BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a politização do campo cultural no
DOI:
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v12i23.53266
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar a tese de que, a partir de 2003, com o início do governo
Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), e da gestão de Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura
(MinC), ocorreu um processo singular de
cultura política que sustenta o “modo petista de governar e seus efeitos para a política cultural da era
petista. Na sequência, analisa o esforço do MinC em institucionalizar a cultura como objeto de
políticas p
úblicas de Estado. Por fim, analisa dois momentos paradigmáticos de expressão da
politização do campo cultural: a oposição à gestão da ministra da Cultura Ana de Hollanda no
primeiro governo Dilma e a reação à tentativa de extinção do MinC no governo Temer
Palavras-chave
: campo cultural; campo político; política cultural; Brasil.
Sobre “fenómenos políticos curiosos: la politización del campo cultural en el Brasil
contemporâneo
Resumen
gobierno de Lula, el Partido de los Trabajadores (PT), y la gestión de Gilberto Gil al frente del
Ministerio de Cultura (MinC), ocurrió un proceso de forma singular de politización del campo cultural
brasileño. Para tanto, abor
da la cultura política que sustenta la forma de gobernar del PT y sus
efectos en la política cultural de la época del PT. A continuación, analiza el esfuerzo del MinC por
institucionalizar la cultura como objeto de las políticas públicas del Estado. Fina
momentos paradigmáticos de expresión de la politización del campo cultural: la oposición a la gestión
de la ministra de Cultura Ana de Hollanda en el primer gobierno de Dilma y la reacción al intento de
extinción del MinC en el gobierno
Palabras clave
: campo cultural; campo político; política cultural; Brasil.
About “curious political phenomena: the politization of the cultural field in contemporary
Brazil
Abstract
: The purpose of this article is to present the thesis
Lula government and the administration of Gilberto Gil at the Ministry of Culture (MinC), a singular
process of politicization of the Brazilian cultural field took place. Therefore, it addresses the political
culture that sustains the petista
Party era. Next, it analyzes the MinC's effort to institutionalize culture as an object of State public
policies. Finally, it analyzes two paradigmatic m
1
Alexandre Almeida Barbalho. Professor dos PPGs em Sociologia e em Políticas Públicas da UECE.
Líder do Grupo de Pesquisa em Políticas de Cultura e de Comunicação (CULT.COM). E
alexandrealmeidabarbalho@gmail.com
Recebido em 23/02/2022, aceito para publicação em 18
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a politização do campo cultural no
Brasil contemporâneo
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v12i23.53266
Alexandre Barbalho
O objetivo deste artigo é apresentar a tese de que, a partir de 2003, com o início do governo
Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), e da gestão de Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura
(MinC), ocorreu um processo singular de
politização do campo cultural
brasileiro. Para tanto, aborda a
cultura política que sustenta o modo petista de governar” e seus efeitos para a política cultural da era
petista. Na sequência, analisa o esforço do MinC em institucionalizar a cultura como objeto de
úblicas de Estado. Por fim, analisa dois momentos paradigmáticos de expressão da
politização do campo cultural: a oposição à gestão da ministra da Cultura Ana de Hollanda no
primeiro governo Dilma e a reação à tentativa de extinção do MinC no governo Temer
: campo cultural; campo político; política cultural; Brasil.
Sobre fenómenos políticos curiosos”: la politización del campo cultural en el Brasil
: El objetivo de este artículo es presentar la tesis de que, a parti
r de 2003, con el inicio del
gobierno de Lula, el Partido de los Trabajadores (PT), y la gestión de Gilberto Gil al frente del
Ministerio de Cultura (MinC), ocurrió un proceso de forma singular de politización del campo cultural
da la cultura política que sustenta la “forma de gobernar del PT y sus
efectos en la política cultural de la época del PT. A continuación, analiza el esfuerzo del MinC por
institucionalizar la cultura como objeto de las políticas públicas del Estado. Fina
momentos paradigmáticos de expresión de la politización del campo cultural: la oposición a la gestión
de la ministra de Cultura Ana de Hollanda en el primer gobierno de Dilma y la reacción al intento de
extinción del MinC en el gobierno
de Temer.
: campo cultural; campo político; política cultural; Brasil.
About curious political phenomena”: the politization of the cultural field in contemporary
: The purpose of this article is to present the thesis
that, from 2003, with the beginning of the
Lula government and the administration of Gilberto Gil at the Ministry of Culture (MinC), a singular
process of politicization of the Brazilian cultural field took place. Therefore, it addresses the political
way of governing” and its effects on the cultural policy of the Workers
Party era. Next, it analyzes the MinC's effort to institutionalize culture as an object of State public
policies. Finally, it analyzes two paradigmatic m
oments in the expression of the politicization of the
Alexandre Almeida Barbalho. Professor dos PPGs em Sociologia e em Políticas Públicas da UECE.
Líder do Grupo de Pesquisa em Políticas de Cultura e de Comunicação (CULT.COM). E
alexandrealmeidabarbalho@gmail.com
- https://orcid.org/0000-0003-4612-6162
Recebido em 23/02/2022, aceito para publicação em 18
/07/20
22, disponibiliz
01/09/2022.
225
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Acerca de fenômenos políticos curiosos: a politização do campo cultural no
Alexandre Barbalho
1
O objetivo deste artigo é apresentar a tese de que, a partir de 2003, com o início do governo
Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), e da gestão de Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura
brasileiro. Para tanto, aborda a
cultura política que sustenta o modo petista de governar e seus efeitos para a política cultural da era
petista. Na sequência, analisa o esforço do MinC em institucionalizar a cultura como objeto de
úblicas de Estado. Por fim, analisa dois momentos paradigmáticos de expressão da
politização do campo cultural: a oposição à gestão da ministra da Cultura Ana de Hollanda no
primeiro governo Dilma e a reação à tentativa de extinção do MinC no governo Temer
.
Sobre fenómenos políticos curiosos: la politización del campo cultural en el Brasil
r de 2003, con el inicio del
gobierno de Lula, el Partido de los Trabajadores (PT), y la gestión de Gilberto Gil al frente del
Ministerio de Cultura (MinC), ocurrió un proceso de forma singular de politización del campo cultural
da la cultura política que sustenta la forma de gobernar del PT” y sus
efectos en la política cultural de la época del PT. A continuación, analiza el esfuerzo del MinC por
institucionalizar la cultura como objeto de las políticas públicas del Estado. Fina
lmente, analiza dos
momentos paradigmáticos de expresión de la politización del campo cultural: la oposición a la gestión
de la ministra de Cultura Ana de Hollanda en el primer gobierno de Dilma y la reacción al intento de
About curious political phenomena: the politization of the cultural field in contemporary
that, from 2003, with the beginning of the
Lula government and the administration of Gilberto Gil at the Ministry of Culture (MinC), a singular
process of politicization of the Brazilian cultural field took place. Therefore, it addresses the political
way of governing and its effects on the cultural policy of the Workers
Party era. Next, it analyzes the MinC's effort to institutionalize culture as an object of State public
oments in the expression of the politicization of the
Alexandre Almeida Barbalho. Professor dos PPGs em Sociologia e em Políticas Públicas da UECE.
Líder do Grupo de Pesquisa em Políticas de Cultura e de Comunicação (CULT.COM). E
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ado online em
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
cultural field: the opposition to the administration of Minister of Culture Ana de Hollanda in the first
Dilma government and the reaction to the attempt to extinguish the MinC in the Temer government.
Keywords
: cultural field; political field; cultural policy; Brazil.
Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a politização do campo cultural no
O objetivo deste artigo é
sistematizar a tese, esboçada em
trabalhos anteriores
2
, de que, a partir
de 2003, com o início do governo de
Luís Inácio “Lula” da Silva, do Partido
dos Trabalhadores (PT), e da gestão
do músico e compositor Gilberto Gil à
frente do Ministério da Cultura (MinC),
se iniciou um processo singular de
politização
do campo cultural
a partir de dois movimentos principais.
O primeiro refere-
se à crescente
incorporação, desde aquele ano, de
setores da sociedade civil e suas
agendas anteriormente pouco ou nada
contemplados pelas políticas públicas
de cultura,
como, por exemplo,
movimentos LGBTQIA+, negros,
feministas, indígenas e das culturas
2
Nessas primeiras reflexões, a principal chave
analítica era a da crise que a política cultural
vivenciou a partir do primeiro governo de
Dilma Rouseff à frente da Presidência da
República (2011-
2014). A esse respeito ver
Barbalho (2018; 2017a; 2017b).
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politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
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Americana de Estudos em Cultura,
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(Fluxo contínuo)
cultural field: the opposition to the administration of Minister of Culture Ana de Hollanda in the first
Dilma government and the reaction to the attempt to extinguish the MinC in the Temer government.
: cultural field; political field; cultural policy; Brazil.
Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a politização do campo cultural no
Brasil contemporâneo
O objetivo deste artigo é
sistematizar a tese, já esboçada em
, de que, a partir
de 2003, com o início do governo de
Luís Inácio Lula da Silva, do Partido
dos Trabalhadores (PT), e da gestão
do músico e compositor Gilberto Gil à
frente do Ministério da Cultura (MinC),
se iniciou um processo singular de
do campo cultural
brasileiro
a partir de dois movimentos principais.
se à crescente
incorporação, desde aquele ano, de
setores da sociedade civil e suas
agendas anteriormente pouco ou nada
contemplados pelas políticas públicas
como, por exemplo,
movimentos LGBTQIA+, negros,
feministas, indígenas e das culturas
Nessas primeiras reflexões, a principal chave
analítica era a da crise que a política cultural
vivenciou a partir do primeiro governo de
Dilma Rouseff à frente da Presidência da
2014). A esse respeito ver
populares
3
. O segundo concerne ao
progressivo manuseio, por parcela
considerável de agentes do campo
cultural, de mecanismos, valores,
repertórios e controvérsias próprio
campo político, tais como eleição,
“representação”, deliberação,
“participação”, “consulta pública,
“democracia direta”, plebiscito etc
que passaram a circular no circuito
interno ao campo constituindo uma
nova doxa.
Se é possível falar que
p
rincípios de divisão ou de valores
podem ser importados de outro campo
ou importados por um campo, esse
conjunto de “palavras de ordem da
3
Exemplar é
a institucionalização das
agendas culturais do movimento LGBTQIA+
via política cultural em âmbito federal (MUNIZ
JÚNIOR; BARBALHO, 2020).
4
Valores que, por sua vez, foram se impondo
como doxa
dominante entre os políticos com o
retorno à democrac
ia em 1984, após vinte
anos de regime militar, e à promulgação da
Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988
, conhecida como
Cidadã”.
226
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
cultural field: the opposition to the administration of Minister of Culture Ana de Hollanda in the first
Dilma government and the reaction to the attempt to extinguish the MinC in the Temer government.
Acerca de fenômenos políticos curiosos: a politização do campo cultural no
. O segundo concerne ao
progressivo manuseio, por parcela
considerável de agentes do campo
cultural, de mecanismos, valores,
repertórios e controvérsias próprio
s ao
campo político, tais como “eleição”,
representação, “deliberação”,
participação, consulta pública”,
democracia direta, “plebiscito” etc
4
,
que passaram a circular no circuito
interno ao campo constituindo uma
Se é possível falar que
rincípios de divisão ou de valores
podem ser importados de outro campo
ou importados por um campo, esse
conjunto de palavras de ordem” da
a institucionalização das
agendas culturais do movimento LGBTQIA+
via política cultural em âmbito federal (MUNIZ
JÚNIOR; BARBALHO, 2020).
Valores que, por sua vez, foram se impondo
dominante entre os políticos com o
ia em 1984, após vinte
anos de regime militar, e à promulgação da
Constituição da República Federativa do Brasil
, conhecida como
“Constituição
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
política foi introduzido no campo
cultural e nesse
campo híbrido
submeta-campo estatal
que é o da
política cultural
5
, a partir da chegada
no MinC de uma nova elite dirigente
que conquistou o monopólio de
distribuição do poder blico e do uso
legítimo dos recursos políticos daí
advindos, incluindo o de promulgar
atos de Estado que pretendem exercer
efeitos sobre a soc
(BOURDIEU
, 1989; 2011; 2012), como
é o caso dos diversos programas,
ações e editais lançados pelo
Ministério.
Esse submeta-
campo
os demais campos e subcampos, deve
ser entendido como campo de forças e
de lutas que buscam transformar a
rela
ção de poder que lhe confere a
estrutura em determinado momento.
5
É fundamental levar em consideração os
necessários cruzamentos de interesses entre
agentes de
ambos os campos (político e
cultural) e aqueles que os integram
simultaneamente ao atuarem como
elaboradores das políticas culturais. Isso é
possível porque o Estado, como detentor de
meta-
capital, concentra capital político,
econômico, social e cultural.
Torna
um espaço de convergência e embate entre os
diversos campos;
um poder acima dos outros
poderes, um meta-
campo (BOURDIEU, 2012).
A relação do meta-
campo estatal com os
agentes culturais se dá por meio das políticas
governamentais de cultura
e o controle desse
recurso fundamenta e ocasiona lutas
permanentes no interior dos campos político e
cultural.
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politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
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Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
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(Fluxo contínuo)
política foi introduzido no campo
campo híbrido
ou
que é o da
, a partir da chegada
no MinC de uma nova elite dirigente
que conquistou o monopólio de
distribuição do poder público e do uso
legítimo dos recursos políticos daí
advindos, incluindo o de promulgar
atos de Estado que pretendem exercer
efeitos sobre a soc
iedade
, 1989; 2011; 2012), como
é o caso dos diversos programas,
ações e editais lançados pelo
campo
, tal como
os demais campos e subcampos, deve
ser entendido como campo de forças e
de lutas que buscam transformar a
ção de poder que lhe confere a
estrutura em determinado momento.
É fundamental levar em consideração os
necessários cruzamentos de interesses entre
ambos os campos (político e
cultural) e aqueles que os integram
simultaneamente ao atuarem como
elaboradores das políticas culturais. Isso é
possível porque o Estado, como detentor de
capital, concentra capital político,
Torna
-se, assim,
um espaço de convergência e embate entre os
um poder acima dos outros
campo (BOURDIEU, 2012).
campo estatal com os
agentes culturais se dá por meio das políticas
e o controle desse
recurso fundamenta e ocasiona lutas
permanentes no interior dos campos político e
De modo que, como se verá nas
próximas seções, esses agentes
recém-
chegados se empenharam por
implementar a proposta do candidato
Lula para o setor expressa no
documento de campanha A
imagin
ação a serviço do país por
meio do modo petista de governar,
uma categoria nativa elaborada pelos
intelectuais do PT para designar o seu
modus operandi
de gestão da coisa
pública.
O referido fenômeno se
diferencia de outros quatro, que lhe
são próximos
e o excludentes. O
primeiro é o da
participação dos
intelectuais como agentes do meta
campo estatal
, desempenhando
funções administrativas como
funcionários efetivos ou em cargos de
confiança em órgãos não
necessariamente ligados à cultura
O segundo é o da configuração
de um
campo cultural politizado
seja, do posicionamento e atuação dos
agentes culturais na esfera pública a
partir de pautas e agendas do campo
político como exemplifica o contexto,
no Brasil, dos anos 1950 e,
principalmen
te, 1960, com o
6
A esse respeito ver, por exemplo, Miceli
(1979), Sevcenko (1983) e Pécaut (1990).
227
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
De modo que, como se verá nas
próximas seções, esses agentes
chegados se empenharam por
implementar a proposta do candidato
Lula para o setor expressa no
documento de campanha “A
ação a serviço do país” por
meio do modo petista de governar”,
uma categoria nativa elaborada pelos
intelectuais do PT para designar o seu
de gestão da coisa
O referido fenômeno se
diferencia de outros quatro, que lhe
e não excludentes. O
participação dos
intelectuais como agentes do meta
-
, desempenhando
funções administrativas como
funcionários efetivos ou em cargos de
confiança em órgãos não
necessariamente ligados à cultura
6
.
O segundo é o da configuração
campo cultural politizado
, ou
seja, do posicionamento e atuação dos
agentes culturais na esfera pública a
partir de pautas e agendas do campo
político como exemplifica o contexto,
no Brasil, dos anos 1950 e,
te, 1960, com o
A esse respeito ver, por exemplo, Miceli
(1979), Sevcenko (1983) e Pécaut (1990).
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
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23, p. 225-251, set. 2022.
engajamento desses agentes em torno
da pauta do nacional
desenvolvimentismo e das reformas
estruturais de base (reforma agrária,
reforma sindical etc.)
7
.
O terceiro fenômeno, de ordem
estética, é o da
produção cultural
politizada, quando o
s artistas
incorporam, de modo explícito ou
implícito, mensagens políticas e
sociais nos conteúdos e nas formas de
suas obras. Em alguns períodos
específicos, essa qualidade se ressalta
diante do fruidor, como, por exemplo, a
preocupação social expressa de
recorrente nas artes visuais brasileiras
entre os anos 1930 e 19
70 (AMARAL
1984).
Por fim, o quarto fenômeno é o
da
culturalização do campo político
um movimento inverso, mas não
contrário, àquele da
politização do
campo cultural. Pode-
se identific
dois processos sob esse mesmo
fenômeno. Um é a
incorporação pela
política de temas, questões e
controvérsias próprias ao campo
cultural
como os debates ligados à
relação entre estética, moral e
7
A esse respeito ver, entre outros, Hollanda e
Gonçalves (1
986), Coutinho (1979), Miceli,
(1985) e Schwarz (1978).
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
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Niterói/RJ, Ano 12, n.
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(Fluxo contínuo)
engajamento desses agentes em torno
da pauta do nacional
-
desenvolvimentismo e das reformas
estruturais de base (reforma agrária,
O terceiro fenômeno, de ordem
produção cultural
s artistas
incorporam, de modo explícito ou
implícito, mensagens políticas e
sociais nos conteúdos e nas formas de
suas obras. Em alguns períodos
específicos, essa qualidade se ressalta
diante do fruidor, como, por exemplo, a
preocupação social expressa de
modo
recorrente nas artes visuais brasileiras
70 (AMARAL
,
Por fim, o quarto fenômeno é o
culturalização do campo político
,
um movimento inverso, mas não
politização do
se identific
ar
dois processos sob esse mesmo
incorporação pela
política de temas, questões e
controvérsias próprias ao campo
como os debates ligados à
relação entre estética, moral e
A esse respeito ver, entre outros, Hollanda e
986), Coutinho (1979), Miceli,
reconhecimento. A
culturalização do
campo político
nessa pe
assume, em geral, a forma de
culturais
, tais como as que se dão no
Brasil contemporâneo e que têm no
episódio do cancelamento da
exposição Queer
museu
da Diferença na Arte Brasileira
caso emblemático.
Tendo entrado em
cartaz no
Santander Cultural em Porto
Alegre, capital do Rio Grande do Sul,
em agosto de 2017, com previsão de
permanecer por dois meses, a mostra
foi encerrada um mês depois após
manifestações contrárias, presenciais
e nas redes sociais, por parte de
vários
movimentos, alguns auto
definidos como “liberais, a exemplo do
Movimento Brasil Livre (MBL)
movimento que iria lançar candidatos
para o poder legislativo nas eleições
do ano seguinte.
Aventa-
se aqui a hipótese de
que o recrudescimento crescente das
guerras culturais
vivenciado no país se
relaciona com a
politização do campo
cultural
8
e a visibilidade e autoridade
8
Para uma análise mais ampla das guerras
culturais no contexto brasileiro, inclusive em
sua relação com as políticas culturais, ver,
entre outros,
Gallego, Ortellado e Moretto
(2017), Domingues, Paul
a e Silva (2018),
Domingues e Paula (2019), Domingues e
Lopes (2014) e Miguel (2018).
228
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- ISSN 2237-1508
culturalização do
nessa pe
rspectiva
assume, em geral, a forma de
guerras
, tais como as que se dão no
Brasil contemporâneo e que têm no
episódio do cancelamento da
museu
– Cartografias
da Diferença na Arte Brasileira
um
Tendo entrado em
Santander Cultural em Porto
Alegre, capital do Rio Grande do Sul,
em agosto de 2017, com previsão de
permanecer por dois meses, a mostra
foi encerrada um mês depois após
manifestações contrárias, presenciais
e nas redes sociais, por parte de
movimentos, alguns auto
-
definidos como liberais”, a exemplo do
Movimento Brasil Livre (MBL)
movimento que iria lançar candidatos
para o poder legislativo nas eleições
se aqui a hipótese de
que o recrudescimento crescente das
vivenciado no país se
politização do campo
e a visibilidade e autoridade
Para uma análise mais ampla das guerras
culturais no contexto brasileiro, inclusive em
sua relação com as políticas culturais, ver,
Gallego, Ortellado e Moretto
a e Silva (2018),
Domingues e Paula (2019), Domingues e
Lopes (2014) e Miguel (2018).
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
de agendas identitárias e de
reconhecimento próprias às
culturais das minorias (
BARBALHO
2010), tais como legalização do
aborto,
cotas raciais e sociais,
expressão pública das sexualidades,
casamento homoafetivo, demarcação
de terras quilombolas, proteção
jurídica das culturas indígenas,
reconhecimento e consagração do
saber e das artes populares etc. Esse
novo arranjo de forças, a
incomodou e provocou a reação de
setores conservadores e até mesmo
liberais da sociedade brasileira.
O outro fenômeno subsidiário à
culturalização do campo político
quando seus agentes incorporam os
procedimentos da produção cultural ou
mais especificamente publicitária
visando atrair a atenção e adesão do
público, geralmente identificado como
eleitor, às ideias e seus porta
que estão em disputa no campo. Esse
fenômeno tem recebido várias
denominações, mas talvez a mais
apropriada seja
espetacularização da
política
. Não se trata aqui da relação
inespecífica
entre espetáculo e política
que remete, no mínimo, à Grécia
antiga, como situa Albino Rubim,
de seu
formato contemporâneo em
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
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(Fluxo contínuo)
de agendas identitárias e de
reconhecimento próprias às
políticas
BARBALHO
,
2010), tais como legalização do
cotas raciais e sociais,
expressão pública das sexualidades,
casamento homoafetivo, demarcação
de terras quilombolas, proteção
jurídica das culturas indígenas,
reconhecimento e consagração do
saber e das artes populares etc. Esse
novo arranjo de forças, a
credita-se,
incomodou e provocou a reação de
setores conservadores e a mesmo
liberais da sociedade brasileira.
O outro fenômeno subsidiário à
culturalização do campo político
ocorre
quando seus agentes incorporam os
procedimentos da produção cultural ou
mais especificamente publicitária
visando atrair a atenção e adesão do
público, geralmente identificado como
eleitor, às ideias e seus porta
-vozes
que estão em disputa no campo. Esse
fenômeno tem recebido várias
denominações, mas talvez a mais
espetacularização da
. Não se trata aqui da relação
entre espetáculo e política
que remete, no mínimo, à Grécia
antiga, como situa Albino Rubim,
e sim
formato contemporâneo em
uma sociedade estruturada em rede e
ambientada p
ela mídia
tentacular presença da mídia e das
redes midiáticas e na dimensão
pública de sociabilidade conformada
por elas que se transforma no
ambiente, por excelência, da
atualidade e de sua experiência
singular de vida”
(RUBIM
15).
Compreende-
se que as
fronteiras que delimitam esses cinco
fenômenos (
participação dos
intelectuais como agentes do
metacampo estatal
;
politizado,
produção cultural politizada,
culturalização do campo político e
politização do campo cultu
bastante tênues, permitindo a
sobreposição entre eles e criando
zonas híbridas. Contudo, a tipologia
responde ao desafio de demarcar,
para fins heurísticos, a singularidade
da
politização do campo cultural
como definido no início desta seção,
ante esses outros acontecimentos que
lhe são afins.
Para sustentar a tese da
politização do campo cultural,
se organiza em
quatro
desta introdução e das considerações
finais. Na primeira, aborda
229
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uma sociedade estruturada em rede e
ela mídia
, ou seja, na
tentacular presença da mídia e das
redes midiáticas e na dimensão
pública de sociabilidade conformada
por elas que se transforma no
ambiente, por excelência, da
atualidade e de sua experiência
(RUBIM
, 2003, p. 14-
se que as
fronteiras que delimitam esses cinco
participação dos
intelectuais como agentes do
;
campo cultural
produção cultural politizada,
culturalização do campo político e
politização do campo cultu
ral) são
bastante tênues, permitindo a
sobreposição entre eles e criando
zonas híbridas. Contudo, a tipologia
responde ao desafio de demarcar,
para fins heurísticos, a singularidade
politização do campo cultural
, tal
como definido no início desta seção,
ante esses outros acontecimentos que
Para sustentar a tese da
politização do campo cultural,
o artigo
quatro
seções, além
desta introdução e das considerações
finais. Na primeira, aborda
-se a cultura
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
política que sustenta o
modo petista
de governar” e seus efeitos para a
política cultural do Governo Federal
durantes os governos do PT (2003
2016). Na sequência, analisa
algumas das ações fundamentais para
esse processo e que se relacionam
com o esforço de institucionalizar a
cultura como objeto de políticas
públicas de Estado, a saber, a
realização das Conferências, a
elaboração do Plano e a
implementação do Sistema Nacional
de Cultura. Na terceira parte, discute
se a forma como se expressou a
politização do campo ainda na
vi
gência do ciclo petista durante a
gestão da ministra da Cultura Ana de
Hollanda no primeiro governo de Dilma
Rousseff (2011-
2014). Por fim,
analisa-
se como o campo reagiu à
tentativa de extinção do MinC no
governo de Michel Temer (2016
Seção 1
As bases conceituais mais
imediatas das políticas do MinC a
partir do primeiro governo Lula (2003
2006) devem ser buscadas em seu
programa de cultura como candidato à
Presidência da República em 2002,
intitulado “A imaginação a serviço do
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
modo petista
de governar e seus efeitos para a
política cultural do Governo Federal
durantes os governos do PT (2003
-
2016). Na sequência, analisa
-se
algumas das ações fundamentais para
esse processo e que se relacionam
com o esforço de institucionalizar a
cultura como objeto de políticas
públicas de Estado, a saber, a
realização das Conferências, a
elaboração do Plano e a
implementação do Sistema Nacional
de Cultura. Na terceira parte, discute
-
se a forma como se expressou a
politização do campo ainda na
gência do ciclo petista durante a
gestão da ministra da Cultura Ana de
Hollanda no primeiro governo de Dilma
2014). Por fim,
se como o campo reagiu à
tentativa de extinção do MinC no
governo de Michel Temer (2016
-2018).
As bases conceituais mais
imediatas das políticas do MinC a
partir do primeiro governo Lula (2003
-
2006) devem ser buscadas em seu
programa de cultura como candidato à
Presidência da República em 2002,
intitulado A imaginação a serviço do
país: Programa de
políticas públicas
de cultura”.
De acordo com o
documento, as propostas
apresentadas se fundamentaram no
acúmulo teórico e político
pelo partido [dos Trabalhadores], da
elaboração dos grupos culturais, das
experiências concretas de nossas
admin
istrações populares
colaboração voluntária de estudiosos
das questões culturais (PARTIDO
DOS TRABALHADORES, 2002, p. 18
itálicos meus). Em outras palavras, o
programa relaciona-
se a um conjunto
prévio de discursos competentes
(CHAUÍ
, 1989) denomina
petista de governar” que diferenciaria o
PT do restante do espectro político
partidário brasileiro.
A construção desse modelo
iniciou-
se no final do anos 1980,
quando o PT assumiu a gestão de
vários municípios, incluindo capitais,
com destaque pa
ra a cidade de São
Paulo. Com o objetivo de sistematizar
as experiências das gestões
municipais petistas, organizou
1992, um ciclo de seminários setoriais
e o de cultura foi coordenado pela
filósofa Marilena Chau
secretária de Cultura de São
230
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
políticas públicas
De acordo com o
documento, as propostas
apresentadas se fundamentaram no
acúmulo teórico e político
realizado
pelo partido [dos Trabalhadores], da
elaboração dos grupos culturais, das
experiências concretas de nossas
istrações populares
e da
colaboração voluntária de estudiosos
das questões culturais” (PARTIDO
DOS TRABALHADORES, 2002, p. 18
itálicos meus). Em outras palavras, o
se a um conjunto
prévio de discursos competentes
, 1989) denomina
do “modo
petista de governar que diferenciaria o
PT do restante do espectro político
-
A construção desse modelo
se no final do anos 1980,
quando o PT assumiu a gestão de
vários municípios, incluindo capitais,
ra a cidade de São
Paulo. Com o objetivo de sistematizar
as experiências das gestões
municipais petistas, organizou
-se, em
1992, um ciclo de seminários setoriais
e o de cultura foi coordenado pela
filósofa Marilena Chau
í, então
secretária de Cultura de São
Paulo, e
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
Luiz Roberto Alves
9
. Chau
elaborado a noção de cidadania
cultural”, considerada pelo petistas
como a “primeira referência teórica
mais sólida que resultou de
experiência de gestão” (LIMA
42), pois o que havia, a então, era
mais uma “pauta” derivada dos
debates com os movimentos culturais.
O documento que resultou
desse encontro recomenda alargar o
conceito e o campo da cultura e
entendê-
la como “direito do cidadão e
apresenta um conjunto de propostas
que deveria fundament
ar a ação dos
governos do partido no setor, entre as
quais a criação de conselhos
municipais de cultura (BITTAR, 1992).
O “A imaginacão a serviço o país
funcionou, portanto, como uma
atualização e um ajuste do modo
petista de governar” a cultura ao
conte
xto federal. Na avaliação do
antropólogo Márcio Meira (2016), um
dos redatores do programa, o
documento enfatiza a “gestão pública
e democrática” e o papel do Estado
é herdeiro de “condicionantes
históricos”, entre os quais o avanço da
9
Luiz Roberto Alves é professor da
Universidade de São Paulo (USP) e filiado ao
PT.
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
. Chau
í tinha
elaborado a noção de “cidadania
cultural, considerada pelo petistas
como a primeira referência teórica
mais sólida que resultou de
uma
experiência de gestão (LIMA
, 2016, p.
42), pois o que havia, até então, era
mais uma pauta derivada dos
debates com os movimentos culturais.
O documento que resultou
desse encontro recomenda alargar o
conceito e o campo da cultura e
la como direito do cidadão” e
apresenta um conjunto de propostas
ar a ação dos
governos do partido no setor, entre as
quais a criação de conselhos
municipais de cultura (BITTAR, 1992).
O A imaginacão a serviço o país”
funcionou, portanto, como uma
atualização e um ajuste do “modo
petista de governar a cultura ao
xto federal. Na avaliação do
antropólogo Márcio Meira (2016), um
dos redatores do programa, o
documento enfatiza a gestão pública
e democrática e o papel do Estado
e
é herdeiro de condicionantes
históricos, entre os quais o avanço da
Luiz Roberto Alves é professor da
Universidade de São Paulo (USP) e filiado ao
Constituição de 19
88 no que diz
respeito à cultura, colocando
“direito fundamental”.
A referência ao modo petista
de governar” e ao documento de
campanha se justifica por serem
indicativos dos valores da democracia
e da cidadania culturais que guiarão a
nova elite
dirigente do MinC.
forma
, o programa previa, entre outras
acões, a implantação do Plano e do
Sistema Nacional de Política Cultural
por meio de uma gestão democrática,
com criação de mecanismos de
participação popular como os
conselhos gestores de
Os militantes do PT, agora
convertidos em
dirigentes culturais
trataram de implementar o programa e
foram, em grande parte, os
responsáveis por fazer valer na lógica
de operação do MinC aqueles
mecanismos, valores, repertórios e
controv
érsias destacados na
introdução. Pode-
se dizer, com
Bourdieu (2011), que as ações
idealizadas e implementadas por estes
agentes tinham seu princípio no
10
É significativo que o PT realize nessa
conjuntura (2003) sua primeira Conferência
Nacional de Cultura e que dela surja a
Secretaria Nacional de Cultura do partido.
231
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
88 no que diz
respeito à cultura, colocando
-a como
direito fundamental.
A referência ao “modo petista
de governar e ao documento de
campanha se justifica por serem
indicativos dos valores da democracia
e da cidadania culturais que guiarão a
dirigente do MinC.
Dessa
, o programa previa, entre outras
acões, a implantação do Plano e do
Sistema Nacional de Política Cultural
por meio de uma gestão democrática,
com criação de mecanismos de
participação popular como os
conselhos gestores de
política pública.
Os militantes do PT, agora
dirigentes culturais
10
,
trataram de implementar o programa e
foram, em grande parte, os
responsáveis por fazer valer na gica
de operação do MinC aqueles
mecanismos, valores, repertórios e
érsias destacados na
se dizer, com
Bourdieu (2011), que as ações
idealizadas e implementadas por estes
agentes tinham seu princípio no
É significativo que o PT realize nessa
conjuntura (2003) sua primeira Conferência
Nacional de Cultura e que dela surja a
Secretaria Nacional de Cultura do partido.
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
campo político e com isso operaram
mudanças de paradigmas e de visão e
de divisão na cultura. Ocupando
c
argos estratégicos de direção,
alteraram os princípios de
pertencimento à política cultural e, se
não chegaram a desqualificar os
agentes que faziam parte dela,
incluíram “companheiros” que, como
eles, nunca tinham ocupado espaços
de poder no setor em â
mbito federal
Isso implicou em uma
modificação dos limites da política
cultural e, por consequência, do
acesso a esse sistema de políticas
públicas. Ao permitir que os recém
chegados pudessem exercer efeitos
no campo, houve uma conjuntura
favorável para
o rearranjo das crenças
em jogo com o estímulo a
determinados valores e práticas
(participação, representação,
deliberação, democracia direta,
11
É bem verdade que nos governos de
Fernando Henrique Cardoso (1995
Partido da So
cial Democracia Brasileira
(PSDB), a elite dirigente da cultura também
esteve sob liderança de intelectuais petistas, a
exemplo do próprio ministro Francisco Weffort
e do seu principal secretário José Álvaro
Moisés, ambos cientista políticos e
professores
da USP. Contudo, licenciados do
partido para assumir os cargos, esses agentes
não fizeram valer a cultura política do modo
petista de governar”. A esse respeito ver
Barbalho (2022).
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
campo político e com isso operaram
mudanças de paradigmas e de visão e
de divisão na cultura. Ocupando
argos estratégicos de direção,
alteraram os princípios de
pertencimento à política cultural e, se
não chegaram a desqualificar os
agentes que já faziam parte dela,
incluíram companheiros que, como
eles, nunca tinham ocupado espaços
mbito federal
11
.
Isso implicou em uma
modificação dos limites da política
cultural e, por consequência, do
acesso a esse sistema de políticas
públicas. Ao permitir que os recém
-
chegados pudessem exercer efeitos
no campo, houve uma conjuntura
o rearranjo das crenças
em jogo com o estímulo a
determinados valores e práticas
(participação, representação,
deliberação, democracia direta,
É bem verdade que nos governos de
Fernando Henrique Cardoso (1995
-2002), do
cial Democracia Brasileira
(PSDB), a elite dirigente da cultura também
esteve sob liderança de intelectuais petistas, a
exemplo do próprio ministro Francisco Weffort
e do seu principal secretário José Álvaro
Moisés, ambos cientista políticos e
da USP. Contudo, licenciados do
partido para assumir os cargos, esses agentes
não fizeram valer a cultura política do “modo
petista de governar. A esse respeito ver
consulta pública etc.
) em detrimentos
de outros (leis de incentivo, mercado,
marketing cultural, captação privad
de recurso etc.
) estabelecendo uma
nova axiomática
que demandava
competências e tomadas de posição
específicas.
Como lembra Bourdieu, a
política [e a política cultural,
acrescenta-
se] é uma luta em prol de
ideias, mas um tipo de ideias
absolutamente pa
rticular, a saber, as
ideias-
força, ideias que dão força ao
funcionar como força de mobilização.
Deste modo, continua o autor, se o
princípio de divisão que eu proponho
for reconhecido por todos, se meu
nomos se tornar o
nomos
todos virem o
mundo como eu o vejo,
terei atrás de mim toda a força das
pessoas que com
partilham minha
visão” (BOURDIEU
, 2011, p. 203). Os
agentes, portanto, colocaram no jogo
político-
cultural novos princípios de
visão e de divisão transformando o
estado do campo.
Seção 2
Mobilizados por e mobilizando
essa nova doxa
, em 2003 o MinC
realizou vinte encontros em vários
estados do
seminário Cultura para
232
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
) em detrimentos
de outros (leis de incentivo, mercado,
marketing cultural, captação privad
a
) estabelecendo uma
que demandava
competências e tomadas de posição
Como lembra Bourdieu, “a
política [e a política cultural,
se] é uma luta em prol de
ideias, mas um tipo de ideias
rticular, a saber, as
força, ideias que dão força ao
funcionar como força de mobilização”.
Deste modo, continua o autor, “se o
princípio de divisão que eu proponho
for reconhecido por todos, se meu
nomos
universal, se
mundo como eu o vejo,
terei atrás de mim toda a força das
partilham minha
, 2011, p. 203). Os
agentes, portanto, colocaram no jogo
cultural novos princípios de
visão e de divisão transformando o
Mobilizados por e mobilizando
, já em 2003 o MinC
realizou vinte encontros em vários
seminário “Cultura para
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
Todos” que, pensado para discutir um
novo modelo de financiamento cultural,
funcionou como uma espécie de
ausculta
de várias outras demandas
do campo. No ano seguinte, foram
instituídas as Câmaras Setoriais que
resultariam nos colégios setoriais do
Conselho Nacional de Política Cultural
em sua reformulação em 2005.
Estabelecendo uma interlocução direta
entre o ministér
io e os representantes
das linguagens artísticas (
Artes Cênicas, Artes Visuais e Livro e
Leitura)
, as maras Setoriais foram
fundamentais para a constituição de
vínculos internamente às e entre as
áreas artísticas historicamente
caracterizadas pel
a desarticulação.
Não é possível arrolar e analisar
todas as políticas, programas e ações
que favoreceram a participação, a
representação e/ou a deliberação dos
agentes nas decisões acerca das
políticas culturais em âmbito federal.
Desse modo, privilegia
apresentação que segue aquelas que
tinham o potencial não apenas de
abranger todo o território nacional,
mas também de institucionalizar as
políticas para o setor de modo a
transformá-
las em políticas de Estado
e não somente de governo, a saber: as
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
Todos que, pensado para discutir um
novo modelo de financiamento cultural,
funcionou como uma espécie de
de várias outras demandas
do campo. No ano seguinte, foram
instituídas as Câmaras Setoriais que
resultariam nos colégios setoriais do
Conselho Nacional de Política Cultural
em sua reformulação em 2005.
Estabelecendo uma interlocução direta
io e os representantes
das linguagens artísticas (
Música,
Artes Cênicas, Artes Visuais e Livro e
, as Câmaras Setoriais foram
fundamentais para a constituição de
vínculos internamente às e entre as
áreas artísticas historicamente
a desarticulação.
Não é possível arrolar e analisar
todas as políticas, programas e ações
que favoreceram a participação, a
representação e/ou a deliberação dos
agentes nas decisões acerca das
políticas culturais em âmbito federal.
Desse modo, privilegia
-se na
apresentação que segue aquelas que
tinham o potencial não apenas de
abranger todo o território nacional,
mas também de institucionalizar as
políticas para o setor de modo a
las em políticas de Estado
e não somente de governo, a saber: as
C
onferências Nacionais de Cultura, o
Sistema Nacional de Cultura e o Plano
Nacional de Cultura.
A
realização da I Conferência
Nacional de Cultura (I CNC) em 2005
foi a primeira ação de maior alcance
desse esforço. Com o sugestivo
subtítulo de “Estado e soci
construindo políticas públicas de
cultura” (BRASIL
, 2007), a I CNC foi
antecipada por uma ampla mobilização
nacional. Foram realizadas 376
conferências municipais em todo o
território nacional, com exceção do
estado do Acre, com a participação de
29.
063 membros da sociedade civil,
8.441 representantes do poder público
e 5.866 convidados; e 67 conferências
intermunicipais envolvendo 821
municípios, 6.537 membros da
sociedade civil, 2.173 representantes
do poder público e 1.087 convidados.
Em âmbito est
adual, foram realizadas
20 conferências, incluída a do Distrito
Federal
12
, com a participação de 4.797
membros da sociedade civil, 1.497
representantes do poder público e 801
convidados. Ocorreram ainda 5
12
Não realizaram conferências os estados do
Amazonas, Goiás, Pará, Rondôn
e Sergipe. Roraima realizou sua conferência
estadual em 2006.
233
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
onferências Nacionais de Cultura, o
Sistema Nacional de Cultura e o Plano
realização da I Conferência
Nacional de Cultura (I CNC) em 2005
foi a primeira ação de maior alcance
desse esforço. Com o sugestivo
subtítulo de Estado e soci
edade
construindo políticas blicas de
, 2007), a I CNC foi
antecipada por uma ampla mobilização
nacional. Foram realizadas 376
conferências municipais em todo o
território nacional, com exceção do
estado do Acre, com a participação de
063 membros da sociedade civil,
8.441 representantes do poder público
e 5.866 convidados; e 67 conferências
intermunicipais envolvendo 821
municípios, 6.537 membros da
sociedade civil, 2.173 representantes
do poder público e 1.087 convidados.
adual, foram realizadas
20 conferências, incluída a do Distrito
, com a participação de 4.797
membros da sociedade civil, 1.497
representantes do poder público e 801
convidados. Ocorreram ainda 5
Não realizaram conferências os estados do
Amazonas, Goiás, Pará, Rondôn
ia, São Paulo
e Sergipe. Roraima realizou sua conferência
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
seminários setoriais de cultura, um em
cada região d
o país (Norte; Nordeste;
Centro-
Oeste, Sudeste e Sul), que
mobilizaram 581 participantes.
Segundo Meira, que assumiu a
Secretaria de Articulação Institucional
(SAI) do MinC na primeira gestão de
Gil (2003-2006)
13
e liderou a
realização da I CNC, a iniciativ
representou, na esfera da gestão
pública federal de cultura, o
reconhecimento da “participação direta
da sociedade para a formulação de
políticas públicas e a formação e a
consolidação de uma polít
democrática” (MEIRA
, 2007, p. XIV).
A II CN
C, realizada em março
de 2010, com o subtítulo de
diversidade, cidadania e
desenvolvimento”
(BRASIL
apresenta números superiores em
termos de engajamento por parte dos
agentes do campo:
3 mil cidades
realizaram conferências municipais
com 206.400 participantes; todos os
estados realizaram suas conferências
estaduais, envolvendo 10.400
participantes; foram realizadas 26
13
Gilberto Gil foi ministro da Cultura de 2003 a
2008, quando foi substituído por seu secretário
executivo, o sociólogo Juca Ferreira, que
permaneceu no cargo até o final do segund
governo de Lula (2010).
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
seminários setoriais de cultura, um em
o país (Norte; Nordeste;
Oeste, Sudeste e Sul), que
mobilizaram 581 participantes.
Segundo Meira, que assumiu a
Secretaria de Articulação Institucional
(SAI) do MinC na primeira gestão de
e liderou a
realização da I CNC, a iniciativ
a
representou, na esfera da gestão
pública federal de cultura, o
reconhecimento da participação direta
da sociedade para a formulação de
políticas públicas e a formação e a
consolidação de uma polít
ica cultural
, 2007, p. XIV).
C, realizada em março
de 2010, com o subtítulo de
Cultura,
diversidade, cidadania e
(BRASIL
, 2010),
apresenta números superiores em
termos de engajamento por parte dos
3 mil cidades
realizaram conferências municipais
com 206.400 participantes; todos os
estados realizaram suas conferências
estaduais, envolvendo 10.400
participantes; foram realizadas 26
Gilberto Gil foi ministro da Cultura de 2003 a
2008, quando foi substituído por seu secretário
executivo, o sociólogo Juca Ferreira, que
permaneceu no cargo até o final do segund
o
conferências livres com mais de 1.200
participantes e 143 pré
setoriais com 743 delegados eleitos; e
a Conferência Nacional reuniu 1.400
participantes.
Por fim, a III CNC, realizada em
novembro de 2013, com o tema geral
“Uma política de estado para a cultura:
desafios do Sistema Nacional de
Cultura” (BRASIL
, s/
aproximadamente 450 mil
participantes durante a realização das
conferências municipais,
intermunicipais, territoriais, regionais,
estaduais e livres. Foram feitas 1.974
conferências preparatórias para a
nacional em 2.991 municípios assim
distr
ibuídas: 1.701 municipais, 170
intermunicipais, 41
territoriais/regionais, 35 livres e 27
estaduais. A etapa nacional congregou
953 delegados, 162 convidados e 391
observadores.
Os dados do relatório final da III
CNC (BRASIL
, s/d) sobre a
repercussão do e
vento nas redes
sociais revelam seu amplo alcance,
para além do público presencial.
Tomando como referência o Twitter,
que foi o principal meio de
comunicação e integração da
Conferência, a penetração das
234
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
conferências livres com mais de 1.200
participantes e 143 pré
-conferências
setoriais com 743 delegados eleitos; e
a Conferência Nacional reuniu 1.400
Por fim, a III CNC, realizada em
novembro de 2013, com o tema geral
Uma política de estado para a cultura:
desafios do Sistema Nacional de
, s/
d), envolveu
aproximadamente 450 mil
participantes durante a realização das
conferências municipais,
intermunicipais, territoriais, regionais,
estaduais e livres. Foram feitas 1.974
conferências preparatórias para a
nacional em 2.991 municípios assim
ibuídas: 1.701 municipais, 170
intermunicipais, 41
territoriais/regionais, 35 livres e 27
estaduais. A etapa nacional congregou
953 delegados, 162 convidados e 391
Os dados do relatório final da III
, s/d) sobre a
vento nas redes
sociais revelam seu amplo alcance,
para além do público presencial.
Tomando como referência o Twitter,
que foi o principal meio de
comunicação e integração da
Conferência, a penetração das
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
publicações ultrapassou os 15 milhões
de internauta
s. Com o
compartilhamento da hashtag #3CNC,
o engajamento chegou a 833.616
perfis e o potencial de penetração foi
de 16.959.933 perfis. O documento
informa ainda o engajamento de
diversas contas, tanto da sociedade
civil, quanto do poder público,
estabelec
endo uma mobilização pelas
redes que resultou na participação de
mais de 1.000.000 de perfis ativos.
Como se observa, as três CNCs
mobilizaram milhares de pessoas em
todo o país em um espaço institucional
de participação e de construção
democrática da polí
tica cultural onde
puderam não apenas escolher
representantes (delegados municipais
e estaduais), mas debater e deliberar
no que diz respeito às resoluções
tomadas em cada uma delas. As
CNCs assumiram, pela metodologia
que adotaram e pelos fins que
perseguiram,
feição participativa,
deliberativa, normativa e
representativa, vocalizando e
agregando os interesses presentes na
sociedade
em escalas diferenciadas
(municipal, estadual e nacional)
(
POGREBINSCHI; SANTOS, 2011) e
permitindo um outro modo d
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
publicações ultrapassou os 15 milhões
s. Com o
compartilhamento da hashtag #3CNC,
o engajamento chegou a 833.616
perfis e o potencial de penetração foi
de 16.959.933 perfis. O documento
informa ainda o engajamento de
diversas contas, tanto da sociedade
civil, quanto do poder público,
endo uma mobilização pelas
redes que resultou na participação de
mais de 1.000.000 de perfis ativos.
Como se observa, as três CNCs
mobilizaram milhares de pessoas em
todo o país em um espaço institucional
de participação e de construção
tica cultural onde
puderam não apenas escolher
representantes (delegados municipais
e estaduais), mas debater e deliberar
no que diz respeito às resoluções
tomadas em cada uma delas. As
CNCs assumiram, pela metodologia
que adotaram e pelos fins que
feição participativa,
deliberativa, normativa e
representativa, vocalizando e
agregando os interesses presentes na
em escalas diferenciadas
(municipal, estadual e nacional)
POGREBINSCHI; SANTOS, 2011) e
permitindo um outro “modo d
e
produçã
o da decisão (BOURDIEU
s/d).
É forçoso lembrar que a
integração em um só momento de
procedimentos de inclusão de
diferentes vozes, de tomada de
decisão após debate público e de
eleição de representantes não é algo
usual mesmo em regimes
democráticos (
FAR
LINS, 2012; POGREBINSCHI;
SANTOS, 2011).
Uma segunda linha de atuação
do MinC que promoveu a
do campo cultural brasileiro
processo de discussão, elaboração e
implementação do Sistema Nacional
de Cultura (SNC) e seus congêne
estaduais e municipais iniciado em
2003 e ainda em curso. O SNC é
instrumento que objetiva estabelecer,
em conjunto com a sociedade
sistema federativo de políticas públicas
específico para a cultura,
as esferas federal, estaduais e
municipais
e que exige, dos entes que
aderirem ao Sistema, a criação de
mecanismos mínimos para o seu
funcionamento rgão gestor,
conselho, plano e fundo de cultura).
A proposta do SNC, liderada no
interior do MinC pela SAI, teve que
conquistar a adesão
235
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
o da decisão” (BOURDIEU
,
É forçoso lembrar que a
integração em um momento de
procedimentos de inclusão de
diferentes vozes, de tomada de
decisão após debate público e de
eleição de representantes não é algo
usual mesmo em regimes
FAR
IA; PETINELLI;
LINS, 2012; POGREBINSCHI;
Uma segunda linha de atuação
do MinC que promoveu a
politização
do campo cultural brasileiro
foi o
processo de discussão, elaboração e
implementação do Sistema Nacional
de Cultura (SNC) e seus congêne
res
estaduais e municipais iniciado em
2003 e ainda em curso. O SNC é
um
instrumento que objetiva estabelecer,
em conjunto com a sociedade
, um
sistema federativo de políticas públicas
específico para a cultura,
integrando
as esferas federal, estaduais e
e que exige, dos entes que
aderirem ao Sistema, a criação de
mecanismos mínimos para o seu
funcionamento (órgão gestor,
conselho, plano e fundo de cultura).
A proposta do SNC, liderada no
interior do MinC pela SAI, teve que
conquistar a adesão
dos agentes dos
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
campos cultural e político. Roberto
Peixe, que foi secretário da SAI no
primeiro governo de Dilma Roussef
(2011-
2014), avalia a implantação do
Sistema como uma “batalha que
“progressivamente se espalhou por
todo o país (...) tornando-
se a
dos últimos anos o principal desafio na
área da cultura das administrações
estaduais e municipais brasileiras
(PEIXE, 2016, p. 222).
A despeito da dimensão do
esforço envolvido, pode-
se afirmar que
a tarefa resultou vitoriosa,
alcançou, e
ntre 2003, início do
primeiro governo de Lula, e 2016,
quando a presidenta Dilma é impedida
de continuar no cargo, um razoável
consenso em torno do SNC entre os
gestores blicos estaduais e
municipais e agentes do campo
cultural em todo o país. Em outras
palavras, ocorreu uma ampla
identidade dos agentes com esse
instrumento por sua capacidade de
articular a seu favor diferentes
posições político-
culturais em torno de
valores como “participação,
“cidadania” e “democracia
(BARBALHO
, 2019). Essa afirmação
se constata nos números mais
recentes acerca do SNC. Segundo as
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
campos cultural e político. Roberto
Peixe, que foi secretário da SAI no
primeiro governo de Dilma Roussef
f
2014), avalia a implantação do
Sistema como uma batalha” que
progressivamente se espalhou por
se a
o longo
dos últimos anos o principal desafio na
área da cultura das administrações
estaduais e municipais brasileiras
A despeito da dimensão do
se afirmar que
a tarefa resultou vitoriosa,
pois se
ntre 2003, início do
primeiro governo de Lula, e 2016,
quando a presidenta Dilma é impedida
de continuar no cargo, um razoável
consenso em torno do SNC entre os
gestores públicos estaduais e
municipais e agentes do campo
cultural em todo o país. Em outras
palavras, ocorreu uma ampla
identidade dos agentes com esse
instrumento por sua capacidade de
articular a seu favor diferentes
culturais em torno de
valores como participação”,
cidadania e democracia”
, 2019). Essa afirmação
se constata nos números mais
recentes acerca do SNC. Segundo as
estatísticas disponíveis pelo MinC e
pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística
, 2.642 municípios aderiram
ao SNC (47,4% do total); 2.351
(42,2%) possuíam conselhos de
cultura; e 1.2
89 (23,1%) realizaram
conferências municipais entre 2014 e
2018, ou seja, após a realização da III
CNC
(SEMENSATO; BARBALHO,
2021).
Outra ação implementada pelo
MinC que envolveu um amplo
engajamento dos campos político e
cultural foi a elaboração e
do Plano Nacional de Cultura (PNC).
Seu transcurso demandou, desde o
início, uma articulação do
com o Congresso Nacional que
resultou na aprovação em 2005 da
Emenda Constitucional N. 48 que
acrescenta o § ao art. 215 da
Constituição
Federal, instituindo o
PNC.
No ano seguinte, 2006, se
iniciou a elaboração das diretrizes
gerais do PNC por meio de audiências
públicas na Câmara dos Deputados e
de consultas à sociedade, com a
realização de seminários nas
Assembleias Legislativas dos est
e a disponibilização de uma plataforma
na internet para receber contribuições
236
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
estatísticas disponíveis pelo MinC e
Instituto Brasileiro de Geografia e
, 2.642 municípios aderiram
ao SNC (47,4% do total); 2.351
(42,2%) possuíam conselhos de
89 (23,1%) realizaram
conferências municipais entre 2014 e
2018, ou seja, após a realização da III
(SEMENSATO; BARBALHO,
Outra ação implementada pelo
MinC que envolveu um amplo
engajamento dos campos político e
cultural foi a elaboração e
aprovação
do Plano Nacional de Cultura (PNC).
Seu transcurso demandou, desde o
início, uma articulação do
Ministério
com o Congresso Nacional que
resultou na aprovação em 2005 da
Emenda Constitucional N. 48 que
acrescenta o § 3º ao art. 215 da
Federal, instituindo o
No ano seguinte, 2006, se
iniciou a elaboração das diretrizes
gerais do PNC por meio de audiências
públicas na Câmara dos Deputados e
de consultas à sociedade, com a
realização de seminários nas
Assembleias Legislativas dos est
ados
e a disponibilização de uma plataforma
na internet para receber contribuições
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
diretamente dos cidadãos.
Participaram dos 26 seminários
estaduais, mais o do Distrito Federal,
cerca de 5 mil pessoas que debateram
e sugeriram mudanças na redação da
proposta.
Segundo avalia Lia Calabre, o
processo contínuo de consultas
públicas e de envolvimento de
diversos atores e segmentos sociais
tendeu a aumentar o grau de
compreensão, a aproximação e a
garantir uma apropriação maior do
PNC pela so
ciedade” (CALABRE
2013, p. 10). Avaliação próxima da de
Guilherme Varella (2014) para quem a
versão final do PNC, materializada na
Lei 12.343 de 2010, buscou
contemplar a diversidade cultural
existente no país ao internalizar
demandas plurais por meio dos vários
momentos p
articipativos e
deliberativos pelos quais passou.
Todas essas políticas, entre
outras, não apenas otimizaram
oportunidades de participação e de
deliberação a todo um conjunto de
agentes até então excluídos desse
processo, como sensibilizaram outra
parcela
que não via a política, e muito
menos a política pública, ao alcance
de sua intervenção.
Ao falar da
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
diretamente dos cidadãos.
Participaram dos 26 seminários
estaduais, mais o do Distrito Federal,
cerca de 5 mil pessoas que debateram
e sugeriram mudanças na redação da
Segundo avalia Lia Calabre, “o
processo contínuo de consultas
públicas e de envolvimento de
diversos atores e segmentos sociais
tendeu a aumentar o grau de
compreensão, a aproximação e a
garantir uma apropriação maior do
ciedade (CALABRE
,
2013, p. 10). Avaliação próxima da de
Guilherme Varella (2014) para quem a
versão final do PNC, materializada na
Lei 12.343 de 2010, buscou
contemplar a diversidade cultural
existente no país ao internalizar
demandas plurais por meio dos vários
articipativos e
deliberativos pelos quais passou.
Todas essas políticas, entre
outras, não apenas otimizaram
oportunidades de participação e de
deliberação a todo um conjunto de
agentes até então excluídos desse
processo, como sensibilizaram outra
que não via a política, e muito
menos a política pública, ao alcance
Ao falar da
separação entre profissionais e
profanos na política, Bourdieu ressalta
que “las oportunidades de interesarse
en la política están muy desigualmente
repar
tidas según todos tipos de
variables (...) La distribución, pues, del
acceso a los medios de participar en la
pol
ítica es muy desigual (BOURDIEU
s/d, p. 2). Em alguma medida, as
CNCs, o SNC e o PNC aplainaram
esse desnivelamento, diminuindo a
“concentração do capital político nas
mãos de um pequeno grupo e
tornando menos “desapossados de
instrumentos materiais e culturais
necessários à participa
política” os
“simples aderentes
(BOURDIEU
, 1989, p. 164).
Em outras palavras,
das conferências, dos conselhos e de
outros fóruns de participação e
deliberação promovidos pelo MinC,
espaços políticos por excelência,
foram formando o
s agentes culturais
em um novo habitus
, um novo domínio
prático com seus saberes,
capacidades e competências
específicos. Na
sua
instituições participativas na cultura em
âmbitos federal, estadual e municipal
que realizou entre 2011 e 2014,
L
orena Muniagurria percebeu o
237
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
separação entre profissionais e
profanos na política, Bourdieu ressalta
que las oportunidades de interesarse
en la política están muy desigualmente
tidas según todos tipos de
variables (...) La distribución, pues, del
acceso a los medios de participar en la
ítica es muy desigual” (BOURDIEU
,
s/d, p. 2). Em alguma medida, as
CNCs, o SNC e o PNC aplainaram
esse desnivelamento, diminuindo a
concentração do capital político nas
mãos de um pequeno grupo e
tornando menos desapossados de
instrumentos materiais e culturais
necessários à participa
ção ativa na
simples aderentes”
, 1989, p. 164).
Em outras palavras,
a prática
das conferências, dos conselhos e de
outros fóruns de participação e
deliberação promovidos pelo MinC,
espaços políticos por excelência,
s agentes culturais
, um novo domínio
prático com seus saberes,
capacidades e competências
sua
etnografia de
instituições participativas na cultura em
âmbitos federal, estadual e municipal
que realizou entre 2011 e 2014,
orena Muniagurria percebeu o
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
estabelecimento, entre os que
circulavam por esses ambientes, de
sentidos estáveis acerca do Estado,
da “sociedade civil”, da cultura
brasileira”, entre outras categorias.
Nesses deslocamentos de agentes
pelo país, participa
conferências, seminários, reuniões,
foram sendo instituídos
“representantes e coletivos, demandas
e agendas, identidades e
pertencimentos, além de
entendimentos mais ou menos
compartilhados do que seja cultura,
política e política cultural
(MUNIAGURRIA
, 2018, p. 54).
Uma vez indicados alguns dos
elementos que proporcionaram a
politização do campo cultural
se, nas seções seguintes, dois
momentos paradigmáticos de
expressão desse estado do campo,
quando seus agentes se mobilizaram
para se c
ontrapor ao que entendiam
como uma mudança nos rumos de
atuação do MinC, durante a gestão da
ministra da Cultura Ana de Hollanda
(2011-
2012), e para defender a
permanência do ministério frente à sua
extinção no início do governo Temer.
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
estabelecimento, entre os que
circulavam por esses ambientes, de
sentidos estáveis acerca do “Estado”,
da sociedade civil, da “cultura
brasileira, entre outras categorias.
Nesses deslocamentos de agentes
pelo país, participa
ndo de
conferências, seminários, reuniões,
foram sendo instituídos
representantes e coletivos, demandas
e agendas, identidades e
pertencimentos, além de
entendimentos mais ou menos
compartilhados do que seja cultura,
política e política cultural”
, 2018, p. 54).
Uma vez indicados alguns dos
elementos que proporcionaram a
politização do campo cultural
, analisa-
se, nas seções seguintes, dois
momentos paradigmáticos de
expressão desse estado do campo,
quando seus agentes se mobilizaram
ontrapor ao que entendiam
como uma mudança nos rumos de
atuação do MinC, durante a gestão da
ministra da Cultura Ana de Hollanda
2012), e para defender a
permanência do ministério frente à sua
extinção no início do governo Temer.
Seção 3
O primeiro
governo de Dilma
Rousseff (2011-
2014), ainda que
representando uma continuidade dos
governos de Lula, trouxe mudanças
significativas no que se refere às
políticas culturais. Não cedendo à
pressão de vários setores pela
permanência do então ministro da
Cul
tura Juca Ferreira, a presidenta
nomeou para o cargo Ana de
Hollanda. Reconfigurando a
composição das forças políticas no
interior do MinC, propondo novas
pautas, dando continuidade a
programas anteriores e enfraquecendo
ou mesmo extinguindo outros,
Hollan
da provocou um forte
movimento de oposição, inclusive
interno, à sua gestão que terminou por
afastá-
la do cargo em setembro de
2012.
Quando se deu o anúncio por
sua escolha, a indicação foi bem
recebida, afinal tratava
outsider
e sim de algué
campo, com longa atuação na gestão
cultural, além de deter capitais familiar,
social e cultural que a legitimavam
para o cargo
14
. Contudo, não tendo
14
Filha do sociólogo Sérgio Buarque de
Hollanda e irmão do cantor Chico Buarque,
238
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
governo de Dilma
2014), ainda que
representando uma continuidade dos
governos de Lula, trouxe mudanças
significativas no que se refere às
políticas culturais. Não cedendo à
pressão de vários setores pela
permanência do então ministro da
tura Juca Ferreira, a presidenta
nomeou para o cargo Ana de
Hollanda. Reconfigurando a
composição das forças políticas no
interior do MinC, propondo novas
pautas, dando continuidade a
programas anteriores e enfraquecendo
ou mesmo extinguindo outros,
da provocou um forte
movimento de oposição, inclusive
interno, à sua gestão que terminou por
la do cargo em setembro de
Quando se deu o anúncio por
sua escolha, a indicação foi bem
recebida, afinal tratava
-se não de uma
e sim de algué
m do próprio
campo, com longa atuação na gestão
cultural, além de deter capitais familiar,
social e cultural que a legitimavam
. Contudo, não tendo
Filha do sociólogo Sérgio Buarque de
Hollanda e irmão do cantor Chico Buarque,
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
formação partidária, nem vivido no
centro dos debates que mobilizaram o
MinC desde 2003, Hollan
da não tinha
incorporado a politização do campo
cultural e não conseguiu (re)conhecer
o espaço das tomadas de posição,
presentes ou virtuais, que estava em
jogo e seus princípios de divisão. Ao
desconhecer os princípios que regiam
esse espaço, a ministra s
uma “desavisada” (BOURDIEU
e não soube se decidir pelas posições
que eram, naquele estado do campo,
convenientes e convencionadas, e
optou por aquelas que a
comprometeram, em alguns aspectos,
com os que se opunham aos novos
valores vigentes.
Hollanda começou a provocar
controvérsias, ainda como indicada ao
cargo, ao defender o Escritório Central
de Arrecadação e Distribuição (ECAD),
um órgão
privado responsável pela
arrecadação e distribuição dos direitos
autorais das músicas aos seus
autores
, e se posicionar contrária às
mudanças das leis autorais
Ana de Hollanda é intérprete, compositora e
gestora cultural, tendo sido secretária de
Cultura da cidade de Osasco (SP) no final dos
anos 1980 e res
ponsável pelo Centro de
Música da Fundação Nacional de Artes
(Funarte), na gestão Gil.
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
formação partidária, nem vivido no
centro dos debates que mobilizaram o
da não tinha
incorporado a politização do campo
cultural e não conseguiu (re)conhecer
o espaço das tomadas de posição,
presentes ou virtuais, que estava em
jogo e seus princípios de divisão. Ao
desconhecer os princípios que regiam
esse espaço, a ministra s
e revelou
uma desavisada (BOURDIEU
, 1989)
e não soube se decidir pelas posições
que eram, naquele estado do campo,
convenientes e convencionadas, e
optou por aquelas que a
comprometeram, em alguns aspectos,
com os que se opunham aos novos
Hollanda começou a provocar
controvérsias, ainda como indicada ao
cargo, ao defender o Escritório Central
de Arrecadação e Distribuição (ECAD),
privado responsável pela
arrecadação e distribuição dos direitos
autorais das músicas aos seus
, e se posicionar contrária às
mudanças das leis autorais
Ana de Hollanda é intérprete, compositora e
gestora cultural, tendo sido secretária de
Cultura da cidade de Osasco (SP) no final dos
ponsável pelo Centro de
Música da Fundação Nacional de Artes
encaminhadas pelo MinC ao
Congresso Nacional na gestão
anterior, sinalizando que deveriam ser
r
evistas. Em reação, um grupo de
agentes ligados à cultura digital,
muitos deles vinculados a
universidades ou a coletivos e espaços
culturais o governamentais, lançou
uma “carta aberta” defendendo a
continuidade das políticas para o
setor
15
. Na sequência
e como ministra, um dos primeiros
atos de Hollanda foi retirar o
ministério da licença
Commons.
Com esses movimentos, de
pouco alcance prático, mas de forte
simbologia, pois revelavam seu poder
de nomeação, a ministra se
com os ativistas que tinham se
mobilizado nas gestões anteriores e
pautado a agenda no que diz respeito
às culturas digitais e livres
Configuram-
se assim dois lados da
disputa a partir de interesses e
15
Ministra da Cultura enfrenta reações.
Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq301
2201026.htm. Acesso: 01.jun.2021.
16
A esse respeito, ver a coletâ
entrevistas
Cultura digital.br
apoio do MinC e que tem entre seus
entrevistados vários agentes ligados ao
Ministério, inclusive o ministro Juca Ferreira
(SAVAZONI; COHN, 2009).
239
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
encaminhadas pelo MinC ao
Congresso Nacional na gestão
anterior, sinalizando que deveriam ser
evistas. Em reação, um grupo de
agentes ligados à cultura digital,
muitos deles vinculados a
universidades ou a coletivos e espaços
culturais não governamentais, lançou
uma carta aberta defendendo a
continuidade das políticas para o
. Na sequência
desse episódio,
e já como ministra, um dos primeiros
atos de Hollanda foi retirar o
site do
ministério da licença
Creative
Com esses movimentos, de
pouco alcance prático, mas de forte
simbologia, pois revelavam seu poder
de nomeação, a ministra se
indispôs
com os ativistas que tinham se
mobilizado nas gestões anteriores e
pautado a agenda no que diz respeito
às culturas digitais e livres
16
.
se assim dois lados da
disputa a partir de interesses e
Ministra da Cultura enfrenta reações”.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq301
2201026.htm. Acesso: 01.jun.2021.
A esse respeito, ver a cole
nea de
Cultura digital.br
, publicada com
apoio do MinC e que tem entre seus
entrevistados vários agentes ligados ao
Ministério, inclusive o ministro Juca Ferreira
(SAVAZONI; COHN, 2009).
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
tomadas de posição distintos: ativistas
do copyleft
versus defensores do
copyright
, estes congregando
associações de proteção aos direitos
autorais, bem como artistas críticos
das gestões Gil e Juca
17
ativistas, a postura da nova gestão não
apenas sinalizava uma perspectiva
conservadora,
como ia contra o
incentivo ao desenvolvimento de
“modelos solidários de licenciamento
de conteúdos culturais”, previsto nas
metas do PNC
18
.
Para neutralizar as críticas,
Hollanda sinalizou o diálogo com os
ativistas do copyleft
, comprometendo
se a chegar
a uma “proposta que
atenda à demanda da área criativa,
que é a que mais se mostrou
insatisfeita com as mudanças
apresentadas”
19
. No entanto, a
estratégia não se mostrou eficiente e a
campanha contra a posição da
ministra continuou, inclusive dentro do
17
“Copyright: a batalha”. Disponível em
http://blogs.estadao.com.br/link/copyright
batalha/. Acesso em: 01 jun.
2021
18
“MinC na contramão?”. Disponível em
http://blogs.estadao.com.br/link/minc
contramao/. Acesso em: 01 jun.
2021
19
“Mudanças no Ministério da Cultura.
Disponível em:
http://blogs.estadao.com.br/link/mudancas
ministerio-da-cultura/. Acesso
em
2015.
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
tomadas de posição distintos: ativistas
versus defensores do
, estes congregando
as
associações de proteção aos direitos
autorais, bem como artistas críticos
17
. Para os
ativistas, a postura da nova gestão não
apenas sinalizava uma perspectiva
como ia contra o
incentivo ao desenvolvimento de
modelos solidários de licenciamento
de conteúdos culturais, previsto nas
Para neutralizar as críticas,
Hollanda sinalizou o diálogo com os
, comprometendo
-
a uma proposta que
atenda à demanda da área criativa,
que é a que mais se mostrou
insatisfeita com as mudanças
. No entanto, a
estratégia não se mostrou eficiente e a
campanha contra a posição da
ministra continuou, inclusive dentro do
Copyright: a batalha. Disponível em
:
http://blogs.estadao.com.br/link/copyright
-a-
2021
.
MinC na contramão?. Disponível em
http://blogs.estadao.com.br/link/minc
-na-
2021
.
Mudanças no Ministério da Cultura”.
http://blogs.estadao.com.br/link/mudancas
-no-
em
: 02 out.
própr
io MinC, com a criação, em
fevereiro, no
Twitter
#foraana e #foraanadehollanda.
Em março, surgiu o
Ana de Hollanda”, contrário ao
“conjunto das diretrizes e ações de sua
gestão” que se configurava como um
política desastrosa e co
Apesar de
não se assumir como
“movimento organizado, o
funcionou como uma esfera civil digital
(ALEXANDER, 2008; GOMES, 2011;
MAIA, 2011), agregando e difundindo
diversas críticas e reflexões sobre a
política cultural vigente.
criado outro blog
, o Mobiliza Cultura,
com sua hashtag
#mobilizacultura, que
se assumiu como uma organização
reunindo instituições e grupos formais
e informais (Pontos de Cultura,
coletivos, fóruns etc) para atuação
tanto virtual, quanto p
reuniu 2,5 mil adesões
Essas iniciativas podem ser
compreendidas como mobilizações na
esfera pública”, um dos três níveis
20
Disponível em:
http://foraanadehollanda.blogspot.com.br/
Acesso em: 01 jun. 2021.
21
“Uma ministra isolada”. Disponível em
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bas
tidores-uma-ministra-
isolada
apoio-na-classe-
cultural,716
01 jun. 2021.
240
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
io MinC, com a criação, em
Twitter
das hashtags
#foraana e #foraanadehollanda.
Em março, surgiu o
blog Fora
Ana de Hollanda”, contrário ao
conjunto das diretrizes e ações de sua
gestão que se configurava como um
a
política desastrosa e co
nservadora”
20
.
não se assumir como
movimento organizado”, o
blog
funcionou como uma esfera civil digital
(ALEXANDER, 2008; GOMES, 2011;
MAIA, 2011), agregando e difundindo
diversas críticas e reflexões sobre a
política cultural vigente.
Em abril foi
, o Mobiliza Cultura”,
#mobilizacultura, que
se assumiu como uma “organização”
reunindo instituições e grupos formais
e informais (Pontos de Cultura,
coletivos, fóruns etc) para atuação
tanto virtual, quanto p
resencial e que
reuniu 2,5 mil adesões
21
.
Essas iniciativas podem ser
compreendidas como “mobilizações na
esfera pública, um dos três níveis
http://foraanadehollanda.blogspot.com.br/
.
Uma ministra isolada. Disponível em
:
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bas
isolada
-e-em-busca-de-
cultural,716
244. Acesso em:
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
identificados por Ilse Scherer
de organização da sociedade civil
“para encaminhamento de suas ações
em prol
protestos sociais, manifestações
simbólicas e pressões políticas
(SCHERER-
WARREN, 2006, p. 110).
Esse tipo de mobilizações, mais
abrangentes e conjunturais e menos
institucionalizadas, resulta da
articulação dos participan
movimentos sociais, ONGs, redes etc
e da realização de manifestações
objetivando a visibilidade midiática e
os “efeitos simbólicos para os próprios
manifestantes (no sentido político
pedagógico) e para a sociedade em
geral, como uma forma de pressão
política das mais expressivas no
espaço público contemporâneo
(SCHERER-
WARREN, 2006, p. 112).
Na análise de Prudêncio e
Leite, a
partir do “Mobiliza Cultura, a
mobilização voltada “principalmente
para a queixa de rompimento da ação
cultura digital e da
reforma dos direitos
autorais sofre novo processo de
enquadramento, para se adaptar a
esse novo momento, ganhar mais
adesão e expansão” (
PRUDÊNCIO;
LEITE
, 2013, p. 451). A organização
elaborou uma “Carta Aberta à
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
identificados por Ilse Scherer
-Warren
de organização da sociedade civil
para encaminhamento de suas ações
de políticas sociais e públicas,
protestos sociais, manifestações
simbólicas e pressões políticas”
WARREN, 2006, p. 110).
Esse tipo de mobilizações, mais
abrangentes e conjunturais e menos
institucionalizadas, resulta da
articulação dos participan
tes de
movimentos sociais, ONGs, redes etc
e da realização de manifestações
objetivando a visibilidade midiática e
os efeitos simbólicos para os próprios
manifestantes (no sentido político
-
pedagógico) e para a sociedade em
geral, como uma forma de pressão
política das mais expressivas no
espaço público contemporâneo”
WARREN, 2006, p. 112).
Na análise de Prudêncio e
partir do Mobiliza Cultura”, a
mobilização voltada principalmente
para a queixa de rompimento da ação
reforma dos direitos
autorais sofre novo processo de
enquadramento, para se adaptar a
esse novo momento, ganhar mais
PRUDÊNCIO;
, 2013, p. 451). A organização
elaborou uma Carta Aberta à
Presidenta Dilma” que foi amplamente
divul
gada na mídia e nas redes sociais
digitais. O documento reivindicava a
continuidade das políticas culturais
implementadas nos governos Lula e
seu modus operandi
, o que significava,
entre outras coisas, maior participação
da sociedade civil na formulação da
políticas.
Em maio de 2011, a ministra
tentou romper seu isolamento e se
articular com diversos agentes do
campo cultural, em especial com
aqueles atuantes em São Paulo, bem
como com os parlamentares da base
governamental. No mesmo período, a
presidenta
Dilma nomeou
Eneile, então
secretária nacional de
Cultura do PT, assessora de Hollanda,
como forma de ajudar nas articulações
políticas. A função expressa da
“interventora”, como nomeou o jornal
Folha de São Paulo
, era
disputa política
, debelar a crise e
construir uma agenda positiva,
evitando assim a possível demissão da
ministra
22
.
22
Planalto intervém para conter crise na pasta
da Cultura”.
Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po1005
201102.htm. Acesso em:
: 01
241
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Presidenta Dilma que foi amplamente
gada na mídia e nas redes sociais
digitais. O documento reivindicava a
continuidade das políticas culturais
implementadas nos governos Lula e
, o que significava,
entre outras coisas, maior participação
da sociedade civil na formulação da
s
Em maio de 2011, a ministra
tentou romper seu isolamento e se
articular com diversos agentes do
campo cultural, em especial com
aqueles atuantes em São Paulo, bem
como com os parlamentares da base
governamental. No mesmo período, a
Dilma nomeou
Morgana
secretária nacional de
Cultura do PT, assessora de Hollanda,
como forma de ajudar nas articulações
políticas. A função expressa da
interventora, como nomeou o jornal
, era
represar a
, debelar a crise e
construir uma agenda positiva”,
evitando assim a possível demissão da
Planalto intervém para conter crise na pasta
Disponível em
:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po1005
: 01
jun. 2021.
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
Fortalecida com essas
indicações, a ministra afirmou à
imprensa
que as reuniões que estava
fazendo com diferentes setores do
meio cultural não seriam uma
de apoio para a sua permanência no
cargo”, mas a procura de diálogo
Em março de 2012, a deputada
Jandira Feghali do Partido Comunista
do Brasil, coordenadora da Frente
Parlamentar Mista em Defesa da
Cultura, criticou a articulação política
do MinC
no Congresso, ao não atuar a
favor das Propostas de Emenda à
Constituição (PECs) de interesse da
pasta. A ministra rebateu afirmando
que não havia “descompasso entre a
atuação da pasta e a dos
parlamentares ligados ao setor
No mesmo mês, um grupo de
in
telectuais, alguns ligados ao PT,
lançou uma carta cobrando da
presidenta Dilma um Ministério da
Cultura à altura dos desafios e
23
Ana de Hollanda diz ter sido tima de
'turbulências forjadas'”.
Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2011/05/91
7432-ana-de-hollanda-diz-ter-
sido
turbulencias-
forjadas.shtml. Acesso
jun. 2021.
24
Ana de Hollanda rebate críticas em
audiência na Câmara”.
Disponível em
http://www1.folha.uol.c
om.br/ilustrada/2012/03/
1065180-ana-de-hollanda-
rebate
audiencia-na-
camara.shtml. Acesso
jun. 2021.
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
Fortalecida com essas
indicações, a ministra afirmou à
que as reuniões que estava
fazendo com diferentes setores do
meio cultural não seriam “uma
busca
de apoio para a sua permanência no
cargo, mas a procura de diálogo
23
.
Em março de 2012, a deputada
Jandira Feghali do Partido Comunista
do Brasil, coordenadora da Frente
Parlamentar Mista em Defesa da
Cultura, criticou a articulação política
no Congresso, ao não atuar a
favor das Propostas de Emenda à
Constituição (PECs) de interesse da
pasta. A ministra rebateu afirmando
que não havia descompasso entre a
atuação da pasta e a dos
parlamentares ligados ao setor”
24
.
No mesmo mês, um grupo de
telectuais, alguns ligados ao PT,
lançou uma carta cobrando da
presidenta Dilma um Ministério da
Cultura à altura dos desafios e
Ana de Hollanda diz ter sido vítima de
Disponível em
:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2011/05/91
sido
-vitima-de-
forjadas.shtml. Acesso
em: 01
Ana de Hollanda rebate críticas em
Disponível em
:
om.br/ilustrada/2012/03/
rebate
-criticas-em-
camara.shtml. Acesso
em:: 01
programas apresentados nas gestões
dos ministros Gilberto Gil e Juca
Ferreira, uma vez que estaria
ocorrendo uma decadência do
protagonismo” do MinC
signatários, o primeiro ano da gestão
Hollanda, incapaz de gerar consensos
mínimos”, foi marcado por hesitações,
conflitos e por mudanças de rumo,
frustrando os “inúmeros grupos
envolvidos no processo de
emancipação cult
ural iniciado em
2003 que deu direito de cidadania e
densidade política a vários conceitos
novos
26
. Os capitais político e cultural
dos que assinaram a carta, bem como
as argumentações expostas,
intensificaram o sentimento de crise e,
ao mesmo tempo, apont
sua solução: a escolha de um novo
ministro. O que de fato ocorreu sete
meses depois com a nomeação da
senadora do PT Marta Suplicy para o
cargo.
25
Assinaram o documento
Eduardo Viveiros de
Castro,
Laymert Garcia dos
Santos,
Manuela Carneiro da
Cunha
Anjos.
26
“Despreparo é dolor
osamente evidente.
Disponível em:
h
ttp://Cultura.Estadao.Com.Br/Noticias/Geral,D
espreparo-E-
Dolorosamente
Intelectuais-Sobre-
Gestao
Acesso em: 01 jun. 2021.
242
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
programas apresentados nas gestões
dos ministros Gilberto Gil e Juca
Ferreira, uma vez que estaria
ocorrendo uma decadência do
protagonismo do MinC
25
. Para os
signatários, o primeiro ano da gestão
Hollanda, incapaz de “gerar consensos
mínimos, foi marcado por “hesitações,
conflitos e por mudanças de rumo”,
frustrando os inúmeros grupos
envolvidos no processo de
ural” iniciado em
2003 que deu direito de cidadania e
densidade política a vários conceitos
. Os capitais político e cultural
dos que assinaram a carta, bem como
as argumentações expostas,
intensificaram o sentimento de crise e,
ao mesmo tempo, apont
aram para a
sua solução: a escolha de um novo
ministro. O que de fato ocorreu sete
meses depois com a nomeação da
senadora do PT Marta Suplicy para o
Assinaram o documento
Marilena Chauí,
Castro,
Suely Rolnik,
Santos,
Gabriel Cohn,
Cunha
e Moacir dos
osamente evidente”.
ttp://Cultura.Estadao.Com.Br/Noticias/Geral,D
Dolorosamente
-Evidente-Dizem-
Gestao
-Do-Minc,850226#.
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
Seção 4
Se a extinção do MinC e sua
transformação em Secretaria no
governo de Collor de Melo (1990
1992) causaram uma reação tímida
por parte do campo cultural
insuficiente, inclusive, para reverter a
decisão presidencial
27
, o contrário
ocorreu quando o então presidente
interino Michel Temer optou por
acabar com o órgão no bojo de uma
reforma minist
erial e fundi
Ministério da Educação e Cultura
(MEC).
Logo nos primeiros dias do
governo interino (maio a agosto de
2016), começou a circular
sociais um abaixo-
assinado contra a
anunciada extinção do MinC que
reuniu intelectuais, artistas
diversas linguagens, produtores
culturais e associações (
de Produtores de Teatro do Rio e
Cooperativa Paulista de Teatro)
27
Quand
o o presidente Collor extinguiu o
MinC e quase todo o aparato institucional no
setor construído ao longo de décadas, a
reação contrária ao ato foi reduzida, limitando
se basicamente a manifestações localizadas
nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro
(MENDES, 2015)
28
Artistas e produtores reagem ao fim do
Ministério da Cultura”. Disponível em
http://oglobo.globo.com/cultura/artistas
produtores-reagem-ao-fim-do-
ministerio
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
Se a extinção do MinC e sua
transformação em Secretaria no
governo de Collor de Melo (1990
-
1992) causaram uma reação tímida
por parte do campo cultural
insuficiente, inclusive, para reverter a
, o contrário
ocorreu quando o então presidente
interino Michel Temer optou por
acabar com o órgão no bojo de uma
erial e fundi
-lo ao
Ministério da Educação e Cultura
Logo nos primeiros dias do
governo interino (maio a agosto de
2016), começou a circular
nas redes
assinado contra a
anunciada extinção do MinC que
reuniu intelectuais, artistas
das mais
diversas linguagens, produtores
culturais e associações (
Associação
de Produtores de Teatro do Rio e
Cooperativa Paulista de Teatro)
28
.
o o presidente Collor extinguiu o
MinC e quase todo o aparato institucional no
setor construído ao longo de décadas, a
reação contrária ao ato foi reduzida, limitando
-
se basicamente a manifestações localizadas
nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro
Artistas e produtores reagem ao fim do
Ministério da Cultura. Disponível em
:
http://oglobo.globo.com/cultura/artistas
-
ministerio
-da-
Também foi lançada uma carta aberta
elaborada pela
Associação Procure
Saber e pelo Grupo de Ação
Parlamentar Pró-
sica (GAP) que
reúnem alguns dos mais reconhecidos
músicos brasileiros. A carta afirma que
a gestão de Gil teria ampliado o
alcance de atuação do Ministério com
a adoção do “conceito antropoló
de cultura” e de políticas voltadas para
parcelas expressivas da população. O
documento destaca, entre outras
ações, a formação dos colegiados
setoriais artísticos, a constituição do
Conselho Nacional de Políticas
Culturais e a elaboração do PNC
Na
sequência, foram lançadas
mais duas cartas de manifesto contra
a extinção do MinC, uma da Rede de
Festivais de Teatro do Brasil e a outra
do
Fórum Nacional de Secretários e
Dirigentes Municipais de Cultura das
Capitais e Regiões Metropolitanas. No
primeir
o documento, a Rede afirma o
MinC como o “principal órgão para o
cultura-
19295905#ixzz4CygdDbPl
01 jun. 2021.
29
A carta está disponível na íntegra em
Entidades cobram restabelecimento do
Ministério da Cultura”:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/
1770962-fim-do-minc-vai-
gerar
dizem-artistas-em-carta-a
-
em: 01 jun. 2021.
243
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Também foi lançada uma carta aberta
Associação Procure
Saber e pelo Grupo de Ação
Música (GAP) que
reúnem alguns dos mais reconhecidos
músicos brasileiros. A carta afirma que
a gestão de Gil teria ampliado o
alcance de atuação do Ministério com
a adoção do conceito antropoló
gico
de cultura e de políticas voltadas para
parcelas expressivas da população. O
documento destaca, entre outras
ações, a formação dos colegiados
setoriais artísticos, a constituição do
Conselho Nacional de Políticas
Culturais e a elaboração do PNC
29
.
sequência, foram lançadas
mais duas cartas de manifesto contra
a extinção do MinC, uma da Rede de
Festivais de Teatro do Brasil e a outra
Fórum Nacional de Secretários e
Dirigentes Municipais de Cultura das
Capitais e Regiões Metropolitanas. No
o documento, a Rede afirma o
MinC como o principal órgão para o
19295905#ixzz4CygdDbPl
. Acesso em:
A carta está disponível na íntegra em
Entidades cobram restabelecimento do
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/
gerar
-economia-pifia-
-
temer.shtml. Acesso
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
desenvolvimento de políticas públicas
das artes” e de aprimoramento do
setor cultural. O segundo
papel do ministério como
“fundamental” para que
os mais de
cinco mil municípios do
país possam
atuar de forma sistêmica, ao mesmo
tempo em que fomenta a arte e a
diversidade das expressões
No dia 13 de maio de 2016, na
cidade de Curitiba, o prédio onde
funciona a representação local do
Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), autarquia
vinculada ao MinC, foi ocupado por
artistas e integrantes de movimentos
culturais em
protesto contra a extinção
do Ministério. No dia 15, o mesmo
ocorreu com o prédio da Fundação
Nacional de Artes (Funarte) em Belo
Horizonte. No dia seguinte, dezenas
de pessoas, entre políticos, artistas,
intelectuais e coletivos culturais, como
o Reage A
rtista e o Teatro pela
Democracia,
ocuparam o Palácio
Capanema, sede da Funarte, e situado
no Rio de Janeiro. Outras ocupações
por tempo indeterminado de prédios
30
As duas cartas estão disponíveis na íntegra
em:
http://oglobo.globo.com/cultura/entidades
cobram-restabelecimento-do-
ministerio
cultura-
19308200#ixzz4CyiXaVZ9
01 jun. 2021.
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
desenvolvimento de políticas públicas
das artes e de aprimoramento do
setor cultural. O segundo
defende o
papel do ministério como
os mais de
país possam
atuar de forma sistêmica, ao mesmo
tempo em que fomenta a arte e a
diversidade das expressões”
30
.
No dia 13 de maio de 2016, na
cidade de Curitiba, o prédio onde
funciona a representação local do
Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), autarquia
vinculada ao MinC, foi ocupado por
artistas e integrantes de movimentos
protesto contra a extinção
do Ministério. No dia 15, o mesmo
ocorreu com o prédio da Fundação
Nacional de Artes (Funarte) em Belo
Horizonte. No dia seguinte, dezenas
de pessoas, entre políticos, artistas,
intelectuais e coletivos culturais, como
rtista e o Teatro pela
ocuparam o Palácio
Capanema, sede da Funarte, e situado
no Rio de Janeiro. Outras ocupações
por tempo indeterminado de prédios
As duas cartas estão disponíveis na íntegra
http://oglobo.globo.com/cultura/entidades
-
ministerio
-da-
19308200#ixzz4CyiXaVZ9
. Acesso em:
ligados ao MinC se espalharam no
resto da semana por várias capitais do
país. Nesses espaços,
uma confluência entre os que eram
contra a extinção do MinC e os
contrários ao processo de
impedimento da presidenta Dilma,
expressa nas palavras de ordem Fora
Temer” e “Fica MinC, em uma
demonstração de convergência entre
politização do campo
cultural politizado.
Por sua vez, é reveladora do
fenômeno de
culturalização do campo
político
, coetâneo à
campo cultural
, a posição contrária ao
MinC por parte dos
evangélicos
, como Marco Feliciano e
Sila
s Malafaia, que usaram as redes
sociais para desqualificar os artistas e
a causa do ministério
expressões da
guerra cultural
naquele momento podem ser vistas
nos textos dos colunistas José
Henrique Mariante e Reinaldo
Azevedo, ambos da
Paulo
. Para o primeiro, extinguir o
31
Líderes evangélicos tripudiam do fim do
MinC: seria cômico se não fosse trágico.
Disponível em:
http://f5.folha.uol.com.br/colunistas/tonygoes/2
016/05/10002111-lideres-
evangelicos
tripudiam-do-fim-do-minc-
seria
fosse-tragico.shtml
. Acesso em
244
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
ligados ao MinC se espalharam no
resto da semana por várias capitais do
país. Nesses espaços,
observa-se
uma confluência entre os que eram
contra a extinção do MinC e os
contrários ao processo de
impedimento da presidenta Dilma,
expressa nas palavras de ordem “Fora
Temer e Fica MinC”, em uma
demonstração de convergência entre
cultural e campo
Por sua vez, é reveladora do
culturalização do campo
, coetâneo à
politização do
, a posição contrária ao
MinC por parte dos
líderes políticos
, como Marco Feliciano e
s Malafaia, que usaram as redes
sociais para desqualificar os artistas e
a causa do ministério
31
. Outras
guerra cultural
travada
naquele momento podem ser vistas
nos textos dos colunistas José
Henrique Mariante e Reinaldo
Azevedo, ambos da
Folha de São
. Para o primeiro, extinguir o
Líderes evangélicos tripudiam do fim do
MinC: seria cômico se não fosse trágico”.
http://f5.folha.uol.com.br/colunistas/tonygoes/2
evangelicos
-
seria
-comico-se-nao-
. Acesso em
: 01 jun. 2021.
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
MinC era a maneira do novo governo
de passar o recado de que não
permitirá o entulho petista nem
coletivos nem nada”
32
. Já Azevedo
qualificou as manifestações como
crônica do berreiro anunciado, uma
“balbú
rdia”, pois “artistas atraem
holofotes. É da profissão”
33
A oposição ao fim do MinC
permaneceu mobilizando os campos
político e cultural, mesmo após o
anúncio da criação da Secretaria
Nacional da Cultura e do seu titular
Marcelo Calero, advogado e diplomata
de carreira e então secretário
municipal de Cultura do
Janeiro. No dia 19 de maio, foi a vez
dos governadores da região Nordeste,
dois, inclusive, governistas, criticarem
a decisão do presidente interino e
lançarem uma carta defendendo a
“integridade” do MinC e o
fortalecimento de suas políticas,
destac
ando o SNC e o PNC como
marcos institucionais e de
32
Cultura política”. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/josehenri
quemariante/2016/05/1772720-
cultura
politica.shtml. Acesso em: 01
jun.
33
“Temer em 7 dias, acertos e erros.
Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoa
zevedo/2016/05/1773199-temer
-
acertos-e-erros.shtml
. Acesso em
2021.
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
MinC era a maneira do novo governo
de passar o recado de que “não
permitirá o entulho petista nem
. Azevedo
qualificou as manifestações como
crônica do berreiro anunciado”, uma
rdia, pois artistas atraem
33
.
A oposição ao fim do MinC
permaneceu mobilizando os campos
político e cultural, mesmo após o
anúncio da criação da Secretaria
Nacional da Cultura e do seu titular
Marcelo Calero, advogado e diplomata
de carreira e então secretário
municipal de Cultura do
Rio de
Janeiro. No dia 19 de maio, foi a vez
dos governadores da região Nordeste,
dois, inclusive, governistas, criticarem
a decisão do presidente interino e
lançarem uma carta defendendo a
integridade do MinC e o
fortalecimento de suas políticas,
ando o SNC e o PNC como
marcos institucionais e de
Cultura política. Disponível em
:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/josehenri
cultura
-
jun.
2021.
Temer em 7 dias, acertos e erros”.
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoa
-
em-7-dias-
. Acesso em
: 01 jun.
democratização cultural. O governo
interino acabou cedendo aos diversos
movimentos e mobilizações e
anunciou, no dia 21, a recriação do
órgão, reconhecendo que a decisão se
deu
por conta do caráter
emblem
ático” do ministério e pelas
reações contrárias à sua extinção
Contudo, a medida não influiu
entre os grupos que ocupavam os
prédios públicos nas capitais
brasileiras, pois o motivo da ocupação
também era se opor e resistir ao
governo interino, avaliado
ilegítimo
35
.
Além disso, as primeiras
34
Temer decide recriar Ministério da Cultura,
anuncia Mendonça Filho”. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/
1773764-temer-decide-
recriar
cultura-anuncia-
mendonca
em: 01 jun. 2021; “
Temer recua e decide
recriar o Ministério da Cultura, com Marcelo
Calero”. Disponível em:
http://oglobo.globo.com/cultura/temer
decide-recriar-ministerio-
da
marcelo-calero-19351863
. Acesso em
2021.
35
“Mesmo com volta do MinC, ocupação do
Palácio Capanema será mantida. Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/
1773764-temer-decide-
recriar
cultura-anuncia-
mendonca
Ocupações contra o fim do MinC persistem
para pedir a saída de Temer. Disponível
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/20
1773799-ocupacoes-
contra
persistem-para-pedir-a-
saida
Com apoio de famosos, ocupações do MinC
seguem em ao menos 18 capitais. Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/
1774200-com-apoio-de-
famosos
245
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
democratização cultural. O governo
interino acabou cedendo aos diversos
movimentos e mobilizações e
anunciou, no dia 21, a recriação do
órgão, reconhecendo que a decisão se
por conta do “caráter
ático do ministério e pelas
reações contrárias à sua extinção
34
.
Contudo, a medida não influiu
entre os grupos que ocupavam os
prédios públicos nas capitais
brasileiras, pois o motivo da ocupação
também era se opor e resistir ao
governo interino, avaliado
como
Além disso, as primeiras
Temer decide recriar Ministério da Cultura,
anuncia Mendonça Filho. Disponível em
:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/
recriar
-ministerio-da-
mendonca
-filho.shtml. Acesso
Temer recua e decide
recriar o Ministério da Cultura, com Marcelo
http://oglobo.globo.com/cultura/temer
-recua-
da
-cultura-com-
. Acesso em
: 01 jun.
Mesmo com volta do MinC, ocupação do
Palácio Capanema será mantida”. Disponível
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/
recriar
-ministerio-da-
mendonca
-filho.shtml;
Ocupações contra o fim do MinC persistem
para pedir a saída de Temer”. Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/20
16/05/
contra
-fim-do-minc-
saida
-de-temer.shtml.
Com apoio de famosos, ocupações do MinC
seguem em ao menos 18 capitais”. Disponível
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/
famosos
-ocupacoes-
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
indicações do ministro da Cultura
foram recebidas com críticas por parte
dos agentes culturais
36
. O movimento
agora autodenominado “Ocupa MinC
(em clara referencia ao
Ocuppy
de forma contrária aos artistas
principalmente, entidades que
retomaram os canais de ligação com o
recém recriado ministério, lançando
nota onde afirmava sua posição de
resistência e qualificava a iniciativa de
"oportunista e corporativista"
Por fim, é reveladora desse
momento de
expressão da
do campo cultural
, mas também do
campo cultural politizado
culturalização do campo político
análise do ex-
ministro da Cultura Juca
Ferreira. Para Ferreira, quem
acompanhava a política cultural do
país “não se surpreendeu co
do-minc-seguem-em-ao-menos-
18
capitais.shtml. Acessos em: 01
jun.
36
“No PE, cineastas repudiam indicação de
novo secretário do Audiovisual
”. Disponível
em:
http://oglobo.globo.com/cultura/filmes/no
pe-cineastas-repudiam-
indicacao
secretario-do-audiovisual-
19419240#ixzz4CypmjURr
. Acesso em
jun. 2021.
37
Restituição do MinC e diálogo com novo
ministro dividem classe artística”. Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/
1774682-restituicao-do-
ministerio
divide-classe-
artistica.shtml. Acesso em
jun. 2021.
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
indicações do ministro da Cultura
foram recebidas com críticas por parte
. O movimento
agora autodenominado Ocupa MinC”
Ocuppy
) reagiu
de forma contrária aos artistas
e,
principalmente, entidades que
retomaram os canais de ligação com o
recém recriado ministério, lançando
nota onde afirmava sua posição de
resistência e qualificava a iniciativa de
"oportunista e corporativista"
37
.
Por fim, é reveladora desse
expressão da
politização
, mas também do
campo cultural politizado
e da
culturalização do campo político
, a
ministro da Cultura Juca
Ferreira. Para Ferreira, quem
acompanhava a política cultural do
país não se surpreendeu co
m as
18
-
jun.
2021.
No PE, cineastas repudiam indicação de
. Disponível
http://oglobo.globo.com/cultura/filmes/no
-
indicacao
-de-novo-
. Acesso em
: 01
Restituição do MinC e diálogo com novo
ministro dividem classe artística. Disponível
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/
ministerio
-da-cultura-
artistica.shtml. Acesso em
: 01
reações contra a extinção do MinC.
De todo modo, seria um fenômeno a
ser explicado, pois haveria um certo
ineditismo que não nos pode escapar
que seria a diversidade (regional, de
classe, étnica, de gênero etc) dos
agentes que defendiam a volta do
MinC. E conclui: tal “fenômeno político
muito curioso, especialmente quando
se pensa nos parcos recursos
investidos no MinC, tem que ser
explicado na observação e análise das
práticas do ministério nestes últimos
13 anos, no legado de seus projetos e
ações”
38
.
Considerações finais
A trajetória analítica traçada ao
longo do artigo buscou delimitar os
contornos do fenômeno da
do campo cultural brasileiro
resultado, entre outros fatores, do
engajamento dos agentes culturais em
debates, embates e
se referiam à elaboração e
implementação das políticas públicas
para o setor durante os governos Lula
38
“A verdadeira recriação do MinC.
em:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/
1774682-restituicao-do-
ministerio
divide-classe-
artistica.shtml. Acesso em
jun. 2021.
246
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
reações contra a extinção do MinC”.
De todo modo, seria um fenômeno a
ser explicado, pois haveria “um certo
ineditismo que não nos pode escapar”
que seria a diversidade (regional, de
classe, étnica, de gênero etc) dos
agentes que defendiam a volta do
MinC. E conclui: tal fenômeno político
muito curioso, especialmente quando
se pensa nos parcos recursos
investidos no MinC, tem que ser
explicado na observação e análise das
práticas do ministério nestes últimos
13 anos, no legado de seus projetos e
Considerações finais
A trajetória analítica traçada ao
longo do artigo buscou delimitar os
contornos do fenômeno da
politização
do campo cultural brasileiro
resultado, entre outros fatores, do
engajamento dos agentes culturais em
deliberações que
se referiam à elaboração e
implementação das políticas públicas
para o setor durante os governos Lula
A verdadeira recriação do MinC”.
Disponível
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/
ministerio
-da-cultura-
artistica.shtml. Acesso em
: 01
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
e Dilma –
e de sua expressão por meio
da ocupação do espaço público
presencial e virtual em defesa da
manutenção não apenas dessas
polít
icas, como ocorreu na gestão Ana
de Hollanda, mas do próprio MinC,
como se observou no governo Temer.
Tratou-
se de um fenômeno que
não se localizou apenas nos principais
centros de produção, circulação e
consumo culturais do país, as cidades
de São Paulo
e Rio de Janeiro, mas se
fez presente em grande parte do
território nacional como revelam, por
exemplo, a realização de centenas
conferências municipais de cultura em
todas as regiões e a adesão de quase
metade dos municípios brasileiros ao
SNC, resultando
, entre outros dados,
na criação de dezenas de conselhos
municipais de cultura.
Como se pôde perceber, a
politização do campo cultural
conectada com a atuação da política
federal de cultura, provocando
desdobramentos nos âmbitos estadual
e munici
pal, em um período
democrático. Este é o elemento novo
que ajuda a explicar o fenômeno
político muito curioso”, ao qual se
referiu o ex-
ministro Juca Ferreira: a
conjunção de democracia e de
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
e de sua expressão por meio
da ocupação do espaço público
presencial e virtual em defesa da
manutenção não apenas dessas
icas, como ocorreu na gestão Ana
de Hollanda, mas do próprio MinC,
como se observou no governo Temer.
se de um fenômeno que
não se localizou apenas nos principais
centros de produção, circulação e
consumo culturais do país, as cidades
e Rio de Janeiro, mas se
fez presente em grande parte do
território nacional como revelam, por
exemplo, a realização de centenas
conferências municipais de cultura em
todas as regiões e a adesão de quase
metade dos municípios brasileiros ao
, entre outros dados,
na criação de dezenas de conselhos
Como se pôde perceber, a
politização do campo cultural
ocorreu
conectada com a atuação da política
federal de cultura, provocando
desdobramentos nos âmbitos estadual
pal, em um período
democrático. Este é o elemento novo
que ajuda a explicar o “fenômeno
político muito curioso, ao qual se
ministro Juca Ferreira: a
conjunção de democracia e de
presença sistemática do Estado na
cultura por meio de políticas
conjunção esta ausente nos governos
anteriores após a redemocratização
(Collor e Fernando Henrique Cardoso),
posto que abdicaram, em grande
parte, do papel do governo na
condução de tais políticas, delegando
as para o mercado, via leis de
incenti
vo fiscal (CASTELLO, 2002;
MENDES, 2015). Ao papel de maior
protagonismo do Estado
vivenciada anteriormente em governos
autoritários, ou seja, no Estado Novo
(1937-
1945) e no regime militar (1964
1984) (BARBALHO
, 1998)
a cultura
política de participação social
defendida e, de algum modo,
implementada pelo modo petista de
governar”.
Esse processo crescente de
envolvimento de agentes
historicamente excluídos dos
momentos decisórios de definição das
políticas blicas de cultura
que, ao contrário de outros como a
saúde, não dispunha até então de
conferências, câmaras setoriais,
conselhos deliberativos, entre outros
instrumentos de democracia direta
e/ou deliberativa
, levou
247
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
presença sistemática do Estado na
cultura por meio de políticas
públicas,
conjunção esta ausente nos governos
anteriores após a redemocratização
(Collor e Fernando Henrique Cardoso),
posto que abdicaram, em grande
parte, do papel do governo na
condução de tais políticas, delegando
-
as para o mercado, via leis de
vo fiscal (CASTELLO, 2002;
MENDES, 2015). Ao papel de maior
protagonismo do Estado
– realidade só
vivenciada anteriormente em governos
autoritários, ou seja, no Estado Novo
1945) e no regime militar (1964
-
, 1998)
–, soma-se
política de participação social
defendida e, de algum modo,
implementada pelo “modo petista de
Esse processo crescente de
envolvimento de agentes
historicamente excluídos dos
momentos decisórios de definição das
políticas públicas de cultura
setor
que, ao contrário de outros como a
saúde, não dispunha até então de
conferências, câmaras setoriais,
conselhos deliberativos, entre outros
instrumentos de democracia direta
, levou
-os a se
BARBALHO, Alexandre. Acerca de “fenômenos políticos curiosos: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
23, p. 225-251, set. 2022.
tornarem também agentes político
culturais.
É oportuno observar que esse
cenário não implicou necessariamente
em alinhamento do campo cultural
com o Governo Federal. Além das
disputas que ocorreram ao longo dos
processos de participação
(conferências, consultas populares,
conselhos) onde muitos ag
puderam se opor, e se opuseram de
fato, aos interesses defendidos pelos
gestores do MinC, vale lembrar a
contestação que a ministra Ana de
Hollanda enfrentou, ainda que se
tratasse de uma “continuidade do
mesmo grupo político. Ou a
pluralidade de in
teresses revelada nas
posições dos que defenderam a
permanência do MinC no governo
interino de Temer. Ou seja, aderindo
ao “Fica MinC”, muitos não pactuaram
com o “Fora Temer”, ou, somando
às palavras de ordem “Fica MinC e
“Fora Temer”, não compartilha
com a bandeira do “Volta Dilma.
Por fim, como antecipado na
introdução, uma das frentes que se
colocam para a continuidade da
pesquisa é investigar as possíveis
relações entre as
guerras culturais
curso no país com o processo de
BARBALHO, Alexandre. Acerca de fenômenos políticos curiosos”: a
politização do campo cultural no Brasil contemporâneo
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 12, n.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
tornarem também agentes político
-
É oportuno observar que esse
cenário não implicou necessariamente
em alinhamento do campo cultural
com o Governo Federal. Além das
disputas que ocorreram ao longo dos
processos de participação
(conferências, consultas populares,
conselhos) onde muitos ag
entes
puderam se opor, e se opuseram de
fato, aos interesses defendidos pelos
gestores do MinC, vale lembrar a
contestação que a ministra Ana de
Hollanda enfrentou, ainda que se
tratasse de uma continuidade” do
mesmo grupo político. Ou a
teresses revelada nas
posições dos que defenderam a
permanência do MinC no governo
interino de Temer. Ou seja, aderindo
ao Fica MinC, muitos não pactuaram
com o Fora Temer, ou, somando
-se
às palavras de ordem Fica MinC” e
Fora Temer, não compartilha
vam
com a bandeira do Volta Dilma”.
Por fim, como já antecipado na
introdução, uma das frentes que se
colocam para a continuidade da
pesquisa é investigar as possíveis
guerras culturais
em
curso no país com o processo de
politização do
campo cultural
momento de
conservadorismo
no campo político,
materializado, entre outras coisas, com
a eleição de Jair Bolsonaro para a
Presidência da República em 2018.
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