GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
Mídia como Escudo, Mídia como Arma:
contra o terrorismo político em Vila Autódromo
DOI:
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v12i22.51471
Resumo:
Este artigo explora o processo de remoção da Vila Autódromo, uma pequena favela
localizada em uma área do Rio de Janeiro em franca expansão imobiliária sob o pretexto de
melhorias urbanas em resposta aos megaeventos. Com base em um estudo etnográfi
de um ano, exploro as estratégias de resistência mobilizadas por moradores e seus colaboradores,
principalmente no uso de fotos, vídeos e redes sociais, argumentando que o uso generalizado das
tecnologiase infraestruturas digitais está trans
o terrorismo político que tem como alvo principal a população negra e pobre no Brasil.
Palavras chave:
Medios como Escudos,
Medios como Armas:
político en Vila Autódromo
Resumen:
Este artículo explora el
ubicada en un área de o de Janeiro que atraviesa una expansión inmobiliaria bajo la apariencia de
mejoras urbanas en respuesta a megaeventos. A partir de un estudio etnográfico de un año de
durac
ión, exploro las estrategias de resistencia movilizadas por los residentes y sus colaboradores,
principalmente en el uso de fotos, videos y redes sociales, argumentando que el uso generalizado de
tecnologías e infraestructura digitales está transformando e
contra el terror omnipresente que tiene como principal objetivo la población negra y pobre en Brasil.
Palabras clave:
Resistencia; terrorismo político; audiovisual; fotografia; redes sociales.
Media as Shields
, Media as Weapons:
Vila Autódromo
Abstract
: This article explores the process of eviction in Vila Autódromo, a small favela located in an
area of Rio de Janeiro going through real estate expansion
response to mega-
events. Drawing on a year
strategies mobilized by residents and their collaborators, mainly in their use of photos, videos and
social media, arguin
g that the widespread use of digital technologies and infrastructure is transforming
the process and shape of the resistance against the pervasive terror that primarily targets the black
and poor population in Brazil.
1
Antonia Gama
(Antonia Gama C. de O. da Costa).
pelo
Granada Centre for Visual Anthropology
doutoranda pelo ESRC-UKRI (
Economic and Social Research Council
Innovation), Reino Unido. E-
mail:
antoniagama.dacos
ta@gmail.com
Recebido em 01/09/2021,
aceito para publicação em 2
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
Mídia como Escudo, Mídia como Arma:
p
ráticas midiáticas de resistência
contra o terrorismo político em Vila Autódromo
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v12i22.51471
Este artigo explora o processo de remoção da Vila Autódromo, uma pequena favela
localizada em uma área do Rio de Janeiro em franca expansão imobiliária sob o pretexto de
melhorias urbanas em resposta aos megaeventos. Com base em um estudo etnográfi
de um ano, exploro as estratégias de resistência mobilizadas por moradores e seus colaboradores,
principalmente no uso de fotos, vídeos e redes sociais, argumentando que o uso generalizado das
tecnologiase infraestruturas digitais está trans
formando o processo e as práticas de resistência contra
o terrorismo político que tem como alvo principal a população negra e pobre no Brasil.
Resistência; terrorismo político; audiovisual; fotografia; redes sociais.
Medios como Armas:
p
rácticas mediáticas de resistencia al terrorismo
Este artículo explora el
proceso de desalojo en Vila Autódromo, una pequeña favela
ubicada en un área de Río de Janeiro que atraviesa una expansión inmobiliaria bajo la apariencia de
mejoras urbanas en respuesta a megaeventos. A partir de un estudio etnográfico de un año de
ión, exploro las estrategias de resistencia movilizadas por los residentes y sus colaboradores,
principalmente en el uso de fotos, videos y redes sociales, argumentando que el uso generalizado de
tecnologías e infraestructura digitales es transformando e
l proceso y la forma de la resistencia
contra el terror omnipresente que tiene como principal objetivo la población negra y pobre en Brasil.
Resistencia; terrorismo político; audiovisual; fotografia; redes sociales.
, Media as Weapons:
media-
oriented resistance against the pervasive terror in
: This article explores the process of eviction in Vila Autódromo, a small favela located in an
area of Rio de Janeiro going through real estate expansion
under the guise of urban improvements in
events. Drawing on a year
-
long ethnographic study, I explore the resistance
strategies mobilized by residents and their collaborators, mainly in their use of photos, videos and
g that the widespread use of digital technologies and infrastructure is transforming
the process and shape of the resistance against the pervasive terror that primarily targets the black
(Antonia Gama C. de O. da Costa).
Doutora em Antropologia Social com Mídia Visual
Granada Centre for Visual Anthropology
, Universidade de Manchester, onde atualmente é pós
Economic and Social Research Council
UK Research and
mail:
antonia.gama@manchester.ac.uk ;
ta@gmail.com
– https://orcid.org/0000-0003-2648-5846
aceito para publicação em 2
5/01/20
22, disponibilizado online em
01/03/2022.
583
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
ráticas midiáticas de resistência
contra o terrorismo político em Vila Autódromo
Antonia Gama
1
Este artigo explora o processo de remoção da Vila Autódromo, uma pequena favela
localizada em uma área do Rio de Janeiro em franca expansão imobiliária sob o pretexto de
melhorias urbanas em resposta aos megaeventos. Com base em um estudo etnográfi
co com duração
de um ano, exploro as estratégias de resistência mobilizadas por moradores e seus colaboradores,
principalmente no uso de fotos, vídeos e redes sociais, argumentando que o uso generalizado das
formando o processo e as práticas de resistência contra
o terrorismo político que tem como alvo principal a população negra e pobre no Brasil.
Resistência; terrorismo político; audiovisual; fotografia; redes sociais.
rácticas mediáticas de resistencia al terrorismo
proceso de desalojo en Vila Autódromo, una pequeña favela
ubicada en un área de Río de Janeiro que atraviesa una expansión inmobiliaria bajo la apariencia de
mejoras urbanas en respuesta a megaeventos. A partir de un estudio etnográfico de un año de
ión, exploro las estrategias de resistencia movilizadas por los residentes y sus colaboradores,
principalmente en el uso de fotos, videos y redes sociales, argumentando que el uso generalizado de
l proceso y la forma de la resistencia
contra el terror omnipresente que tiene como principal objetivo la población negra y pobre en Brasil.
Resistencia; terrorismo político; audiovisual; fotografia; redes sociales.
oriented resistance against the pervasive terror in
: This article explores the process of eviction in Vila Autódromo, a small favela located in an
under the guise of urban improvements in
long ethnographic study, I explore the resistance
strategies mobilized by residents and their collaborators, mainly in their use of photos, videos and
g that the widespread use of digital technologies and infrastructure is transforming
the process and shape of the resistance against the pervasive terror that primarily targets the black
Doutora em Antropologia Social com Mídia Visual
, Universidade de Manchester, onde atualmente é pós
-
UK Research and
22, disponibilizado online em
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
Keywords:
Resistance; political terro
Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas midiáticas de resistência
contra o terrorismo político em Vila Autódromo
Nota inicial:
Agradeço aos moradores
da Vila Autódromo por me darem
acesso as suas casas, histórias e
saberes.
Este artigo teve o suporte de
Economic and Social Research
Council
UK Research and Innovation
(ESRC-UKRI [
grant number
ES/V012533/1]).
No âmbito deste
artigo, a pedido dos colaboradores de
pesquisa e/ou por razões de
segurança, sobrenomes foram
ocultados e alguns nomes reais foram
substituídos por nomes fictícios.
Introdução: um novo pretexto para
antigos fins
Dona Jane e sua família foram
removidas da Vila Autódromo em 27
de julho de 2015. Três dias depois sua
casa foi descaracterizada e demolida
pela prefeitura da cidade do Rio de
Janeiro. A casa de Dona Jane tinh
dois quartos, uma sala
pequeno banheiro e uma cozinha
ainda menor. Construída por seu ex
marido, as paredes da casa tinham a
espessura de apenas um tijolo. Um
número considerável de vergalhões
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
Resistance; political terro
rism; audiovisual; photography; social media.
Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas midiáticas de resistência
contra o terrorismo político em Vila Autódromo
Agradeço aos moradores
da Vila Autódromo por me darem
acesso as suas casas, histórias e
Este artigo teve o suporte de
Economic and Social Research
UK Research and Innovation
grant number
No âmbito deste
artigo, a pedido dos colaboradores de
pesquisa e/ou por razões de
segurança, sobrenomes foram
ocultados e alguns nomes reais foram
substituídos por nomes fictícios.
Introdução: um novo pretexto para
Dona Jane e sua família foram
removidas da Vila Autódromo em 27
de julho de 2015. Três dias depois sua
casa foi descaracterizada e demolida
pela prefeitura da cidade do Rio de
Janeiro. A casa de Dona Jane tinh
a
dois quartos, uma sala
-ateliê, um
pequeno banheiro e uma cozinha
ainda menor. Construída por seu ex
-
marido, as paredes da casa tinham a
espessura de apenas um tijolo. Um
número considerável de vergalhões
havia sido estrategicamente
posicionado nas parede
sustentar o segundo andar que Dona
Jane planejara construir no futuro. A
casa era modesta se comparada com
outras construções de estrutura forte
com dois a três andares que se podia
encontrar pela comunidade. Mas
grande se comparada com alguns
barra
cos de madeira e casas térreas
que foram os primeiros alvos da
remoção. O sonho de Dona Jane era
construir dois novos andares, um para
ela e outro para suas filhas, deixando
o primeiro andar exclusivamente para
seu trabalho de artesanato. Cada
parede inter
ior da casa era decorada
com uma mistura diferente de tinta
colorida. Do lado de fora, havia um
quintal em forma de U, onde Dona
Jane mantinha o material de
construção que ela guardara ao longo
dos anos para concluir sua casa.
A pedido de Dona Jane, eu a
acompanhei durante os diferentes
estágios de sua remoção, filmando
todo o processo. Era seu desejo
guardar o material gravado por mim
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- ISSN 2237-1508
rism; audiovisual; photography; social media.
Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas midiáticas de resistência
contra o terrorismo político em Vila Autódromo
havia sido estrategicamente
posicionado nas parede
s para
sustentar o segundo andar que Dona
Jane planejara construir no futuro. A
casa era modesta se comparada com
outras construções de estrutura forte
com dois a três andares que se podia
encontrar pela comunidade. Mas
grande se comparada com alguns
cos de madeira e casas térreas
que foram os primeiros alvos da
remoção. O sonho de Dona Jane era
construir dois novos andares, um para
ela e outro para suas filhas, deixando
o primeiro andar exclusivamente para
seu trabalho de artesanato. Cada
ior da casa era decorada
com uma mistura diferente de tinta
colorida. Do lado de fora, havia um
quintal em forma de U, onde Dona
Jane mantinha o material de
construção que ela guardara ao longo
dos anos para concluir sua casa.
A pedido de Dona Jane, eu a
acompanhei durante os diferentes
estágios de sua remoção, filmando
todo o processo. Era seu desejo
guardar o material gravado por mim
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
junto ao arquivo fílmico que ela havia
acumulado ao longo dos anos, com
câmera digital ou celular, enquanto
documentava as
violações da
prefeitura. No dia de sua mudança, um
grupo de ativistas de diferentes
organizações esteve no local para dar
lhe apoio emocional durante o que era
esperado como um dia muito triste
para a Vila Autódromo. Alguns
ativistas também estavam lá par
gravar o acontecimento e um
testemunho de Dona Jane na emoção
do momento. Enquanto empacotava
seus pertences com a ajuda de suas
filhas e seis funcionários da empresa
de mudança terceirizada pela
prefeitura, Dona Jane, de vez em
quando, olhava diretament
minha câmera e dizia:
Talvez a prefeitura esteja me
tirando para que eu possa fazer a
luta em outro lugar... eles vão ter
que me engolir, aonde eu for. (...)
A prefeitura não trabalha para o
trabalhar-
cidadão, ela trabalha
para a especulação
(...) Na Bíblia tem assim: eles
vêm para roubar, matar e
destruir, e pra colocar um fim na
nossa vida.
Dona Jane começou a chorar e
concluiu: "
e precisamos começar tudo
de novo
". Naquele dia
peculiar de falar estava ainda mais
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
junto ao arquivo fílmico que ela havia
acumulado ao longo dos anos, com
câmera digital ou celular, enquanto
violações da
prefeitura. No dia de sua mudança, um
grupo de ativistas de diferentes
organizações esteve no local para dar
-
lhe apoio emocional durante o que era
esperado como um dia muito triste
para a Vila Autódromo. Alguns
ativistas também estavam par
a
gravar o acontecimento e um
testemunho de Dona Jane na emoção
do momento. Enquanto empacotava
seus pertences com a ajuda de suas
filhas e seis funcionários da empresa
de mudança terceirizada pela
prefeitura, Dona Jane, de vez em
quando, olhava diretament
e para
Talvez a prefeitura esteja me
tirando para que eu possa fazer a
luta em outro lugar... eles vão ter
que me engolir, aonde eu for. (...)
A prefeitura não trabalha para o
cidadão, ela trabalha
para a especulação
imobiliária.
(...) Na Bíblia tem assim: eles
vêm para roubar, matar e
destruir, e pra colocar um fim na
Dona Jane começou a chorar e
e precisamos começar tudo
". Naquele dia
seu jeito
peculiar de falar estava ainda mais
marca
do por altos e baixos. Seu
humor variava
entre sentir tristeza e
ser sarcástica e incisiva: "
possam colocar
perguntando quando que eles vão
soltar os fogos [de artifício] pra
celebrar minha saída (...) eles podem
derrubar as pared
es de concreto, mas
eles não acabam com a nossa força!".
Dona Jane viveu por 13 anos na
Vila Autódromo, uma pequena favela
na Zona Oeste do Rio de Janeiro, cuja
população é ameaçada de remoção
desde os anos 1990. A comunidade
ganhou visibilidade nos últim
devido a um processo de expulsões e
demolições que se arrastou por dois
anos, alegadamente, para abrir
caminho para a construção do Parque
Olímpico, principal infraestrutura dos
Jogos Olímpicos de 2016
argumenta, entretanto, é que o
pret
exto de um suposto "legado
olímpico" serviu para encobrir os
objetivos mais antigos dos grupos
políticos atuantes naquela região: abrir
caminho para efetivar políticas
2
A Vila Autódromo é uma comunidade
autoconstruída
por seus moradores em
uma faixa de terra entre a Lagoa de
Jacarepaguá e o antigo Autódromo
Internacional Nelson Piquet (de onde a
comunidade tirou seu nome).
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www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
do por altos e baixos. Seu
entre sentir tristeza e
ser sarcástica e incisiva: "
Talvez vocês
na internet,
perguntando quando que eles vão
soltar os fogos [de artifício] pra
celebrar minha saída (...) eles podem
es de concreto, mas
eles não acabam com a nossa força!".
Dona Jane viveu por 13 anos na
Vila Autódromo, uma pequena favela
na Zona Oeste do Rio de Janeiro, cuja
população é ameaçada de remoção
desde os anos 1990. A comunidade
ganhou visibilidade nos últim
os anos
devido a um processo de expulsões e
demolições que se arrastou por dois
anos, alegadamente, para abrir
caminho para a construção do Parque
Olímpico, principal infraestrutura dos
Jogos Olímpicos de 2016
2
. O que se
argumenta, entretanto, é que o
exto de um suposto "legado
olímpico" serviu para encobrir os
objetivos mais antigos dos grupos
políticos atuantes naquela região: abrir
caminho para efetivar políticas
A Vila Autódromo é uma comunidade
por seus moradores em
uma faixa de terra entre a Lagoa de
Jacarepaguá e o antigo Autódromo
Internacional Nelson Piquet (de onde a
comunidade tirou seu nome).
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
urbanas neoliberais que atendessem
aos interesses dos construtores da
área civil e espec
uladores imobiliários,
não à toa, seus principais
financiadores políticos nas últimas
décadas (FAULHABER; AZEVEDO,
2015).
3
Essas alianças entre políticos
locais e grandes construtoras
demonstravam o interesse comum em
explorar o Rio de Janeiro como uma
fro
nteira renovada da expansão do
capital imobiliário que iria além da
parceria legítima entre
empreendimentos públicos e
privados
4
.
A área onde Vila Autódromo
está localizada –
incluindo as 20 novas
3
Vale lembrar que o prefeito da cidade do Rio
de Janeiro, Eduardo Paes (MDB), arrecadou
cerca de
R$11 milhões durante sua primeira
campanha política em 2008, um valor muito
superior aos de seus adversários. Em 2012,
ele foi reeleito e novamente tinha um extenso
fundo de campanha que chegou a milhões.
Mais de 60% do financiamento de sua última
campanh
a veio de imobiliárias, que mais tarde
se beneficiaram de contratos bilionários para
realizar grandes obras municipais e
administrar serviços públicos (FAULHABER
AZEVEDO, 2015, p.
30). O melhor exemplo é
a Carvalho Hosken, uma das empresas que
fundaram o
consórcio responsável pelo
Parque Olímpico, que doou a maior quantia
para reeleição de Paes em 2012: R$ 650 mil.
4
As relações entre o Estado brasileiro e as
empresas privadas têm uma longa história. As
noções de patrimonialismo e clientelismo têm
recebido
atenção acadêmica em diferentes
campos de estudo. Veja, por exemplo, a obra
clássica
Os Donos do Poder: Formação do
Patronato Político Brasileiro
(1958), de
Raimundo Faoro.
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
urbanas neoliberais que atendessem
aos interesses dos construtores da
uladores imobiliários,
não à toa, seus principais
financiadores políticos nas últimas
décadas (FAULHABER; AZEVEDO,
Essas alianças entre políticos
locais e grandes construtoras
demonstravam o interesse comum em
explorar o Rio de Janeiro como uma
nteira renovada da expansão do
capital imobiliário que iria além da
parceria legítima entre
empreendimentos públicos e
A área onde Vila Autódromo
incluindo as 20 novas
Vale lembrar que o prefeito da cidade do Rio
de Janeiro, Eduardo Paes (MDB), arrecadou
R$11 milhões durante sua primeira
campanha política em 2008, um valor muito
superior aos de seus adversários. Em 2012,
ele foi reeleito e novamente tinha um extenso
fundo de campanha que chegou a milhões.
Mais de 60% do financiamento de sua última
a veio de imobiliárias, que mais tarde
se beneficiaram de contratos bilionários para
realizar grandes obras municipais e
administrar serviços públicos (FAULHABER
;
30). O melhor exemplo é
a Carvalho Hosken, uma das empresas que
consórcio responsável pelo
Parque Olímpico, que doou a maior quantia
para reeleição de Paes em 2012: R$ 650 mil.
As relações entre o Estado brasileiro e as
empresas privadas têm uma longa história. As
noções de patrimonialismo e clientelismo têm
atenção acadêmica em diferentes
campos de estudo. Veja, por exemplo, a obra
Os Donos do Poder: Formação do
(1958), de
casas construídas após o acordo
alcançado entre os morador
prefeitura às vésperas do início dos
jogos
foi recentemente incluída na
área administrativa do bairro de classe
média/alta chamado Barra da Tijuca e,
portanto, deixou de pertencer ao bairro
original de Jacarepaguá. Esta
mudança, assim como observa
acima, serviu aos interesses de
construtores e especuladores do setor
imobiliário que vêm historicamente
investindo na ocupação desta vasta
região de população originalmente
esparsa. De fato, alguns dos
moradores mais antigos contam que
trabalhadores da
empregados em projetos de expansão
da Barra da Tijuca começaram a se
instalar em terras remanescentes para
ficarem mais perto de seus locais de
trabalho. Esse ainda era o caso de
alguns moradores na época de meu
trabalho de campo em 2015;
trabalho de alguns moradores e outras
áreas de suas vidas estavam ligados à
ou dependiam da economia da cidade,
e as mesmas construções que
possibilitaram seu sustento estavam
agora levando suas casas embora
5
O processo de ocupação da Vila Autódromo
iniciou-
se quando pescadores, interessa
586
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
casas construídas após o acordo
alcançado entre os morador
es e a
prefeitura às vésperas do início dos
foi recentemente incluída na
área administrativa do bairro de classe
média/alta chamado Barra da Tijuca e,
portanto, deixou de pertencer ao bairro
original de Jacarepaguá. Esta
mudança, assim como observa
do
acima, serviu aos interesses de
construtores e especuladores do setor
imobiliário que vêm historicamente
investindo na ocupação desta vasta
região de população originalmente
esparsa. De fato, alguns dos
moradores mais antigos contam que
construção civil
empregados em projetos de expansão
da Barra da Tijuca começaram a se
instalar em terras remanescentes para
ficarem mais perto de seus locais de
trabalho. Esse ainda era o caso de
alguns moradores na época de meu
trabalho de campo em 2015;
o
trabalho de alguns moradores e outras
áreas de suas vidas estavam ligados à
ou dependiam da economia da cidade,
e as mesmas construções que
possibilitaram seu sustento estavam
agora levando suas casas embora
5
.
O processo de ocupação da Vila Autódromo
se quando pescadores, interessa
dos
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
Nas últimas décadas, a Barra
da Tijuca transformou-
se de um bairro
extenso compreendendo uma série de
condomínios e alguns centros
comerciais (como o grande shopping
center Barra Shopping), todos
localizadas às margens da longa
Avenida das Américas a então com
opções de transporte blico muito
limitadas, para uma área enorme
cruzada por grandes avenidas, cheias
de torres residenciais e comerciais de
luxo cercadas por inúmeros shopping
centers, a maioria seguindo o nome do
bairro como uma marca: Barra Square,
Barra Garden, Barra Mall, Rio Design
Barra e o novo Shopping Metropolitano
Barra
a apenas quatro quilômetros
da Vila Autódromo. Em agosto de
2015, após uma longa batalha jurídica
entre a prefeitura do Rio de Janeiro e
parte considerável dos moradores
representados por defensores públicos
do
Núcleo de Terras e Habitação
(NUTH-DPRJ)
6
, juízes da segunda
nos recursos provenientes da Lagoa de
Jacarepaguá, começaram a se instalar
naquelas terras em 1960. Conta
-
que, nos anos 1970, alguns dos trabalhadores
da construção civil que ajudaram a construir o
Autódromo Internacional Nelson Piquet
acabar
am por ficar na localidade.
6
Criado em 2007 pela Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro, o NUTH é
reconhecido por seu método participativo na
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
Nas últimas décadas, a Barra
se de um bairro
extenso compreendendo uma rie de
condomínios e alguns centros
comerciais (como o grande shopping
center Barra Shopping), todos
localizadas às margens da longa
Avenida das Américas até então com
opções de transporte público muito
limitadas, para uma área enorme
cruzada por grandes avenidas, cheias
de torres residenciais e comerciais de
luxo cercadas por inúmeros shopping
centers, a maioria seguindo o nome do
bairro como uma marca: Barra Square,
Barra Garden, Barra Mall, Rio Design
Barra e o novo Shopping Metropolitano
a apenas quatro quilômetros
da Vila Autódromo. Em agosto de
2015, após uma longa batalha jurídica
entre a prefeitura do Rio de Janeiro e
parte considerável dos moradores
representados por defensores públicos
Núcleo de Terras e Habitação
, juízes da segunda
nos recursos provenientes da Lagoa de
Jacarepaguá, começaram a se instalar
-
se também
que, nos anos 1970, alguns dos trabalhadores
da construção civil que ajudaram a construir o
Autódromo Internacional Nelson Piquet
am por ficar na localidade.
Criado em 2007 pela Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro, o NUTH é
reconhecido por seu método participativo na
instância decidiram por um acórdão de
interesses, isto é, a prefeitura do Rio
de Janeiro poderia seguir com o
processo de remoção para atender à
emergência dos jogos, na mesma
medida em que os m
quisessem ficar tinham o direito de
permanecer na Vila Autódromo.
Diante deste cenário,
artigo exploraremos as práticas de
resistência mobilizadas por moradores
e colaboradores da Vila Autódromo,
principalmente no uso de fotos, vídeos
e
redes sociais, argumentando que o
uso generalizado das tecnologias
digitais está transformando
e as estratégias de resistência contra o
terrorismo político promovido contra a
população negra e pobre no Brasil
(GAMA, 2019).
Representação e poder infopolítico
Na virada do século,
pesquisadores acadêmicos de
diferentes partes do mundo
a explorar ações sociais e políticas na
Internet ou em diálogo comnovas
tecnologias de mídia. Conceitos como
“ciberpolítica” (EDELMAN, 2
“ciberativismo” (RIBEIRO, 1998) e
construção da defesa de terras e casas em
conjunto com os grupos ameaçados.
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- ISSN 2237-1508
instância decidiram por um acórdão de
interesses, isto é, a prefeitura do Rio
de Janeiro poderia seguir com o
processo de remoção para atender à
emergência dos jogos, na mesma
medida em que os m
oradores que
quisessem ficar tinham o direito de
permanecer na Vila Autódromo.
Diante deste cenário,
neste
artigo exploraremos as práticas de
resistência mobilizadas por moradores
e colaboradores da Vila Autódromo,
principalmente no uso de fotos, vídeos
redes sociais, argumentando que o
uso generalizado das tecnologias
digitais está transformando
o processo
e as estratégias de resistência contra o
terrorismo político promovido contra a
população negra e pobre no Brasil
Representação e poder infopolítico
Na virada do século,
pesquisadores acadêmicos de
diferentes partes do mundo
passaram
a explorar ações sociais e políticas na
Internet ou em diálogo comnovas
tecnologias de mídia. Conceitos como
ciberpolítica (EDELMAN, 2
001),
ciberativismo (RIBEIRO, 1998) e
construção da defesa de terras e casas em
conjunto com os grupos ameaçados.
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
“ciberresistência” (FANDY, 1999)
surgiram para categorizar essas novas
práticas de ação coletiva. O
movimento zapatista no México, de
1994, e a chamada Batalha de Seattle,
em 1999, o descritos em
literatur
a como casos em que os
movimentos sociais foram moldados
pelo uso da Internet (VAN LAER; VAN
AELST, 2010).
Os antropólogos, no entanto,
têm tradicionalmente colocado a mídia
como uma categoria periférica à
cultura ou trabalharam com
tecnologias de comunic
informação como um
fundo contextual
para etnografia, e não como um objeto
potencial de pesquisa (WILSON;
PETERSON, 2002, p. 449)
que muitos estudiosos argumentem
que uma mudança paradigmática está
em andamento como resultado do uso
generali
zado de mídia digital
Internet (CASTELLS, 2000), ainda há
poucos exemplos na literatura
antropológica tratando
especificamente da política de
7
Esses estudos se beneficiar
am de uma
ampla gama de estudos de mídia, como
aqueles identificados como sociologia da mídia
(da qual Couldry (2000) é um exemplo) e
economia política da comunicação (ver, por
exemplo, Yúdice (2004), McChesney (2000),
entre outros).
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
ciberresistência (FANDY, 1999)
surgiram para categorizar essas novas
práticas de ação coletiva. O
movimento zapatista no México, de
1994, e a chamada Batalha de Seattle,
em 1999, são descritos em
parte da
a como casos em que os
movimentos sociais foram moldados
pelo uso da Internet (VAN LAER; VAN
Os antropólogos, no entanto,
têm tradicionalmente colocado a mídia
como uma categoria periférica à
cultura ou trabalharam com
tecnologias de comunic
ação e
fundo contextual
para etnografia, e não como um objeto
potencial de pesquisa (WILSON;
PETERSON, 2002, p. 449)
7
.
Mesmo
que muitos estudiosos argumentem
que uma mudança paradigmática está
em andamento como resultado do uso
zado de mídia digital
e a
Internet (CASTELLS, 2000), ainda
poucos exemplos na literatura
antropológica tratando
especificamente da política de
am de uma
ampla gama de estudos de mídia, como
aqueles identificados como sociologia da mídia
(da qual Couldry (2000) é um exemplo) e
economia política da comunicação (ver, por
exemplo, Yúdice (2004), McChesney (2000),
produção da mídia e suas
consequências a nível local. Só
recentemente surgiram estudos
etnográficos
fornecendo
aprofundadas das implicações sociais,
políticas e culturais
em torno do campo
das mídias digitais (COLEMAN, 2010).
No estudo
Nation as Network
Diaspora, Cyberspace and Citizenship
a antropóloga Victoria Bernal (2014)
investiga como comunidades
diaspóricas estão usando a mídia
digital para subverter o poder do
Estado no contexto de uma sociedade
marcada por violações de direitos
humanos e controle da mídia. Ainda
que neste trabalho os
temáticos
sejam o nacionalismo, a
migração e a diá
spora na Eritreia,
acredito que Bernal (2014) fornece
pontos úteis para o presente
argumento. Por meio de uma
etnografia online de sites da Eritreia, a
autora argumenta que as relações
estado-
cidadão estão sendo
redirecionadas
que a mídia digital
permit
e que os migrantes e exilados
criem um "elástico espaço políticoem
que categorias como soberania e
“cidadania”estão em constante
ressignificação (BERNAL, 2014, p. 2).
588
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
produção da mídia e suas
consequências a nível local.
recentemente surgiram estudos
fornecendo
análises
aprofundadas das implicações sociais,
em torno do campo
das mídias digitais (COLEMAN, 2010).
Nation as Network
:
Diaspora, Cyberspace and Citizenship
,
a antropóloga Victoria Bernal (2014)
investiga como comunidades
diaspóricas estão usando a mídia
digital para subverter o poder do
Estado no contexto de uma sociedade
marcada por violações de direitos
humanos e controle da mídia. Ainda
que neste trabalho os
interesses
sejam o nacionalismo, a
spora na Eritreia,
acredito que Bernal (2014) fornece
pontos úteis para o presente
argumento. Por meio de uma
etnografia online de sites da Eritreia, a
autora argumenta que as relações
cidadão estão sendo
já que a mídia digital
e que os migrantes e exilados
criem um "elástico espaço político”em
que categorias como “soberania” e
cidadaniaestão em constante
ressignificação (BERNAL, 2014, p. 2).
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
Baseando-
se em teorias de
poder bem estabelecidas, como a
"biopolítica" de Michel Fou
cault (1984),
a "necropolítica" de Achille Mbembe
(2003) e a noção de "
barelife
Giorgio Agamben (1998), Bernal
(2014) propõe o conceito de
"infopolítica" para representar as lutas
dos cidadãos sobre a "gestão da
informação" como um aspecto central
de s
uas práticas políticas. Nesse
sentido, o ciberespaço transforma
em "uma esfera pública aberta" e "um
espaço de reunião" onde vozes antes
silenciadas agora podem gritar
(BERNAL, 2014, p. 91). Como sugere
Bernal:
Os sites oferecem novos espaços
para exper
imentação política,
bem como
para o cultivo e
expressão de novas
subjetividades. Nesses espaços
online, perspectivas politicamente
independentes são desenvolvidas
coletivamente, uma vez em que
as publicações
atividades impossíveis em solo
eritreio
criticar publicamente o
governo, mobilizando ações,
construindo
histórias alternativas
e a revisão das narrativas
nacionais (BERNAL, 2014, p. 91;
minha tradução).
Uma possível ligação que pode
ser traçada entre o contexto das
favelas brasileiras e o es
Bernal é a correlação que alguns
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
se em teorias de
poder bem estabelecidas, como a
cault (1984),
a "necropolítica" de Achille Mbembe
barelife
" de
Giorgio Agamben (1998), Bernal
(2014) propõe o conceito de
"infopolítica" para representar as lutas
dos cidadãos sobre a "gestão da
informação" como um aspecto central
uas práticas políticas. Nesse
sentido, o ciberespaço transforma
-se
em "uma esfera pública aberta" e "um
espaço de reunião" onde vozes antes
silenciadas agora podem gritar
(BERNAL, 2014, p. 91). Como sugere
Os sites oferecem novos espaços
imentação política,
para o cultivo e
expressão de novas
subjetividades. Nesses espaços
online, perspectivas politicamente
independentes são desenvolvidas
coletivamente, uma vez em que
conduzem
atividades impossíveis em solo
criticar publicamente o
governo, mobilizando ações,
histórias alternativas
e a revisão das narrativas
nacionais (BERNAL, 2014, p. 91;
Uma possível ligação que pode
ser traçada entre o contexto das
favelas brasileiras e o es
tudo de
Bernal é a correlação que alguns
autores fazem entre
forçadamente removidos de favelas e
as comunidades na diáspora. Durante
os anos 1960/70, quando
remoção em massa foram realizadas
para erradicar muitas favelas no Rio
de Ja
neiro, por exemplo, moradores
de favelas passaram a ser associados
com a imposição de "diásporas
urbanas" (CUNHA; MELLO, 2011, p.
433), ou seja, populações que foram
expulsas sob diferentes
políticas de seus locais de origem. No
caso das com
unidades migrantes da
Eritreia, no entanto, os sites não têm
"contrapartida off-
line" (BERNAL,
2014, p. 91). Em contraste, ativistas de
favelas voltados para a mídia
geralmente encontram
presencialmente para
plano de ação e, em seguida, come
a "espalhar" (JENKINS
suas campanhas no ambiente online.
No entanto, em ambos os casos, a
mídia é usada como um canal onde
conteúdos e subjetividades locais são
mobilizados e propagados com o
objetivo de
neutralizar
inter
venções governamentais que
violam os direitos dessas pessoas.
Seguindo as sugestões de
Fletcher (2001) e Ortner (1995), nesta
589
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
autores fazem entre
moradores
forçadamente removidos de favelas e
as comunidades na diáspora. Durante
os anos 1960/70, quando
políticas de
remoção em massa foram realizadas
para erradicar muitas favelas no Rio
neiro, por exemplo, moradores
de favelas passaram a ser associados
com a imposição de "diásporas
urbanas" (CUNHA; MELLO, 2011, p.
433), ou seja, populações que foram
expulsas sob diferentes
circunstâncias
políticas de seus locais de origem. No
unidades migrantes da
Eritreia, no entanto, os sites não têm
line" (BERNAL,
2014, p. 91). Em contraste, ativistas de
favelas voltados para a mídia
geralmente encontram
-se
presencialmente para
elaborar um
plano de ação e, em seguida, come
çar
a "espalhar" (JENKINS
et alli, 2013)
suas campanhas no ambiente online.
No entanto, em ambos os casos, a
mídia é usada como um canal onde
conteúdos e subjetividades locais são
mobilizados e propagados com o
neutralizar
ou subverter as
venções governamentais que
violam os direitos dessas pessoas.
Seguindo as sugestões de
Fletcher (2001) e Ortner (1995), nesta
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
pesquisa incluo as percepções de
pessoas em ambos os lados do
espectro
aqueles que queriamsair e
aqueles que queriam ficar na V
Autódromo
mas também outras
perspectivas diferenciadas
uma variedade de posições em
relação à situação de despejo (ver
GAMA, 2019). Neste trabalho,
portanto, o conceito de resistência é
explorado etnograficamente como uma
complexa e, por ve
zes, contraditória
prática que reúne os diferentes
interesses, desejos e investimentos
dos moradores da Vila
Autódromo.Com base neste quadro
teórico, no presente artigo sigo o
argumento de Bernal sobre o
mídia e da informação na construção
do pode
r do Estado na
contemporaneidade:
O poder do Estado não é
construído apenas por meio do
controle exercido sobre
e pessoas, mas também através
do controle sobre a produção
comunicação de conhecimento,
informações, narrativas e
símbolos. O exerc
ício do poder
infopolítico pelos estados é mais
importante e mais difícil agora
que as novas mídias estão
descentralizando a comunicação,
abrindo caminhos alternativos de
produção e distribuição de
conhecimento. Ao destacar
infopolítica,traz-
se para o
da discussão aspectos da mídia
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
pesquisa incluo as percepções de
pessoas em ambos os lados do
aqueles que queriamsair e
aqueles que queriam ficar na V
ila
mas também outras
perspectivas diferenciadas
dentro de
uma variedade de posições em
relação à situação de despejo (ver
GAMA, 2019). Neste trabalho,
portanto, o conceito de resistência é
explorado etnograficamente como uma
zes, contraditória
prática que reúne os diferentes
interesses, desejos e investimentos
dos moradores da Vila
Autódromo.Com base neste quadro
teórico, no presente artigo sigo o
argumento de Bernal sobre o
papel da
mídia e da informação na construção
r do Estado na
O poder do Estado não é
construído apenas por meio do
controle exercido sobre
território
e pessoas, mas também através
do controle sobre a produção
e
comunicação de conhecimento,
informações, narrativas e
ício do poder
infopolítico pelos estados é mais
importante e mais difícil agora
que as novas dias estão
descentralizando a comunicação,
abrindo caminhos alternativos de
produção e distribuição de
conhecimento. Ao destacar
-se a
se para o
centro
da discussão aspectos da mídia
que foram subteorizados
(BERNAL, 2014, p. 8; minha
tradução).
Diante deste contexto, o ponto
que destaco é: em que medida os
movimentos de resistência ganham
poder por meio da atividade midiática
para subverter a açã
Estou ciente de que eles não estão, de
fato, mudando o funcionamento do
sistema político-
econômico em geral.
No entanto, como
anteriormente, as comunidades online
podem estar engendrando novas
dimensões de mudança social
(WILSON; P
ETERSON, 2002).
Exemplos em todo o mundo têm
mostrado que a Internet forneceu à
sociedade civil novas ferramentas para
apoiar as reivindicações dos ativistas
(VAN LAER; VAN AELST, 2010, p.
1147). Portanto, argumento que a
exposição na mídia pode
desempenha
r um papel no combate à
violência estatal direta e indireta.
Entendo que ao exibir
lutas diárias na
web
tempo real
, os ativistas podem
recrutar muitos apoiadores externos e
defensores para ajudar sua causa,
construindo uma extensa rede de
ativismo. Acima de tudo, essa
590
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
que foram subteorizados
(BERNAL, 2014, p. 8; minha
Diante deste contexto, o ponto
que destaco é: em que medida os
movimentos de resistência ganham
poder por meio da atividade midiática
para subverter a açã
o do Estado?
Estou ciente de que eles não estão, de
fato, mudando o funcionamento do
econômico em geral.
No entanto, como
observado
anteriormente, as comunidades online
podem estar engendrando “novas
dimensões de mudança social”
ETERSON, 2002).
Exemplos em todo o mundo têm
mostrado que a Internet forneceu à
sociedade civil novas ferramentas para
apoiar as reivindicações dos ativistas
(VAN LAER; VAN AELST, 2010, p.
1147). Portanto, argumento que a
exposição na mídia pode
r um papel no combate à
violência estatal direta e indireta.
Entendo que ao exibir
e circular suas
web
às vezes em
, os ativistas podem
recrutar muitos apoiadores externos e
defensores para ajudar sua causa,
construindo uma extensa rede de
ativismo. Acima de tudo, essa
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
exposição na mídia torna muito mais
difícil para o governo local empregar
o
s métodos de remoção forçada do
passado, que por vezes envolveram
até incêndios criminosos.
a alimentação contínua de um
notícias também atende aos interesses
de grupos de mídia independentes,
dentro e fora do Brasil, interessados
no acompanhamento de suas
campanhas e no impacto dos
megaeventos em cidades como o Rio.
Porém, da mesma forma que
promove conexões, sugere Bernal
(2014, p. 91), a Internet também pode
promover fragmentação. Novas mídias
também são
ferramentas potentes de
reprodução das desigualdades e da
opressão, uma vez que diversos
atores sociais, por vezes
representativos de ideologias
conservadoras ou repressivas
(incluindo órgãos governamentais e
partidos políticos), também fazem uso
intensivo dessas tecnologias
(RIBEIRO, 1998, p. 334)
dos apoiadores de extrema
atual presidente do Brasil, Jair Messias
Bolsonaro. Em contraste com aqueles
como Bernal, que afirmam o atual
significado político da Internet, outros
sugeriram que tem havido um
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
exposição na mídia torna muito mais
difícil para o governo local empregar
s métodos de remoção forçada do
passado, que por vezes já envolveram
Além disso,
a alimentação contínua de um
feed de
notícias também atende aos interesses
de grupos de mídia independentes,
dentro e fora do Brasil, interessados
no acompanhamento de suas
campanhas e no impacto dos
megaeventos em cidades como o Rio.
Porém, da mesma forma que
promove conexões, sugere Bernal
(2014, p. 91), a Internet também pode
promover fragmentação. Novas mídias
ferramentas potentes de
reprodução das desigualdades e da
opressão, uma vez que diversos
atores sociais, por vezes
representativos de ideologias
conservadoras ou repressivas
(incluindo órgãos governamentais e
partidos políticos), também fazem uso
intensivo dessas tecnologias
a exemplo
dos apoiadores de extrema
-direita do
atual presidente do Brasil, Jair Messias
Bolsonaro. Em contraste com aqueles
como Bernal, que afirmam o atual
significado político da Internet, outros
sugeriram que tem havido um
entusia
smo desproporcional em
relação ao uso das mídias sociais para
fins ativistas, e que os movimentos
cibermediados podem resultar em
“laços fracos” entre seus membros
(GLADWELL, 2010). Então, como os
movimentos de resistência lidam com
essa fragmentação? C
conseguem manter
-
Parece que a dimensão
atividades é o que
os mantém unidos,
e é também o que atrai os
colaboradores (pesquisadores,
cineastas e jornalistas independentes)
a retornar ao local da luta após uma
primeira visita.
No mundo centrado na imagem
em que vivemos hoje, as pessoas
usam a mídia para todos os tipos de
propósitos. Isso significa que a
contribuição da mídia está intimamente
ligada a como as pessoas a usam e,
precisamente por essa razão, que uma
etnogr
afia detalhada de como as
pessoas a usam para ativismo e
resistência na Vila Autódromo é tão
importante. Neste sentido, sugiro que
a Internet é um local de
relacionamentos e atividades que
permite às pessoas contornar
caminhos normativos e hegemônicos
d
a política para contar uma história
591
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
smo desproporcional em
relação ao uso das mídias sociais para
fins ativistas, e que os movimentos
cibermediados só podem resultar em
laços fracos entre seus membros
(GLADWELL, 2010). Então, como os
movimentos de resistência lidam com
essa fragmentação? C
omo eles
-
se conectados?
Parece que a dimensão
offline de suas
os mantém unidos,
e é também o que atrai os
colaboradores (pesquisadores,
cineastas e jornalistas independentes)
a retornar ao local da luta após uma
No mundo centrado na imagem
em que vivemos hoje, as pessoas
usam a mídia para todos os tipos de
propósitos. Isso significa que a
contribuição da mídia está intimamente
ligada a como as pessoas a usam e,
precisamente por essa razão, que uma
afia detalhada de como as
pessoas a usam para ativismo e
resistência na Vila Autódromo é tão
importante. Neste sentido, sugiro que
a Internet é um local de
relacionamentos e atividades que
permite às pessoas contornar
os
caminhos normativos e hegemônicos
a política para contar uma história
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
diferente e, segundo os ativistas, mais
verdadeira de sua situação. Eu exploro
essas questões, com o objetivo de
contribuir para o conhecimento
antropológico sobre as interações
dialéticas entre poder e resistência,
enqu
anto forneço outras perspectivas
sobre as novas práticas de ativismo e
a influência das novas mídias nos
movimentos sociais contemporâneos.
De Volta à Dona Jane:
cercear para
expulsar
No dia em que a casa de Dona
Jane foi demolida, eu havia chegado
bem ce
do à Vila Autódromo. Os
moradores-
ativistas haviam me
ensinado a não cair nas armadilhas
dos agentes locais. Eles espalhavam
rumores sobre situações que
aconteceriam em determinados dias,
horários e lugares para nos induzir a
estar longe de onde estariam
c
ometendo abusos que não queriam
que testemunhássemos ou
filmássemos; e eu havia prometido à
Dona Jane que não perderia a
demolição de sua casa. Diferente de
outras casas na Vila Autódromo, esta
era frágil e simples de r ao chão.
Ainda que a estrutura fís
ica não fosse
das mais fortes, remover Dona Jane
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
diferente e, segundo os ativistas, mais
verdadeira de sua situação. Eu exploro
essas questões, com o objetivo de
contribuir para o conhecimento
antropológico sobre as interações
dialéticas entre poder e resistência,
anto forneço outras perspectivas
sobre as novas práticas de ativismo e
a influência das novas mídias nos
movimentos sociais contemporâneos.
cercear para
No dia em que a casa de Dona
Jane foi demolida, eu havia chegado
do à Vila Autódromo. Os
ativistas haviam me
ensinado a não cair nas armadilhas
dos agentes locais. Eles espalhavam
rumores sobre situações que
aconteceriam em determinados dias,
horários e lugares para nos induzir a
estar longe de onde estariam
ometendo abusos que não queriam
que testemunhássemos ou
filmássemos; e eu havia prometido à
Dona Jane que não perderia a
demolição de sua casa. Diferente de
outras casas na Vila Autódromo, esta
era frágil e simples de pôr ao chão.
ica não fosse
das mais fortes, remover Dona Jane
não foi tarefa fácil. Ela fez tudo que
estava a seu alcance para dificultar as
ações da prefeitura:
desistir
[de lutar contra a remoção],
[pelo menos]
eu vou fazer as coisas do
meu jeito
”. Em contraste com outras
demolições que acompanhei na Vila
Autódromo, esta seria feita sob os
olhos atentos da chefe da família.
Como parte da “negociação que ela
foi forçada a fazer com a prefeitura,
Dona Jane exigiu estar presente em
cada parte do pro
cesso: desde a
retirada de seus móveis e pertences e
“descaracterização” de sua casa até a
demolição da estrutura.
“Negociação” é o termo que
moradores, ativistas e agentes da
prefeitura usam em oposição à ideia
de resistência ou à ideia de luta. No
co
ntexto do meu campo, as pessoas
eram geralmente divididas entre
aqueles que resistiam e lutavam e
aqueles que desistiam e negociavam,
escolhendo trocar suas casas
autoconstruídas por um pequeno
apartamento no conjunto habitacional
ou chegando a um acordo q
preço de sua casa. No entanto, ao
longo da pesquisa ficou demonstrado
que outros elementos
jogo para os moradores
592
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
não foi tarefa fácil. Ela fez tudo que
estava a seu alcance para dificultar as
ações da prefeitura:
que tive que
[de lutar contra a remoção],
eu vou fazer as coisas do
. Em contraste com outras
demolições que acompanhei na Vila
Autódromo, esta seria feita sob os
olhos atentos da chefe da família.
Como parte da negociação” que ela
foi forçada a fazer com a prefeitura,
Dona Jane exigiu estar presente em
cesso: desde a
retirada de seus móveis e pertences e
descaracterização de sua casa até a
demolição da estrutura.
Negociação é o termo que
moradores, ativistas e agentes da
prefeitura usam em oposição à ideia
de resistência ou à ideia de “luta”. No
ntexto do meu campo, as pessoas
eram geralmente divididas entre
aqueles que resistiam e lutavam e
aqueles que desistiam e negociavam,
escolhendo trocar suas casas
autoconstruídas por um pequeno
apartamento no conjunto habitacional
ou chegando a um acordo q
uanto ao
preço de sua casa. No entanto, ao
longo da pesquisa ficou demonstrado
que outros elementos
estavam em
jogo para os moradores
pessoais,
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
morais, ideológicos, dentre outros
as fronteiras entre resistência e
desistência não tinham como ser tão
nítidas (GAMA, 2019).
No caso da Dona Jane, havia
um consenso entre os moradores da
Vila Autódromo sobre as
circunstâncias com as quais ela teve
de negociar sua indenização e,
portanto,
a negociação era
considerada compreensível por muitas
pessoas, enquant
o outros ativistas
eram criticados por “abandonar a luta
cedo demais”. Dona Jane era uma das
moradoras cuja casa foi incluída em
um dos decretos de desapropriação
lançados pelo prefeito do Rio de
Janeiro em março de 2015.
então, Dona Jane teve de en
todo tipo de pressão dos oficiais da
prefeitura. Além da pressão
psicológica à qual foi exposta
enquanto moradora e membro da
Associação de Moradores, Dona Jane
também teve que suportar as enormes
mudanças espaciais feitas
constantemente ao redor d
8
Um ano após o início
das remoções, o então
prefeito Eduardo Paes lançou três decretos
para desapropriar a maioria das casas
remanescentes na Vila Autódromo,
confirmando algumas ameaças que moradores
haviam reportado anteriormente.
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
morais, ideológicos, dentre outros
e
as fronteiras entre resistência e
desistência não tinham como ser tão
No caso da Dona Jane, havia
um consenso entre os moradores da
Vila Autódromo sobre as
circunstâncias com as quais ela teve
de negociar sua indenização e,
a negociação era
considerada compreensível por muitas
o outros ativistas
eram criticados por abandonar a luta
cedo demais. Dona Jane era uma das
moradoras cuja casa foi incluída em
um dos decretos de desapropriação
lançados pelo prefeito do Rio de
Janeiro em março de 2015.
8
Desde
então, Dona Jane teve de en
frentar
todo tipo de pressão dos oficiais da
prefeitura. Além da pressão
psicológica à qual foi exposta
enquanto moradora e membro da
Associação de Moradores, Dona Jane
também teve que suportar as enormes
mudanças espaciais feitas
constantemente ao redor d
e sua casa.
das remoções, o então
prefeito Eduardo Paes lançou três decretos
para desapropriar a maioria das casas
remanescentes na Vila Autódromo,
confirmando algumas ameaças que moradores
haviam reportado anteriormente.
Em um dos momentos mais emotivos
de nossa entrevista, quando eu a
visitei pela primeira vez em sua casa
nova em 2016, Dona Jane relembrou:
Os funcionários [da prefeitura] me
pressionavam. Não os peões de
obra. Os peões ficavam
indignados com o
prefeitura fazer com a gente,
alguns até vinham no final do
expediente pra se solidarizar
comigo e a minha família. Mas os
funcionários eram pressionados
pra pressionar a gente,
pressionar as outras famílias
Então eu perguntei se ela
poderia me dar um exemplo do que ela
queria dizer com pressão. E ela
respondeu:
Quando eles estavam
trabalhando no sistema de
drenagem [no início de 2015],
eles ficavam me vigiando e
começaram a construir o sistema
em direção a minha casa. Ainda
tinha un
s 40m de distância da
minha casa. Às vezes eles
ficavam uma semana sem
trabalhar ali, às vezes
trabalhavam só um pouco. aí
foi no dia 25 de abril, eu nunca
vou me esquecer dessa data, eu
fui o dia todo para um evento em
Vargem Grande, eu convidei a
(Dona)
Penha e nós fomos para o
Tira Caqui, um evento de
ecologia. […] Quando eu cheguei
em casa à noite já não tinha mais
acesso para eu entrar na minha
casa.
Dona Jane parou para secar as
lágrimas e se recompor. Eu perguntei
593
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Em um dos momentos mais emotivos
de nossa entrevista, quando eu a
visitei pela primeira vez em sua casa
nova em 2016, Dona Jane relembrou:
Os funcionários [da prefeitura] me
pressionavam. Não os peões de
obra. Os peões ficavam
indignados com o
que eles viam a
prefeitura fazer com a gente,
alguns até vinham no final do
expediente pra se solidarizar
comigo e a minha família. Mas os
funcionários eram pressionados
pra pressionar a gente,
pressionar as outras famílias
.
Então eu perguntei se ela
poderia me dar um exemplo do que ela
queria dizer com “pressão”. E ela
Quando eles estavam
trabalhando no sistema de
drenagem [no início de 2015],
eles ficavam me vigiando e
começaram a construir o sistema
em direção a minha casa. Ainda
s 40m de distância da
minha casa. Às vezes eles
ficavam uma semana sem
trabalhar ali, às vezes
trabalhavam só um pouco….
foi no dia 25 de abril, eu nunca
vou me esquecer dessa data, eu
fui o dia todo para um evento em
Vargem Grande, eu convidei a
Penha e nós fomos para o
Tira Caqui, um evento de
ecologia. [] Quando eu cheguei
em casa à noite não tinha mais
acesso para eu entrar na minha
Dona Jane parou para secar as
lágrimas e se recompor. Eu perguntei
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
se ela queria que eu parasse a
gr
avação. Ela respondeu que queria
continuar e que precisava ser forte.
Demos uma pequena pausa. Eu dei a
ela um copo de água e ela continuou a
história:
Eu tive sorte que o pai das
minhas filhas e outros vizinhos
estavam
lá. Eles pegaram umas
pedras e areia das obras que
estavam ao lado da minha casa e
improvisaram um caminho pra
mim no meio de toda aquela
lama. Não tinha luz na rua, eles
tinham desligado, foi muito
sacrifício. […] Eu fiquei muito
chocada. Mas eu me manti
silêncio. […] E pensei comigo, eu
não posso mais sair de casa,
nem pra fazer algum trabalho, ou
cuidar de mim, eu não vou sair
pra nada, eu vou me fincar aqui
porque essa é a prova de que, de
fato, eu posso chegar um dia e
não encontrar minha casa [n
lugar], como eu vi acontecer em
outras comunidades no Recreio.
A casa de Dona Jane e a de
Seu Altair (então presidente da
Associação de Moradores), ambas
demolidas no mesmo dia, eram as
únicas habitações que permaneciam
em em uma grande área vazia ao
lado da entrada da comunidade, onde
a prefeitura havia estrategicamente
colocado enormes pilhas de material
de construção. Todas as casas ao
redor das deles haviam sido
gradualmente demolidas entre março
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
se ela queria que eu parasse a
avação. Ela respondeu que queria
continuar e que precisava ser forte.
Demos uma pequena pausa. Eu dei a
ela um copo de água e ela continuou a
Eu tive sorte que o pai das
minhas filhas e outros vizinhos
lá. Eles pegaram umas
pedras e areia das obras que
estavam ao lado da minha casa e
improvisaram um caminho pra
mim no meio de toda aquela
lama. Não tinha luz na rua, eles
tinham desligado, foi muito
sacrifício. [] Eu fiquei muito
chocada. Mas eu me manti
ve em
silêncio. [] E pensei comigo, eu
não posso mais sair de casa,
nem pra fazer algum trabalho, ou
cuidar de mim, eu não vou sair
pra nada, eu vou me fincar aqui
porque essa é a prova de que, de
fato, eu posso chegar um dia e
não encontrar minha casa [n
o
lugar], como eu vi acontecer em
outras comunidades no Recreio.
A casa de Dona Jane e a de
Seu Altair (então presidente da
Associação de Moradores), ambas
demolidas no mesmo dia, eram as
únicas habitações que permaneciam
em pé em uma grande área vazia ao
lado da entrada da comunidade, onde
a prefeitura havia estrategicamente
colocado enormes pilhas de material
de construção. Todas as casas ao
redor das deles haviam sido
gradualmente demolidas entre março
de 2014 e julho de 2015. De acordo
com os funcionár
ios da prefeitura, nos
decretos de desapropriação constava
que aquela área
liberada para que o acesso ao Parque
Olímpico fosse construído
Jane, Seu Altair e outros moradores
tiveram que resistir por meses às
obras em suas portas, até
que não somente tinham que
improvisar acessos temporários as
suas casas, como também suportar a
constante falta de água e eletricidade,
além das perturbações sonoras
poeira das obras. Ao remover estes
dois ativistas, a prefeitura
controle territorial em direção ao centro
da Vila Autódromo, deixando todas as
demais casas rodeadas pelas obras ou
pelo muro do Parque Olímpico. Como
ambos eram também os principais
líderes da Associação de Moradores,
atacá-
los também era uma parte
i
mportante da estratégia política da
prefeitura.
Essa intenção em permitir que a
Vila Autódromo fosse cercada e
'engolida'
pelas obras, e a
consequente tensão emocional que
isso causava aos moradores, foi uma
estratégia central na tentativa de
erradicar a
comunidade. A política de
594
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- ISSN 2237-1508
de 2014 e julho de 2015. De acordo
ios da prefeitura, nos
decretos de desapropriação constava
que aquela área
precisava ser
liberada para que o acesso ao Parque
Olímpico fosse construído
”. Dona
Jane, Seu Altair e outros moradores
tiveram que resistir por meses às
obras em suas portas, até
o ponto em
que não somente tinham que
improvisar acessos temporários as
suas casas, como também suportar a
constante falta de água e eletricidade,
além das perturbações sonoras
junto à
poeira das obras. Ao remover estes
dois ativistas, a prefeitura
ampliou seu
controle territorial em direção ao centro
da Vila Autódromo, deixando todas as
demais casas rodeadas pelas obras ou
pelo muro do Parque Olímpico. Como
ambos eram também os principais
líderes da Associação de Moradores,
los também era uma parte
mportante da estratégia política da
Essa intenção em permitir que a
Vila Autódromo fosse cercada e
pelas obras, e a
consequente tensão emocional que
isso causava aos moradores, foi uma
estratégia central na tentativa de
comunidade. A política de
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
destruição da gestão Eduardo Paes
desordenava a espacialidade local,
desconstruindo acessos às casas e à
Vila mediante as obstruções. As
mudanças causadas ao único acesso
que os moradores tinham à
comunidade e algumas casas, ao
po
nto de às vezes nos perdermos ou
ficarmos encurralados em alguma via,
também eram usadas como táticas de
remoção. Ao final, criavam
gradativamente um ambiente
degradado e insalubre que resultava
na destruição da vida social; uma das
mais importantes tática
prefeitura usou para fazer as famílias
sentirem-
se cerceadas e, finalmente,
cederem à pressão. Como um dos
moradores contou-
me anonimamente:
A pessoa acaba desistindo. Você
fica sem água hoje, amanhã, o
dia depois de amanhã, você fica
sem luz, sabe
? Eles desligam as
luzes da rua; você não tem mais
acesso à comunidade. [] Aí
você sai para ir ao mercado e
quando você volta você não pode
mais entrar [em casa] porque
abriram uma cratera
porta).
Quer dizer, são essas as
coisas que eles fazem na
comunidade que eles não fariam
em um condomínio na Zona Sul,
por exemplo, ou mesmo na Barra
da Tijuca.
Além das mudanças em termos
de acesso, outras táticas envolveram
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
destruição da gestão Eduardo Paes
desordenava a espacialidade local,
desconstruindo acessos às casas e à
Vila mediante as obstruções. As
mudanças causadas ao único acesso
que os moradores tinham à
comunidade e algumas casas, ao
nto de às vezes nos perdermos ou
ficarmos encurralados em alguma via,
também eram usadas como táticas de
remoção. Ao final, criavam
gradativamente um ambiente
degradado e insalubre que resultava
na destruição da vida social; uma das
mais importantes tática
s que a
prefeitura usou para fazer as famílias
se cerceadas e, finalmente,
cederem à pressão. Como um dos
me anonimamente:
A pessoa acaba desistindo. Você
fica sem água hoje, amanhã, o
dia depois de amanhã, você fica
? Eles desligam as
luzes da rua; você não tem mais
acesso à comunidade. […]
você sai para ir ao mercado e
quando você volta você não pode
mais entrar [em casa] porque
abriram uma cratera
(na sua
Quer dizer, são essas as
coisas que eles fazem na
comunidade que eles não fariam
em um condomínio na Zona Sul,
por exemplo, ou mesmo na Barra
Além das mudanças em termos
de acesso, outras táticas envolveram
demolições surpresa após o
cerceamento de áreas inteiras da
comunidade com a presença
guardas municipais, os quais às vezes
tinham a ajuda de policiais militares
fortemente armados. Além disso,
“descaracterização” era o termo
técnico usados pelos funcionários da
prefeitura para descrever o processo
de remover as portas, janelas e, por
v
ezes, tetos das casas, quando estas
partes não eram removidas pelos
próprios moradores com a intenção de
revendê-
las. Esse processo também
incluía fazer enormes buracos nas
paredes das construções. Os
funcionários instruíam os agentes de
demolição a descar
acterizarem a casa
assim que a família se mudasse para
evitar que outras pessoas a
ocupassem antes que ela fosse
demolida. Às vezes casas
descaracterizadas levavam meses
para serem demolidas, a depender de
seu status legal. Outras vezes,
especialmente ao f
inal do processo de
remoção, casas eram demolidas
imediatamente após a retirada das
famílias.
Seja como for, com frequência,
pilhas de entulho eram deixadas
deliberadamente por semanas para
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- ISSN 2237-1508
demolições surpresa após o
cerceamento de áreas inteiras da
comunidade com a presença
de
guardas municipais, os quais às vezes
tinham a ajuda de policiais militares
fortemente armados. Além disso,
descaracterização era o termo
técnico usados pelos funcionários da
prefeitura para descrever o processo
de remover as portas, janelas e, por
ezes, tetos das casas, quando estas
partes não eram removidas pelos
próprios moradores com a intenção de
las. Esse processo também
incluía fazer enormes buracos nas
paredes das construções. Os
funcionários instruíam os agentes de
acterizarem a casa
assim que a família se mudasse para
evitar que outras pessoas a
ocupassem antes que ela fosse
demolida. Às vezes casas
descaracterizadas levavam meses
para serem demolidas, a depender de
seu status legal. Outras vezes,
inal do processo de
remoção, casas eram demolidas
imediatamente após a retirada das
Seja como for, com frequência,
pilhas de entulho eram deixadas
deliberadamente por semanas para
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
aumentar ainda mais a sensação de
degradação ao ambiente. Entulho
foram usados, portanto, como uma
arma efetiva
no ciclo da política de
destruição que serviam para
aumentar a tensão e o desconforto dos
moradores remanescentes, até mesmo
daqueles que sempre estiveram a
favor de resistir à remoção. Essas
circunstância
s ajudaram a produzir um
efeito dominó: muitas famílias que
estavam determinadas a resistir no
início do meu trabalho de campo, ao
final, contaram-
me que haviam
decidido negociar porque, além da
degradação da infraestrutura, o lugar
não era mais “a Vila
Autódromo de
antes”.
O terror político, ou a
terror, estendia-
se às emoções dos
moradores e ao estado de medo e
incerteza, para além da precariedade
econômica e/ou de severas condições
de saúde que
alguns moradores já
tinham como parte de sua
Ainda que falassem frequentemente
em blico que “negociação é
diálogo”, no dia a dia os funcionários
usavam a desinformação
recurso. Essas ticas ou "artimanhas
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
aumentar ainda mais a sensação de
degradação ao ambiente. Entulho
s
foram usados, portanto, como uma
no ciclo da política de
destruição já que serviam para
aumentar a tensão e o desconforto dos
moradores remanescentes, até mesmo
daqueles que sempre estiveram a
favor de resistir à remoção. Essas
s ajudaram a produzir um
efeito dominó: muitas famílias que
estavam determinadas a resistir no
início do meu trabalho de campo, ao
me que haviam
decidido negociar porque, além da
degradação da infraestrutura, o lugar
Autódromo de
O terror político, ou a
política do
se às emoções dos
moradores e ao estado de medo e
incerteza, para além da precariedade
econômica e/ou de severas condições
alguns moradores
tinham como parte de sua
s vidas.
Ainda que falassem frequentemente
em público que negociação é
diálogo, no dia a dia os funcionários
usavam a desinformação
como
recurso. Essas táticas ou "artimanhas
de manipulação psicológica"
recorrentes no
contexto da violência
estatal
e eram pensadas para enganar
as pessoas e provocar conflitos entre
vizinhos e às vezes entre membros de
uma mesma família. Por exemplo, em
alguns casos a prefeitura não
negociava a indenização com
unidades familiares que haviam
decidido sair quando elas di
mesmo terreno com outras unidades
familiares que haviam decidido resistir.
Assim, a unidade familiar que decidia
se mudar precisava pressionar as
outras para aceitarem a remoção;
neste contexto, algumas pessoas
começaram a colaborar com a
prefeitu
ra passando informações
importantes sobre ativistas dentro de
seu próprio círculo familiar. De
maneira similar, quando proprietários
queriam discutir indenizações, a
prefeitura se recusava a começar as
negociações antes que os inquilinos
tivessem concordad
o em sair.
Em outras instâncias, ameaças
eram claramente utilizadas como
intimidação. Dona Josefa,
9
SLUKA, Jeffrey. Introduction: State terror
anthropology. In: SLUKA, Jeffrey (ed.).
squad: the anthropology of state terror.
Philadelphia, PA: University of Pennsylvania
Press, 2000.
596
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- ISSN 2237-1508
de manipulação psicológica"
9
eram
contexto da violência
e eram pensadas para enganar
as pessoas e provocar conflitos entre
vizinhos e às vezes entre membros de
uma mesma família. Por exemplo, em
alguns casos a prefeitura não
negociava a indenização com
unidades familiares que haviam
decidido sair quando elas di
vidiam o
mesmo terreno com outras unidades
familiares que haviam decidido resistir.
Assim, a unidade familiar que decidia
se mudar precisava pressionar as
outras para aceitarem a remoção;
neste contexto, algumas pessoas
começaram a colaborar com a
ra passando informações
importantes sobre ativistas dentro de
seu próprio círculo familiar. De
maneira similar, quando proprietários
queriam discutir indenizações, a
prefeitura se recusava a começar as
negociações antes que os inquilinos
o em sair.
Em outras instâncias, ameaças
eram claramente utilizadas como
intimidação. Dona Josefa,
uma mulher
SLUKA, Jeffrey. Introduction: State terror
and
anthropology. In: SLUKA, Jeffrey (ed.).
Death
squad: the anthropology of state terror.
Philadelphia, PA: University of Pennsylvania
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
que se declarou
parda, divorciada e
mãe de três filhos, era uma das
vendedoras
que costumava vender
salgados e bebidas na entrada da Vila.
Ela havia se mudado da Baixada
Fluminense, na região metropolitana
do Rio, para a Vila Autódromo há 20
anos e ainda considerava sua casa
“inacabada”. Demorou 20 meses para
Dona Josefa e sua família serem
compensadas p
ela remoção com um
apartamento no conjunto habitacional.
Enquanto isso não aconteceu, ela
resistiu à
diferentes ameaças por parte
dos agentes locais, algumas das quais
ela compartilhou comigo:
Se eles não tirarem na boa, eles
vão tirar na marra porque esse
o objetivo deles. Isso foi me
passado. A Marlene (
da prefeitura)
falou pra mim: se
você não sair por bem, você vai
sair por mal. Jogo a casa por
cima de você e dos seus filhos.
Não quero saber”. Entendeu?
Não teve nenhuma conversa,
não. Foi
essa a conversa. Eu
disse para ela: “então, você joga
por cima” e eu continuei. [...] Eu
acho que só pelo o que eu passei
eu merecia uma indenização por
danos morais, pelo o que eles
fizeram na minha cabeça e na
cabeça dos meus filhos. Um
terror psicológico
.
O testemunho de Dona Josefa
evidencia o lado mais
perverso da
política de terror e destruição utilizada
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
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mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
parda, divorciada e
mãe de três filhos, era uma das
que costumava vender
salgados e bebidas na entrada da Vila.
Ela havia se mudado da Baixada
Fluminense, na região metropolitana
do Rio, para a Vila Autódromo 20
anos e ainda considerava sua casa
inacabada. Demorou 20 meses para
Dona Josefa e sua família serem
ela remoção com um
apartamento no conjunto habitacional.
Enquanto isso não aconteceu, ela
diferentes ameaças por parte
dos agentes locais, algumas das quais
Se eles não tirarem na boa, eles
vão tirar na marra porque esse
é
o objetivo deles. Isso foi me
passado. A Marlene (
funcionária
falou pra mim: “se
você não sair por bem, você vai
sair por mal. Jogo a casa por
cima de você e dos seus filhos.
Não quero saber. Entendeu?
Não teve nenhuma conversa,
essa a conversa. Eu
disse para ela: então, você joga
por cima e eu continuei. [...] Eu
acho que só pelo o que eu passei
eu merecia uma indenização por
danos morais, só pelo o que eles
fizeram na minha cabeça e na
cabeça dos meus filhos. Um
O testemunho de Dona Josefa
perverso da
política de terror e destruição utilizada
pela prefeitura. Enquanto uns tiveram
a c
hance de negociar a indenização
até o ponto em que consideraram que
era justo para reconstruírem suas
vidas em outro lugar, outros
moradores como Dona Josefa (muitos
não-
ativistas) tiveram que resistir ao
tipo de ameaça “por bem ou por mal.
“Ficar para trás” ou acabar sozinho
também eram algumas das muitas
ameaças da prefeitura. Todos serão
removidos n
o final, diziam os
funcionários da prefeitura,
contradizendo as promessas do
prefeito na mídia.
Considerando o terror
promovido pelo estado como uma
estratégia de intimidação política e
coercitiva
que pode ou não envolver
violência direta,
10
entendo a
terror em suas nuances através das
relações diárias de poder entre o
estado
representado aqui pelos
funcionários da Secretaria Municipal
de Habitação–
e os moradores e
10
Ver SANFORD, Victoria. Contesting
displacement in Colombia: citizenship and
state sovereignty at the margi
Veena; POOLE, Deborah.
Margins of the State.
Santa Fe, NM: School of
American Research 2004, p. 253
SLUKA, Jeffrey. Terrorism and taboo: an
anthropological perspective on political
violence against civilians.
Terrorism, 1(2), p. 167-
183, 2008.
597
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- ISSN 2237-1508
pela prefeitura. Enquanto uns tiveram
hance de negociar a indenização
até o ponto em que consideraram que
era justo para reconstruírem suas
vidas em outro lugar, outros
moradores como Dona Josefa (muitos
ativistas) tiveram que resistir ao
tipo de ameaça por bem ou por mal”.
Ficar para trás ou “acabar sozinho”
também eram algumas das muitas
ameaças da prefeitura. “Todos serão
o final”, diziam os
funcionários da prefeitura,
contradizendo as promessas do
Considerando o terror
promovido pelo estado como uma
estratégia de intimidação política e
que pode ou não envolver
entendo a
política do
terror em suas nuances através das
relações diárias de poder entre o
representado aqui pelos
funcionários da Secretaria Municipal
e os moradores e
Ver SANFORD, Victoria. Contesting
displacement in Colombia: citizenship and
state sovereignty at the margi
ns. In: DAS,
Veena; POOLE, Deborah.
Anthropology in the
Santa Fe, NM: School of
American Research 2004, p. 253
-277 e
SLUKA, Jeffrey. Terrorism and taboo: an
anthropological perspective on political
Critical Studies on
183, 2008.
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
apoiadores da Vila Autódromo,
resultando numa atmosfera
diariamente opressiva.
Na coleção seminal de estudos
de caso,
Death Squad: The
Anthropology of State Terror
Sluka
define o terrorismo de estado
como "o uso ou ameaça de violência
por parte do estado, ou seus agentes
ou apoiadores, especialmente contra
indivíduos civis e populações, como
meio de intimidação e controle político
(ou seja, um meio de repressão)
(2000, p
. 2; minha tradução).
Geralmente, "terror" tem sido
explorado tanto como "terrorismo
estatal"
dos quais os "esquadrões da
morte" (SLUKA, 2000) e períodos
ditatoriais na América Latina e outros
lugares são alguns exemplos
como "terrorismo antiestado"
exemplo, em relação aos guerrilheiros
(SANFORD, 2004) ou "combatentes
da liberdade" (SLUKA, 2008). Tortura,
assassinato e genocídio o as formas
extremas de terror, no entanto, como
Nagengast (1994, p. 114) observa,
"terror patrocinado pelo Estado"
"violência política" "pode
significar violência direta".
Neste contexto, uso
"terror
político" para descrever o tipo
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
apoiadores da Vila Autódromo,
resultando numa atmosfera
Na coleção seminal de estudos
Death Squad: The
Anthropology of State Terror
, Jeffrey A.
define o terrorismo de estado
como "o uso ou ameaça de violência
por parte do estado, ou seus agentes
ou apoiadores, especialmente contra
indivíduos civis e populações, como
meio de intimidação e controle político
(ou seja, um meio de repressão)”
. 2; minha tradução).
Geralmente, "terror" tem sido
explorado tanto como "terrorismo
dos quais os "esquadrões da
morte" (SLUKA, 2000) e períodos
ditatoriais na América Latina e outros
lugares são alguns exemplos
ou
como "terrorismo antiestado"
, por
exemplo, em relação aos guerrilheiros
(SANFORD, 2004) ou "combatentes
da liberdade" (SLUKA, 2008). Tortura,
assassinato e genocídio são as formas
extremas de terror, no entanto, como
Nagengast (1994, p. 114) observa,
"terror patrocinado pelo Estado"
ou
"violência política" "pode
ou não
Neste contexto, uso
o termo
político" para descrever o tipo
de regime de poder estatal que se
infiltra nas relações e
Autódromo como uma força contínua e
incessan
te de intimidação. O terror
político é o meio através do qual o
estado exerce pressão físico
e psicológica para intimidar cidadãos
que têm acesso limitado aos seus
direitos, forçando-
os a obedecer aos
seus objetivos, neste caso, render
remoçã
o da Vila Autódromo. Como
resultado do senso de desorientação e
deslocamento ou, finalmente, por puro
desespero ou senso de sobrevivência,
muitos moradores acabaram decidindo
sair de suas casas em vez de
permanecerem.
Existi
alguns episódio
s críticos durante o
processo de remoção que envolveram
ameaças diretas à vida dos
moradores, dos quais o melhor
exemplo foi o ataque violento da tropa
de choque da Guarda Municipal que
deixou cinco moradores gravemente
feridos em junho de 2015. Ainda que
não envolvesse sempre a violência
física, o terror infiltrado em situações
do cotidiano também pode ser visto
como ameaça à vida no sentido em
que destrói a subsistência, a saúde, o
bem estar e a vida social das pessoas
598
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- ISSN 2237-1508
de regime de poder estatal que se
infiltra nas relações e
eventos na Vila
Autódromo como uma força contínua e
te de intimidação. O terror
político é o meio através do qual o
estado exerce pressão físico
-espacial
e psicológica para intimidar cidadãos
que têm acesso limitado aos seus
os a obedecer aos
seus objetivos, neste caso, render
-se à
o da Vila Autódromo. Como
resultado do senso de desorientação e
deslocamento ou, finalmente, por puro
desespero ou senso de sobrevivência,
muitos moradores acabaram decidindo
sair de suas casas em vez de
Existi
ram, certamente,
s críticos durante o
processo de remoção que envolveram
ameaças diretas à vida dos
moradores, dos quais o melhor
exemplo foi o ataque violento da tropa
de choque da Guarda Municipal que
deixou cinco moradores gravemente
feridos em junho de 2015. Ainda que
não envolvesse sempre a violência
física, o terror infiltrado em situações
do cotidiano também pode ser visto
como ameaça à vida no sentido em
que destrói a subsistência, a saúde, o
bem estar e a vida social das pessoas
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
e, como último recurso, a política
terror destrói a casa.
"As máquinas estão sendo ligadas"
Era o dia do plantão de Luiz
Cláudio no portão de entrada da Vila
Autódromo. Um pequeno grupo de
moradores-ativistas
decidiu construir
este portão alguns dias após o
confronto que havia ocorrido na favela
no dia 3 de junho de 2015. O principal
objetivo era restringir as idas e vindas
dos caminhões de construção e
tratores. Os ativistas inicialmente o
improvisaram com pe
madeira e entulho até que
conseguiram encontrar cones de
trânsito e uma pequena
cabine para o
observador. Por muito tempo, um
grupo reduzido demoradores se
comprometeram a vigiar o portão em
turnos alternados
de 5h às 11h
11h às 17h. O prot
ocolo era que
quando um carro se aproximasse do
portão, o observador iria até a janela
do motorista perguntar o motivo de sua
visita. Somente
os que eram
conhecidos na região ou tinham
adesivo da campanha "Viva a Vila
Autódromo"
colado na janela do carro
eram autorizados a passar sem serem
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
e, como último recurso, a política
do
"As máquinas estão sendo ligadas"
Era o dia do plantão de Luiz
Cláudio no portão de entrada da Vila
Autódromo. Um pequeno grupo de
decidiu construir
este portão alguns dias após o
confronto que havia ocorrido na favela
no dia 3 de junho de 2015. O principal
objetivo era restringir as idas e vindas
dos caminhões de construção e
tratores. Os ativistas inicialmente o
improvisaram com pe
daços de
madeira e entulho até que
conseguiram encontrar cones de
cabine para o
observador. Por muito tempo, um
grupo reduzido demoradores se
comprometeram a vigiar o portão em
de 5h às 11h
e de
ocolo era que
quando um carro se aproximasse do
portão, o observador iria até a janela
do motorista perguntar o motivo de sua
os que eram
conhecidos na região ou tinham
o
adesivo da campanha "Viva a Vila
colado na janela do carro
eram autorizados a passar sem serem
parados. Outro propósito importante
de ter o portão de entrada na Vila foi
impedir que o grande número de
funcionários do Parque Olímpico
seguisse utilizando os espaços vazios
das casas demolidas como
estacionamento, al
go que vinha
acontecendo muitos meses. Muitos
moradores sentiram como se
estivessem sendo invadidos por essas
pessoas e viam sua indiferença como
um grande desrespeito ao que se
passava na Vila Autódromo, para além
do estresse causado por tantas
mudanças.
Comprei duas xícaras de café
com a Dona Josefa, que havia
posicionada sua banca
estrategicamente na rota dos
trabalhadores iam e vinham do Parque
Olímpico. Dei uma das xícaras de café
ao Luiz Cláudio e fiz companhia a ele,
conversando, enquanto ficávam
olho nas pessoas que passavam pelo
portão. Uma das coisas sobre as quais
conversamos foi que já haviam se
passado quatro dias desde que a
prefeitura
demoliu uma casa, exceto
por uma que havia sido demolida em
função da gravação de um
televis
ivo que tinha acontecido alguns
dias antes. O programa de TV era
599
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
parados. Outro propósito importante
de ter o portão de entrada na Vila foi
impedir que o grande número de
funcionários do Parque Olímpico
seguisse utilizando os espaços vazios
das casas demolidas como
go que vinha
acontecendo há muitos meses. Muitos
moradores sentiram como se
estivessem sendo invadidos por essas
pessoas e viam sua indiferença como
um grande desrespeito ao que se
passava na Vila Autódromo, para além
do estresse causado por tantas
Comprei duas xícaras de café
com a Dona Josefa, que havia
posicionada sua banca
estrategicamente na rota dos
trabalhadores iam e vinham do Parque
Olímpico. Dei uma das xícaras de café
ao Luiz Cláudio e fiz companhia a ele,
conversando, enquanto ficávam
os de
olho nas pessoas que passavam pelo
portão. Uma das coisas sobre as quais
conversamos foi que haviam se
passado quatro dias desde que a
demoliu uma casa, exceto
por uma que havia sido demolida em
função da gravação de um
programa
ivo que tinha acontecido alguns
dias antes. O programa de TV era
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
"Profissão Repórter", da Rede Globo,
segunda maior emissora do mundo
que fora historicamente
midiático do então prefeito Eduardo
Paes. Apesar disso, o "Profissão
Repórter" ficou con
hecido por sua
reportagem independente sobre
questões da imprensa brasileira e esse
episódio em particular foi parcialmente
dedicado a mostrar o que estava
acontecendo na Vila Autódromo. De
maneira geral, os moradores se
sentiram bem representados pela
reportagem e
ainda hoje a usam como
o vídeo de abertura em seu perfil no
Facebook. Aquela foi
uma das raras
ocasiões em que testemunhei os
moradores não se sentirem mal
representados
pelos meios de
comunicação. Eles costumavam ficar
incomodados com a forma
cobertura da mídia retratava a Vila
Autódromo. Isso ocorre em parte
porque muitas pessoas no Brasil
tendem a ser a favor da erradicação
das favelas; além disso,
representações da mídia e do cinema
têm historicamente reforçado os
estereótipos associa
dos aos
moradores de favelas no Brasil
(GAMA, 2009; GAMA, 2014).
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
"Profissão Repórter", da Rede Globo,
segunda maior emissora do mundo
um aliado
midiático do então prefeito Eduardo
Paes. Apesar disso, o "Profissão
hecido por sua
reportagem independente sobre
questões da imprensa brasileira e esse
episódio em particular foi parcialmente
dedicado a mostrar o que estava
acontecendo na Vila Autódromo. De
maneira geral, os moradores se
sentiram bem representados pela
ainda hoje a usam como
o vídeo de abertura em seu perfil no
uma das raras
ocasiões em que testemunhei os
moradores não se sentirem mal
pelos meios de
comunicação. Eles costumavam ficar
incomodados com a forma
como a
cobertura da mídia retratava a Vila
Autódromo. Isso ocorre em parte
porque muitas pessoas no Brasil
tendem a ser a favor da erradicação
das favelas; além disso,
representações da mídia e do cinema
têm historicamente reforçado os
dos aos
moradores de favelas no Brasil
(GAMA, 2009; GAMA, 2014).
Enquanto estávamos no portão,
Luiz Cláudio também me disse que os
defensores públicos haviam pedido
aos ativistas que não permitissem que
a prefeitura fizesse mais
Eles haviam co
nseguido aprovar uma
liminar que a obrigava a ter uma
licença específica para demolir cada
casa deixada vazia por novos
despejos dentro
decretos de desapropriação. "Mas
existem muitas violações
para apenas alguns fiscais, observo
Luiz Cláudio e acrescentou: É difícil
porque você tem que colocar o pão na
mesa todo dia e proteger a sua casa
ao mesmo tempo.
"Após o turno dele
no portão entre
5h e 11h, Luiz Cláudio
ainda foi cumprir seu turno oficial de
trabalho como instrutor de gi
Aquele momento da minha
etnografia tornou-
se um momento
crucial para os ativistas,
consequentemente, para as
autoridades locais, que o confronto
de 3 de junho havia provocado uma
agenda agitada de cobertura da mídia
e um grande fluxo de vis
diferentes
locais do país e do mundo.
Quando as forças municipais
em confronto com alguns
visibilidade que a Vila Autódromo já
600
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Enquanto estávamos no portão,
Luiz Cláudio também me disse que os
defensores públicos haviam pedido
aos ativistas que não permitissem que
a prefeitura fizesse mais
demolições.
nseguido aprovar uma
liminar que a obrigava a ter uma
licença específica para demolir cada
casa deixada vazia por novos
perímetro dos
decretos de desapropriação. "Mas
existem muitas violações
acontecendo
para apenas alguns fiscais”, observo
u
Luiz Cláudio e acrescentou: É difícil
porque você tem que colocar o pão na
mesa todo dia e proteger a sua casa
"Após o turno dele
5h e 11h, Luiz Cláudio
ainda foi cumprir seu turno oficial de
trabalho como instrutor de gi
nástica.
Aquele momento da minha
se um momento
crucial para os ativistas,
e,
consequentemente, para as
autoridades locais, já que o confronto
de 3 de junho havia provocado uma
agenda agitada de cobertura da mídia
e um grande fluxo de vis
itantes de
locais do país e do mundo.
Quando as forças municipais
entraram
em confronto com alguns
moradores, a
visibilidade que a Vila Autódromo
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
havia alcançado com base
proximidade com o Parque Olímpico e
no trabalho de mídia-
ativist
impulsionado ainda mais por algumas
das cenas violentas que se tornaram
virais, especialmente a fotografia
retratando o nariz quebrado de Dona
Penha e seu rosto coberto de sangue.
Não penso que tenha sido uma
coincidência que, dois meses depois,
ju
ízes da segunda instância que
trabalhavam no processo estivessem
presentes na Vila Autódromo para
realizar uma inspeção na qual
baseariam sua decisão final; esse tipo
de visita é
considerado extremamente
raro no sistema judiciário. Todos nós
sabíamos que a
quela inspeção
prevista para ocorrer no início de
agosto
ia definir o destino da Vila
Autódromo. Assim, enquanto a
prefeitura corria contra o tempo para
despejar as famílias e demolir o maior
número de casas possível antes da
inspeção, os defensores pú
aprovavam
uma decisão que proibia
demolições sem uma licença
específica. Esta liminar foi crucial para
o grupo, cada vez menor de ativistas,
que estava lutando para manter
presente em torno das casas
restantes. Eles precisavam manter
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
havia alcançado com base
em sua
proximidade com o Parque Olímpico e
ativist
as, foi
impulsionado ainda mais por algumas
das cenas violentas que se tornaram
virais, especialmente a fotografia
retratando o nariz quebrado de Dona
Penha e seu rosto coberto de sangue.
Não penso que tenha sido uma
coincidência que, dois meses depois,
ízes da segunda instância que
trabalhavam no processo estivessem
presentes na Vila Autódromo para
realizar uma inspeção na qual
baseariam sua decisão final; esse tipo
considerado extremamente
raro no sistema judiciário. Todos nós
quela inspeção
prevista para ocorrer no início de
ia definir o destino da Vila
Autódromo. Assim, enquanto a
prefeitura corria contra o tempo para
despejar as famílias e demolir o maior
número de casas possível antes da
inspeção, os defensores
blicos
uma decisão que proibia
demolições sem uma licença
específica. Esta liminar foi crucial para
o grupo, cada vez menor de ativistas,
que estava lutando para manter
-se
presente em torno das casas
restantes. Eles precisavam manter
tantas casas
em quanto possível, a
fim de demonstrar aos juízes que a
Vila Autódromo ainda era uma
comunidade viável e que havia número
suficiente de pessoas que queriam
morar lá.
Deixei o Luiz Cláudio no portão
por um momento e fui dar uma volta.
Atravessando um
vislumbrei uma discussão entre
Nathália, Sandra Maria e duas
autoridades locais do gabinete do vice
prefeito responsáveis
monitoramento
de demolições, Miguel
e Torres. Ao me aproximar do grupo,
ouvi Nathália dizendo que ela iria obter
"o
documento". Ela estava se referindo
à liminar dos defensores públicos
sobre a qual Luiz Cláudio havia me
contando antes.
Nesse ínterim, Luiz
Cláudio tinha chegado para ajudar
enquanto Lia, outra moradora
fazia a cobertura para ele no
Con
segui acompanhar o diálogo:
Luiz Cláudio: "
Cadê a licença para
demolir?
", repetindo a pergunta que
presumo que Nathália e Sandra Maria
já tinham feito.
Enquanto falava,
Luiz Cláudio se posicionou em frente à
casa sob ameaça.Torres, o mais hostil
de todo
s os funcionários locais,
601
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- ISSN 2237-1508
em pé quanto possível, a
fim de demonstrar aos juízes que a
Vila Autódromo ainda era uma
comunidade viável e que havia número
suficiente de pessoas que queriam
Deixei o Luiz Cláudio no portão
por um momento e fui dar uma volta.
Atravessando um
dos becos,
vislumbrei uma discussão entre
Nathália, Sandra Maria e duas
autoridades locais do gabinete do vice
-
prefeito responsáveis
pelo
de demolições, Miguel
e Torres. Ao me aproximar do grupo,
ouvi Nathália dizendo que ela iria obter
documento". Ela estava se referindo
à liminar dos defensores públicos
sobre a qual Luiz Cláudio havia me
Nesse ínterim, Luiz
Cláudio tinha chegado para ajudar
enquanto Lia, outra moradora
-ativista,
fazia a cobertura para ele no
portão.
segui acompanhar o diálogo:
Cadê a licença para
", repetindo a pergunta que
presumo que Nathália e Sandra Maria
Enquanto falava,
Luiz Cláudio se posicionou em frente à
casa sob ameaça.Torres, o mais hostil
s os funcionários locais,
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
respondeu. Torres: "
Onde está o
papel que proíbe a demolição?
Nesse momento, Luiz Cláudio
me pediu para pegar o documento em
sua casa com a Dona Penha,enquanto
se manteve enraizado no local. Corri
para sua casa apenas para enco
Nathália no caminho de volta, já
segurando o documento. Foi quando
ela me disse:
"
Eu continuo pedindo a licença
demolir),
mas eles não me mostram
Corremos de volta para a frente
da casa e Nathália entregou o
documento ao Torres. O funcioná
reclamou que se tratava de uma cópia,
em vez do original, mas recuou
dizendo que sua chefe estava a
caminho "para resolver a situação".
Miguel ficou ao telefone o tempo todo
apoiando as reivindicações de Torres.
Enquanto estávamos lá, Lia
continuou enviando
atualizações de
quem estava passando pelo portão em
nosso grupo de WhatsApp "S.O.S.
VILAAUTÓDROMO". Avisou
funcionária Marlene tinha chegado.
Mas em vez de passar por onde
estávamos, "para resolver a situação",
a assessora passou por s
outro lugar. Como a demolição da
casa estava suspensa, pelo menos por
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
Onde está o
papel que proíbe a demolição?
"
Nesse momento, Luiz Cláudio
me pediu para pegar o documento em
sua casa com a Dona Penha,enquanto
se manteve enraizado no local. Corri
para sua casa apenas para enco
ntrar
Nathália no caminho de volta,
segurando o documento. Foi quando
Eu continuo pedindo a licença
(para
mas eles não me mostram
".
Corremos de volta para a frente
da casa e Nathália entregou o
documento ao Torres. O funcioná
rio
reclamou que se tratava de uma pia,
em vez do original, mas recuou
dizendo que sua chefe estava a
caminho "para resolver a situação".
Miguel ficou ao telefone o tempo todo
apoiando as reivindicações de Torres.
Enquanto estávamos lá, Lia
atualizações de
quem estava passando pelo portão em
nosso grupo de WhatsApp "S.O.S.
VILAAUTÓDROMO". Avisou
-nos que a
funcionária Marlene tinha chegado.
Mas em vez de passar por onde
estávamos, "para resolver a situação",
a assessora passou por nós
e foi para
outro lugar. Como a demolição da
casa estava suspensa, pelo menos por
um dia, Luiz Cláudio, Nathália e eu
concordamos em ir trabalhar no pacote
de deos e fotos
estávamos editando
para a inspeção dos juízes. Antes de
sair pela frente da casa, L
combinou com Álvaro, filho de um
morador-
ativista que cruzava a rua de
bicicleta, que
nos avisasse o mais
rápido possível caso a assessora se
aproximasse da casa. Enquanto isso,
a pedido de Nathália e do pai dela,
Luiz Cláudio, lancei um pequen
relatório no aplicativo de mensagens
sobre o estado atual da casa,
enfatizando
que éramos um grupo
pequeno ali, menor do que o normal.
Outros ativistas responderam
que tentariam chegar lá para nos
ajudar o mais rápido possível. Em
resposta a minh
a mensagem, Sandra
Regina, outra moradora
postou uma mensagem para
Thompson, filho de um morador que
por acaso era cinegrafista da TV
Record, outro
meio de comunicação
de notícias. Seguiu
diálogo online:
Sandra Regina: Thompson [,
precisamos da mídia porque
nossos direitos
respeitados.
Nathália: Gente, qualquer um
que estiver aqui na comunidade
602
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- ISSN 2237-1508
um dia, Luiz Cláudio, Nathália e eu
concordamos em ir trabalhar no pacote
estávamos editando
para a inspeção dos juízes. Antes de
sair pela frente da casa, L
uiz Cláudio
combinou com Álvaro, filho de um
ativista que cruzava a rua de
nos avisasse o mais
rápido possível caso a assessora se
aproximasse da casa. Enquanto isso,
a pedido de Nathália e do pai dela,
Luiz Cláudio, lancei um pequen
o
relatório no aplicativo de mensagens
sobre o estado atual da casa,
que éramos um grupo
pequeno ali, menor do que o normal.
Outros ativistas responderam
dizendo
que tentariam chegar para nos
ajudar o mais rápido possível. Em
a mensagem, Sandra
Regina, outra moradora
-ativista,
postou uma mensagem para
Thompson, filho de um morador que
por acaso era cinegrafista da TV
meio de comunicação
de notícias. Seguiu
-se o seguinte
Sandra Regina: Thompson [,
]
precisamos da mídia porque
nossos direitos
não estão sendo
Nathália: Gente, qualquer um
que estiver aqui na comunidade
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
[paraa casa] para nos
apoiar!!
Lúcia: Alguém atualizou os
defensores públicos sobre o que
está acontecendo?
Estou longe e
não consigo alcançar a
comunidade agora.
Prof. Regina: Acabei de falar
com a Adriana [defensora
pública], ela está ligando para a
Dona Penha [para dar mais
instruções].
Antonia: Marlene acabou de
passar por nós e foi ver outra
casa por enquanto.
Larissa: Ok, mas não tem gente
sendo removida, certo?
Mariana: Pessoal, mantenham
nos atualizados sobre a situação!
Estamos nos mobilizando para
que mais pessoas estejam lá
caso haja a possibilidade de
alguma remoção
hoje.
Antonia: Acho que não
querem demolir as casas
daqueles
que se foram...,mas
sem a licença para demolir.
Poucos minutos depois, Lia
atualizou a todos sobre o que estava
vendo no portão de entrada:
Lia: Os caras da demolição
estão chegando com marretas,
eles estão
entrando novamente
com aqueles cilindros que eles
usam nas máquinas.As máquinas
estão sendo ligadas. Havia
também um morador entrando
com eles segurando uma
marreta. Achei estranho.
Antonia: Até o momento, a
escavadeira está apenas
removendo os escombros.
Paula: encaminhei a
mensagem a todos.
Mariana: João, do gabinete do
deputado Flávio Serafini, segue
para Vila agora.
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
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mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
vá lá [paraa casa] para nos
Lúcia: Alguém já atualizou os
defensores públicos sobre o que
Estou longe e
não consigo alcançar a
Prof. Regina: Acabei de falar
com a Adriana [defensora
pública], ela está ligando para a
Dona Penha [para dar mais
Antonia: Marlene acabou de
passar por nós e foi ver outra
Larissa: Ok, mas não tem gente
sendo removida, certo?
Mariana: Pessoal, mantenham
-
nos atualizados sobre a situação!
Estamos nos mobilizando para
que mais pessoas estejam
caso haja a possibilidade de
hoje.
Antonia: Acho que não
, eles
querem demolir as casas
que se foram...,mas
sem a licença para demolir.
Poucos minutos depois, Lia
atualizou a todos sobre o que estava
vendo no portão de entrada:
Lia: Os caras da demolição
estão chegando com marretas,
entrando novamente
com aqueles cilindros que eles
usam nas máquinas.As máquinas
estão sendo ligadas. Havia
também um morador entrando
com eles segurando uma
marreta. Achei estranho.
Antonia: Até o momento, a
escavadeira está apenas
removendo os escombros.
Paula: Já encaminhei a
Mariana: João, do gabinete do
deputado Flávio Serafini, segue
Larissa: Oh, isso é ótimo. Rita,
a defensora pública, também.
Prof. Fernanda: Muito bom!
Além de mim e dos moradores
Robson,
Sandra Regina, Nathália e
Lia, a interação incluiu alguns
representantes importantes de grupos
ativistas que apoiavam a resistência
em Vila Autódromo. Lúcia, da Pastoral
de Favelas, entidade fortemente
católica
influenciada pela Teologia da
Libertação, que
desempenhou um
papel importante na
movimentos sociais nas favelas desde
a redemocratização do
dos anos 1980 (BRUM, 2018); Larissa
e Mariana, ambas naquela época
pesquisadores universitários,
respectivamente, das Universidades
Federal e Estadual do Rio de Janeiro;
Larissa também fazia parte do Comitê
Popular da Copa do Mundo
Olimpíadas e Mariana era assessora
parlamentar do PSOL (Partido
Socialismo e Liberdade); e as
professoras universitárias e
pesquisadoras Prof.
Fernanda.
Assim que nosso diálogo online
chegou ao fim, a Prof. Regina ligou
para encaminhar a nova orientação
dos defensores públicos: deveríamos
603
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Larissa: Oh, isso é ótimo. Rita,
a defensora pública, também.
Prof. Fernanda: Muito bom!
Além de mim e dos moradores
Sandra Regina, Nathália e
Lia, a interação incluiu alguns
representantes importantes de grupos
ativistas que apoiavam a resistência
em Vila Autódromo. Lúcia, da Pastoral
de Favelas, entidade fortemente
influenciada pela Teologia da
desempenhou um
organização dos
movimentos sociais nas favelas desde
a redemocratização do
país no final
dos anos 1980 (BRUM, 2018); Larissa
e Mariana, ambas naquela época
pesquisadores universitários,
respectivamente, das Universidades
Federal e Estadual do Rio de Janeiro;
Larissa também fazia parte do Comitê
Popular da Copa do Mundo
e
Olimpíadas e Mariana era assessora
parlamentar do PSOL (Partido
Socialismo e Liberdade); e as
professoras universitárias e
Regina e Prof.
Assim que nosso diálogo online
chegou ao fim, a Prof. Regina ligou
-me
para encaminhar a nova orientação
dos defensores públicos: deveríamos
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
registrar
tudo o que estava
acontecendo, incluindo os rostos de
todos os funcionários, e adicionar a
capa de um jornal ao enquadramento
como prova do dia em que a violação
estava acontecendo. O objetivo deles
era usar as fotografias e imagens em
movimento como evidência para
multar a prefeitura e entrar com uma
ação contra os funcionários que
estavam vio
lando a liminar. Eu então
perguntei à professora Regina se os
funcionários poderiam me proibir de
registrar as interações e ela disse que
eles não tinham o direito legal de fazê
lo, e que deveríamos seguir
produzindo material.
Ao final, a funcionária da
p
refeitura não voltou para ameaçar
aquela casa específica, mas esteve
presente por todo o período da tarde,
quando outra casa se tornou
demolição. Outros ativistas (residentes
e não residentes) chegaram para nos
ajudar, como prometido em nosso
diálo
go, mas a outra casa acabou
sendo alvo de demolição no final do
dia. Na ocasião, a funcionária Marlene
afirmou que a casa não estava na lista
de
decreto de desapropriação do
prefeito e, portanto, poderia ser
demolida sem licença.
Os defensores
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
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mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
tudo o que estava
acontecendo, incluindo os rostos de
todos os funcionários, e adicionar a
capa de um jornal ao enquadramento
como prova do dia em que a violação
estava acontecendo. O objetivo deles
era usar as fotografias e imagens em
movimento como evidência para
multar a prefeitura e entrar com uma
ação contra os funciorios que
lando a liminar. Eu então
perguntei à professora Regina se os
funcionários poderiam me proibir de
registrar as interações e ela disse que
eles não tinham o direito legal de fa
-
lo, e que deveríamos seguir
Ao final, a funcionária da
refeitura não voltou para ameaçar
aquela casa específica, mas esteve
presente por todo o período da tarde,
quando outra casa se tornou
alvo de
demolição. Outros ativistas (residentes
e não residentes) chegaram para nos
ajudar, como prometido em nosso
go, mas a outra casa acabou
sendo alvo de demolição no final do
dia. Na ocasião, a funcionária Marlene
afirmou que a casa não estava na lista
decreto de desapropriação do
prefeito e, portanto, poderia ser
Os defensores
públicos e a
tivistas argumentaram o
contrário, presencialmente e no
ciberespaço. Enquanto tudo acontecia,
um dos ativistas da rede de
colaboradores publicou no grupo do
Facebook:
A publicação incluiu fotos que
Nathália havia tirado no local e
explicava o contexto
ilegal". Também fazia referência
explícita àassessora do prefeito ligada
à Secretaria Municipal de Habitação, e
era seguida pelas três principais
hashtags
que marcaram as
604
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
tivistas argumentaram o
contrário, presencialmente e no
ciberespaço. Enquanto tudo acontecia,
um dos ativistas da rede de
colaboradores publicou no grupo do
A publicação incluiu fotos que
Nathália havia tirado no local e
explicava o contexto
da "demolição
ilegal". Também fazia referência
explícita àassessora do prefeito ligada
à Secretaria Municipal de Habitação, e
era seguida pelas três principais
que marcaram as
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
campanhas online da Vila:
#VivaaVilaAutódromo,
#RioSemRemoções e
#Ocup
aVilaAutódromo. Larissa e eu
compartilhamos a publicação em
nossas páginas pessoais
imediatamente. Nos próximos dias, 95
outras pessoas
compartilharam a
postagem original em suas páginas. O
resultado daquele dia, fazendo uso da
infraestrutura organizaciona
tecnológica do WhatsApp, foi que os
ativistas acordaram uma programação
alternada das pessoas que seriam
responsáveis por
percorrer as casas
da Vila Autódromo em campanha para
o dia da visita dos desembargadores.
Mídia-
ativismo e infraestruturas
digitais
A situação etnográfica que
descrevi introduz algumas das
estratégias que ativistas da Vila
Autódromo desenvolveram para
resistir ao processo de remoção, além
de elementos que identifico como
práticas de resistência orientadas para
a mídia ou, simples
mente, como
ativismo midiático. À luz
da crescente
relevância das estratégias ativistas
moldadas por tecnologias digitais
(BERNAL, 2014; CASTELLS, 2012),
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
campanhas online da Vila:
#RioSemRemoções e
aVilaAutódromo. Larissa e eu
compartilhamos a publicação em
nossas páginas pessoais
imediatamente. Nos próximos dias, 95
compartilharam a
postagem original em suas páginas. O
resultado daquele dia, fazendo uso da
infraestrutura organizaciona
l e
tecnológica do WhatsApp, foi que os
ativistas acordaram uma programação
alternada das pessoas que seriam
percorrer as casas
da Vila Autódromo em campanha para
o dia da visita dos desembargadores.
ativismo e infraestruturas
A situação etnográfica que
descrevi introduz algumas das
estratégias que ativistas da Vila
Autódromo desenvolveram para
resistir ao processo de remoção, além
de elementos que identifico como
práticas de resistência orientadas para
mente, como
da crescente
relevância das estratégias ativistas
moldadas por tecnologias digitais
(BERNAL, 2014; CASTELLS, 2012),
defendo que o uso da visualidade e
das redes sociais é
política de resistência na Vila
Autódromo. No entanto, é apenas um
caminho entre uma constelação de
outros meios de
resistir à exclusão
urbana dentro de uma dinâmica mais
ampla de terror/resistência. Conforme
revela a vinheta etnográfica acima,
não sentido em lutar em uma
dimensão ape
nas, se quisermos definir
online e offline
como dimensões
intrinsecamente diferentes.
Menos em termos de proporção,
mas semelhantes em termos de
simbolismo e
motivação, movimentos
de resistência contra remoção (e mais
frequentemente aqueles contra
genoc
ídio das populações negras)
poderiam ser considerados como parte
das práticas identificadas por Castells
(2012) como “movimentos sociais em
rede”. O espaço público dos
movimentos sociais é construído como
um espaço híbrido entre
sociais da Interne
t e o espaço urbano
ocupado: conectando o ciberespaço e
o espaço urbano em
implacável, constituindo,
tecnologicamente e culturalmente,
comunidades instantâneas de práticas
transformativas (2012, p. 11). Castells
605
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
defendo que o uso da visualidade e
das redes sociais é
inseparável da
política de resistência na Vila
Autódromo. No entanto, é apenas um
caminho entre uma constelação de
resistir à exclusão
urbana dentro de uma dinâmica mais
ampla de terror/resistência. Conforme
revela a vinheta etnográfica acima,
não há sentido em lutar em uma
nas, se quisermos definir
como dimensões
intrinsecamente diferentes.
Menos em termos de proporção,
mas semelhantes em termos de
motivação, movimentos
de resistência contra remoção (e mais
frequentemente aqueles contra
o
ídio das populações negras)
poderiam ser considerados como parte
das práticas identificadas por Castells
(2012) como movimentos sociais em
rede. O espaço público dos
movimentos sociais é construído como
um espaço híbrido entre
as redes
t e o espaço urbano
ocupado: conectando o ciberespaço e
o espaço urbano em
interação
implacável, constituindo,
tecnologicamente e culturalmente,
comunidades instantâneas de práticas
transformativas (2012, p. 11). Castells
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
(2012) também destaca que, em
qual
quer caso, o que une esses
grupos de pessoas é a reivindicação
coletiva por "dignidade" em um
contexto de desigualdades de poder
galopantes. Embora o ‘mundo
não seja o único universo através do
qual os moradores da Vila Autódromo
se opuseram e
resistiram, esta
ferramenta é inseparável de suas
ações políticas; é o meio pelo qual
eles tornaram públicas suas opiniões e
condições de vida implacáveis. Além
disso, foi uma forma inédita de fazer
parte das narrativas que estão sendo
feitas sobre o que a
conteceu com eles
ou seja, uma maneira singular de
reivindicar a realidade ou verdade em
oposição ao que estava sendo
noticiado sobre eles na plutocrática e
tradicional mídia brasileira. Eles
estavam participando do debate
público, enquanto mudavam o
pro
cesso e forma do que a literatura
define como resistência.
Deve-
se mencionar que existe
uma expectativa comum de que o uso
das redes sociais deve ser
quantificado e qualificado de acordo
com o seu alcance, ou seja, quanto
mais amplo for o alcance, mais be
sucedida será a disputa cibernética.
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
(2012) também destaca que, em
quer caso, o que une esses
grupos de pessoas é a reivindicação
coletiva por "dignidade" em um
contexto de desigualdades de poder
galopantes. Embora o mundo
online
não seja o único universo através do
qual os moradores da Vila Autódromo
resistiram, esta
ferramenta é inseparável de suas
ações políticas; é o meio pelo qual
eles tornaram públicas suas opiniões e
condições de vida implacáveis. Além
disso, foi uma forma inédita de fazer
parte das narrativas que estão sendo
conteceu com eles
ou seja, uma maneira singular de
reivindicar a realidade ou verdade em
oposição ao que estava sendo
noticiado sobre eles na plutocrática e
tradicional mídia brasileira. Eles
estavam participando do debate
público, enquanto mudavam o
cesso e forma do que a literatura
se mencionar que existe
uma expectativa comum de que o uso
das redes sociais deve ser
quantificado e qualificado de acordo
com o seu alcance, ou seja, quanto
mais amplo for o alcance, mais be
m-
sucedida será a disputa cibernética.
Esta expectativa cria certo ceticismo
em relação à eficácia da Internet para
fins políticos e de resistência. Porém,
meu trabalho na Vila Autódromo
estava longe
de tentar quantificar o
sucesso do uso das mídias sociai
ponto que escolho destacar aqui é que
ao implantarem as ferramentas que
possuíam, estes ativistas acabaram
por criar novas estratégias em uma
situação que se adequava à sua
política de resistência. Em meu
campo, nenhum morador revelava
uma expectativa
romântica ou ingênua
de sua resistência,
independentemente dos meios que
escolhia para resistir. Ao contrário, na
Vila Autódromo a resistência sempre
foi definida como "luta", o que significa
uma luta diária constante para
antecipar as ações do Estado e
c
ombater suas narrativas enganosas.
Tudo o que sabiam era que isso
precisava ser feito, mas ninguém
poderia saber o resultado. Portanto,
promover uma discussão sobre a
Internet como sendo tanto
intrinsecamente conservadora quanto
libertadora, produz uma fal
dicotomia simplesmente porque pode
ser ambos ou nenhum dos adjetivos
acima. Em um mundo saturado pelas
606
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Esta expectativa cria certo ceticismo
em relação à eficácia da Internet para
fins políticos e de resistência. Porém,
meu trabalho na Vila Autódromo
de tentar quantificar o
sucesso do uso das mídias sociai
s. O
ponto que escolho destacar aqui é que
ao implantarem as ferramentas que
possuíam, estes ativistas acabaram
por criar novas estratégias em uma
situação que se adequava à sua
política de resistência. Em meu
campo, nenhum morador revelava
romântica ou ingênua
de sua resistência,
independentemente dos meios que
escolhia para resistir. Ao contrário, na
Vila Autódromo a resistência sempre
foi definida como "luta", o que significa
uma luta diária constante para
antecipar as ações do Estado e
ombater suas narrativas enganosas.
Tudo o que sabiam era que isso
precisava ser feito, mas ninguém
poderia saber o resultado. Portanto,
promover uma discussão sobre a
Internet como sendo tanto
intrinsecamente conservadora quanto
libertadora, produz uma fal
sa
dicotomia simplesmente porque pode
ser ambos ou nenhum dos adjetivos
acima. Em um mundo saturado pelas
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
imagens e uso da mídia, todos usamos
as novas mídias com diversos
propósitos. Portanto, seus valores
estão estreitamente conectados a
como as pessoas
as usam, e é
precisamente por isso
etnografia detalhada de como
pessoas as estavam usando para o
ativismo e a resistência à remoção da
Vila Autódromo é tão importante.
Em outras palavras, em vez de
pintar uma imagem ingênua da
Internet como intrinsecamente
libertadora, ou uma imagem mais
sombria dela como mais um local de
opressão, sugiro que é um local de
relações e atividades que permite às
pessoas contornar os caminho
hegemônicos normativos da política
para contar uma história diferente e, a
seu ver, mais verídica de sua situação
.No caso da Vila Autódromo,a
visualidade e as redes sociais estavam
sendo usadas como uma ferramenta
contra-
hegemônica, mas que teve
todos o
s tipos de reações e
contradições também. Portanto, meu
ponto o é que o uso da mídia em si
revoluciona a vida dos ativistas e
moradores de favela, ou qualquer vida,
ou que os faz alcançar justiça social e
igualdade. Por mais democrática que a
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
imagens e uso da mídia, todos usamos
as novas mídias com diversos
propósitos. Portanto, seus valores
estão estreitamente conectados a
as usam, e é
que uma
etnografia detalhada de como
as
pessoas as estavam usando para o
ativismo e a resistência à remoção da
Vila Autódromo é tão importante.
Em outras palavras, em vez de
pintar uma imagem ingênua da
Internet como intrinsecamente
libertadora, ou uma imagem mais
sombria dela como mais um local de
opressão, sugiro que é um local de
relações e atividades que permite às
pessoas contornar os caminho
s
hegemônicos normativos da política
para contar uma história diferente e, a
seu ver, mais verídica de sua situação
.No caso da Vila Autódromo,a
visualidade e as redes sociais estavam
sendo usadas como uma ferramenta
hegemônica, mas que teve
s tipos de reações e
contradições também. Portanto, meu
ponto não é que o uso da mídia em si
revoluciona a vida dos ativistas e
moradores de favela, ou qualquer vida,
ou que os faz alcançar justiça social e
igualdade. Por mais democrática que a
Internet po
ssa parecer para muitos,
estou
ciente de que isso não significa
que o uso do meio seja
intrinsecamente, em qualquer
extensão, libertador. Existem todos os
tipos de vozes
misturando, incluindo
conservadoras, racistas
Além disso, quando se trata dos usos
da Internet, algumas das
preocupações recentes de muitos
pesquisadores são os riscos que as
tecnologias digitais e as redes sociais
representam para a democraciae lutas
de poder por informações (ZUBOFF,
2019), e
specialmente no que alguns
problematizam como 'política pós
verdade'.
Shoshana Zuboff (2019) analisa
esta fusão do capitalismo e da Internet
através da noção de "capitalismo de
vigilância": a transformação da
"experiência humana" em "excedente
comportame
ntal" por meio da
manipulação de dados digitais dos
usuários semseu consentimento ou
mesmo contra seu consentimento para
alimentar a economia de vigilância e
política
11
. Talvez seja precisamente
11
Recentemente, o escândalo Facebook
Cambridge Analytica estourou, revelando
ilegalidades na comercialização de dados
607
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
ssa parecer para muitos,
ciente de que isso não significa
que o uso do meio seja
intrinsecamente, em qualquer
extensão, libertador. Existem todos os
e 'haters' se
misturando, incluindo
as reacionárias,
conservadoras, racistas
e violentas.
Além disso, quando se trata dos usos
da Internet, algumas das
preocupações recentes de muitos
pesquisadores são os riscos que as
tecnologias digitais e as redes sociais
representam para a democraciae lutas
de poder por informações (ZUBOFF,
specialmente no que alguns
problematizam como 'política pós
-
Shoshana Zuboff (2019) analisa
esta fusão do capitalismo e da Internet
através da noção de "capitalismo de
vigilância": a transformação da
"experiência humana" em "excedente
ntal" por meio da
manipulação de dados digitais dos
usuários semseu consentimento ou
mesmo contra seu consentimento para
alimentar a economia de vigilância e
. Talvez seja precisamente
Recentemente, o escândalo Facebook
-
Cambridge Analytica estourou, revelando
ilegalidades na comercialização de dados
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
por isso que o caso da Vila Autódromo
é tão relevante. Contra
este pano de
fundo de descrença sobre como a
Internet pode ser usada para afetar a
vida das pessoas, penso que meus
dados etnográficos mostram,
distintamente, que por meio do uso da
visualidade e das redes sociais,
moradores de favela que enfrentam a
violê
ncia do Estado e outras violações
criaram uma forma sem precedentes
de participar de um debate público
para o qual historicamente nunca
foram convidados. Os caminhos
através dos quais as pessoas estão
compartilhando conteúdo na Internet
também estão moldan
do novas formas
de interação social, na medida em que
as plataformas de divulgação da
coletados de milhões de usuários do Facebook
com a intenção de não apenas modificar o
compo
rtamento para fins de mercado, mas
também manipulando resultados eleitorais,
como aquele que elegeu Donald Trump como
presidente dos Estados Unidos em 2016. A
empresa de análise de dados por trás do
escândalo, Cambridge Analytica, era dirigida
pelo conselh
eiro de campanha de Trump,
Steve Bannon, que também esteve envolvido
na campanha do referendo britânico conhecido
como Brexit, através de parceria com outra
empresa de dados, a AggregateIQ. Os meios
de comunicação também relataram conexões
entre Bannon e a
campanha presidencial de
Jair Bolsonaro no Brasil. Para mais
informações, veja a série "The Cambridge
Analytica Files" publicada pelo The Guardian
(2018) após a realização de um ano de
investigação sobre como o gerenciamento de
dados influenciou eleições
nos últimos anos.
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
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(Fluxo contínuo)
por isso que o caso da Vila Autódromo
este pano de
fundo de descrença sobre como a
Internet pode ser usada para afetar a
vida das pessoas, penso que meus
dados etnográficos mostram,
distintamente, que por meio do uso da
visualidade e das redes sociais,
moradores de favela que enfrentam a
ncia do Estado e outras violações
criaram uma forma sem precedentes
de participar de um debate público
para o qual historicamente nunca
foram convidados. Os caminhos
através dos quais as pessoas estão
compartilhando conteúdo na Internet
do novas formas
de interação social, na medida em que
as plataformas de divulgação da
coletados de milhões de usuários do Facebook
com a intenção de não apenas modificar o
rtamento para fins de mercado, mas
também manipulando resultados eleitorais,
como aquele que elegeu Donald Trump como
presidente dos Estados Unidos em 2016. A
empresa de análise de dados por trás do
escândalo, Cambridge Analytica, era dirigida
eiro de campanha de Trump,
Steve Bannon, que também esteve envolvido
na campanha do referendo britânico conhecido
como Brexit, através de parceria com outra
empresa de dados, a AggregateIQ. Os meios
de comunicação também relataram conexões
campanha presidencial de
Jair Bolsonaro no Brasil. Para mais
informações, veja a série "The Cambridge
Analytica Files" publicada pelo The Guardian
(2018) após a realização de um ano de
investigação sobre como o gerenciamento de
nos últimos anos.
informação não estão apenas
concentradas "nas mãos de
conglomerados" (JENKINS
2013, p. 14). Em outras
"comunidades em rede" não estão
apenas espalha
ndo conteúdo, mas
"moldando como a mídia circula
(JENKINS et alli
, 2013, p. 19), uma
ideia intimamente ligada à noção de
“infopolítica” proposta por Bernal
(2014).
Violência e comunicação não
são opostas, no entanto. Os regimes
infopolíticos podem disto
e censurar através da criação de um
clima de medo da violência (BERNAL,
2014, p.
31).A principal diferença,
porém, entre os espaços online da
diáspora em Eritreia, que são o foco
da pesquisa de Bernal, e meu campo é
que, no caso dela, o esta
alcançar a mente das pessoas, mas
não seus corpos. Porém, para as
pessoas da Vila Autódromo
muitas outras favelas brasileiras
vulneráveis ao terror político do Estado
são suas mentes e, principalmente,
seus corpos que são os principais
alvos da violência.
Em relação à Internet, as
principais ferramentas utilizadas foram
o Facebook, uma das redes sociais
608
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
informação não estão apenas
concentradas "nas mãos de
conglomerados" (JENKINS
et alli,
2013, p. 14). Em outras
palavras, as
"comunidades em rede" não estão
ndo conteúdo, mas
"moldando como a mídia circula”
, 2013, p. 19), uma
ideia intimamente ligada à noção de
infopolítica proposta por Bernal
Violência e comunicação não
são opostas, no entanto. Os regimes
infopolíticos podem disto
rcer, suprimir
e censurar através da criação de um
clima de medo da violência (BERNAL,
31).A principal diferença,
porém, entre os espaços online da
diáspora em Eritreia, que são o foco
da pesquisa de Bernal, e meu campo é
que, no caso dela, o esta
do pode
alcançar a mente das pessoas, mas
não seus corpos. Porém, para as
pessoas da Vila Autódromo
e de
muitas outras favelas brasileiras
vulneráveis ao terror político do Estado
são suas mentes e, principalmente,
seus corpos que são os principais
Em relação à Internet, as
principais ferramentas utilizadas foram
o Facebook, uma das redes sociais
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
mais populares do mundo, e seu
aplicativo de mensagens móveis e
instantâneas, Whatsapp. No contexto
do meu trabalho de campo, estas
redes
foram implantadas
principalmente como recursos de
documentação em tempo real e
dispositivos de campanhas online,
apoiados pela produção de vídeos e
fotografias. Na Vila Autódromo, o
material audiovisual foi produzido com
quatro finalidades principais: (1)
neutralizar e reenquadrar as narrativas
prevalecentes; (2) para dar visibilidade
e aumentar a conscientização sobre o
contexto da remoção, enquanto reunia
mais apoiadores ao longo do caminho;
(3) para produção de evidências, ou
seja, como uma arma pol
ítica contra a
prefeitura (formalmente nos
documentos de defesa
do processo
civil público ou informalmente em
publicações do Facebook), e (4) às
vezes como um
escudo instantâneo de
proteção contra a violência física ou
moral.
Diferentemente das
mobilizaçõ
es sociais que começam no
ciberespaço para depois alcançar o
espaço urbano (CASTELLS, 2012), no
caso da Vila Autódromo o uso da
"esfera pública online" (BERNAL,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
mais populares do mundo, e seu
aplicativo de mensagens veis e
instantâneas, Whatsapp. No contexto
do meu trabalho de campo, estas
foram implantadas
principalmente como recursos de
documentação em tempo real e
dispositivos de campanhas online,
apoiados pela produção de deos e
fotografias. Na Vila Autódromo, o
material audiovisual foi produzido com
quatro finalidades principais: (1)
para
neutralizar e reenquadrar as narrativas
prevalecentes; (2) para dar visibilidade
e aumentar a conscientização sobre o
contexto da remoção, enquanto reunia
mais apoiadores ao longo do caminho;
(3) para produção de evidências, ou
ítica contra a
prefeitura (formalmente nos
do processo
civil público ou informalmente em
publicações do Facebook), e (4) às
escudo instantâneo de
proteção contra a violência física ou
Diferentemente das
es sociais que começam no
ciberespaço para depois alcançar o
espaço urbano (CASTELLS, 2012), no
caso da Vila Autódromo o uso da
"esfera pública online" (BERNAL,
2014) veio muito mais tarde. Quando
os ativistas criaram a página da Vila
Autódromo no Facebook
@vivaavilaautódromo
2012, a resistência do grupo contra a
remoção era reconhecida em meio
aos movimentos sociais cariocas.
Como Delmo, um morador lembrou
me, "nós [sempre]
estivemos presente
em diferentes lutas e espaços de luta
pela jus
tiça social no Rio
agora, segundo ele, foi que "
que modernizar a luta
tecnologias digitais em suas ações.
Em suas próprias palavras:
Se você entrar em uma luta e não
se atualizar diariamente, você
está fadado ao fracasso.
mudou. Porquê?Por causa do
Comitê Olímpico Internacional
(COI) e dos Jogos Olímpicos. [...]
Quando falamos do COI e de
Olimpíadas, estamos falando de
esportes para todo o mundo.
Quecanal de comunicação iria
querer se opor ao COI seeles
sobrevivem d
as notícias, e os
eventos esportivos são uma
constantepresença nas notícias?
Quem gostaria de se colocar
contrao COI? Ninguém. Então
começamos a perceber que toda
a dia tinhanos abandonado. A
luta ficou injusta, sabe?
Poderíamos conversar por 2.000
horas
e nada apareceria na
mídia. Considerando que o
prefeito falava duas palavras e
aparecia em todos os meios de
comunicação. Suas palavras
tinham valor, as nossas não.
Suas palavras alcançavam os
609
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- ISSN 2237-1508
2014) veio muito mais tarde. Quando
os ativistas criaram a página da Vila
Autódromo no Facebook
@vivaavilaautódromo
em abril de
2012, a resistência do grupo contra a
remoção já era reconhecida em meio
aos movimentos sociais cariocas.
Como Delmo, um morador lembrou
-
estivemos presente
em diferentes lutas e espaços de luta
tiça social no Rio
”. A novidade
agora, segundo ele, foi que "
tiveram
que modernizar a luta
" e incorporar
tecnologias digitais em suas ações.
Em suas próprias palavras:
Se você entrar em uma luta e não
se atualizar diariamente, você
está fadado ao fracasso.
A luta
mudou. Porquê?Por causa do
Comitê Olímpico Internacional
(COI) e dos Jogos Olímpicos. [...]
Quando falamos do COI e de
Olimpíadas, estamos falando de
esportes para todo o mundo.
Quecanal de comunicação iria
querer se opor ao COI seeles
as notícias, e os
eventos esportivos são uma
constantepresença nas notícias?
Quem gostaria de se colocar
contrao COI? Ninguém. Então
começamos a perceber que toda
a mídia tinhanos abandonado. A
luta ficou injusta, sabe?
Poderíamos conversar por 2.000
e nada apareceria na
mídia. Considerando que o
prefeito falava duas palavras e
aparecia em todos os meios de
comunicação. Suas palavras
tinham valor, as nossas não.
Suas palavras alcançavam os
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
cidadãos, as nossas não. Então
tivemos que nos modernizar.
O
depoimento de Delmo é um
bom exemplo do que Bernal (2014)
define como"infopolítica". Como se
sabe, narrativas da mídia tradicional
historicamente apoiaram políticas de
remoção. Mais recentemente, no
entanto, como as políticas de
urbanização de favelas hav
tornado a norma, para muitos setores
da sociedade brasileira havia uma
expectativa de que as expulsões
forçadas de favelas tivessem sido
abandonadas como política urbana
(BRUM, 2013; MAGALHÃES, 2013,
2019). Nesse contexto, moradores da
Vila Autódrom
o conseguiram se tornar
parte da narrativa sobre sua
fóruns nacionais, e muitas vezes foram
retratados nas notícias como um
importante símbolo de resistência à
remoção. Mais tarde, como Delmo
explica, quando o raciocínio de um
"legado social" (EVA
NS, 2016)
começou a ser adotado pelos meios
hegemônicos em função das
circunstâncias políticas provocadas
pelas Olimpíadas, o uso da mídia na
política tornou-
se ainda mais relevante
para veicular a
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
cidadãos, as nossas não. Então
tivemos que nos modernizar.
depoimento de Delmo é um
bom exemplo do que Bernal (2014)
define como"infopolítica". Como se
sabe, narrativas da mídia tradicional
historicamente apoiaram políticas de
remoção. Mais recentemente, no
entanto, como as políticas de
urbanização de favelas hav
iam se
tornado a norma, para muitos setores
da sociedade brasileira havia uma
expectativa de que as expulsões
forçadas de favelas tivessem sido
abandonadas como política urbana
(BRUM, 2013; MAGALHÃES, 2013,
2019). Nesse contexto, moradores da
o conseguiram se tornar
parte da narrativa sobre sua
luta nos
fóruns nacionais, e muitas vezes foram
retratados nas notícias como um
importante símbolo de resistência à
remoção. Mais tarde, como Delmo
explica, quando o raciocínio de um
NS, 2016)
começou a ser adotado pelos meios
hegemônicos em função das
circunstâncias políticas provocadas
pelas Olimpíadas, o uso da mídia na
se ainda mais relevante
mensagem
'politicamente correta' que alguns
setores da
sociedade esperavam
é, que a realização dos jogos iria
promover as importantes mudanças
urbanas que muitos cidadãos
esperavam muito tempo, como, por
exemplo, a expansão e
do sistema de transporte público. No
entanto, como observei an
Paes e seus parceiros do setor privado
tinham outros interesses em suas
agendas políticas e econômicas, mas
nenhuma que pudesse ser sinalizada
publicamente, pelo menos
explicitamente, sem prejudicar
gravemente sua imagem (e a de seu
pa
rtido político, o MDB).
Como havia uma grande lacuna
entre o que
Paes falava publicamente
e o que realmente estava acontecendo
na Vila Autódromo, uma 'disputa
narrativa' passou a ocorrer entre as
declarações públicas de Paes e as
contra-
narrativas produz
ativistas. Foi usando os discursos
tendenciosos dos meios de
comunicação que privilegiam
interesses capitalistas (como os que
estão por trás dos Jogos Olímpicos,
por exemplo) que políticos conseguem
enfraquecer muitos grupos de
resistência. Como
resposta, ativistas
610
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
'politicamente correta' que alguns
sociedade esperavam
– isto
é, que a realização dos jogos iria
promover as importantes mudanças
urbanas que muitos cidadãos
esperavam há muito tempo, como, por
exemplo, a expansão e
modernização
do sistema de transporte blico. No
entanto, como observei an
teriormente,
Paes e seus parceiros do setor privado
tinham outros interesses em suas
agendas políticas e econômicas, mas
nenhuma que pudesse ser sinalizada
publicamente, pelo menos
não tão
explicitamente, sem prejudicar
gravemente sua imagem (e a de seu
rtido político, o MDB).
Como havia uma grande lacuna
Paes falava publicamente
e o que realmente estava acontecendo
na Vila Autódromo, uma 'disputa
narrativa' passou a ocorrer entre as
declarações públicas de Paes e as
narrativas produz
idos pelos
ativistas. Foi usando os discursos
tendenciosos dos meios de
comunicação que privilegiam
interesses capitalistas (como os que
estão por trás dos Jogos Olímpicos,
por exemplo) que políticos conseguem
enfraquecer muitos grupos de
resposta, ativistas
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
de base tiveram que criar novas
estratégias para reingressar nos fóruns
urbanos para debater suas causas e,
adicionalmente, exercer pressão sobre
o Estado. Esta guerra midiática é
utilizada para neutralizar as ações
generalizadas do Es
tado nestes
territórios, resistindo e opondo
elas em canais alternativos de
comunicação.
Diante deste quadro, quase
todas as vezes que discutia com meus
colaboradores de pesquisa sobre
uso que fazem das mídias visuais e
digitais, a ideia de "trazer
surgia de uma maneira ou de outra.
Por exemplo, na entrevista que fiz com
Dona Jane, perguntei a ela porque ela
sempre tinha uma câmera com ela
como se fosse uma extensão de seu
corpo. Ela respondeu:
Para que eu tenha um registro
que prova que,
hoje, o que estou
dizendo
(para você)
mentira. [...] pelo menos eu posso
usar pra aumentar a
conscientização das pessoas,
porque eles não podem ver que
eles têm que lutar. Pelo menos
por isso.
(Provar que)
aqui alucinando, estou contando
o
que vivina verdade, e a prova
está nas fotos e nas filmagens.
Anteriormente, explorei o
impacto da representação
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
de base tiveram que criar novas
estratégias para reingressar nos fóruns
urbanos para debater suas causas e,
adicionalmente, exercer pressão sobre
o Estado. Esta guerra midiática é
utilizada para neutralizar as ações
tado nestes
territórios, resistindo e opondo
-se a
elas em canais alternativos de
Diante deste quadro, quase
todas as vezes que discutia com meus
colaboradores de pesquisa sobre
o
uso que fazem das mídias visuais e
a verdade"
surgia de uma maneira ou de outra.
Por exemplo, na entrevista que fiz com
Dona Jane, perguntei a ela porque ela
sempre tinha uma câmera com ela
como se fosse uma extensão de seu
Para que eu tenha um registro
hoje, o que estou
(para você)
não é
mentira. [...] pelo menos eu posso
usar pra aumentar a
conscientização das pessoas,
porque eles não podem ver que
eles têm que lutar. Pelo menos
(Provar que)
não estou
aqui alucinando, estou contando
que vivina verdade, e a prova
está nas fotos e nas filmagens.
Anteriormente, explorei o
impacto da representação
sobre as
subjetividades de moradores das
favelas, bem como os efeitos reais da
reprodução de estereótipos que
relacionam corpos racializados
violência e criminalidade (GAMA,
2014). Ao examinar essas questões,
também discuto por que
importante que essas pessoas tenham
a oportunidade, a habilidade e os
recursos tecnológicos necessários
para auto-
representar suas realidades
e, em última i
nstância, reclamar ou
disputar o controle sobre sua
representação em romances, filmes,
televisão, séries, novas mídias e assim
por diante (GAMA, 2009; GAMA,
2014). Sendo a representação "um
domínio principal de poder para
qualquer sistema de dominação"
(BE
LLHOOKS, 1996), reivindicar o
controle sobre a representação é,
portanto, um meio de resistir à
dominação.
Resistência e luta midiática
Neste trabalho, demonstrei os
diferentes usos que ativistas da Vila
Autódromo fizeram das mídias
fotográfica e audiovis
infraestrutura das redes sociais, e
como esses usos motivaram
moldaram a colaboração entre nós ao
611
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
subjetividades de moradores das
favelas, bem como os efeitos reais da
reprodução de estereótipos que
relacionam corpos racializados
à
violência e criminalidade (GAMA,
2014). Ao examinar essas questões,
também discuto por que
é tão
importante que essas pessoas tenham
a oportunidade, a habilidade e os
recursos tecnológicos necessários
representar suas realidades
nstância, reclamar ou
disputar o controle sobre sua
representação em romances, filmes,
televisão, séries, novas mídias e assim
por diante (GAMA, 2009; GAMA,
2014). Sendo a representação "um
domínio principal de poder para
qualquer sistema de dominação"
LLHOOKS, 1996), reivindicar o
controle sobre a representação é,
portanto, um meio de resistir à
Resistência e luta midiática
Neste trabalho, demonstrei os
diferentes usos que ativistas da Vila
Autódromo fizeram das mídias
fotográfica e audiovis
ual e a
infraestrutura das redes sociais, e
como esses usos motivaram
e
moldaram a colaboração entre nós ao
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
longo da pesquisa etnográfica. Um
padrão comum desses novos
movimentos sociais é ouso da Internet
combinado com interação física no
espaço urbano, q
ue pode incluir a
ocupação de um lugar específico (por
exemplo, nos movimentos Ocupa ou
Occupy
), e a possibilidade de criação
de uma nova forma de "representação
democrática" ou reconstruindo a
"representação democrática de baixo
para cima" (CASTELLS, 2012
resultado, diferentes linguagens e
formas de expressão evoluíram para
comunicara luta pela justiça social em
todo o mundo (MCLAGAN; MCKEE,
2012) e o material que produzimos de
forma colaborativa foi muito
influenciado por isso.
À luz das questões
neste trabalho, pode parecer utópico
achar que o trabalho desses ativistas
foi fundamental para frustrar o
final de despejar os moradores da Vila
Autódromo. Portanto, poderia ser
questionado, qual
foi a real
contribuição do uso de novas
dentro da dinâmica terror/resistência?
Tornar os problemas visíveis dentro e
fora da Vila Autódromo? Quais foram
as reais implicações políticas da
descentralização dos discursos
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Americana de Estudos em
mar. 2022.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
longo da pesquisa etnográfica. Um
padrão comum desses novos
movimentos sociais é ouso da Internet
combinado com interação física no
ue pode incluir a
ocupação de um lugar específico (por
exemplo, nos movimentos Ocupa ou
), e a possibilidade de criação
de uma nova forma de "representação
democrática" ou reconstruindo a
"representação democrática de baixo
para cima" (CASTELLS, 2012
). Como
resultado, diferentes linguagens e
formas de expressão evoluíram para
comunicara luta pela justiça social em
todo o mundo (MCLAGAN; MCKEE,
2012) e o material que produzimos de
forma colaborativa foi muito
À luz das questões
exploradas
neste trabalho, pode parecer utópico
achar que o trabalho desses ativistas
foi fundamental para frustrar o
objetivo
final de despejar os moradores da Vila
Autódromo. Portanto, poderia ser
foi a real
contribuição do uso de novas
mídias
dentro da dinâmica terror/resistência?
Tornar os problemas visíveis dentro e
fora da Vila Autódromo? Quais foram
as reais implicações políticas da
descentralização dos discursos
oficiais? Penso que meu material
etnográfico fornece alguns pontos
imp
ortantes a serem incorporados à
discussão.
Por exemplo, embora seja
verdade que ao gravarem o ataque
que sofreram pelas tropas municipais
em nada alteraram a violência física a
que foram submetidos, a captação dos
vídeos através de seus aparelhos
celulares permitiu
revelar o que realmente aconteceu, ao
contrário do que vinha sendo
divulgado na grande mídia. Em última
análise, como muitos moradores
apontaram, permitiu
divulgar sua causa. Talvez mais
importante do que a obtenção de
resultados sob uma gica produtivista,
é a conscientização e a mobilização e
encorajamento de pessoas em
situações sociais semelhantes. Como
argumentei, as práticas midiáticas de
resistência são uma forma de desafiar
as narrativas oficiais ou o
conhecimen
to oficial disseminado
pelas mídias tradicionais através da
criação de narrativas midiáticas de
autorepresentação que enquadrem as
vivências diárias dos moradores. Foi
assim que moradores da Vila
Autódromo conseguiram expor a
612
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
oficiais? Penso que meu material
etnográfico fornece alguns pontos
ortantes a serem incorporados à
Por exemplo, embora seja
verdade que ao gravarem o ataque
que sofreram pelas tropas municipais
em nada alteraram a violência física a
que foram submetidos, a captação dos
vídeos através de seus aparelhos
aos moradores
revelar o que realmente aconteceu, ao
contrário do que vinha sendo
divulgado na grande mídia. Em última
análise, como muitos moradores
apontaram, permitiu
-lhes também
divulgar sua causa. Talvez mais
importante do que a obtenção de
resultados sob uma lógica produtivista,
é a conscientização e a mobilização e
encorajamento de pessoas em
situações sociais semelhantes. Como
argumentei, as práticas midiáticas de
resistência são uma forma de desafiar
as narrativas oficiais ou o
to oficial disseminado
pelas mídias tradicionais através da
criação de narrativas midiáticas de
autorepresentação que enquadrem as
vivências diárias dos moradores. Foi
assim que moradores da Vila
Autódromo conseguiram expor a
GAMA,
Antonia. Mídia como Escudo, Mídia como Arma: práticas
midiáticas de resistência contra o terrorismo político em Vila
Autódromo. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 12, n. 22, p. 583-615,
violação de seus direitos por
Estado, ao mesmo tempo em que
reivindicavam o controle sobre sua
representação e encontravam uma
forma de desafiar o poder infopolítico
do Estado.
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