na
qual esses se sentem melhor como
inferior de certa forma. Nota pessoal
(mas relevante como observador
participante): eu mesmo sou um que
nunca que adaptaria a esse e
vida (embora o viva parcialmente, com
gosto, como acadêmico, apesar dos
dilemas e tensões naturais a este
meio). Mas, ao longo dos anos,
conheci muitos que se realizaram nele,
que passaram pela rede e viveram
essa experiência como um rico
process
o de amadurecimento, que
lhes capacitou e formou para exercer
atividades no âmbito da produção
cultural e da política, e uns tantos que
permanecem hoje atuando no FdE,
assim como muitos que, desde o
começo (para mim, em 2010), já eram
críticos e insatisfei
tos
9
Pessoas que reclamavam que sua dedicação
e realizações na rede não propiciaram o
retorno e o reconhecimento de protagonismo
merecidos, pessoas que acusavam a
existência de uma “elite” e uma hierarquia (em
especial nos relatos do agosto de
reclamavam da “politicagem, e por aí afora.
Como meu objeto não era o FdE em si, sua
estrutura e modo de organização, essa
discussão se tornou secundária, ainda mais
por minha abordagem não ser de Ciência
Política. Na perspectiva desta, poderia
explorar, por ex., a clássica abordagem de
Robert Michels, ancorada na famosa lei de
ferro das oligarquias”, em sua afirmação de
que toda organização, necessariamente, ao se
estruturar e organizar, acaba formando uma
burocracia, uma hierarquia de funç
elite dirigente. Trazendo para a discuso
contemporânea, desta perspectiva, não seria
possível a tão defendida e mobilizada noção
de organização “horizontal. E para se
defender a impossibilidade de uma
130
periodicos.uff.br/pragmatizes
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resistências, disputas e potências
")
(mas relevante como observador
participante): eu mesmo sou um que
nunca que adaptaria a esse e
stilo de
vida (embora o viva parcialmente, com
gosto, como acadêmico, apesar dos
dilemas e tensões naturais a este
meio). Mas, ao longo dos anos,
conheci muitos que se realizaram nele,
que passaram pela rede e viveram
essa experiência como um rico
o de amadurecimento, que
lhes capacitou e formou para exercer
atividades no âmbito da produção
cultural e da política, e uns tantos que
permanecem hoje atuando no FdE,
assim como muitos que, desde o
começo (para mim, em 2010), eram
tos
9. Dessa forma,
Pessoas que reclamavam que sua dedicação
e realizações na rede não propiciaram o
retorno e o reconhecimento de protagonismo
merecidos, pessoas que acusavam a
existência de uma elite e uma hierarquia (em
especial nos relatos do agosto de
2013), que
reclamavam da politicagem”, e por aí afora.
Como meu objeto não era o FdE em si, sua
estrutura e modo de organização, essa
discussão se tornou secundária, ainda mais
por minha abordagem não ser de Ciência
Política. Na perspectiva desta, poderia
-se
explorar, por ex., a clássica abordagem de
Robert Michels, ancorada na famosa “lei de
ferro das oligarquias, em sua afirmação de
que toda organização, necessariamente, ao se
estruturar e organizar, acaba formando uma
burocracia, uma hierarquia de funç
ões e uma
elite dirigente. Trazendo para a discussão
contemporânea, desta perspectiva, não seria
posvel a tão defendida e mobilizada noção
de organização horizontal”. E para se
defender a impossibilidade de uma
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
organização horizontal, ou plenamente
horizontal, pode-
se mesmo fazer recurso a um
dos gurus do “horizontalismo”, Antonio Negri,
que em uma entrevista recente afirma que
horizontalidade total —
seja em fase
constituinte, seja numa imaginária constituição
futura —
que aquele tecido de mobilizaçõ
reivindica, me parece um modelo
completamente abstrato de estrutura política.
Pode muito bem valer na fase de agitação,
mas é ilusório quando se busca
verdadeiramente construir e gerir um processo
de transformação constitucional." (disponível
em <http:/
/uninomade.net/tenda/a
esta-para-a-fabrica-como-a-
multidao
para-a-classe-
operaria/>). O que posso
afirmar, a partir do meu acompanhamento e
observação participante do FdE, em especial
em seus encontros presenciais, é que há uma
grande abertu
ra à participação, protagonismo
difuso e proposição de atividades, embora
mediada pela lógica implícita do lastro. Que
há lideranças, além disso, é inegável, e
mesmo explicitamente reivindicado. O discurso
“oficial” é que a rede está aberta a múltiplas
lideranças”, e que todos podem propor, de
acordo com seu lastro, atividades e projetos, e
ser o protagonista destes. Todos seriam
líderes em alguns projetos, e “base em
outros”, uma dinâmica que, ao menos em uma
Casa FdE menor, como a de Juiz de Fora,
pude
observar. Entretanto, é claro também
que há uma certa hierarquia, embora não
rígida, por meio de uma divisão de funções,
por ex., com o encarregado nacional, regional
e local por determinada frente (banco, partido,
mídia, música, etc.). Embora, como disse
em especial em uma Casa pequena, o
responsável por uma frente poderá ser uma
base em outra, e etc. E, também claramente,
existem as lideranças mais destacadas, como
Capilé, Lenissa, Carol Tokuyo, Marielle
Ramirez, Felipe Altenfender, Talles Lopes, e
et
c, mesmo não havendo o mesmo nível de
protagonismo entre todos os membros, o que
parece funcionar de modo mais espontâneo,
mesmo que não totalmente, do que uma
rigidez hierárquica burocrática.
Particularmente, tenho o entendimento de que
não existe organiz
ação horizontal, e de que no
FdE há uma abertura, que me parece bem
maior do que nos movimentos sociais mais
tradicionais, ao protagonismo e participação.
Lembrando que, atualmente, a organização do
FdE está muito mais fluída e indiferenciada,
não mais est
ruturada em frentes gestoras, e
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
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2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
organização horizontal, ou plenamente
se mesmo fazer recurso a um
dos gurus do horizontalismo, Antonio Negri,
que em uma entrevista recente afirma que
"A
seja em fase
constituinte, seja numa imaginária constituição
que aquele tecido de mobilizaçõ
es
reivindica, me parece um modelo
completamente abstrato de estrutura política.
Pode muito bem valer na fase de agitação,
verdadeiramente construir e gerir um processo
de transformação constitucional." (disponível
/uninomade.net/tenda/a
-metropole-
multidao
-esta-
operaria/>). O que posso
afirmar, a partir do meu acompanhamento e
observação participante do FdE, em especial
em seus encontros presenciais, é que há uma
ra à participação, protagonismo
difuso e proposição de atividades, embora
mediada pela lógica implícita do “lastro”. Que
há lideranças, além disso, é inegável, e
mesmo explicitamente reivindicado. O discurso
oficial é que a rede está aberta a “múltiplas
lideranças, e que todos podem propor, de
acordo com seu lastro, atividades e projetos, e
ser o protagonista destes. Todos seriam
líderes em alguns projetos, e base em
outros, uma dinâmica que, ao menos em uma
Casa FdE menor, como a de Juiz de Fora,
observar. Entretanto, é claro também
que há uma certa hierarquia, embora não
rígida, por meio de uma divio de funções,
por ex., com o encarregado nacional, regional
e local por determinada frente (banco, partido,
mídia, música, etc.). Embora, como disse
, e
em especial em uma Casa pequena, o
responsável por uma frente poderá ser uma
base em outra, e etc. E, também claramente,
existem as lideranças mais destacadas, como
Capilé, Lenissa, Carol Tokuyo, Marielle
Ramirez, Felipe Altenfender, Talles Lopes, e
c, mesmo não havendo o mesmo nível de
protagonismo entre todos os membros, o que
parece funcionar de modo mais espontâneo,
mesmo que não totalmente, do que uma
Particularmente, tenho o entendimento de que
ação horizontal, e de que no
FdE há uma abertura, que me parece bem
maior do que nos movimentos sociais mais
tradicionais, ao protagonismo e participação.
Lembrando que, atualmente, a organização do
FdE está muito mais fluída e indiferenciada,
ruturada em frentes gestoras, e
ao invés de um julgamento normativo,
me voltei para o sentido subjetivo da
participação na rede, e para as
implicações teóricas mais amplas que
este sentido permitia elucidar. Como
expus aqui brevemente, e detidamente
em minha tese, no F
desenvolvem as habilidades e
qualidades mais valorizadas pela
lógica do trabalho imaterial
uma atividade sem fins lucrativos
(embora isso não seja de todo
estranho à esta lógica), assim como
são formados quadros para a atuação
política estrit
o senso, e para a atuação
na área administrativa da cultura, seja
em órgão públicos ou privados de
gestão cultural, secretarias ou redes
de produtores de eventos.
Entre membros do FdE muito ou
pouco envolvidos com a atividade de
produção em si (o momento d
última etapa de entrevistas (segundo
semestre de 2015) captura
exatamente a grande preponderância,
até a quase exclusividade, da área de
que, quando era uma rede de coletivos, estes
pareciam ter bastante autonomia, apesar de
transpassados por algumas articulações
nacionais.
10
Dominante no mundo do trabalho
contemporâneo, segundo a literatura em geral,
sendo es
te um denominador das suas
diferentes perspectivas (CAMARGO, 2011).
131
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
ao invés de um julgamento normativo,
me voltei para o sentido subjetivo da
participação na rede, e para as
implicações teóricas mais amplas que
este sentido permitia elucidar. Como
expus aqui brevemente, e detidamente
em minha tese, no F
dE se
desenvolvem as habilidades e
qualidades mais valorizadas pela
lógica do trabalho imaterial
10,mas em
uma atividade sem fins lucrativos
(embora isso não seja de todo
estranho à esta lógica), assim como
o formados quadros para a atuação
o senso, e para a atuação
na área administrativa da cultura, seja
em órgão públicos ou privados de
gestão cultural, secretarias ou redes
de produtores de eventos.
Entre membros do FdE muito ou
pouco envolvidos com a atividade de
produção em si (o momento d
a minha
última etapa de entrevistas (segundo
semestre de 2015) captura
exatamente a grande preponderância,
até a quase exclusividade, da área de
que, quando era uma rede de coletivos, estes
pareciam ter bastante autonomia, apesar de
transpassados por algumas articulações
Dominante no mundo do trabalho
contemporâneo, segundo a literatura em geral,
te um denominador das suas
diferentes perspectivas (CAMARGO, 2011).
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
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mar. 2022.
comunicação e da atuação política no
FdE), envolvimento que varia ao longo
da trajetória dos indivíduos e da re
em si, e produtores que já foram
membros, outros que não e, dentre
estes, variando da grande proximidade
ao contato quase nenhum, foi possível
constatar, não apenas por seu
discurso, mas também ao cotejar este
com a trajetória e atuação observada
por me
u conhecimento e contato com
estes produtores, seja direto, seja por
plataformas de redes sociais digitais,
seja mesmo pelos dados levantados,
que o sentido da atividade de
produção cultural para estes
produtores é de uma atividade que
possui valor em si m
esma, que não é
apenas um meio de subsistência, além
de ser uma atividade associada a um
valor maior para a coletividade, de
promoção de uma maior diversidade
cultural, de contribuição para que
existam opções para além da cultura
de massa, para uma vida cu
rica etc.
Sentir-
se uma liderança, uma
referência, um “agitador” e articulador,
um de rede, um protagonista de
uma efervescência cultural de
produções que se gosta e admira,
sentir-
se fundamental, ou importante,
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resistências, disputas e potências
comunicação e da atuação política no
FdE), envolvimento que varia ao longo
da trajetória dos indivíduos e da re
de
em si, e produtores que foram
membros, outros que não e, dentre
estes, variando da grande proximidade
ao contato quase nenhum, foi possível
constatar, não apenas por seu
discurso, mas também ao cotejar este
com a trajetória e atuação observada
u conhecimento e contato com
estes produtores, seja direto, seja por
plataformas de redes sociais digitais,
seja mesmo pelos dados levantados,
que o sentido da atividade de
produção cultural para estes
produtores é de uma atividade que
esma, que não é
apenas um meio de subsistência, além
de ser uma atividade associada a um
valor maior para a coletividade, de
promoção de uma maior diversidade
cultural, de contribuição para que
existam opções para além da cultura
de massa, para uma vida cu
ltural mais
se uma liderança, uma
referência, um agitador e articulador,
um nó de rede, um protagonista de
uma efervesncia cultural de
produções que se gosta e admira,
se fundamental, ou importante,
para a oxigenação, em algun
mesmo para a criação, de uma cena
local de música e cultura alternativa,
imprime um senso de cumprimento de
dever como cidadão que contribui com
sua parte para o bem estar geral. É
recorrente também que esse
protagonismo (aqui não de
membros do
FdE, mas também de
outros produtores com os quais tive
contato e entrevistei em minha
pesquisa), que se desenvolve de
forma “espontânea” (quando se
percebe se está nele e não tem
volta”, como declarou um
entrevistado), é tomado como uma
grande responsa
bilidade, à qual deve
se dar o retorno e fazer jus. Isso não
exclui os que se movem mais
estrategicamente visando explorar a
lógica de nichos aberta pela
descentralização da produção.
O quanto o exposto acima de
fato é o que motiva os produtores, não
pode
mos abrir suas cabeças para
confirmar. Mas, por tudo que foi
apresentado em minha tese, julgo ter
ficado demonstrado que esse é um
sentido não possível, mas que se
coaduna com a trajetória e atuação
dos produtores analisados, e que faz
com que faça sent
ido que se suporte
132
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resistências, disputas e potências
")
para a oxigenação, em algun
s casos
mesmo para a criação, de uma cena
local de música e cultura alternativa,
imprime um senso de cumprimento de
dever como cidadão que contribui com
sua parte para o bem estar geral. É
recorrente também que esse
protagonismo (aqui não de
FdE, mas também de
outros produtores com os quais tive
contato e entrevistei em minha
pesquisa), que se desenvolve de
forma espontânea (“quando se
percebe já se está nele e não tem
volta, como declarou um
entrevistado), é tomado como uma
bilidade, à qual deve
-
se dar o retorno e fazer jus. Isso não
exclui os que se movem mais
estrategicamente visando explorar a
lógica de nichos aberta pela
descentralização da produção.
O quanto o exposto acima de
fato é o que motiva os produtores, não
mos abrir suas cabeças para
confirmar. Mas, por tudo que foi
apresentado em minha tese, julgo ter
ficado demonstrado que esse é um
sentido não possível, mas que se
coaduna com a trajetória e atuação
dos produtores analisados, e que faz
ido que se suporte
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
as dificuldades e sacrifícios que a
atividade implica.
Se o sentido de busca por
retorno em termos de capital financeiro
muitas vezes não faz sentido, ao
menos aos muitos que se dedicam a
produção como uma atividade não
lucrativa, como
os que produzem
anualmente um festival que quando
muito não prejuízo por exemplo,
assim como os muitos que exercem a
produção como uma atividade
significativa e gratificante que se
exerce no “tempo livre”, como uma
atividade secundária, subordinada à
at
ividade principal que garante a
sobrevivência, mas que é apenas um
meio, e a secundária aqui um fim em si
mesma, como, ademais, é comum
entre os artistas, pela dinâmica do seu
mercado de trabalho, pode
questionar se outras formas de capital
não poderiam
ser o que mobiliza de
fato os agentes, o capital social em
particular, com destaque para sua
forma contemporânea entre
empreendedores na área da cultura (e
em outras) comoo“networking. Pode
bem ser, e no caso do networking
explicitamente é, maso sentid
um “fim em si mesmo” não exclui a
busca ou mesmo a necessidade de se
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
e militância
PragMATIZES
- Revista Latino-
Niterói/RJ, Ano 1
2, n. 22, p. 113-136, www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
as dificuldades e sacrifícios que a
Se o sentido de busca por
retorno em termos de capital financeiro
muitas vezes não faz sentido, ao
menos aos muitos que se dedicam a
produção como uma atividade não
-
os que produzem
anualmente um festival que quando
muito não dá prejuízo por exemplo,
assim como os muitos que exercem a
produção como uma atividade
significativa e gratificante que se
exerce no tempo livre, como uma
atividade secundária, subordinada à
ividade principal que garante a
sobrevivência, mas que é apenas um
meio, e a secundária aqui um fim em si
mesma, como, ademais, é comum
entre os artistas, pela dinâmica do seu
mercado de trabalho, pode
-se
questionar se outras formas de capital
ser o que mobiliza de
fato os agentes, o capital social em
particular, com destaque para sua
forma contemporânea entre
empreendedores na área da cultura (e
em outras) comoonetworking”. Pode
bem ser, e no caso do “networking”
explicitamente é, maso sentid
o como
um fim em si mesmo não exclui a
busca ou mesmo a necessidade de se
buscar outros fins mais instrumentais
e estratégicos, seja de retorno
pecuniário mesmo, seja de entrada e
ascensão em uma burocracia estatal,
seja de poder, status, ou o que seja
seja mesmo para ganhar reputação
em uma “cidade por projetos”. Não
exclui nem, como não poderia faltar
nessas ressalvas bourdiesianas, a luta
por distinção, o anseio por se afirmar e
destacar pelo consumo, e no caso a
produção, de bens mais raros, meno
populares e por isso mesmo mais
distintos, diferenciando
(apesar de, entretanto, muitos se
apropriarem da cultura de massa,
eventualmente a resignificando,
embora, nesse caso, também seja
possível falar-
se em estratégia de
distinção). Não e
xclui os conflitos e a
competição, seja nas redes mais
informais de artistas e produtores, seja
em uma rede formalmente constituída
e com forte identidade comunitária,
como o FdE.
Mesmo todas essas ressalvas
sendo válidas, e mesmo confirmadas
verdadeiras,
a tese se mantêm: a
produção cultural “alternativa possui
valor em si mesma para quem a
realiza, o que mobiliza o engajamento,
promove a sensação de autonomia e
133
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
resistências, disputas e potências
")
buscar outros fins mais “instrumentais”
e estratégicos, seja de retorno
pecuniário mesmo, seja de entrada e
ascensão em uma burocracia estatal,
seja de poder, status, ou o que seja
, e
seja mesmo para ganhar reputação
em uma cidade por projetos”. Não
exclui nem, como não poderia faltar
nessas ressalvas bourdiesianas, a luta
por distinção, o anseio por se afirmar e
destacar pelo consumo, e no caso a
produção, de bens mais raros, meno
s
populares e por isso mesmo mais
distintos, diferenciando
-se da “massa”
(apesar de, entretanto, muitos se
apropriarem da cultura de massa,
eventualmente a resignificando,
embora, nesse caso, também seja
se em estratégia de
xclui os conflitos e a
competição, seja nas redes mais
informais de artistas e produtores, seja
em uma rede formalmente constituída
e com forte identidade comunitária,
Mesmo todas essas ressalvas
sendo válidas, e mesmo confirmadas
a tese se mantêm: a
produção cultural alternativa” possui
valor em si mesma para quem a
realiza, o que mobiliza o engajamento,
promove a sensação de autonomia e
GRILLO, André Peralta. Trabalho, produção, midiativismo
cultural em rede: o Circuito Fora do Eixo.
PragMATIZES
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 1
mar. 2022.
liberdade, de gratificação existencial,
de vivência de um “trabalho libidinal,
que se faz “c
om tesão”, para ser bem
preciso em termos leigos, um sentido
subjetivo que passa a permear o
imaginário social em decorrência do
movimento que o reivindica, o
movimento de Contracultura, sentido
porém incorporado ao novo espírito do
capitalismo como ideolo
legitima a precarização do trabalho,
mas mantendo-
se como um potencial
latente, como uma possibilidade
genuína de uma vida vivida de fato
como mais livre, significativa e
gratificante, por meio de um trabalho
que tesão por si mesmo (como é,
por
ex., a vida acadêmica). E como,
aparentemente, ao menos para muitos
dos que com ela se envolveram, para
a atuação (e vida) em uma rede como
a Rede Fora do Eixo.
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(Dossiê "Coletivos culturais –
resistências, disputas e potências
liberdade, de gratificação existencial,
de vivência de um trabalho libidinal”,
om teo, para ser bem
preciso em termos leigos, um sentido
subjetivo que passa a permear o
imaginário social em decorrência do
movimento que o reivindica, o
movimento de Contracultura, sentido
porém incorporado ao novo espírito do
capitalismo como ideolo
gia que
legitima a precarização do trabalho,
se como um potencial
latente, como uma possibilidade
genuína de uma vida vivida de fato
como mais livre, significativa e
gratificante, por meio de um trabalho
que dá teo por si mesmo (como é,
ex., a vida acadêmica). E como,
aparentemente, ao menos para muitos
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