MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
“Não quero ser mãe, não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a
(re)produção
do cativeiro da
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v13i24.55268
Resumo:
Este artigo propõe investigar como se dá a (re)produção midiática do cativeiro da
madresposa
em matérias jornalísticas que abordam a entrega voluntária do bebê para a adoção
legal. A noção de cativeiro da
madresposa
de los Ríos como representação das opreses e aprisionamentos socialmente
impostos para que as mulheres reproduzam seu papel servil de mãe e esposa (LAGARDE, 2005).
Para a presente pesquisa, foram selecionadas quatro reportagens publicadas
sites
de notícias provenientes de diferentes regiões
examinados
à luz da análise pragmática da narrativa jornalística (MOTTA, 2005). Em que pesem
terem sido observados alguns avanços, os resultados do estudo sugerem que, na maioria dos
aspectos, o discurso jorna
lístico contribu
julgamento social impelido à mulher que opta pela entrega do filho para adoção.
contribuir para a discussão sobre a autodeterminação do corpo da mulher, sendo n
acercad
o veículo midiático e sua capacidade fortalecimento/enfraquecimento da posição patriarcal
quanto à imposição da maternidade às mulheres
Palavras-chave: Adoção;
entrega legal
da narrativa jornalística.
“No quiero ser madre, no estoy preparada: entrega legal para adopción y la (re)producción
del cautiverio de la
madresposa
Resumen:
Este artículo se propone investigar mo
de la madresposa
en artículos periodísticos que abordan la entrega voluntaria del bebé para su
adopción legal. La noción de cautiverio de la
Marcela Lagarde y de los Ríos como representación de las opresiones y prisiones socialmente
construidas e impuestas a las mujeres para reproducir su rol servil de madre y esposa (LAGARDE,
2005). Para la presente investigación
periódicos y sitios de noticias de diferentes regiones de Brasil. Metodológicamente, los textos fueron
examinados a la luz del análisis pragmático de la narrativa periodística (MOTTA, 2005). A
haber observado algunos avances, los resultados del estudio sugieren que, en la mayoría de los
aspectos, el discurso periodístico contribuye al fortalecimiento del cautiverio de la
1 Débora Oliveira de Medeiros.
Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).
Analista judiciária do Tr
Brasil. E-mail:
debora.medeiros@ufpe.br
2 Leo Mozdzenski. Pós-
doutorando em Direitos Humanos pela UFPE e doutor em Comunicação
UFPE. E-mail:
leo_moz@yahoo.com.br
Recebido em 18/07/2022,
aceito para publicação em
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
“Não quero ser mãe, não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a
do cativeiro da
madresposa
nas narrativas jornalísticas
Débora Oliveira de Medeiros
Leo Mozdzenski
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v13i24.55268
Este artigo propõe investigar como se a (re)produção midiática do cativeiro da
em matérias jornalísticas que abordam a entrega voluntária do bebê para a adoção
madresposa
foi proposta pela antropóloga mexicana Marcela Lagarde y
de los Ríos como representação das opressões e aprisionamentos socialmente
impostos para que as mulheres reproduzam seu papel servil de mãe e esposa (LAGARDE, 2005).
Para a presente pesquisa, foram selecionadas quatro reportagens publicadas
online
de notícias provenientes de diferentes regiões
do Brasil. Metodologicamente, os textos foram
à luz da análise pragmática da narrativa jornalística (MOTTA, 2005). Em que pesem
terem sido observados alguns avanços, os resultados do estudo sugerem que, na maioria dos
lístico contribu
i para o fortalecimento do cativeiro da
madresposa
julgamento social impelido à mulher que opta pela entrega do filho para adoção.
contribuir para a discuso sobre a autodeterminação do corpo da mulher, sendo n
o veículo midiático e sua capacidade fortalecimento/enfraquecimento da posição patriarcal
quanto à imposição da maternidade às mulheres
com base na retórica do “
mito do amor materno
entrega legal
; maternidade; cativeiro da
madresposa
No quiero ser madre, no estoy preparada”: entrega legal para adopción y la (re)producción
madresposa
en las narrativas periodísticas
Este artículo se propone investigar cómo
ocurre
la (re)producción mediática del cautiverio
en artículos periodísticos que abordan la entrega voluntaria del bebé para su
adopción legal. La noción de cautiverio de la
madresposa fue propues
ta por la antropóloga mexicana
Marcela Lagarde y de los Ríos como representación de las opresiones y prisiones socialmente
construidas e impuestas a las mujeres para reproducir su rol servil de madre y esposa (LAGARDE,
2005). Para la presente investigación
, fueron seleccionados cuatro reportajes publicados en línea en
periódicos y sitios de noticias de diferentes regiones de Brasil. Metodológicamente, los textos fueron
examinados a la luz del análisis pragmático de la narrativa periodística (MOTTA, 2005). A
haber observado algunos avances, los resultados del estudio sugieren que, en la mayoría de los
aspectos, el discurso periodístico contribuye al fortalecimiento del cautiverio de la
Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de
Analista judiciária do Tr
ibunal de Justiça do Estado de Pernambuco
debora.medeiros@ufpe.br
- https://orcid.org/0000-0001-5057-
0288.
doutorando em Direitos Humanos pela UFPE e doutor em Comunicação
leo_moz@yahoo.com.br
- https://orcid.org/0000-0002-4010-5507.
aceito para publicação em
02/02/20
23 e disponibilizado online em
01/03/2023.
28
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
“Não quero ser mãe, não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a
nas narrativas jornalísticas
Débora Oliveira de Medeiros
1
Leo Mozdzenski
2
Este artigo propõe investigar como se dá a (re)produção midiática do “cativeiro da
em matérias jornalísticas que abordam a entrega voluntária do bebê para a adoção
foi proposta pela antropóloga mexicana Marcela Lagarde y
de los Ríos como representação das opreses e aprisionamentos socialmente
construídos e
impostos para que as mulheres reproduzam seu papel servil de mãe e esposa (LAGARDE, 2005).
online
em periódicos e
do Brasil. Metodologicamente, os textos foram
à luz da análise pragmática da narrativa jornalística (MOTTA, 2005). Em que pesem
terem sido observados alguns avanços, os resultados do estudo sugerem que, na maioria dos
madresposa
quanto ao
julgamento social impelido à mulher que opta pela entrega do filho para adoção.
Por fim, buscou-se
contribuir para a discuso sobre a autodeterminação do corpo da mulher, sendo n
ecessário refletir
o veículo midiático e sua capacidade fortalecimento/enfraquecimento da posição patriarcal
mito do amor materno
”.
madresposa
; análise pragmática
No quiero ser madre, no estoy preparada: entrega legal para adopción y la (re)producción
la (re)producción mediática del “cautiverio
en artículos periodísticos que abordan la entrega voluntaria del bebé para su
ta por la antropóloga mexicana
Marcela Lagarde y de los Ríos como representación de las opresiones y prisiones socialmente
construidas e impuestas a las mujeres para reproducir su rol servil de madre y esposa (LAGARDE,
, fueron seleccionados cuatro reportajes publicados en línea en
periódicos y sitios de noticias de diferentes regiones de Brasil. Metodológicamente, los textos fueron
examinados a la luz del análisis pragmático de la narrativa periodística (MOTTA, 2005). A
pesar de
haber observado algunos avances, los resultados del estudio sugieren que, en la mayoría de los
aspectos, el discurso periodístico contribuye al fortalecimiento del cautiverio de la
madresposa frente
Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de
ibunal de Justiça do Estado de Pernambuco
(TJPE),
0288.
doutorando em Direitos Humanos pela UFPE e doutor em Comunicação
pela
23 e disponibilizado online em
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
al juicio social que se le impone a la mujer qu
buscamos contribuir a la discusión sobre la autodeterminación del cuerpo de la mujer, haciendo
necesario reflexionar sobre el vehículo mediático y su capacidad para fortalecer/debilitar la posición
patriarc
al en cuanto a la imposición de la maternidad a las mujeres
amor materno”.
Palabras clave: Adopción;
entrega legal
pragmático de la narrativa periodística.
“I don’t want to be a mother, I’m not ready”: legal delivery to adoption and the (re)production of
the madresposa’s
captivity in journalistic narratives
Abstract: This paper
proposes to investigate how the media (re)production of the captivity of the
madresposa
takes place in journalistic articles
adoption. The notion of captivity of the
anthropologist Marcela Lagarde y de los Ríos as a representatio
imprisonments socially constructed and imposed on women to reproduce their servile role as mother
and wife (LAGARDE, 2005). For th
sites from different regions of Br
light of the pragmatic analysis of journalistic narrative (MOTTA, 2005). In spite of having observed
some advances, the results of th
contributes to the strengthening of the
to the woman who chooses to give her child up for adoption. Finally, we sought to contribute to the
discussion on the self-
determination of t
media and its ability to strengthen/weaken the patriarchal position regarding the imposition of
motherhood on women
based on the rhetoric of the myth of maternal love
Keywords: Adoption;
legal delivery
journalistic narrative.
“Não quero ser mãe, não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a
(re)produção
do cativeiro da
Introdução
Diversos são os trabalhos que
discorrem sobre adoção e sobre a
institucionalização de crianças
(FREIRE, 2001; RIZZINI, 2006;
GONTIJO et al
., 2012; DIAS, 2015),
mas poucos se debruçam sobre a
figura da mulher no processo de
entrega do bebê para
adoção. Os
corpos femininos ora são relegados à
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
al juicio social que se le impone a la mujer qu
e opta por dar a su hijo en adopción. Finalmente,
buscamos contribuir a la discusión sobre la autodeterminación del cuerpo de la mujer, haciendo
necesario reflexionar sobre el vehículo mediático y su capacidad para fortalecer/debilitar la posición
al en cuanto a la imposición de la maternidad a las mujeres
basado en la retórica del mito del
entrega legal
; maternidad; cautiverio de la
madresposa
pragmático de la narrativa periodística.
I dont want to be a mother, Im not ready”: legal delivery to adoption and the (re)production of
captivity in journalistic narratives
proposes to investigate how the media (re)production of the captivity of the
takes place in journalistic articles
about
the voluntary delivery of
adoption. The notion of captivity of the
madresposa (“mother-wife”)
was proposed by the Mexican
anthropologist Marcela Lagarde y de los Ríos as a representatio
n of the oppressions and
imprisonments socially constructed and imposed on women to reproduce their servile role as mother
and wife (LAGARDE, 2005). For th
is research, four articles published online in
newspapers
sites from different regions of Br
azil were selected. Methodologically, the texts were examined in the
light of the pragmatic analysis of journalistic narrative (MOTTA, 2005). In spite of having observed
some advances, the results of th
is
study suggest that, in most aspects, the journalist
contributes to the strengthening of the
madresposa
s captivity regarding the social judgment impelled
to the woman who chooses to give her child up for adoption. Finally, we sought to contribute to the
determination of t
he woman’
s body, making it necessary to reflect on
media and its ability to strengthen/weaken the patriarchal position regarding the imposition of
based on the rhetoric of the “myth of maternal love”
legal delivery
; motherhood; madresposa’s captivity;
pragmatic analysis of
“Não quero ser mãe, não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a
do cativeiro da
madresposa
nas narrativas jornalísticas
Diversos o os trabalhos que
discorrem sobre adoção e sobre a
institucionalização de crianças
(FREIRE, 2001; RIZZINI, 2006;
., 2012; DIAS, 2015),
mas poucos se debruçam sobre a
figura da mulher no processo de
adoção. Os
corpos femininos ora o relegados à
esfera do privado, ora o postos a
escrutínio público para serem
gerenciados pelos outros, pelos
homens, pela sociedade, uma vez que
as relações de gênero permeiam a
criação, a legitimação e a crítica do
pod
er político, configurando uma
ameaça ao sistema a modificação do
processo social das relações então
estabelecidas (SCOTT, 1995).
29
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
e opta por dar a su hijo en adopción. Finalmente,
buscamos contribuir a la discusión sobre la autodeterminación del cuerpo de la mujer, haciendo
necesario reflexionar sobre el vehículo mediático y su capacidad para fortalecer/debilitar la posición
basado en la retórica del “mito del
madresposa
; análisis
I dont want to be a mother, Im not ready”: legal delivery to adoption and the (re)production of
proposes to investigate how the media (re)production of the “captivity of the
the voluntary delivery of
a baby to legal
was proposed by the Mexican
n of the oppressions and
imprisonments socially constructed and imposed on women to reproduce their servile role as mother
newspapers
and news
azil were selected. Methodologically, the texts were examined in the
light of the pragmatic analysis of journalistic narrative (MOTTA, 2005). In spite of having observed
study suggest that, in most aspects, the journalist
ic discourse
s captivity regarding the social judgment impelled
to the woman who chooses to give her child up for adoption. Finally, we sought to contribute to the
s body, making it necessary to reflect on
mass
media and its ability to strengthen/weaken the patriarchal position regarding the imposition of
pragmatic analysis of
“Não quero ser mãe, não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a
nas narrativas jornalísticas
esfera do privado, ora são postos a
escrutínio público para serem
gerenciados pelos outros, pelos
homens, pela sociedade, uma vez que
as relações de gênero permeiam a
criação, a legitimação e a crítica do
er político, configurando uma
ameaça ao sistema a modificação do
processo social das relações então
estabelecidas (SCOTT, 1995).
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
Historicamente, à mulher é
negado o direito de dispor do próprio
corpo. Entre essas limitações,
vivencia-
se no Brasil a ilegal
aborto voluntário. Em contrapartida,
em 2009, a legislação brasileira trouxe
para o seio da atenção estatal, de
forma transversa, a possibilidade de
entrega de bebês para adoção.
entrada em vigor da Lei Federal n.º
12.010/2009, denominada Le
Adoção, passou a ser prevista
expressamente e
de maneira inédita
a
possibilidade de uma mãe ou
gestante entregar seu filho à adoção.
Tal permissivo legal foi posteriormente
regulamentado pela Lei Federal n.º
13.509/2017, que consiste na última
alt
eração legislativa significativa no
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse contexto, vale ressaltar
que a maternidade ainda é
socialmente vista como o principal
objetivo e sentido de vida das
mulheres. É o que argumenta a
antropóloga mexicana Marcela
Lagarde y de los Ríos em sua teoria
dos
cautiverios de las mujeres
(LAGARDE, 2005).
A estudiosa propõe
a noção de “cativeiro da
madresposa
como representação das opressões e
aprisionamentos socialmente
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
Historicamente, à mulher é
negado o direito de dispor do próprio
corpo. Entre essas limitações,
se no Brasil a ilegal
idade do
aborto voluntário. Em contrapartida,
em 2009, a legislação brasileira trouxe
para o seio da atenção estatal, de
forma transversa, a possibilidade de
entrega de bebês para adoção.
Com a
entrada em vigor da Lei Federal n.º
12.010/2009, denominada Le
i da
Adoção, passou a ser prevista
de maneira inédita
possibilidade de uma mãe ou
gestante entregar seu filho à adoção.
Tal permissivo legal foi posteriormente
regulamentado pela Lei Federal n.º
13.509/2017, que consiste na última
eração legislativa significativa no
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse contexto, vale ressaltar
que a maternidade ainda é
socialmente vista como o principal
objetivo e sentido de vida das
mulheres. É o que argumenta a
antropóloga mexicana Marcela
Lagarde y de los Ríos em sua teoria
cautiverios de las mujeres
A estudiosa propõe
madresposa
como representação das opressões e
aprisionamentos socialmente
construídos e impostos para que as
mulheres
reproduzam seu papel servil
de mãe e esposa (
madre
Segundo Lagarde (2005), em nossa
sociedade patriarcal, desde cedo as
mulheres são educadas e socializadas
para que se tornem
partir de discursos androntricos e
misóginos reiterad
os pelas mais
diferentes esferas: pela família, pela
escola, pela igreja, pelo trabalho e,
sobretudo na contemporaneidade,
pelos meios de comunicação de
massa.
Diante de tal cenário, pergunta
se: como se a construção e
reprodução da noção de cativeiro
madresposa
nos discursos veiculados
pela mídia jornalística brasileira,
especificamente no que diz respeito ao
procedimento de entrega de bebês
para adoção?
O objetivo deste artigo consiste
em investigar, pois,
construção narrativa
cativeiro da
madresposa
reprodução midiática dos julgamentos
sociais à mulher que opta pela entrega
do seu filho para adoção. O
pesquisa é composto por quatro
reportagens jornalísticas publicadas
online
nos seguintes veículos:
30
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
construídos e impostos para que as
reproduzam seu papel servil
madre
+ esposa).
Segundo Lagarde (2005), em nossa
sociedade patriarcal, desde cedo as
mulheres o educadas e socializadas
para que se tornem
madresposas a
partir de discursos androcêntricos e
os pelas mais
diferentes esferas: pela família, pela
escola, pela igreja, pelo trabalho e,
sobretudo na contemporaneidade,
pelos meios de comunicação de
Diante de tal cenário, pergunta
-
se: como se dá a construção e
reprodução da noção de “cativeiro
da
nos discursos veiculados
pela mídia jornalística brasileira,
especificamente no que diz respeito ao
procedimento de entrega de bebês
O objetivo deste artigo consiste
como ocorre a
construção narrativa
jornalística do
madresposa
para a
reprodução midiática dos julgamentos
sociais à mulher que opta pela entrega
do seu filho para adoção. O
corpus da
pesquisa é composto por quatro
reportagens jornalísticas publicadas
nos seguintes veículos:
no
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
jornal mineiro O Tempo
, no portal de
notícias do Tribunal de Justiça de
Pernambuco, no periódico curitibano
Gazeta do Povo
e no portal de notícias
do G1
(Distrito Federal). Nessa toada,
o presente trabalho pretende discutir
as estratégias discursivas
em
para provocar ou não
a
desses julgamentos enraizados e do
aprisionamento descrito por Lagarde
(2005).
Como expediente metodológico
para a investigação do
empregou-
se a análise pragmática da
narrativa jornalística, tal como
p
roposto por Motta (2005). Parte
premissa de que nenhum discurso é
neutro, objetivo ou isento de
atravessamentos políticos, ideológicos,
socioculturais, etc. em qualquer
situação comunicativa.
compreende-
se que a narrativa
jornalística o se
limita a reproduzir
ou espelhar a realidade. Antes, lança
mão de dispositivos discursivos e
estratégias de comunicação que
servem a determinados propósitos.
Assim, entendem-
se “as narrativas
jornalísticas como jogos de linguagem,
como ações estratégicas d
constituição de significações em
contexto, como uma relação entre
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
, no portal de
notícias do Tribunal de Justiça de
Pernambuco, no periódico curitibano
e no portal de notícias
(Distrito Federal). Nessa toada,
o presente trabalho pretende discutir
em
pregadas
a
superação
desses julgamentos enraizados e do
aprisionamento descrito por Lagarde
Como expediente metodológico
para a investigação do
corpus,
se a análise pragmática da
narrativa jornalística, tal como
roposto por Motta (2005). Parte
-se da
premissa de que nenhum discurso é
neutro, objetivo ou isento de
atravessamentos políticos, ideológicos,
socioculturais, etc. em qualquer
Ou seja,
se que a narrativa
limita a reproduzir
ou espelhar a realidade. Antes, lança
mão de dispositivos discursivos e
estratégias de comunicação que
servem a determinados propósitos.
se as narrativas
jornalísticas como jogos de linguagem,
como ações estratégicas d
e
constituição de significações em
contexto, como uma relação entre
sujeitos atores do ato de comunicação
jornalística” (MOTTA, 2005, p.
Para a escolha das matérias, foi
considerado o amplo alcance das
reportagens e o aspecto temporal,
posto que os re
latos foram publicados
entre os meses de junho/2020 e
maio/2021. A opção por reportagens
mais recentes deu-
se em razão da
importância de observar as relações
entre o discurso jornalístico produzido
atualmente e a teoria do cativeiro da
madresposa,
concebida há mais de
quinze anos.
O cativeiro da
madresposa
do amor materno
Tradicionalmente, o lugar
sociopolítico, cultural, histórico
ocupado pela mulher na sociedade
ocidental remete ao lar, ao privado e à
família. Na obra
Los cautiverio
mujeres: madresposas, monjas, putas,
presas y locas
, Marcela Lagarde
(2005) põe em discussão justamente a
condição histórica de gênero da
mulher.
Caracterizados pela opressão e
pela privação de liberdade, os
cativeiros são categorizados pela
antr
opóloga mexicana da seguinte
maneira: as
madresposas
31
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
sujeitos atores do ato de comunicação
jornalística (MOTTA, 2005, p.
4).
Para a escolha das matérias, foi
considerado o amplo alcance das
reportagens e o aspecto temporal,
latos foram publicados
entre os meses de junho/2020 e
maio/2021. A opção por reportagens
se em razão da
importância de observar as relações
entre o discurso jornalístico produzido
atualmente e a teoria do cativeiro da
concebida mais de
madresposa
e o mito
Tradicionalmente, o lugar
sociopolítico, cultural, histórico
ocupado pela mulher na sociedade
ocidental remete ao lar, ao privado e à
Los cautiverio
s de las
mujeres: madresposas, monjas, putas,
, Marcela Lagarde
(2005) põe em discussão justamente a
condição histórica de gênero da
Caracterizados pela opressão e
pela privação de liberdade, os
cativeiros o categorizados pela
opóloga mexicana da seguinte
madresposas
(mãe-
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
esposas), que se entregam ao lar e à
família; as monjas
(freiras/beatas),
cativas pela religião; as
(prostitutas), cujo cativeiro é o bordel,
tendo sua existência voltada para o
prazer de outr
os; as
(encarceradas em presídios), retidas
pela lei; e, por fim, as
locas
restritas ao manicômio. No presente
trabalho, ante o recorte da entrega do
bebê para adoção, nos deteremos ao
estudo do cativeiro da
madresposa
Lagarde (2005) ini
cia o debate a
respeito desse cativeiro afirmando que
todas as mulheres, pelo simples fato
de serem mulheres, são percebidas
como mães e esposas
lhes é destinado mesmo antes de
nascerem. Independentemente de não
terem filhos ou de serem solteir
mulheres são concebidas como
madresposa
s, ainda que de maneiras
alternativas, ao preencher funções
simbólicas dessa categoria com outros
sujeitos, tal como desempenhando a
função de esposa de seu pai ou mãe
de seus irmãos.
Na nossa sociedade patria
conservadora, ser solteira, não casar e
não formar uma família costuma
provocar certa estranheza. A título de
ilustração, em um relato pessoal,
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
esposas), que se entregam ao lar e à
(freiras/beatas),
cativas pela religião; as
putas
(prostitutas), cujo cativeiro é o bordel,
tendo sua existência voltada para o
os; as
presas
(encarceradas em predios), retidas
locas
(loucas),
restritas ao manimio. No presente
trabalho, ante o recorte da entrega do
bebê para adoção, nos deteremos ao
madresposa
.
cia o debate a
respeito desse cativeiro afirmando que
todas as mulheres, pelo simples fato
de serem mulheres, o percebidas
papel que
lhes é destinado mesmo antes de
nascerem. Independentemente de não
terem filhos ou de serem solteir
as, as
mulheres o concebidas como
s, ainda que de maneiras
alternativas, ao preencher funções
simbólicas dessa categoria com outros
sujeitos, tal como desempenhando a
função de esposa de seu pai ou mãe
Na nossa sociedade patria
rcal e
conservadora, ser solteira, o casar e
não formar uma família costuma
provocar certa estranheza. A título de
ilustração, em um relato pessoal,
Guacira Lopes Louro (2013),
retratando sua juventude escolar,
explica que garotas estudantes de
magistéri
o temiam terminar suas vidas
como professoras solteironas. As
adolescentes se espelhavam e
admiravam as professoras jovens e
casadas.
Nas palavras de Lagarde (2005,
p. 378), “a mãe deve educar e
reproduzir no filho as qualidades de
gênero, de classe, de
linguísticas e todas que definem o seu
grupo: o acúmulo de tradições,
costumes e crenças, as normas do seu
mundo”. Ou seja, dentro do núcleo
da familiar, onde inicialmente nos
formamos enquanto sujeitos, o
sedimentados
o papel e as
e
xpectativas sociais e
comportamentais que a mulher e o
homem devem interiorizar para
cumprir na sociedade ao longo de sua
vida.
A partir da noção bourdieusiana
de habitus3
, é possível observar como
essas interiorizações influenciam a
maneira através da qual se impõe,
entre outras expectativas, a
3 Habitus
são “as exterioridades interiorizadas
pelo indivíduo de acordo com sua trajetória
social” (ALMEIDA, 2005, p. 142).
32
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
Guacira Lopes Louro (2013),
retratando sua juventude escolar,
explica que garotas estudantes de
o temiam terminar suas vidas
como professoras solteironas. As
adolescentes se espelhavam e
admiravam as professoras jovens e
Nas palavras de Lagarde (2005,
p. 378), a mãe deve educar e
reproduzir no filho as qualidades de
gênero, de classe, de
idade, nacionais,
linguísticas e todas que definem o seu
grupo: o acúmulo de tradições,
costumes e crenças, as normas do seu
mundo. Ou seja, já dentro do núcleo
da familiar, onde inicialmente nos
formamos enquanto sujeitos, são
o papel e as
xpectativas sociais e
comportamentais que a mulher e o
homem devem interiorizar para
cumprir na sociedade ao longo de sua
A partir da noção bourdieusiana
, é possível observar como
essas interiorizações influenciam a
maneira através da qual se impõe,
entre outras expectativas, a
são as exterioridades interiorizadas
pelo indivíduo de acordo com sua trajetória
social (ALMEIDA, 2005, p. 142).
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
maternidade à mulher, uma vez que,
para muitas pessoas, reproduzir é o
seu destino, a sua razão de existir. Na
mesma toada, a soci
edade patriarcal
entende como naturais a servidão e o
sofrimento em busca da satisfação e
do cuidado do outro, por parte do
gênero feminino.
Caminhando lado a lado com o
cativeiro da madresposa
, o mito do
amor materno reforça a ideia de que
toda mãe ama ou
deve amar
filho imediatamente e de maneira
genuína, orgânica e incondicional a
partir do momento em que dá conta de
sua existência. Nessa perspectiva,
parte-
se do princípio de que, uma vez
que a procriação é algo biológico e
“natural”, o comporta
mento maternal
surgirá como consequência lógica
correspondente (BADINTER, 1985).
A construção do mito do amor
materno tem suas origens na tentativa
de reduzir o número de mortes de
crianças, que aconteciam de forma
mais acentuada durante a primeira
infân
cia. “A verdade é que a criança,
especialmente em fins do século XVIII,
adquire um valor mercantil. Percebe
se que ela é, potencialmente, uma
riqueza econômica” (BADINTER,
1985, p. 153). A autora explica que o
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
maternidade à mulher, uma vez que,
para muitas pessoas, reproduzir é o
seu destino, a sua razão de existir. Na
edade patriarcal
entende como naturais a servidão e o
sofrimento em busca da satisfação e
do cuidado do outro, por parte do
Caminhando lado a lado com o
, o mito do
amor materno reforça a ideia de que
deve amar
seu
filho imediatamente e de maneira
genuína, orgânica e incondicional a
partir do momento em que dá conta de
sua existência. Nessa perspectiva,
se do prinpio de que, uma vez
que a procriação é algo biológico e
mento maternal
surgirá como consequência lógica
correspondente (BADINTER, 1985).
A construção do mito do amor
materno tem suas origens na tentativa
de reduzir o número de mortes de
crianças, que aconteciam de forma
mais acentuada durante a primeira
cia. A verdade é que a criança,
especialmente em fins do século XVIII,
adquire um valor mercantil. Percebe
-
se que ela é, potencialmente, uma
riqueza econômica (BADINTER,
1985, p. 153). A autora explica que o
discurso econômico e social é aliado
ao discur
so do amor e da felicidade,
bem como à exaltação do papel da
mulher dentro da estrutura familiar,
atribuindo à mãe as tarefas antes
relegadas às amas
de
genitoras passam a assumir o papel
central nos cuidados com seus filhos,
dirigindo-lhe
s seu amor e afeto.
No entanto, em que pese o
habitus
tender a se manter
forçosamente o mesmo, sua mudança
pode ocorrer conforme os contatos
sociais do indivíduo venham a
modificar-
se (ALMEIDA, 2005). Assim,
os papéis de gênero e a posição
sociocultural o
cupada pela mulher o
potencialmente capazes de alteração,
de acordo com as influências das
estruturas que regem as ações
humanas e que possibilitam a
reconfiguração desses
aprisionamentos então estabelecidos.
A análise pragmática da narrativa
jornalíst
ica como proposta
metodológica
Com o intuito de analisar a
construção e a reprodução do cativeiro
da madresposa
veiculados pela mídia, especificamente
ao tratar do tema da entrega do bebê
33
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
discurso econômico e social é aliado
so do amor e da felicidade,
bem como à exaltação do papel da
mulher dentro da estrutura familiar,
atribuindo à mãe as tarefas antes
de
leite. Assim, as
genitoras passam a assumir o papel
central nos cuidados com seus filhos,
s seu amor e afeto.
No entanto, em que pese o
tender a se manter
forçosamente o mesmo, sua mudança
pode ocorrer conforme os contatos
sociais do indivíduo venham a
se (ALMEIDA, 2005). Assim,
os papéis de gênero e a posição
cupada pela mulher são
potencialmente capazes de alteração,
de acordo com as influências das
estruturas que regem as ações
humanas e que possibilitam a
reconfiguração desses
aprisionamentos então estabelecidos.
A análise pragmática da narrativa
ica como proposta
Com o intuito de analisar a
construção e a reprodução do cativeiro
nos discursos
veiculados pela mídia, especificamente
ao tratar do tema da entrega do bebê
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
para adoção, realizou-
se um estudo
bibliográfico, qua
litativo e documental.
Por meio do termo de pesquisa
“entrega voluntária de bebê para
adoção”, no site
de buscas Google,
foram encontradas matérias
jornalísticas com essa temática. Entre
os sites
e textos visitados, foram
escolhidos quatro para compor o
corpus
desta análise. Foram eleitas
matérias jornalísticas recentes,
publicadas entre os meses de
junho/2020 e
maio/2021, em
periódicos online e sites
oriundos de quatro regiões do Brasil,
com amplo alcance popular, a fim de
obter um cenário ger
al da abordagem
da mídia jornalística sobre o tema.
As reportagens selecionadas
foram divididas em duas categorias,
quais sejam: as matérias que trazem
na construção do texto a voz da
mulher que procura as vias legais para
a entrega do seu bebê e as matér
que não trazem.
De acordo com a perspectiva da
análise pragmática da narrativa
jornalística (MOTTA, 2005),
procuramos ir além de um estudo
meramente representacional do
jornalístico. Em outras palavras,
propõe-
se ultrapassar a ideia do texto
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
se um estudo
litativo e documental.
Por meio do termo de pesquisa
entrega voluntária de bebê para
de buscas Google,
foram encontradas matérias
jornalísticas com essa temática. Entre
e textos visitados, foram
escolhidos quatro para compor o
desta análise. Foram eleitas
matérias jornalísticas recentes,
publicadas entre os meses de
maio/2021, em
de notícias
oriundos de quatro regiões do Brasil,
com amplo alcance popular, a fim de
al da abordagem
da mídia jornalística sobre o tema.
As reportagens selecionadas
foram divididas em duas categorias,
quais sejam: as matérias que trazem
na construção do texto a voz da
mulher que procura as vias legais para
a entrega do seu bebê e as matér
ias
De acordo com a perspectiva da
análise pragmática da narrativa
jornalística (MOTTA, 2005),
procuramos ir além de um estudo
meramente representacional do
texto
jornalístico. Em outras palavras,
se ultrapassar a ideia do texto
jor
nalístico como espelho fiel dos fatos
(CHARAUDEAU, 2006), devendo
levar em conta nas análises os
aspectos exteriores à materialidade
linguística. Trata-
se de incluir, pois, os
elementos históricos, sociais,
ideológicos, contextuais e culturais que
estão
presentes na narrativa, a fim de
interpretar de forma dinâmica e
sistemática os discursos jornalísticos
selecionados
bem como seus
silenciamentos
, particularmente no
que se refere à abordagem sobre
desigualdade de gênero.
Análise e discussão das narr
jornalísticas
Segundo Paula Pinhal de Carlos
(2019, p. 1.774), a cultura pode
efetuar um processo de naturalização
daquilo que é socialmente construído,
o que o legará ao local do não dito, do
não questionado, do desde já dado.
Referindo-
se à ima
negra, mas cujo raciocínio se aplica às
representações sociais aqui
estudadas, Sueli Carneiro (2003)
argumenta que os meios de
comunicação são capazes de construir
os sistemas de representação, e não
apenas os reproduzir, com uma
eficácia apt
a a promover
34
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
nalístico como espelho fiel dos fatos
(CHARAUDEAU, 2006), devendo
-se
levar em conta nas análises os
aspectos exteriores à materialidade
se de incluir, pois, os
elementos históricos, sociais,
ideológicos, contextuais e culturais que
presentes na narrativa, a fim de
interpretar de forma dinâmica e
sistemática os discursos jornalísticos
bem como seus
, particularmente no
que se refere à abordagem sobre
desigualdade de gênero.
Análise e discussão das narr
ativas
Segundo Paula Pinhal de Carlos
(2019, p. 1.774), “a cultura pode
efetuar um processo de naturalização
daquilo que é socialmente construído,
o que o legará ao local do não dito, do
não questionado, do desde dado”.
se à ima
gem da mulher
negra, mas cujo raciocínio se aplica às
representações sociais aqui
estudadas, Sueli Carneiro (2003)
argumenta que os meios de
comunicação o capazes de construir
os sistemas de representação, e não
apenas os reproduzir, com uma
a a promover
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
deslocamentos nas imagens então
estabelecidas. Nesse movimento,
reside a importância e a
responsabilidade da narrativa
jornalística.
Atentos a essa reflexão,
passemos à análise das matérias
selecionadas.
Reportagens sem a voz da mulher
Publ
icada em 3 de maio de
2021 pelo jornal mineiro
O Tempo
matéria intitulada “Tabu e mito do
amor materno’ cercam entrega
voluntária de bebês no Brasil (ALVES,
2021) já sinaliza de antemão a posição
crítica da jornalista.É o que se
constata a partir da
escolha de
expressões que denotam a ideia de
necessidade de superação dos
julgamentos sociais presentes nos
casos de entrega de bebês à adoção.
duas fotografias na
reportagem4
. A primeira é a de uma
mulher de meia idade, usando
máscara e identificada c
assistente social lotada no hospital
exibido na foto seguinte. A voz dessa
assistente social, cujo nome aparece
abaixo da foto, é citada no texto da
4 Disponível em:
https://bit.ly/3Plarv1
em: 12 jul. 2022.
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
deslocamentos nas imagens então
estabelecidas. Nesse movimento,
reside a importância e a
responsabilidade da narrativa
Atentos a essa reflexão,
passemos à análise das matérias
Reportagens sem a voz da mulher
icada em 3 de maio de
O Tempo
, a
matéria intitulada Tabu e ‘mito do
amor materno cercam entrega
voluntária de bebês no Brasil” (ALVES,
2021) já sinaliza de antemão a posição
crítica da jornalista.É o que se
escolha de
expressões que denotam a ideia de
necessidade de superação dos
julgamentos sociais presentes nos
casos de entrega de bebês à adoção.
Há duas fotografias na
. A primeira é a de uma
mulher de meia idade, usando
máscara e identificada c
omo
assistente social lotada no hospital
exibido na foto seguinte. A voz dessa
assistente social, cujo nome aparece
abaixo da foto, é citada no texto da
https://bit.ly/3Plarv1
. Acesso
matéria, afirmando
profissional atua nos casos em que há
manifestação da mulher pela entrega
legal.
Ante a ausência da voz da
mulher que entrega o bebê para a
adoção no decorrer da matéria, a
narrativa jornalística busca construir tal
imagem para os leitores ao classificar
os perfis mais comuns das gestantes
que procuram o sistema de justiça de
Mi
nas Gerais, logo no início da
reportagem. São elencadas cinco
categorias de mulheres:
Universitárias, timas de
violência sexual que recusaram o
aborto legal, assalariadas
inseridas no mercado, gestantes
financeiramente impossibilitadas
de criar seus bebê
não alimentam o sonho de ser
mãe compõem cinco entre os
perfis mais comuns de mulheres
que recorrem às Varas da
Infância do Estado movidas pelo
desejo de entregar seus rem
nascidos ao Sistema Nacional de
Adoção (SNA) (ALVES, 2021).
Em qu
e pese não ficar clara
uma escala gradativa de razões, é
interessante pontuar como, sob a ótica
da reportagem, a primeira categoria
elencada estabelece uma associação
da mulher ao estudo, à busca de
conhecimento (“Universitária). Ao dar
destaque a essa ca
35
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
matéria, afirmando
-se que a
profissional atua nos casos em que
manifestação da mulher pela entrega
Ante a ausência da voz da
mulher que entrega o bebê para a
adoção no decorrer da matéria, a
narrativa jornalística busca construir tal
imagem para os leitores ao classificar
os perfis mais comuns das gestantes
que procuram o sistema de justiça de
nas Gerais, logo no início da
reportagem. São elencadas cinco
categorias de mulheres:
Universitárias, vítimas de
violência sexual que recusaram o
aborto legal, assalariadas
inseridas no mercado, gestantes
financeiramente impossibilitadas
de criar seus bebê
s e outras que
não alimentam o sonho de ser
mãe compõem cinco entre os
perfis mais comuns de mulheres
que recorrem às Varas da
Infância do Estado movidas pelo
desejo de entregar seus recém
-
nascidos ao Sistema Nacional de
Adoção (SNA) (ALVES, 2021).
e pese não ficar clara
uma escala gradativa de razões, é
interessante pontuar como, sob a ótica
da reportagem, a primeira categoria
elencada estabelece uma associação
da mulher ao estudo, à busca de
conhecimento (Universitária”). Ao dar
destaque a essa ca
tegoria
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
encabeçando a relação de mulheres, o
texto
dialoga com o depoimento de
uma entrevistada em uma matéria
realizada pelo G1
adiante também
analisada
, na qual declara que
pretende “voltar a estudar e evitar que
isso aconteça de novo (PULJIZ,
2021)
. Por sua vez, a reportagem da
Gazeta do Povo
também faz referência
a duas mulheres universitárias que
procuraram o sistema de justiça para a
entrega legal de bebês (BILCHES,
2020). Assim, percebe-
se a construção
da ideia da vida acadêmica e/ou
profissiona
l como suposto atenuante
do julgamento social da mãe que opta
pela entrega do bebê.
Após a
“universitárias”,
o texto jornalístico cita
“vítimas de violência sexual que
recusaram o aborto legal, assalariadas
inseridas no mercado, gestantes
financeiramente impossibilitadas de
criar seus bebês” até chegar a outras
que não alimentam o sonho de ser
mãe” (ALVES, 2021).Atente
sonho de ser mãe é o último perfil
apontado e, não por coincidência, é o
menos aceito
socialmente.
De maneira g
eral, compreende
se que a vontade de ser mãe está
culturalmente sedimentada como
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
encabeçando a relação de mulheres, o
dialoga com o depoimento de
uma entrevistada em uma matéria
adiante também
, na qual declara que
pretende voltar a estudar e evitar que
isso aconteça de novo” (PULJIZ,
. Por sua vez, a reportagem da
também faz referência
a duas mulheres universitárias que
procuraram o sistema de justiça para a
entrega legal de bebês (BILCHES,
se a construção
da ideia da vida acadêmica e/ou
l como suposto atenuante
do julgamento social da mãe que opta
categoria
o texto jornalístico cita
timas de violência sexual que
recusaram o aborto legal, assalariadas
inseridas no mercado, gestantes
financeiramente impossibilitadas de
criar seus bebês até chegar a “outras
que não alimentam o sonho de ser
mãe (ALVES, 2021).Atente
-se que o
sonho de ser mãe é o último perfil
apontado e, não por coincidência, é o
socialmente.
eral, compreende
-
se que a vontade de ser mãe está
culturalmente sedimentada como
inerente a toda mulher. Entretanto, é
importante salientar que essa
presunção “faz parte de uma
construção sócio-
histórica e cultural
alicerçada nas transformações da
institui
ção família, no surgimento do
conceito de infância e nos papéis
delineados para mulheres e homens
nos cuidados parentais”
(CAVALCANTI et al
., 2019, p. 29).
Percebe-
se que a matéria do
jornal O Tempo
ressalta diversas
vezes a existência de julgamentos à
mu
lher que decide pela entrega do
bebê. Para corroborar essa
constatação, a reportagem traz a voz
de autoridades, no caso, de
profissionais envolvidas com o
procedimento de entrega, desde
assistentes sociais vinculadas ao
sistema de saúde até uma defensora
p
ública, representando o sistema de
justiça. Todas as autoridades retratam
o julgamento sofrido pelas mulheres,
incluindo motivos religiosos e o mito do
amor materno, bem como a
necessidade de acolhimento e de
divulgação da possibilidade da entrega
legal.
Note-
se que a narrativa
jornalística, ao fazer uso de citações
frequentes de vozes de autoridade,
36
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
inerente a toda mulher. Entretanto, é
importante salientar que essa
presunção faz parte de uma
histórica e cultural
alicerçada nas transformações da
ção família, no surgimento do
conceito de infância e nos papéis
delineados para mulheres e homens
nos cuidados parentais”
., 2019, p. 29).
se que a matéria do
ressalta diversas
vezes a existência de julgamentos à
lher que decide pela entrega do
bebê. Para corroborar essa
constatação, a reportagem traz a voz
de autoridades, no caso, de
profissionais envolvidas com o
procedimento de entrega, desde
assistentes sociais vinculadas ao
sistema de saúde até uma defensora
ública, representando o sistema de
justiça. Todas as autoridades retratam
o julgamento sofrido pelas mulheres,
incluindo motivos religiosos e o mito do
amor materno, bem como a
necessidade de acolhimento e de
divulgação da possibilidade da entrega
se que a narrativa
jornalística, ao fazer uso de citações
frequentes de vozes de autoridade,
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
almeja produzir determinados efeitos
de verdade, como se a jornalista não
estivesse intervindo na tessitura
discursiva da realidade narrada, o que
confere ao
texto uma aparência de
objetividade e veracidade. No entanto,
ao elaborar a reportagem
que vozes serão citadas (e, por
consequência, que vozes o
silenciadas), como elas serão referidas
(positiva ou negativamente), quais
trechos das entrevista
transcritos e quais serão omitidos, em
que ordem aparecerão etc.
jornalista realiza uma rie de
escolhas, inclusive lexicais (por
exemplo, “aborto” x “interrupção da
gravidez”), que acabam servindo para
sustentar o posicionamento não da
pr
ofissional, mas sobretudo do próprio
jornal (MOTTA, 2005).
É interessante observar que, na
matéria de O Tempo
, um juiz é a única
voz masculina presente na
reportagem. Ele relata a frequente
ocorrência de “choro” nas audiências
que confirmam a entrega da c
Esse
relato, oriundo de um homem,
reforça a imagem da mulher como um
ser frágil e aprisionado no cativeiro da
madresposa
, tamanha é a tristeza ao
consolidar a entrega, realizada sempre
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
almeja produzir determinados efeitos
de verdade, como se a jornalista não
estivesse intervindo na tessitura
discursiva da realidade narrada, o que
texto uma aparência de
objetividade e veracidade. No entanto,
ao elaborar a reportagem
decidindo
que vozes serão citadas (e, por
consequência, que vozes são
silenciadas), como elas serão referidas
(positiva ou negativamente), quais
trechos das entrevista
s serão
transcritos e quais serão omitidos, em
que ordem aparecerão etc.
–, a
jornalista realiza uma série de
escolhas, inclusive lexicais (por
exemplo, aborto x interrupção da
gravidez”), que acabam servindo para
sustentar o posicionamento não da
ofissional, mas sobretudo do próprio
É interessante observar que, na
, um juiz é a única
voz masculina presente na
reportagem. Ele relata a frequente
ocorrência de choro nas audiências
que confirmam a entrega da c
riança.
relato, oriundo de um homem,
reforça a imagem da mulher como um
ser frágil e aprisionado no cativeiro da
, tamanha é a tristeza ao
consolidar a entrega, realizada sempre
em prol da proteção do infante. Assim,
o sacrifício da mãe é
inevitável: seja permanecendo com
filho sem condições ou desejo de criá
lo, seja entregando-
o para adoção.
Em linhas gerais, a reportagem
do jornal
O Tempo
postura progressista diante do tema,
pois sua narrativa se concentra na
m
ulher. Ressalta a importância do
respeito às escolhas das mulheres e a
necessidade de acolhimento pelos
profissionais que lidam com a situação
de entrega do bebê para adoção. A
matéria ainda elenca posveis causas
desses julgamentos socialmente
enraizados
, enfatizando
teor religioso, além do mencionado
mito do amor materno natural e
incondicional.
A segunda narrativa jornalística
aqui analisada diz respeito à
reportagem intitulada
proteção: Justiça de Jaboatão celebra
adoção realiza
da através do Programa
de Entrega Responvel Acolher,
produzida pela Assessoria de
Comunicação (Ascom) do Tribunal de
Justiça de Pernambuco (TJPE)
(XAVIER, 2021). Na matéria
5 Disponível em:
https://bit.ly/3yYE3sO
Acesso em: 12 jul. 2022.
37
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
em prol da proteção do infante. Assim,
o sacrifício da mãe é
traduzido como
inevitável: seja permanecendo com
filho sem condições ou desejo de criá
-
o para adoção.
Em linhas gerais, a reportagem
assume uma
postura progressista diante do tema,
pois sua narrativa se concentra na
ulher. Ressalta a importância do
respeito às escolhas das mulheres e a
necessidade de acolhimento pelos
profissionais que lidam com a situação
de entrega do bebê para adoção. A
matéria ainda elenca possíveis causas
desses julgamentos socialmente
, enfatizando
questões de
teor religioso, além do mencionado
mito do amor materno natural e
A segunda narrativa jornalística
aqui analisada diz respeito à
reportagem intitulada
“Entrega e
proteção: Justiça de Jaboatão celebra
da através do Programa
de Entrega Responsável Acolher”,
produzida pela Assessoria de
Comunicação (Ascom) do Tribunal de
Justiça de Pernambuco (TJPE)
(XAVIER, 2021). Na matéria
5,
https://bit.ly/3yYE3sO
.
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
publicada em 3 de maio de 2021, há
uma fotografia do casal adotante,
provenien
te da audiência de
formalização da adoção.
O casal aparece com
expressões de felicidade. A mãe
adotiva segura o bebê, que está de
costas para a câmera e para o olhar
dos leitores. A imagem reforça a ideia
expressa ao longo do texto
proteção confer
ida ao menor que é
entregue ao sistema de justiça para
que encontre uma nova família. Trata
se de um texto institucional do TJPE
veiculado no próprio site
do
portanto, o ponto de vista adotado visa
demonstrar como o Estado atua
eficazmente nesse d
omínio.
Logo no início, a Ascom do
TJPE assevera:
A entrega de um filho rem
nascido para adão também
simboliza um ato de proteção.
Independente do motivo, a
pessoa que opta por esse
caminho está acobertada pela lei,
que permite a entrega como
modo de
garantir e preservar os
direitos e interesses da criança e,
também, dela mesma (XAVIER,
2021).
Como discutido, a escolha
das palavras e do enfoque adotado no
discurso jornalístico não é gratuita,
pois “nenhuma narrativa é ingênua
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
publicada em 3 de maio de 2021,
uma fotografia do casal adotante,
te da audiência de
O casal aparece com
expressões de felicidade. A mãe
adotiva segura o bebê, que está de
costas para a mera e para o olhar
dos leitores. A imagem reforça a ideia
expressa ao longo do texto
da
ida ao menor que é
entregue ao sistema de justiça para
que encontre uma nova família. Trata
-
se de um texto institucional do TJPE
do
órgão e,
portanto, o ponto de vista adotado visa
demonstrar como o Estado atua
omínio.
Logo no início, a Ascom do
A entrega de um filho recém
-
nascido para adoção também
simboliza um ato de proteção.
Independente do motivo, a
pessoa que opta por esse
caminho está acobertada pela lei,
que permite a entrega como
garantir e preservar os
direitos e interesses da criança e,
também, dela mesma (XAVIER,
Como já discutido, a escolha
das palavras e do enfoque adotado no
discurso jornalístico não é gratuita,
pois nenhuma narrativa é ingênua”
(MOTTA, 2005, p. 9).
proteção, o que mais a entrega legal
“também simboliza”? Ou seja, o que
esse “também” pode indicar e que não
está explicitado no texto? Dor da
separação por parte da mãe biológica?
Sofrimento devido a uma
sempre controlada? Medo
sendo egoísta e de ter um futuro
arrependimento? As possibilidades de
interpretação e de direcionamento da
narrativa são múltiplas e a matéria
opta por colocar em segundo plano
os motivos da entrega, passando a
enfatizar “os direitos e interes
criança” e, de modo adjacente, os
direitos e interesses da mulher.
A reportagem da Ascom segue
fazendo uma contraposição da entrega
legal com o crime de abandono de
menor, apontando a adoção como um
destino positivo para a criança. Essa
posição é r
eforçada pelo depoimento
da mãe adotante, cuja fala traz
palavras de efeito patêmico
tradicionalmente associadas ao
domínio discursivo feminino
6
O “efeito patêmico” se refere ao
dos três apelos retóricos aristotélicos
do ethos e do logos –,
cuja principal
caraterística é recorrer
a sentimentos e
emoções
como estratégia argumentativa
(MOZDZENSKI, 2018).
38
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
(MOTTA, 2005, p. 9).
Além do ato de
proteção, o que mais a entrega legal
também simboliza? Ou seja, o que
esse também pode indicar e que não
está explicitado no texto? Dor da
separação por parte da mãe biológica?
Sofrimento devido a uma
escolha nem
sempre controlada? Medo
de estar
sendo egoísta e de ter um futuro
arrependimento? As possibilidades de
interpretação e de direcionamento da
narrativa o múltiplas e a matéria
opta por já colocar em segundo plano
os motivos da entrega, passando a
enfatizar os direitos e interes
ses da
criança e, de modo adjacente, os
direitos e interesses da mulher.
A reportagem da Ascom segue
fazendo uma contraposição da entrega
legal com o crime de abandono de
menor, apontando a adoção como um
destino positivo para a criança. Essa
eforçada pelo depoimento
da mãe adotante, cuja fala traz
palavras de efeito patêmico
6
tradicionalmente associadas ao
domínio discursivo feminino
-materno,
O efeito patêmico se refere ao
pathos, um
dos três apelos retóricos aristotélicos
– ao lado
cuja principal
a sentimentos e
como estratégia argumentativa
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
como amor, dor, proteção e
agradecimento. Quanto à figura da
mulher que resolve entregar o bebê
para a
doção, a matéria refere
suas dificuldades, sejam financeiras,
sejam de rede de apoio ou
psicológicas para justificar a entrega
do bebê para adoção.
A narrativa também faz uso de
vozes de autoridade, tais como a voz
da juíza que conduziu a audiência
formalização da adoção e a voz do
psicólogo, chefe do Programa Acolher
do TJPE, que trabalha com mulheres
no processo de entrega do bebê ou
filho para adoção.
É possível destacar os
seguintes trechos da fala da juíza,
entre os selecionados pela matéria
“as mulheres, que, por qualquer
motivo, não se sintam em condições
de criar o bebê que está gerando [...]
e “O Programa Acolher [...] ampara a
mulher, sem julgamentos em relação à
sua escolha, [...] tendo em conta toda
a problemática que a mulher está
e
nfrentando” (XAVIER, 2021).
Percebe-
se que a voz da autoridade é
utilizada, nesse caso, para corroborar
que a entrega do recém
pressupõe a existência de um fator
impossibilitante, determinante,
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
como amor, dor, proteção e
agradecimento. Quanto à figura da
mulher que resolve entregar o be
doção, a matéria refere
-se às
suas dificuldades, sejam financeiras,
sejam de rede de apoio ou
psicológicas para justificar a entrega
A narrativa também faz uso de
vozes de autoridade, tais como a voz
da juíza que conduziu a audiência
de
formalização da adoção e a voz do
psilogo, chefe do Programa Acolher
do TJPE, que trabalha com mulheres
no processo de entrega do bebê ou
É possível destacar os
seguintes trechos da fala da juíza,
entre os selecionados pela matéria
:
as mulheres, que, por qualquer
motivo, não se sintam em condições
de criar o bebê que está gerando [...]”
e O Programa Acolher [...] ampara a
mulher, sem julgamentos em relação à
sua escolha, [...] tendo em conta toda
a problemática que a mulher está
nfrentando (XAVIER, 2021).
se que a voz da autoridade é
utilizada, nesse caso, para corroborar
que a entrega do recém
-nascido
pressupõe a existência de um fator
impossibilitante, determinante,
significando implicitamente que a
vontade pura de não
moralmente suficiente para a
efetivação da entrega. Fator este,
aliás, dispensável para o gênero
masculino, uma vez que o pai, embora
participe da reprodução, é liberado de
quase todos os compromissos sociais
referentes à criança a ponto de,
mesmo abandonada pelo genitor, a
mulher não raro ser socialmente
culpabilizada por ter engravidado
(LAGARDE, 2005).
No discurso jornalístico, há um
acordo tácito prévio entre os leitores e
os
veículos de comunicação
tradicionais sobre a veracidade do que
está escrito
(MOTTA, 2005). Isto é,
parte-
se do princípio de que o texto
jornalístico “sério” não é ficção literária
nem fake news.
Ademais, quando a
notícia é oficialmente publicada em um
meio institucional
um tribunal
, essa pressupos
veracidade torna-
se ainda mais
incontornável. Assim, o relato e as
representações sociais construídas
pela narrativa jornalística o tomados
como verdades “concretas”,as quais,
no caso da reportagem do TJPE,
reforçam a ausência de autonomia da
von
tade da mulher e de
39
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
significando implicitamente que a
vontade pura de não
ser mãe não é
moralmente suficiente para a
efetivação da entrega. Fator este,
aliás, dispenvel para o gênero
masculino, uma vez que o pai, embora
participe da reprodução, é liberado de
quase todos os compromissos sociais
referentes à criança a ponto de,
mesmo abandonada pelo genitor, a
mulher não raro ser socialmente
culpabilizada por ter engravidado
No discurso jornalístico, um
acordo tácito prévio entre os leitores e
veículos de comunicação
tradicionais sobre a veracidade do que
(MOTTA, 2005). Isto é,
se do prinpio de que o texto
jornalístico rio não é ficção literária
Ademais, quando a
notícia é oficialmente publicada em um
como no site de
, essa pressupos
ição de
se ainda mais
incontornável. Assim, o relato e as
representações sociais construídas
pela narrativa jornalística são tomados
como verdades concretas”,as quais,
no caso da reportagem do TJPE,
reforçam a ausência de autonomia da
tade da mulher e de
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
autodeterminação sobre seu próprio
corpo.
Por fim, a reportagem é
arrematada com o aval de uma voz de
autoridade masculina de um psilogo.
Cabe então a esse profissional
(homem) o papel de abonar e validar
todas as narrativas feminina
anteriores: o depoimento da mãe, as
ponderações da juíza e, no limite, o
texto da própria jornalista. Ao concluir
lançando mão
da palavra final de um
psicólogo (homem) a respeito do
assunto, a matéria atribui peso
significativo à
expertise
profissi
onal do gênero masculino, cujo
parecer apenas reitera tudo o que já
havia sido dito por vozes femininas:
que a entrega legal é um direito da
mulher e não um estímulo à entrega
do bebê à adoção, e que esse ato
trará benefício para a criança.
Reportagens
com a voz da mulher
“Os dramas das mulheres que
decidem entregar os filhos para
adoção” (BILCHES, 2020). Esse é o
título da reportagem publicada em 18
de junho de 2020, na seção Vida e
Cidadania do periódico curitibano
Gazeta do Povo
. a partir desse
tulo, principalmente em comparação
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
autodeterminação sobre seu próprio
Por fim, a reportagem é
arrematada com o aval de uma voz de
autoridade masculina de um psicólogo.
Cabe então a esse profissional
(homem) o papel de abonar e validar
todas as narrativas feminina
s
anteriores: o depoimento da mãe, as
ponderações da juíza e, no limite, o
texto da própria jornalista. Ao concluir
da palavra final de um
psilogo (homem) a respeito do
assunto, a matéria atribui peso
expertise
de um
onal do gênero masculino, cujo
parecer apenas reitera tudo o que
havia sido dito por vozes femininas:
que a entrega legal é um direito da
mulher e não um estímulo à entrega
do bebê à adoção, e que esse ato
trará benefício para a criança.
com a voz da mulher
Os dramas das mulheres que
decidem entregar os filhos para
adoção (BILCHES, 2020). Esse é o
título da reportagem publicada em 18
de junho de 2020, na seção Vida e
Cidadania do periódico curitibano
. Já a partir desse
tulo, principalmente em comparação
aos títulos das reportagens
anteriores7
, é possível antever o uso
do apelo patêmico
retórico aos sentimentos e emoções
como importante estratégia
argumentativa ao longo da narrativa
jornalística.
Sobressaem-
se, logo de início
no texto, as considerações valorativas
tecidas pelo jornalista (homem) ao
afirmar que “[a] entrega legal de uma
criança para a adoção é o
caminho para mães que não têm
condições (econômicas, psicológicas,
etc.) de manter os
parto” (BILCHES, 2020
Atente-
se que, além da certeza de que
o melhor caminho é a entrega do bebê
à justiça em
contraposição ao
abandono e ao aborto
impeditivas e impossibilitantes já
aparecem, assim como n
presença da voz da mulher.
A matéria aponta o julgamento e
o preconceito sobre a entrega do bebê
como as principais razões para as
7
Os títulos das matérias anteriores já
analisadas são: “Tabu e ‘mito do amor
materno’ cercam entrega voluntária de bebês
no Brasil”, do jornal
O Tempo
e “Entrega e proteção: Justiça de Jabo
celebra adoção realizada através do Programa
de Entrega Responsável Acolher, do TJPE
(XAVIER, 2021).
40
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
aos títulos das reportagens
, é possível antever o uso
i. e., do apelo
retórico aos sentimentos e emoções
como importante estratégia
argumentativa ao longo da narrativa
se, logo de início
no texto, as considerações valorativas
tecidas pelo jornalista (homem) ao
afirmar que [a] entrega legal de uma
criança para a adoção é o
melhor
caminho para mães que o têm
condições (econômicas, psicológicas,
filhos depois do
parto (BILCHES, 2020
, grifo nosso).
se que, além da certeza de que
o melhor caminho é a entrega do bebê
contraposição ao
abandono e ao aborto
–, as condições
impeditivas e impossibilitantes
aparecem, assim como n
os textos sem
presença da voz da mulher.
A matéria aponta o julgamento e
o preconceito sobre a entrega do bebê
como as principais razões para as
Os títulos das matérias anteriores já
analisadas são: Tabu e mito do amor
materno cercam entrega voluntária de bebês
O Tempo
(ALVES, 2021);
e Entrega e proteção: Justiça de Jabo
atão
celebra adoção realizada através do Programa
de Entrega Responsável Acolher”, do TJPE
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
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, p.
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-
,
mar
.
202
3
.
mulheres recorrerem ao aborto,
acarretando sequelas físicas e
psíquicas e
deixando
subentendido que a ent
rega legal não
traria tais implicações negativas. De
acordo com a reportagem,
muitas mulheres preferem se
esconder atrás de um aborto e
fingir que nada aconteceu
não sofrer humilhações ou ter de
enfrentar a família e os amigos
e
acabam, além de el
vida de um ser humano, sofrendo
graves consequências físicas e
psíquicas (BILCHES, 2020).
Esse excerto deixa bem claro o
posicionamento jornalístico no que se
refere
à construção do cativeiro da
madresposa
. A mulher, incapacitada
de viver para
si e de tomar
autonomamente as suas próprias
decisões, é sempre coagida a viver
para o outro, submetendo
julgamento alheio e devendo sofrer
durante os nove meses de gestação
até o momento de entregar a criança.
Ainda segundo a matéria, a mulher
nunca
deve fazer o que é o melhor
para si (como realizar um aborto, por
exemplo); antes, deve nortear suas
ações a partir da opinião e dos valores
da família e de amigos.
A estratégia discursiva inicial
empregada pelo jornalista para
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
mulheres recorrerem ao aborto,
acarretando sequelas físicas e
deixando
-se
rega legal o
traria tais implicações negativas. De
muitas mulheres preferem se
esconder atrás de um aborto e
fingir que nada aconteceu
para
não sofrer humilhações ou ter de
enfrentar a família e os amigos
acabam, além de el
iminar a
vida de um ser humano, sofrendo
graves consequências físicas e
pquicas (BILCHES, 2020).
Esse excerto deixa bem claro o
posicionamento jornalístico no que se
à construção do cativeiro da
. A mulher, incapacitada
si e de tomar
autonomamente as suas próprias
decies, é sempre coagida a viver
para o outro, submetendo
-se ao
julgamento alheio e devendo sofrer
durante os nove meses de gestação
até o momento de entregar a criança.
Ainda segundo a matéria, a mulher
deve fazer o que é o melhor
para si (como realizar um aborto, por
exemplo); antes, deve nortear suas
ações a partir da opinião e dos valores
A estratégia discursiva inicial
empregada pelo jornalista para
justificar sua posição é a
argumento a uma voz de autoridade:
“O alerta é da juíza [...]. Trata
entanto, de uma falácia, uma vez que
a fala da magistrada ressalta o
julgamento sofrido pelas mulheres que
optam pela entrega legal, não
considerando de forma alguma
entrega legal como salvação para as
consequências negativas do aborto,
nos termos arguidos pela
Na tentativa de conferir
imparcialidade ao texto, a matéria
continua usando a voz de autoridade e
seleciona o seguinte trecho do
depoimento da ju
íza entrevistada
como destaque:
“O desejo de ser mãe
não está intrínseco a todas as
mulheres”. A proposta é dissociar a
pobreza do ato da entrega legal, pois,
em seguida, passa a construir a
imagem de duas mulheres, afirmando
que não são de famílias pobres
“viveram o abandono do pai da
criança, tentaram abortar, mas
decidiram ainda na gestação entregar
os bebês para adoção de uma forma
responsável” (BILCHES, 2020).
Vê-
se, pois, que a entrega é
qualificada na narrativa jornalística
como responsável e
colocada em contraposição ao aborto,
41
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
justificar sua posição é a
tribuir esse
argumento a uma voz de autoridade:
O alerta é da juíza [...]”. Trata
-se, no
entanto, de uma falácia, uma vez que
a fala da magistrada ressalta o
julgamento sofrido pelas mulheres que
optam pela entrega legal, não
considerando de forma alguma
a
entrega legal como salvação para as
consequências negativas do aborto,
nos termos arguidos pela
reportagem.
Na tentativa de conferir
imparcialidade ao texto, a matéria
continua usando a voz de autoridade e
seleciona o seguinte trecho do
íza entrevistada
O desejo de ser mãe
não está intrínseco a todas as
mulheres”. A proposta é dissociar a
pobreza do ato da entrega legal, pois,
em seguida, passa a construir a
imagem de duas mulheres, afirmando
que não o de famílias pobres
: elas
viveram o abandono do pai da
criança, tentaram abortar, mas
decidiram ainda na gestação entregar
os bebês para adoção de uma forma
responsável (BILCHES, 2020).
se, pois, que a entrega é
qualificada na narrativa jornalística
como responsável e
implicitamente
colocada em contraposição ao aborto,
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
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, p.
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,
mar
.
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3
.
que seria irresponsável. Nenhuma
valoração é feita ao pai que abandona
seus filhos. Esse fato é apenas
adicionado à história das mulheres,
naturalizado e corriqueiro. Ainda
consoante a reportagem, as duas
mulheres estavam na faculdade
quando descobriram a gravidez. E,
partir desse ponto, o texto constrói a
imagem da primeira mulher como
heroína: “Sem apoio de ninguém, ela
pegou suas malas, viajou para
Maringá e aceitou a proposta do Lar
Preservação da Vi
da para levar a
gravidez adiante”
(BILCHES, 2020).
Na seção da matéria
“O alívio de não abortar”, explicita
então o principal argumento de fato
defendido: a patente postura contra o
aborto. Para tanto, o texto recorre à
fala das próprias mul
parafraseando-
as e citando
diretamente: “foi por pouco que ela
[Maria, nome fictício] o fez um
aborto e ela agradece muito o fato de
ter encontrado a casa pró
Maringá” e “Meu parceiro mudou de
estado e me incentivou a abortar. Se
eu tiv
esse abortado, não conseguiria
viver com esse peso”
2020).
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
que seria irresponsável. Nenhuma
valoração é feita ao pai que abandona
seus filhos. Esse fato é apenas
adicionado à história das mulheres,
naturalizado e corriqueiro. Ainda
consoante a reportagem, as duas
mulheres estavam na faculdade
quando descobriram a gravidez. E,
a
partir desse ponto, o texto constrói a
imagem da primeira mulher como
heroína: Sem apoio de ninguém, ela
pegou suas malas, viajou para
Maringá e aceitou a proposta do Lar
da para levar a
(BILCHES, 2020).
Na seção da matéria
intitulada
O alívio de não abortar, explicita
-se
então o principal argumento de fato
defendido: a patente postura contra o
aborto. Para tanto, o texto recorre à
fala das próprias mul
heres,
as e citando
-as
diretamente: foi por pouco que ela
[Maria, nome fictício] não fez um
aborto e ela agradece muito o fato de
ter encontrado a casa pró
-vida de
Maringá e Meu parceiro mudou de
estado e me incentivou a abortar. Se
esse abortado, não conseguiria
(BILCHES,
A segunda história relatada pela
reportagem da
Gazeta do Povo
termina com a desistência da entrega.
A mulher, que decidiu permanecer
com o filho, aponta o machismo como
fator que desenca
deou sua vontade de
entregar o bebê. O machismo é
descrito no abandono do genitor da
criança e na falta de apoio do avô da
criança, ao não aceitar a gravidez da
filha. Relata ter sofrido julgamentos no
hospital onde teve o bebê, pois não lhe
foi assegurado
o sigilo acerca da
entrega da criança. Essa vivência
hospitalar coaduna-
se, inclusive,
os resultados encontrados em
pesquisa com agentes da área de
saúde (FARAJ et al
., 2016).
A reportagem cita ainda dados
estatísticos para reforçar que a maioria
das
mulheres que procuram a Vara da
Infância desiste da entrega. Ao final, a
matéria traz uma seso denominada
“Rede de proteção”, na qual lista
várias instituições que dão suporte
para a mulher não realizar o aborto e
levar a gravidez até o final. Boa parte
dos nomes das instituições elencadas
remete a entidades religiosas. A lista
inclui o Projeto Mãe Legal do TJPE,
que, ao contrário do que consta no
texto, não é “uma entidade para
42
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
A segunda história relatada pela
Gazeta do Povo
termina com a desistência da entrega.
A mulher, que decidiu permanecer
com o filho, aponta o machismo como
deou sua vontade de
entregar o bebê. O machismo é
descrito no abandono do genitor da
criança e na falta de apoio do avô da
criança, ao não aceitar a gravidez da
filha. Relata ter sofrido julgamentos no
hospital onde teve o bebê, pois não lhe
o sigilo acerca da
entrega da criança. Essa vivência
se, inclusive,
com
os resultados encontrados em
pesquisa com agentes da área de
., 2016).
A reportagem cita ainda dados
estatísticos para reforçar que a maioria
mulheres que procuram a Vara da
Infância desiste da entrega. Ao final, a
matéria traz uma sessão denominada
Rede de proteção”, na qual lista
várias instituições que dão suporte
para a mulher não realizar o aborto e
levar a gravidez até o final. Boa parte
dos nomes das instituições elencadas
remete a entidades religiosas. A lista
inclui o Projeto Mãe Legal do TJPE,
que, ao contrário do que consta no
texto, não é uma entidade para
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
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mulheres que não desejam abortar
(BILCHES, 2020), mas sim um
programa que c
onfere suporte à
mulher que deseja entregar o filho
para adoção.
Constata-
se, portanto, que a
narrativa jornalística utilizou
“contrato cognitivo”8
ao tratar do tema
da entrega legal para adoção, para
manifestar-
se “objetivamente,
“logicamente”con
tra o aborto. Esse
é,na realidade, o principal argumento
dareportagem. O texto busca produzir,
assim, um efeito de verdade para o
seu ponto de vista antiaborto. No
mesmo sentido, a matéria traz a foto
de uma mulher sorrindo9
, com a mão
na barriga, sentada
numa cama,
8
Motta (2005, p. 13) afirma que a análise da
narrativa jornalística deve observar
particularmente o ‘contrato cognitivo implícito
entre jornalista
s (narradores) e audiência
(narratário) em seu contexto operacional. Esse
‘contrato’ segue as máximas da objetividade,
da coconstrução da ‘verdade dos fatos: o
objetivo é coconstruir a verdade, a realidade
objetiva’. O desejo de objetividade do jornalist
e sua estratégia textual de ‘relatar a verdade
são compactuados e validados pela
comunidade de leitores, ouvintes e
telespectadores da mídia jornalística que
acreditam estar lendo, vendo ou ouvindo a
verdade dos fatos. A comunidade jornalistas
audiência
reproduz uma convenção (informal,
obviamente) em que emissores e destinatários
dão por convencionado que o jornalismo é o
lugar natural da verdade, o lugar do texto
claro, isento, preciso, sem implicaturas nem
pressuposições”.
9 Disponível em:
https://bit.ly/3avp14B
em: 12 jul. 2022.
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
mulheres que não desejam abortar
(BILCHES, 2020), mas sim um
onfere suporte à
mulher que deseja entregar o filho
se, portanto, que a
narrativa jornalística utilizou
-se do
ao tratar do tema
da entrega legal para adoção, para
se objetivamente”,
tra o aborto. Esse
é,na realidade, o principal argumento
dareportagem. O texto busca produzir,
assim, um efeito de verdade para o
seu ponto de vista antiaborto. No
mesmo sentido, a matéria traz a foto
, com a mão
numa cama,
Motta (2005, p. 13) afirma que a “análise da
narrativa jornalística deve observar
particularmente o contrato cognitivo’ implícito
s (narradores) e audiência
(narratário) em seu contexto operacional. Esse
contrato segue as máximas da objetividade,
da coconstrução da verdade dos fatos’: o
objetivo é coconstruir a verdade, a ‘realidade
objetiva. O desejo de objetividade do jornalist
a
e sua estratégia textual de relatar a verdade’
são compactuados e validados pela
comunidade de leitores, ouvintes e
telespectadores da mídia jornalística que
acreditam estar lendo, vendo ou ouvindo a
verdade dos fatos. A comunidade jornalistas
-
reproduz uma convenção (informal,
obviamente) em que emissores e destinatários
dão por convencionado que o jornalismo é o
lugar natural da verdade, o lugar do texto
claro, isento, preciso, sem implicaturas nem
https://bit.ly/3avp14B
. Acesso
usando roupas claras, visivelmente
feliz com a gravidez. A imagem não
condiz com os conflitos enfrentados
pela gestante que opta pela entrega do
recém-
nascido, mas serve aos
propósitos patriarcais da narrativa,
cuja argumentação reforça o cative
da madresposa.
Finalmente, a quarta e última
matéria sob análise intitula
voluntária: ‘Não quero ser mãe, não
estou pronta’, diz gestante que decidiu
abrir mão de bebê para adoção no DF
(PULJIZ, 2021), tendo sido publicada
pelo portal de
notícias do
Federal) em 9 de março de 2021.
Em termos de construção
imagética, observa-
se que há, logo
após a manchete, a foto de uma
mulher grávida, com a barriga à
mostra e o rosto oculto, vestida com
roupa preta e mão sobre a barriga
Vê-
se que, ao contrário da reportagem
anterior, a imagem não traz cores
claras, mas até uma penumbra, e a
vestimenta na cor preta remete
semioticamente ao luto. a
aberturada matéria
10 Disponível em:
http://glo.bo/3uIEtkI
em: 12 jul. 2022.
11
A abertura da reportagem
de cabeça ou sutiã
, em jargão jornalístico,
consiste no pequeno texto logo abaixo da
43
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
usando roupas claras, visivelmente
feliz com a gravidez. A imagem não
condiz com os conflitos enfrentados
pela gestante que opta pela entrega do
nascido, mas serve aos
propósitos patriarcais da narrativa,
cuja argumentação reforça o cative
iro
Finalmente, a quarta e última
matéria sob análise intitula
-se “Entrega
voluntária: Não quero ser mãe, não
estou pronta, diz gestante que decidiu
abrir mão de bebê para adoção no DF”
(PULJIZ, 2021), tendo sido publicada
notícias do
G1 (Distrito
Federal) em 9 de março de 2021.
Em termos de construção
se que há, logo
após a manchete, a foto de uma
mulher grávida, com a barriga à
mostra e o rosto oculto, vestida com
roupa preta e mão sobre a barriga
10.
se que, ao contrário da reportagem
anterior, a imagem o traz cores
claras, mas até uma penumbra, e a
vestimenta na cor preta remete
semioticamente ao luto. a
aberturada matéria
11, além de
http://glo.bo/3uIEtkI
. Acesso
A abertura da reportagem
, também chamada
, em jargão jornalístico,
consiste no pequeno texto logo abaixo da
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
apresentar dados estatísticos,
posiciona discursivamente a prot
à mulher antes da proteção à criança:
Programa de entrega voluntária
da Vara da Infância e da
Juventude (VIJ) garante direito à
entrega, protegendo mulheres e
crianças. Em quatro anos, 173
grávidas procuraram serviço no
DF: 57 (32%) confirmaram
entreg
a (PULJIZ, 2021).
O texto propriamente dito inicia
retratando a gestante acompanhada
pela Vara da Infância e Juventude
(VIJ) do Distrito Federal da seguinte
maneira: “Mulher, 20 anos,
desempregada, grávida de 9 meses e
decidida a entregar o bebê para
adoção assim que ele nascer
(PULJIZ, 2021), ressaltando ao final
que a entrega é prevista em lei. A
seleção lexical mais descritiva e sem
aparente apelo patêmico das palavras,
associada àenumeração de dados
objetivos
sobre a gestante (gênero,
idade, ocupa
ção, tempo de gravidez)
com expressões que aludem ao agora,
busca promover um efeito de isenção
e impessoalidade e, ao mesmo tempo,
manchete ou título da reportagem
propósito apresentar um resumo da matéria
ou, ao menos, alguns dados que despertem
nos leitores o interesse pela leitura do texto
completo.
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
apresentar dados estatísticos,
posiciona discursivamente a prot
eção
à mulher antes da proteção à criança:
Programa de entrega voluntária
da Vara da Infância e da
Juventude (VIJ) garante direito à
entrega, protegendo mulheres e
crianças. Em quatro anos, 173
grávidas procuraram serviço no
DF: 57 (32%) confirmaram
a (PULJIZ, 2021).
O texto propriamente dito inicia
retratando a gestante acompanhada
pela Vara da Infância e Juventude
(VIJ) do Distrito Federal da seguinte
maneira: Mulher, 20 anos,
desempregada, grávida de 9 meses e
decidida a entregar o bebê para
adoção assim que ele nascer”
(PULJIZ, 2021), ressaltando ao final
que a entrega é prevista em lei. A
seleção lexical mais descritiva e sem
aparente apelo patêmico das palavras,
associada àenumeração de dados
sobre a gestante (gênero,
ção, tempo de gravidez)
com expressões que aludem ao agora,
busca promover um efeito de isenção
e impessoalidade e, ao mesmo tempo,
manchete ou título da reportagem
, tendo como
propósito apresentar um resumo da matéria
ou, ao menos, alguns dados que despertem
nos leitores o interesse pela leitura do texto
faz surgir tensões e expectativas para
os leitores.
A reportagem traz a entrega
legal como opção ao aborto e coloca a
voz d
a mulher nesse sentido. Defende
a entrega legal como instrumento para
redução dos números de casos de
abandono de crianças. Essa relação
de causa e efeito é sustentada pelo
uso da voz de autoridade
não nominada
“especialistas acre
ditam [...]
2021).
A palavra “julgamentos” também
é recorrente no texto: a gestante relata
os ter sofrido, porém afirma ter sido
bem acolhida pelo sistema judiciário.
Sobre os motivos da entrega, afirma
não se sentir preparada, não possuir o
apoio da família e estar passando por
dificuldades financeiras. Complementa
sustentando que es fazendo um bem
para a filha ao entregá
bebê é relatada com um ar de
esperança, ante as palavras da
gestante entrevistada: ouvi que
não ten
ho coração e sei que vou
enfrentar muitos julgamentos. Mas
pretendo voltar a estudar e evitar que
isso aconteça de novo (PULJIZ,
2021).
Mais uma vez, vê
indicação do estudo/profissão como
44
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
faz surgir tensões e expectativas para
A reportagem traz a entrega
legal como opção ao aborto e coloca a
a mulher nesse sentido. Defende
a entrega legal como instrumento para
redução dos números de casos de
abandono de crianças. Essa relação
de causa e efeito é sustentada pelo
uso da voz de autoridade
apesar de
da expressão
ditam [...]”
(PULJIZ,
A palavra julgamentos” também
é recorrente no texto: a gestante relata
já os ter sofrido, porém afirma ter sido
bem acolhida pelo sistema judiciário.
Sobre os motivos da entrega, afirma
não se sentir preparada, não possuir o
apoio da família e estar passando por
dificuldades financeiras. Complementa
sustentando que está fazendo um bem
para a filha ao entregá
-la. A entrega do
bebê é relatada com um ar de
esperança, ante as palavras da
gestante entrevistada: “Já ouvi que
ho coração e sei que vou
enfrentar muitos julgamentos. Mas
pretendo voltar a estudar e evitar que
isso aconteça de novo” (PULJIZ,
Mais uma vez,
-se a
indicação do estudo/profissão como
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
fator atenuante da entrega da criança
e ideia de que a entrega
corriqueiro ou a ser realizado de forma
impensada.
A voz de autoridade
nomeadamente expressa na
reportagem
o supervisor da Seção
de Colocação em Família Substituta
da Vara da Infância e da Juventude do
Distrito Federal
discursivament
e a proteção da mãe
antes da criança: “além de proteger a
mãe biológica, o programa trabalha
pelo direito da criança
2021). Por outro lado, o profissional
também cita a entrega legal como
meio de evitar adoções ilegais e
entrega do bebê para pess
“condições emocionais de cuidar bem
de uma criança” (PULJIZ, 2021).
A matéria também faz a
contraposição da entrega legal com
vários casos concretos de abandono
de recém-
nascidos recentes na região
central do Brasil e com a prevenção de
“abortos,
abandonos, esquemas
ilegais de adoção e até mesmo o
tráfico humano ou o infantidio,
conforme relata o supervisor
2021).
Ao longo do texto, a narrativa
jornalística segue utilizando a voz de
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
fator atenuante da entrega da criança
não é algo
corriqueiro ou a ser realizado de forma
A voz de autoridade
nomeadamente expressa na
o supervisor da Seção
de Colocação em Família Substituta
da Vara da Infância e da Juventude do
situa
e a proteção da mãe
antes da criança: além de proteger a
mãe biológica, o programa trabalha
pelo direito da criança”
(PULJIZ,
2021). Por outro lado, o profissional
também cita a entrega legal como
meio de evitar adoções ilegais e
entrega do bebê para pess
oas sem
condições emocionais de cuidar bem
de uma criança (PULJIZ, 2021).
A matéria também faz a
contraposição da entrega legal com
vários casos concretos de abandono
nascidos recentes na região
central do Brasil e com a prevenção de
abandonos, esquemas
ilegais de adoção e até mesmo o
tráfico humano ou o infanticídio”,
conforme relata o supervisor
(PULJIZ,
Ao longo do texto, a narrativa
jornalística segue utilizando a voz de
autoridade, primeiro para posicionar a
mulher como pr
ioridade de proteção e,
em seguida, para explicar que a
entrega legal não existe para promover
a política de adoção, mas para acolher
e auxiliar a mulher no procedimento
legal, caso seja seu desejo.
também apresentados dados
estatísticos apontando que,
últimos quatro anos, mais da metade
das gestantes que procuraram o Poder
Judiciário do Distrito Federal efetivou o
processo de entrega. Por fim, a
reportagem informa como fazer para
dar início ao atendimento psicossocial
para a entrega do bebê no âmbi
espacial do Distrito Federal.
Considerações finais
Ao término da escrita do
presente artigo (junho/2022), viralizou
nas redes sociais e na grande mídia o
caso Klara Castanho. Em 25 de junho
de 2022, a atriz de 21 anos divulgou
uma carta aberta na qual
vítima de estupro, engravidou e
decidiu entregar a criança para adoção
em conformidade com todos os
ditames legais. A artista revelou que
não queria expor
esse evento de sua
vida, mas sites
e mídias de fofocas
não fizeram a história vir a
45
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
autoridade, primeiro para posicionar a
ioridade de proteção e,
em seguida, para explicar que a
entrega legal não existe para promover
a política de adoção, mas para acolher
e auxiliar a mulher no procedimento
legal, caso seja seu desejo.
São
também apresentados dados
estatísticos apontando que,
nos
últimos quatro anos, mais da metade
das gestantes que procuraram o Poder
Judiciário do Distrito Federal efetivou o
processo de entrega. Por fim, a
reportagem informa como fazer para
dar início ao atendimento psicossocial
para a entrega do bebê no âmbi
to
espacial do Distrito Federal.
Considerações finais
Ao término da escrita do
presente artigo (junho/2022), viralizou
nas redes sociais e na grande mídia o
caso Klara Castanho. Em 25 de junho
de 2022, a atriz de 21 anos divulgou
uma carta aberta na qual
conta que foi
tima de estupro, engravidou e
decidiu entregar a criança para adoção
em conformidade com todos os
ditames legais. A artista revelou que
esse evento de sua
e mídias de fofocas
não só fizeram a história vir a
público,
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
como também provocaram uma onda
de especulações e ataques à atriz. O
imbróglio foi narrado em reportagem
do Fantástico (EM CARTA..., 2022):
Tudo começou com um post do
jornalista Matheus Baldi no dia 24
de maio, dizendo que Klara teria
dado à luz
a uma criança. A
pedido da própria atriz esse post
foi apagado, mas a notícia se
espalhou. Na última quinta
(23), a apresentadora Antônia
Fontenelle incitou ainda mais os
comentários contra Klara na
internet.
Sem citar o nome da atriz, ela
[Fontenelle] disse em uma live,
em tom bastante agressivo, que
uma atriz de 21 anos teria
engravidado e entregue o bebê
para adoção. E depois disso,
Klara se manifestou pela primeira
vez sobre o assunto, através de
uma carta aberta em sua rede
social.
“Fui
estuprada. Relembrar esse
episódio traz uma sensação de
morte porque algo morreu em
mim”, declara a Klara.
Klara conta que seguia
menstruando normalmente e que
não havia ganhado peso. E que
ao contar para o médico que
havia sido estuprada, se sentiu
viola
da e culpada novamente.
“Esse profissional me obrigou a
ouvir coração da criança, disse
que 50% do DNA eram meus e
que eu seria obrigada a amá
la...”, conta Klara na carta. [...]
Klara conta ainda na carta que no
dia em que o bebê nasceu, foi
abordada e am
eaçada por uma
enfermeira na sala de cirurgia
com as seguintes palavras:
“Imagine se tal colunista
descobre essa história. E
quando Klara voltou para o
quarto, havia mensagens do
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
como também provocaram uma onda
de especulações e ataques à atriz. O
imbróglio foi narrado em reportagem
do Fantástico (EM CARTA..., 2022):
Tudo começou com um post do
jornalista Matheus Baldi no dia 24
de maio, dizendo que Klara teria
a uma criança. A
pedido da própria atriz esse post
foi apagado, mas a notícia se
espalhou. Na última quinta
-feira
(23), a apresentadora Antônia
Fontenelle incitou ainda mais os
comentários contra Klara na
Sem citar o nome da atriz, ela
[Fontenelle] disse em uma live,
em tom bastante agressivo, que
uma atriz de 21 anos teria
engravidado e entregue o be
para adoção. E depois disso,
Klara se manifestou pela primeira
vez sobre o assunto, através de
uma carta aberta em sua rede
estuprada. Relembrar esse
epidio traz uma sensação de
morte porque algo morreu em
mim, declara a Klara.
Klara conta que seguia
menstruando normalmente e que
não havia ganhado peso. E que
ao contar para o médico que
havia sido estuprada, se sentiu
da e culpada novamente.
Esse profissional me obrigou a
ouvir coração da criança, disse
que 50% do DNA eram meus e
que eu seria obrigada a a
-
la..., conta Klara na carta. [...]
Klara conta ainda na carta que no
dia em que o bebê nasceu, foi
eaçada por uma
enfermeira na sala de cirurgia
com as seguintes palavras:
Imagine se tal colunista
descobre essa história”. E
quando Klara voltou para o
quarto, já havia mensagens do
colunista com todas as
informações.
Depois da divulgação da carta de
Klar
a, o colunista Léo Dias, do
site Metrópoles, publicou um
texto detalhando o caso. A
advogada Fayda Belo diz que
tanto Léo Dias como Antônia
Fontenelle podem responder por
difamação. [...]
Nas redes, a revelação dessa
história causou indignação contra
Léo D
ias e contra Antônia
Fontenelle.
Esse fatídico incidente
subsume, na realidade, o que foi
discutido ao longo do presente artigo.
Como o cativeiro da
mito do amor materno
constituem espaços e discursos de
aprisionamento das mulheres
s
ubmetidas ao escrutínio público das
redes sociais, da mídia
audiência em geral e dos próprios
profissionais de saúde
acolher essas mulheres
médico que desumanamente obrigou
Klara a ouvir coração da criança e a
e
nfermeira que a difamou.
A entrega legal de bebês para
adoção tem sido objeto de tímidas
políticas blicas para fins de
divulgação (SANTOS
MORAES; SANTOS; RABELO, 2012).
Além disso,
o tema tem sido muito
pouco contemplado e discutido com
46
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
colunista com todas as
Depois da divulgação da carta de
a, o colunista Léo Dias, do
site Metrópoles, publicou um
texto detalhando o caso. A
advogada Fayda Belo diz que
tanto Léo Dias como Antônia
Fontenelle podem responder por
Nas redes, a revelação dessa
história causou indignação contra
ias e contra Antônia
Esse fatídico incidente
subsume, na realidade, o que foi
discutido ao longo do presente artigo.
Como o cativeiro da
madresposa e o
mito do amor materno
ainda
constituem espaços e discursos de
aprisionamento das mulheres
ubmetidas ao escrutínio blico das
redes sociais, da mídia
mainstream, da
audiência em geral e dos próprios
profissionais de saúde
que deveriam
acolher essas mulheres
–, tais como o
médico que desumanamente obrigou
Klara a ouvir coração da criança e a
nfermeira que a difamou.
A entrega legal de bebês para
adoção tem sido objeto de tímidas
políticas públicas para fins de
divulgação (SANTOS
et al., 2018;
MORAES; SANTOS; RABELO, 2012).
o tema tem sido muito
pouco contemplado e discutido com
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
se
riedade pela mídia, exceto quando
isso provoca algum escândalo
envolvendo celebridades, como no
caso de Klara Castanho. Esse
silenciamento parece ter suas raízes
na romantização da maternidade e no
mito do amor materno como inato à
condição de “ser mulhe
r”, o que torna
o assunto de delicada abordagem e
com pouca aceitação social.
Tomando gênero como criação
inteiramente social de ideias sobre os
papéis adequados aos homens e às
mulheres” (SCOTT, 1995, p.
observamos como as mulheres são
julgadas e
estigmatizadas, e sofrem a
partir do momento em que decidem
passar pelo processo de entrega do
bebê para adoção.
A concepção do
que é esperado das mulheres no seu
processo de desenvolvimento é
formada pelo replicar intenso do papel
de gênero introjetado, q
(re)produzimos e desempenhamos
durante toda a vida. Desde criança, os
meninos são ensinados a pensar em si
mesmo e seguirem os seus projetos.
As meninas, por outro lado, são
socializadas e direcionadas para viver
em função dos outros (pais, maridos,
fil
hos). Esses aprendizados marcam a
construção da subjetividade e da
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
riedade pela mídia, exceto quando
isso provoca algum “escândalo”
envolvendo celebridades, como no
caso de Klara Castanho. Esse
silenciamento parece ter suas raízes
na romantização da maternidade e no
mito do amor materno como inato à
r, o que torna
o assunto de delicada abordagem e
com pouca aceitação social.
Tomando gênero como “criação
inteiramente social de ideias sobre os
papéis adequados aos homens e às
mulheres” (SCOTT, 1995, p.
75),
observamos como as mulheres são
estigmatizadas, e sofrem a
partir do momento em que decidem
passar pelo processo de entrega do
A concepção do
que é esperado das mulheres no seu
processo de desenvolvimento é
formada pelo replicar intenso do papel
de gênero introjetado, q
ue
(re)produzimos e desempenhamos
durante toda a vida. Desde criança, os
meninos o ensinados a pensar em si
mesmo e seguirem os seus projetos.
As meninas, por outro lado, são
socializadas e direcionadas para viver
em função dos outros (pais, maridos,
hos). Esses aprendizados marcam a
construção da subjetividade e da
existência dos seres (CAMPAGNARO,
2019).
A maneira como as narrativas
jornalísticas são construídas
frequentemente coloca a proteção do
recém-
nascido antes da proteção da
mulher, provocand
o reflexões sobre as
razões de existir da lei que
regulamentou a entrega legal de bebês
para adoção. Apesar de parecer ter
sido formulada para proteger a mulher
de constrangimentos, conferir apoio e
dar autonomia sobre o seu destino, o
dispositivo legal bu
sca, na verdade, a
diminuição de abortos, de maus
de abandonos de incapaz e de
adoções ilegais.
Percebe-
se, em todas as
matérias, a presença de vozes de
autoridade, de profissionais (juízes,
psicólogos, assistentes sociais), como
estratégia narrat
iva para conferir
efeitos discursivos de distanciamento,
objetividade e veracidade quanto às
posições implicitamente defendidas.
Essa estratégia busca encobrir os
traços de subjetividade dos jornalistas
na tessitura do seu texto, embora seja
claro que a es
colha por este ou aquele
fragmento da fala da fonte entrevistada
é taticamente realizada para
47
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
existência dos seres (CAMPAGNARO,
A maneira como as narrativas
jornalísticas o construídas
frequentemente coloca a proteção do
nascido antes da proteção da
o reflexões sobre as
razões de existir da lei que
regulamentou a entrega legal de bebês
para adoção. Apesar de parecer ter
sido formulada para proteger a mulher
de constrangimentos, conferir apoio e
dar autonomia sobre o seu destino, o
sca, na verdade, a
diminuição de abortos, de maus
-tratos,
de abandonos de incapaz e de
se, em todas as
matérias, a presença de vozes de
autoridade, de profissionais (juízes,
psilogos, assistentes sociais), como
iva para conferir
efeitos discursivos de distanciamento,
objetividade e veracidade quanto às
posições implicitamente defendidas.
Essa estratégia busca encobrir os
traços de subjetividade dos jornalistas
na tessitura do seu texto, embora seja
colha por este ou aquele
fragmento da fala da fonte entrevistada
é taticamente realizada para
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
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-
,
mar
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3
.
corroborar a linha de pensamento
sustentada (MOTTA, 2005).
É unânime nas reportagens
analisadas o argumento de que as
mães não devem sofrer julgamentos e
constra
ngimentos por decidirem
entregar seus filhos para adoção. No
entanto, à exceção da reportagem
veiculada pelo jornal
O Tempo
simples vontade de não ser mãe não é
apresentada como razão suficiente
para a efetivação da entrega. Os
relatos, em geral, conflu
necessidade de uma razão forte,
insuperável e determinante, que torne
impossível a criação do filho pela mãe
biológica. Eis caracterizado o
cativeiro da madresposa.
Da mesma forma, todas as
reportagens estudadas citam a falta de
apoio da famí
lia e o abandono do
genitor do bebê como fatores
preponderantes na decio de
entrega.
No entanto, nenhum
julgamento de valor é feito em relação
à atitude do pai, nenhuma das
matérias analisadas sequer cogita um
motivo para o abandono perpetrado
pelo pai,
pois esse comportamento já
foi naturalizado e aceito como
corriqueiro pela sociedade. A mulher,
por sua vez, recebe a culpa por estar
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
corroborar a linha de pensamento
sustentada (MOTTA, 2005).
É unânime nas reportagens
analisadas o argumento de que as
mães não devem sofrer julgamentos e
ngimentos por decidirem
entregar seus filhos para adoção. No
entanto, à exceção da reportagem
O Tempo
, a
simples vontade de não ser mãe não é
apresentada como razão suficiente
para a efetivação da entrega. Os
relatos, em geral, conflu
em para a
necessidade de uma razão forte,
insuperável e determinante, que torne
imposvel a criação do filho pela mãe
biológica. Eis aí caracterizado o
Da mesma forma, todas as
reportagens estudadas citam a falta de
lia e o abandono do
genitor do bebê como fatores
preponderantes na decisão de
No entanto, nenhum
julgamento de valor é feito em relação
à atitude do pai, nenhuma das
matérias analisadas sequer cogita um
motivo para o abandono perpetrado
pois esse comportamento
foi naturalizado e aceito como
corriqueiro pela sociedade. A mulher,
por sua vez, recebe a culpa por estar
grávida e a ela cabe lidar com o
“problema”.
É interessante perceber que a
presença da citação de trechos da voz
da mulhe
r no texto da reportagem não
é fator determinante para a defesa da
autodeterminação do corpo feminino.
Pelo contrário, as citações são
escolhidas e utilizadas para corroborar
a posição dos jornalistas/do veículo de
comunicação, seja para apresentar
uma pos
ição feminista emancipatória,
seja para justificar posições
patriarcais. É o que se viu na
reportagem da
Gazeta do Povo
se utilizou do tema da entrega de
bebês para adoção para reforçar a
criminalização do aborto voluntário.
Se a mulher tentar fazer
aborto fora dos casos previstos em lei,
comete um crime e pode vir a ser
presa. Caso decida levar a gestação a
cabo e entregar a criança para
adoção, é submetida a um longo
processo de acompanhamento
institucionalizado que, segundo as
estatísticas const
reportagens analisadas, terminam por
fazer que o bebê permaneça com a
mãe biológica. Dessa forma, a entrega
legal é o único caminho para não
exercer a maternidade, de forma
48
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
grávida e a ela cabe lidar com o
É interessante perceber que a
presença da citação de trechos da voz
r no texto da reportagem não
é fator determinante para a defesa da
autodeterminação do corpo feminino.
Pelo contrário, as citações são
escolhidas e utilizadas para corroborar
a posição dos jornalistas/do veículo de
comunicação, seja para apresentar
ição feminista emancipatória,
seja para justificar posições
patriarcais. É o que se viu na
Gazeta do Povo
, que
se utilizou do tema da entrega de
bebês para adoção para reforçar a
criminalização do aborto voluntário.
Se a mulher tentar fazer
um
aborto fora dos casos previstos em lei,
comete um crime e pode vir a ser
presa. Caso decida levar a gestação a
cabo e entregar a criança para
adoção, é submetida a um longo
processo de acompanhamento
institucionalizado que, segundo as
estatísticas const
antes das
reportagens analisadas, terminam por
fazer que o bebê permaneça com a
mãe biológica. Dessa forma, a entrega
legal é o único caminho para não
exercer a maternidade, de forma
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
2
4
, p.
28
-
,
mar
.
202
3
.
juridicamente lícita, e o o melhor
caminho, conforme defendido na
repor
tagem publicada pela
Povo.
Ainda que a lei garanta o
anonimato e a ausência formal de
constrangimentos –
o que nem sempre
é verdade, como se viu no caso de
Klara Castanho
, o processo de
entrega de um bebê pelas vias legais
ainda expõe sobreman
eira a mulher,
pois a mãe ainda que sem filhos
continua sendo mãe, por causa de sua
condição de gênero. Não desejar a
maternidade confere à mulher a
imagem de alguém que cometeu um
atentado imperdoável contra a
natureza (LAGARDE, 2005). No
próprio hospital
, muitas vezes, tenta
convencer a mulher a o proceder
com a entrega (FARAJ
et al
Somente a matéria do jornal
Tempo
elenca possíveis razões para o
julgamento vivenciado pelas mulheres
que realizam a entrega do bebê, como
o mito do amor mate
emergência de questões religiosas,
trazendo, dessa forma, um viés mais
crítico e reflexivo e se posicionando
em relação ao tema de maneira mais
criteriosa e elaborada.
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
juridicamente lícita, e não o melhor
caminho, conforme defendido na
tagem publicada pela
Gazeta do
Ainda que a lei garanta o
anonimato e a auncia formal de
o que nem sempre
é verdade, como se viu no caso de
, o processo de
entrega de um bebê pelas vias legais
eira a mulher,
pois a mãe ainda que sem filhos
continua sendo mãe, por causa de sua
condição de gênero. Não desejar a
maternidade confere à mulher a
imagem de alguém que cometeu um
atentado imperdoável contra a
natureza (LAGARDE, 2005). No
, muitas vezes, tenta
-se
convencer a mulher a não proceder
et al
., 2016).
Somente a matéria do jornal
O
elenca possíveis razões para o
julgamento vivenciado pelas mulheres
que realizam a entrega do bebê, como
o mito do amor mate
rno e a
emergência de questões religiosas,
trazendo, dessa forma, um viés mais
crítico e reflexivo e se posicionando
em relação ao tema de maneira mais
Os julgamentos sofridos
também podem ser explicados pela
ideia de que o corpo
da mulher não lhe
pertence, pertence aos outros: É um
corpo apreciado por sua utilidade
social” (LAGARDE, 2005, p. 380).
Tanto que a negativa do direito ao
aborto e a obrigatoriedade desumana
de gestar até parir e terminar por
entregar o bebê, deve
corpo da mulher pertencer, durante a
gravidez, ao bebê e o bebê pertencer
à sociedade.
Marcela Lagarde (2005) afirma
ainda que a maternidade em classes
econômicas desfavorecidas é
sinônimo de opressão e exploração da
intimidade das mulheres.
antropóloga sustenta que as mulheres
acreditam ser de sua responsabilidade
a vida de seus filhos, sendo parte de si
mesmas a doação de viver em razão
de e para outro ser, nunca em função
de si própria, pois a mulher existe
em função do outro.
Nenhum
a das matérias
analisadas discute a auncia de
autodeterminação do corpo da mulher
que, caso não deseje ser mãe, é
legalmente obrigada a passar pelos
sofrimentos da gestação, parto e
entrega de um bebê que não
49
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- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
Os julgamentos sofridos
também podem ser explicados pela
da mulher não lhe
pertence, pertence aos outros: “É um
corpo apreciado por sua utilidade
social (LAGARDE, 2005, p. 380).
Tanto que a negativa do direito ao
aborto e a obrigatoriedade desumana
de gestar até parir e terminar por
entregar o bebê, deve
-se ao fato de o
corpo da mulher pertencer, durante a
gravidez, ao bebê e o be pertencer
Marcela Lagarde (2005) afirma
ainda que a maternidade em classes
econômicas desfavorecidas é
sinônimo de opressão e exploração da
intimidade das mulheres.
A
antropóloga sustenta que as mulheres
acreditam ser de sua responsabilidade
a vida de seus filhos, sendo parte de si
mesmas a doação de viver em razão
de e para outro ser, nunca em função
de si própria, pois a mulher existe
a das matérias
analisadas discute a ausência de
autodeterminação do corpo da mulher
que, caso não deseje ser mãe, é
legalmente obrigada a passar pelos
sofrimentos da gestação, parto e
entrega de um bebê que não
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
não estou pronta”: a entrega legal para adoção e a (re)produção
cativeiro da madresposa
nas narrativas jornalísticas.
Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
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, p.
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,
mar
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.
pode/quer criar. A lei se volta à
possibilida
de de dar vida à criança, em
detrimento da dignidade e felicidade
da mulher, pois todos importam mais
do que a mulher e ela vive em função
do bem-estar dos outros.
Essa é mais
uma face do cativeiro da
madresposa
positivado pela legislação brasileira.
Ass
im, as mulheres seguem
privadas do domínio do próprio corpo
desde o trabalho de reprodução
como
fato inquestionável do
cumprimento de seus atributos sexuais
(LAGARDE, 2005) até
momento em
que são legalmente autorizadas a
entregar o filho à adoção. E is
sempre sob o olhar recriminador da
sociedade, alicerçado nas instituições
sociais da moral patriarcal, religiosa,
cultural, estatal e midiática,
contribuindo para o silêncio, a
violência psicológica e social dessas
mulheres (ROSI, 2018).
As rep
ortagens buscam atuar
no sentido de contribuir para a
modificação das representações
sociais quanto aos julgamentos
sofridos pela mulher que opta pela
entrega, buscando trazer para o
público a ideia de que se trata de uma
conduta amparada por lei e que tra
benefícios para os envolvidos, mas
MEDEIROS, Débora Oliveira; MOZDZENSKI, Leo.
“Não quero ser mãe,
não estou pronta: a entrega legal para adoção e a (re)produção
do
nas narrativas jornalísticas.
. PragMATIZES -
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
pode/quer criar. A lei se volta à
de de dar vida à criança, em
detrimento da dignidade e felicidade
da mulher, pois todos importam mais
do que a mulher e ela vive em função
Essa é mais
madresposa
,
positivado pela legislação brasileira.
im, as mulheres seguem
privadas do domínio do próprio corpo
desde o trabalho de reprodução
fato inquestionável do
cumprimento de seus atributos sexuais
momento em
que o legalmente autorizadas a
entregar o filho à adoção. E is
so se
sempre sob o olhar recriminador da
sociedade, alicerçado nas instituições
sociais da moral patriarcal, religiosa,
cultural, estatal e midiática,
contribuindo para o silêncio, a
violência psicológica e social dessas
ortagens buscam atuar
no sentido de contribuir para a
modificação das representações
sociais quanto aos julgamentos
sofridos pela mulher que opta pela
entrega, buscando trazer para o
público a ideia de que se trata de uma
conduta amparada por lei e que tra
z
benefícios para os envolvidos, mas
principalmente para a criança.
Construir o convencimento da
sociedade através do benefício do
bebê é mais palatável do que pôr a
vontade da mulher em primeiro lugar,
pois o jornalismo segue com as
metanarrativas cultura
simbólicas (MOTTA, 2005), abrindo
ainda tímidos espaços ao sugerir, por
exemplo, que a mulher seguir com
seus planos pessoais, acadêmicos e
profissionais, em determinado ponto
da vida, seria mais importante do que
exercer a maternagem.
Espera-
se que as reflexões ora
levantadas contribuam para futuras
pesquisas a serem desenvolvidas,
para expansão e consolidação do
conhecimento acerca do tema
estudado, e despertem mais empatia e
menos julgamento quanto ao
acolhimento da decisão das mulheres
em
não serem mães.
Referências:
ALMEIDA, L. R. da S. Pierre Bourdieu:
a transformação social no contexto de
“A Reprodução”.
Inter
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, v. 30, n. 1, p. 139
jan./jun. 2005.
ALVES, L. Tabu e mito do amor
materno’ cercam entrega voluntária de
bebês no Brasil.
O Tempo
50
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
principalmente para a criança.
Construir o convencimento da
sociedade através do benefício do
bebê é mais palatável do que r a
vontade da mulher em primeiro lugar,
pois o jornalismo segue com as
metanarrativas cultura
is, morais e
simbólicas (MOTTA, 2005), abrindo
ainda tímidos espaços ao sugerir, por
exemplo, que a mulher seguir com
seus planos pessoais, acadêmicos e
profissionais, em determinado ponto
da vida, seria mais importante do que
exercer a maternagem.
se que as reflexões ora
levantadas contribuam para futuras
pesquisas a serem desenvolvidas,
para expansão e consolidação do
conhecimento acerca do tema
estudado, e despertem mais empatia e
menos julgamento quanto ao
acolhimento da decisão das mulheres
não serem mães.
ALMEIDA, L. R. da S. Pierre Bourdieu:
a transformação social no contexto de
Inter
-Ação: Rev. Fac.
, v. 30, n. 1, p. 139
-155,
ALVES, L. Tabu e ‘mito do amor
materno cercam entrega voluntária de
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Notícias
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