LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
Política e gestão pública para a diversidade cultural em perspectiva decolonial:
um paradigma outro para a Capoeira no Brasil
DOI:
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v13i25.
Resumo: O presente artigo
articula
da
conjuntura contemporânea de
silencia e
questionamento sobre o lugar
que
qualidade da atenção dispensada à mesma pelas políticas e gestão públicas.
problematizadas políticas voltadas para a diversidade cultural durante o Governo Lula, ao
que foi proposto que as
mesmas
percepção dos mestres de capoeira, entrevista
qualificação de marginalidade e discriminação que marca o tratamento dado pela sociedade brasileira
a esse importante patrimônio imaterial do país, apontando para valores coloniais que ainda orientam
a apreciação
da questão da diversidade cultural no Brasil.
Palavras-chaves:
decolonialidade
cultural; capoeira.
Política y gestiónblica para la diversidad cultural en perspectiva decolonial: otro paradigma
para la Capoeira en Brasil.
Resumen:
Este artículo se articula con el pensamiento decolonial y sus reflexiones críticas sobre la
coyuntura contemporánea de la hegemonía de los saberes modernos
silencian e invisibilizan culturas de otras fuentes, como la negra
cuestionamiento sobre el lugar que ocupa la diversidad cultural en nuestra sociedad, destacando la
calidad de la atención que le dan las políticas y la gestión pública. Para ello, las políticas dirigidas a la
diversidad cu
ltural fueron problematizadas durante el gobierno de Lula, al tiempo que se propuso
repensarlas desde el paradigma de la interculturalidad. La percepción de los maestros de capoeira,
entrevistados en la investigación de campo, corrobora la calificación de
que marca el trato dado por la sociedad brasileña a este importante patrimonio inmaterial del país,
apuntando a los valores coloniales que aún guían la apreciación de la cuestión de la diversidad
cultural
Palabras clave:
Decolonialidad; Interculturalidad; Diversidad cultural; Política cultural; Capoeira
Public policy and administration for cultural diversity from an decolonial perspective: a
different paradigm for Capoeira in Brazil.
1
Alice Pires de Lacerda. Doutora em Comunicação e Sociedade pela UFBA. Professora da
Universidade de Salvador,
Brasil
8689-8303
Recebido em 31/07/2022,
aceito para publicação em
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
Política e gestão pública para a diversidade cultural em perspectiva decolonial:
um paradigma outro para a Capoeira no Brasil
Alice Pires de Lacerda
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v13i25.
55457
articula
-
se com o pensamento decolonial e suas reflexões
conjuntura contemporânea de
hegemonia do conhecimento moderno-
ocidental eurocêntrico, que
invisibiliza culturas de
outras matrizes como as negras e indígenas. O texto parte do
que
a diversidade cultural ocupa em nossa
sociedade
qualidade da atenção dispensada à mesma pelas políticas e gestão públicas.
problematizadas políticas voltadas para a diversidade cultural durante o Governo Lula, ao
mesmas
sejam repensadas a partir do paradigma
da interculturalidade. A
percepção dos mestres de capoeira, entrevista
dos em pesquisa de campo, corroboram para a
qualificação de marginalidade e discriminação que marca o tratamento dado pela sociedade brasileira
a esse importante patrimônio imaterial do país, apontando para valores coloniais que ainda orientam
da questão da diversidade cultural no Brasil.
decolonialidade
; interculturalidade; diversidade
cultural;
Política y gestión pública para la diversidad cultural en perspectiva decolonial: otro paradigma
Este artículo se articula con el pensamiento decolonial y sus reflexiones críticas sobre la
coyuntura contemporánea de la hegemonía de los saberes modernos
-
occidentales eurocéntricos, que
silencian e invisibilizan culturas de otras fuentes, como la negra
y la indígena. El texto parte del
cuestionamiento sobre el lugar que ocupa la diversidad cultural en nuestra sociedad, destacando la
calidad de la atención que le dan las políticas y la gestión pública. Para ello, las políticas dirigidas a la
ltural fueron problematizadas durante el gobierno de Lula, al tiempo que se propuso
repensarlas desde el paradigma de la interculturalidad. La percepción de los maestros de capoeira,
entrevistados en la investigación de campo, corrobora la calificación de
marginalidad y discriminación
que marca el trato dado por la sociedad brasileña a este importante patrimonio inmaterial del país,
apuntando a los valores coloniales que aún guían la apreciación de la cuestión de la diversidad
Decolonialidad; Interculturalidad; Diversidad cultural; Política cultural; Capoeira
Public policy and administration for cultural diversity from an decolonial perspective: a
different paradigm for Capoeira in Brazil.
Alice Pires de Lacerda. Doutora em Comunicação e Sociedade pela UFBA. Professora da
Brasil
. E-mail: alicepireslacerda@gmail.com -
https://orcid.org/0000
aceito para publicação em
27/06/2023 e
disponibilizado online em
01/09/2023.
135
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
Política e gestão pública para a diversidade cultural em perspectiva decolonial:
Alice Pires de Lacerda
1
se com o pensamento decolonial e suas reflexões
críticas acerca
ocidental eurocêntrico, que
outras matrizes como as negras e indígenas. O texto parte do
sociedade
destacando a
qualidade da atenção dispensada à mesma pelas políticas e gestão públicas.
Para isso, foram
problematizadas políticas voltadas para a diversidade cultural durante o Governo Lula, ao
tempo em
da interculturalidade. A
dos em pesquisa de campo, corroboram para a
qualificação de marginalidade e discriminação que marca o tratamento dado pela sociedade brasileira
a esse importante patrimônio imaterial do país, apontando para valores coloniais que ainda orientam
cultural;
política
Política y gestión pública para la diversidad cultural en perspectiva decolonial: otro paradigma
Este artículo se articula con el pensamiento decolonial y sus reflexiones críticas sobre la
occidentales eurocéntricos, que
y la indígena. El texto parte del
cuestionamiento sobre el lugar que ocupa la diversidad cultural en nuestra sociedad, destacando la
calidad de la atención que le dan las políticas y la gestión pública. Para ello, las políticas dirigidas a la
ltural fueron problematizadas durante el gobierno de Lula, al tiempo que se propuso
repensarlas desde el paradigma de la interculturalidad. La percepción de los maestros de capoeira,
marginalidad y discriminación
que marca el trato dado por la sociedad brasileña a este importante patrimonio inmaterial del país,
apuntando a los valores coloniales que aún guían la apreciación de la cuestión de la diversidad
Decolonialidad; Interculturalidad; Diversidad cultural; Política cultural; Capoeira
Public policy and administration for cultural diversity from an decolonial perspective: a
Alice Pires de Lacerda. Doutora em Comunicação e Sociedade pela UFBA. Professora da
https://orcid.org/0000
-0002-
disponibilizado online em
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
Abstract: The present article
engages with the decolonial thought and its critical reflexions around the
contemporary conjuncture of hegemony of the modern
silent and invisible cultures from other origins such as Black and Indigenous. The te
questioning the place occupied by cultural diversity in our society, highlighting the quality of attention
paid to it by public policies and administration. To this end, the paper problematizes Lula
Government’s policies towards cultural diver
paradigm of interculturality. The perception of capoeira masters, interviewed through field research,
corroborates the qualification of marginality and discrimination which characterizes the treatment
by Brazilian society to this important national intangible heritage, indicating colonial values which still
guide the appreciation of the cultural diversity matter in Brazil.
Keywords:
Decolonization; Interculturality; Cultural diversity; Cultural
Política e gestão pública para a diversidade cultural em perspectiva decolonial:
um paradigma outro para a Capoeira no Brasil.
Introdução
O presente artigo propõe uma
reflexão acerca da
necessidade
repensarmos políticas e gestões
culturais, especialmente àquelas
desenvolvidas na esfera
pública,
base no paradigma de
decolonialidade
político-
epistemológica, com recorte
para o tema da capoeira. O objetivo do
texto é apontar as contribuições
teóricas do pensamento decolonial
para a projeção de políticas para a
diversidade cultural no Br
asil.
O caráter relacional das
diferenças que a diversidade
demanda, encontra nos
decoloniais um horizonte
possibilita vislumbrar paradigmas
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
engages with the decolonial thought and its critical reflexions around the
contemporary conjuncture of hegemony of the modern
-
western Eurocentric knowledge, which renders
silent and invisible cultures from other origins such as Black and Indigenous. The te
questioning the place occupied by cultural diversity in our society, highlighting the quality of attention
paid to it by public policies and administration. To this end, the paper problematizes Lula
Governments policies towards cultural diver
sity, while proposing rethinking such policies from the
paradigm of interculturality. The perception of capoeira masters, interviewed through field research,
corroborates the qualification of marginality and discrimination which characterizes the treatment
by Brazilian society to this important national intangible heritage, indicating colonial values which still
guide the appreciation of the cultural diversity matter in Brazil.
Decolonization; Interculturality; Cultural diversity; Cultural
policy; Capoeira.
Política e gestão pública para a diversidade cultural em perspectiva decolonial:
um paradigma outro para a Capoeira no Brasil.
O presente artigo propõe uma
necessidade
de
repensarmos políticas e gestões
culturais, especialmente àquelas
pública,
com
decolonialidade
epistemológica, com recorte
para o tema da capoeira. O objetivo do
texto é apontar as contribuições
teóricas do pensamento decolonial
para a projeção de políticas para a
asil.
O caráter relacional das
diferenças que a diversidade
cultural
demanda, encontra nos
estudos
crítico que
possibilita vislumbrar paradigmas
outros que ajudem a enfrentar o
desafio sobreposto.
pensamento dos
estudos decoloniais
apresenta-
se como terreno fértil para o
desenvolvimento de reflexões e
proposições a partir de uma
perspectiva
intercultural
políticas e a gestão da cultura, onde
exercer os direitos culturais é também
exercer o direito de ser e
diferente, combatendo
de uma monocultura moderna
através
do progressivo
uma cidadania
cultural plena.
Ao trazer
para
noção de cidadania
cultural,
volta-se para a
discuso do modelo
de Esta
do do qual dispomos, para
136
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- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
engages with the decolonial thought and its critical reflexions around the
western Eurocentric knowledge, which renders
silent and invisible cultures from other origins such as Black and Indigenous. The te
xt starts by
questioning the place occupied by cultural diversity in our society, highlighting the quality of attention
paid to it by public policies and administration. To this end, the paper problematizes Lula
sity, while proposing rethinking such policies from the
paradigm of interculturality. The perception of capoeira masters, interviewed through field research,
corroborates the qualification of marginality and discrimination which characterizes the treatment
given
by Brazilian society to this important national intangible heritage, indicating colonial values which still
policy; Capoeira.
Política e gestão pública para a diversidade cultural em perspectiva decolonial:
outros que ajudem a enfrentar o
desafio sobreposto.
A linha de
estudos decoloniais
se como terreno fértil para o
desenvolvimento de reflexões e
proposições a partir de uma
intercultural
para as
políticas e a gestão da cultura, onde
exercer os direitos culturais é também
exercer o direito de ser e
pensar
diferente, combatendo
-se a hegemonia
de uma monocultura moderna
colonial,
do progressivo
exercício de
cultural plena.
para
o debate a
cultural,
a questão
discussão do modelo
do do qual dispomos, para
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
pensar e executar políticas culturais.
Por isso, parte deste texto volta
para uma reflexão sobre a
de um Estado pluriétnico e
pluricultural, capaz de reconhecer a
diversidade de etnias e
culturas
conforma a nação, tendo
oportunidades de um
desenvolvimento
equitativo, via políticas
públicas interculturais.
O texto traça
uma breve análise de como a
diversidade cultural foi tratada
objeto de políticas culturais e de
gestão pública no B
rasil, com ênfase
no período de 2003 a 2010 e na esfera
federal.
Analisa-
se na parte final do
trabalho, a partir de informações
obtidas através de entrevistas
realizadas em pesquisa de campo, a
percepção de mestres de capoeira
sobre o lugar da capoeira na
sociedade brasileira e o tratamento
dispensado a ela, a luz de uma
reflexão crítica a partir do pensamento
decolonial. Percebe-
se que a capoeira
vem sendo encarada como uma
experiência que coexiste com outras
epistemes, mas que
persiste
desqualificadas pela
geopolítica
colonialidade do
poder, do saber
ser.
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
pensar e executar políticas culturais.
Por isso, parte deste texto volta
-se
para uma reflexão sobre a
construção
de um Estado pluriétnico e
pluricultural, capaz de reconhecer a
culturas
que
em vista as
desenvolvimento
e gestões
O texto traça
uma breve análise de como a
diversidade cultural foi tratada
como
objeto de políticas culturais e de
rasil, com ênfase
no período de 2003 a 2010 e na esfera
se na parte final do
trabalho, a partir de informações
obtidas através de entrevistas
realizadas em pesquisa de campo, a
percepção de mestres de capoeira
sobre o lugar da capoeira na
sociedade brasileira e o tratamento
dispensado a ela, a luz de uma
reflexão crítica a partir do pensamento
se que a capoeira
vem sendo encarada como uma
experiência que coexiste com outras
persiste
sendo
geopolítica
da
poder, do saber
e do
Hoje a capoeira está presente
em mais de 150 países, navegando
em águas globalizadas, o que
demonstra a vivacidade dos
conhecimentos que
ela
prática. Jogo
criado
escravizados,
oriundos
nações africanas e desenvolvido em
território brasileiro, a capoeira, quando
objeto de políticas públicas, ainda é
pautada por princípios e valores da
colonialidade.
Estudos decoloniais e o conceito de
decolonialidade
Os estudos decoloniais
defendem a
tese
modernidade é um advento ocidental
eurocentrado, que tem sua origem a
partir da conquistada América e do
controle do Oceano Atlântico por
países europeus, no final do século XV
e
início do século XVI (ESCOBAR
2003; GESCO, 2012). A localização do
momento histórico de surgimento da
modernidade é um ponto central para
o entendimento da proposta reflexiva
defendida por essa corrente de
pensamento. Segundo Escobar, essa
definição não se explica por uma mera
questã
o de gosto particular, mas
porque denota o momento formativo
137
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- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
Hoje a capoeira está presente
em mais de 150 países, navegando
em águas globalizadas, o que
demonstra a vivacidade dos
ela
agrega em sua
criado
por negros
oriundos
de diferentes
nações africanas e desenvolvido em
território brasileiro, a capoeira, quando
objeto de políticas públicas, ainda é
pautada por prinpios e valores da
Estudos decoloniais e o conceito de
Os estudos decoloniais
tese
de que a
modernidade é um advento ocidental
eurocentrado, que tem sua origem a
partir da conquistada América e do
controle do Oceano Atlântico por
países europeus, no final do século XV
início do culo XVI (ESCOBAR
,
2003; GESCO, 2012). A localização do
momento histórico de surgimento da
modernidade é um ponto central para
o entendimento da proposta reflexiva
defendida por essa corrente de
pensamento. Segundo Escobar, essa
definição não se explica por uma mera
o de gosto particular, mas
porque denota o momento formativo
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
da criação do “Outro”
para
além de
outros aspectos, como
sinaliza o autor:
[...] O ponto
de origem do
sistema mundo
possibilitado pelo
da América; a
conceito mesmo
modernidade
e da primeira,
Ibérica, modernidade, logo
eclipsada pelo
segunda
modernidade
ponto de
Ocidentalismo
como
imaginário e
a
mesma do
sistema
moderno/colonial
subalternizou
conhecimentos
periféricos
criou,
no culo
Orientalismo
como o outro
[...]. Finalmente, com a
Conquista e
América Latina e Caribe
emergiram
como a primeira
periferia’ da
européia.
(ESCOBAR,
60, tradução
nossa)
O deslocamento
do
de formação da
modernidade
Iluminismo ou da
Revolução Industrial,
tidos como consensuais, para a
colonização da América coloca
especial ênfase no
colonialismo,
como faz também
desenvolvimento e a
mundial do sistema capitalista como
elemento constitutivo da modernidade.
Alguns autores
entendem
atenção persistente no
colonialismo
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
para
a Europa,
outros aspectos, como
de origem do
capitalista,
ouro e prata
origem do
europeu de
e da primeira,
Ibérica, modernidade, logo
apogeu da
modernidade
–; o
início do
como
o nodal
a
definição
sistema
mundo
o qual
os
periféricos
e
no culo
XVIII, o
como o outro
[...]. Finalmente, com a
colonização,
América Latina e Caribe
como ‘a primeira
modernidade
(ESCOBAR,
2003, p.
nossa)
do
momento
modernidade
do
Revolução Industrial,
tidos como consensuais, para a
colonização da América coloca
colonialismo,
assim
com o
expansão
mundial do sistema capitalista como
elemento constitutivo da modernidade.
entendem
essa
colonialismo
como uma atitude
determinação de
despercebida a
economia
concomitantes f
ormas
(ESCOBAR, 2003, p. 60, tradução
nossa). A proposta dos estudos
decoloniais constitui-
questão do poder na
melhor, em
conceber a
como um padrão de
poder.
Destarte, é
preciso
projeto decolonial
colonialismo e colonialidade. O
primeiro refere-
se ao processo de
colonização empreendido
europeus em continentes como
América, Ásia e África, subjugando
esses povos ao seu
econômico e intelectual,
séculos XV e XX, que teve fim a partir
da
independência dessas colônias. Já
por colonialidade entendemos como
um processo que
modernidade enquanto um modo de
dominação e controle, classificando os
povos e qualificando-
os de acordo com
“seu” grau de
“civilização,
como parâmetro os
europeus, e impondo esse modelo de
desenvolvimento àqueles sob seu
domínio colonial.
Embora
dois conceitos
estão
138
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Gestão cultural e diversidade
")
que inclui “uma
não passar
economia
e suas
ormas
de exploração
(ESCOBAR, 2003, p. 60, tradução
nossa). A proposta dos estudos
se em discutir a
modernidade, ou
conceber a
modernidade
poder.
preciso
distinguir no
dois conceitos:
colonialismo e colonialidade. O
se ao processo de
colonização empreendido
pelos
europeus em continentes como
América, Ásia e África, subjugando
domínio político,
econômico e intelectual,
entre os
culos XV e XX, que teve fim a partir
independência dessas colônias.
por colonialidade entendemos como
um processo que
legitima a
modernidade enquanto um modo de
dominação e controle, classificando os
os de acordo com
civilização”,
tomando
valores culturais
europeus, e impondo esse modelo de
desenvolvimento àqueles sob seu
Embora
distintos, os
estão
interligados
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
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Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
historicamente e
cronologicamente, haja
vista que:
Colonialidade é
diferente de,
vinculada,
Colonialismo.
último se refere
estritamente
uma
estrutura
dominação/exploração
controle da
autoridade
dos recursos
de produção e de
trabalho de uma
população é detida
de diferente
identidade
sedes centrais
estão
jurisdição
territorial.
sempre,
necessariamente,
relações
racistas de poder. O
Colonialismo é obviamente
mais
antigo, ainda que a
Colonialidade
tenha
ser, nos
últimos 500 anos,
mais profunda e
que o
Colonialismo. Mas sem
dúvida foi
engendrada
deste e, mais
ainda, sem
não poderia ter
sido
na
intersubjetividade do
mundo de modo t
e prolongado. (QUIJANO,
2000, p. 381,
tradução
Nessa linha de
pensamento,
Colonialismo foi um
cronologicamente
determinado,
iniciado com as
colonizações
século XV e que se
redefiniu
Imperialismo do século XVIII,
com as independências das
respectivas colônias.
Além
estrutura de
dominação
Colonialismo é externa,
termos
identitários como territoriais
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Gestão cultural e diversidade
coexistiram
vista que:
um conceito
ainda que
Colonialismo.
Este
estritamente
a
estrutura
de
dominação/exploração
onde o
autoridade
política,
de produção e de
determinada
população é detida
por outra
identidade
e cujas
estão
em outra
territorial.
Mas nem
nem
implica em
racistas de poder. O
Colonialismo é obviamente
antigo, ainda que a
tenha
provado
últimos 500 anos,
mais profunda e
duradoura
Colonialismo. Mas sem
engendrada
dentro
ainda, sem
ele
sido
imposta
intersubjetividade do
mundo de modo t
ão enraizado
e prolongado. (QUIJANO,
tradução
nossa)
pensamento,
o
fenômeno
determinado,
colonizações
do
redefiniu
como
Imperialismo do culo XVIII,
tendo fim
com as independências das
Além
do mais, a
dominação
do
tanto em
identitários como territoriais
(colônia x metrópole). a
Colonialidade é um fenômeno que
se finda com a
independência das
colônias, embora tenha sua fundação
no bojo do
Colonialismo. A sua
existência prolonga-
se por ser mais
profunda, que baseia a relação de
dominação pela classificação dos
povos (racialização) e das culturas e,
sendo naturalizada,
modernidade
enquanto um
civilização.
O intuito
dessa
conceitual é
remeter
consequentemente,
também
que o combate a
essas
de dominação
aponta.
enfrentamento do
colonialismo
forma no
movimento
descolonização,
a
assume para si o encargo de lutar
contra a colonialidade, em todas as
suas
dimensões e expressões. Para
Walsh (2005b), a decolonialidade não
é totalmente distinta da
descolonialização, mas assume o
carát
er de uma estratégia que vai mais
além do objetivo de
colonizado sendo,
por
movimento que
se
descolonialismo. Entender essa
diferença é primordial para um
139
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- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
(colônia x metrópole). a
Colonialidade é um fenômeno que
não
independência das
colônias, embora tenha sua fundação
Colonialismo. A sua
se por ser mais
profunda, já que baseia a relação de
dominação pela classificação dos
povos (racialização) e das culturas e,
sendo naturalizada,
justifica a
enquanto um
projeto de
dessa
distinção
remeter
aos caminhos,
também
distintos,
essas
duas formas
aponta.
Assim, o
colonialismo
toma
movimento
de
a
decolonialidade
assume para si o encargo de lutar
contra a colonialidade, em todas as
dimensões e expressões. Para
Walsh (2005b), a decolonialidade não
é totalmente distinta da
descolonialização, mas assume o
er de uma estratégia que vai mais
além do objetivo de
deixar de ser
por
isso mesmo, um
se
diferencia do
descolonialismo. Entender essa
diferença é primordial para um
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
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, se
posicionamento político e
coerente: o projeto de
descolonialismo
almeja uma transição, a
superação
emancipação da colônia frente ao
colonizador, porém esse movimento se
no interior do
projeto de
modernidade, possibilitando projeções,
como a modernidade pós-
colonial ou a
modernidade alternativa.
decolonialidade parte de um
posicionamento de exterioridade
relação modernidade/colonialidade,
como aponta a autora:
A decolonialidade
sua razão nos
confrontar a partir do
de lógicas
outras
pensamento
desumanização,
o
racialização, a negação e
destruição de campos outros
de saber. Por
isso,
não é a
incorporação
superação
(muito
simplesmente a resistência),
mas a reconstrução radical de
seres, do poder e
seja, a
criação de condições
radicalmente
diferentes de
existência,
conhecimento e de
poder que possam
para a criação de sociedades
distintas.
(WALSH, 2005b, p.
24, tradução
nossa)
Walsh (2005b) e outros autores
defendem que o movimento pela
decolonialidade, em
todas as suas
dimensões, deve ser assumido como
uma luta contra a modernidade,
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cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
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, se
t. 2023. www.
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(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
epistêmico
descolonialismo
superação
e a
emancipação da colônia frente ao
colonizador, porém esse movimento se
projeto de
modernidade, possibilitando projeções,
colonial ou a
modernidade alternativa.
a
decolonialidade parte de um
posicionamento de exterioridade
da
relação modernidade/colonialidade,
A decolonialidade
encontra
esforços de
confrontar a partir do
próprio,
outras
e de
outros a
o
racismo, a
racialização, a negação e
destruição de campos outros
isso,
sua meta
incorporação
ou a
(muito
menos
simplesmente a resistência),
mas a reconstrução radical de
seres, do poder e
saber, ou
criação de condições
diferentes de
conhecimento e de
poder que possam
contribuir
para a criação de sociedades
(WALSH, 2005b, p.
nossa)
Walsh (2005b) e outros autores
defendem que o movimento pela
todas as suas
dimensões, deve ser assumido como
uma luta contra a modernidade,
enquanto
lógica hegemônica de viver e
pensar, inculcada no pensamento
contemporâneo como a única
de compreender e estar no mundo.
Logo, combater a modernidade
trabalhar para
que formas outras de
pensar, ser e sentir existam, mesmo
que venham sendo sistematicamente
invisibilizadas e
silenciadas.
Quijano (2000) defende ser a
colonialidade um elemento constitutivo
e específico do
capitalista de
poder, ou seja, umas das
formas de colonialidade é aquela que
atua na esfera do poder. Esse
elemento se estabelece pela
imposição de uma
racial/étnica e
cultural
princípio
fundamental,
operar em todas as dimenes,
m
ateriais e subjetivas, da existência
social. Por isso, o projeto
modernidade necessita da
colonialidade para se constituir e se
impor, na medida em que a
justifica a primeira:
Desde o culo XVIII,
sobretudo com o Iluminismo,
foi se afi
eurocentrismo a mitológica
ideia de que a Europa era pré
existente
a
poder, que já era antes um
centro
mundial do capitalismo
que
colonizou o resto do
140
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
lógica hegemônica de viver e
pensar, inculcada no pensamento
contemporâneo como a única
maneira
de compreender e estar no mundo.
Logo, combater a modernidade
é
que formas outras de
pensar, ser e sentir existam, mesmo
que venham sendo sistematicamente
silenciadas.
Quijano (2000) defende ser a
colonialidade um elemento constitutivo
padrão mundial
poder, ou seja, umas das
formas de colonialidade é aquela que
atua na esfera do poder. Esse
elemento se estabelece pela
imposição de uma
classificação
cultural
do mundo como
fundamental,
que passa a
operar em todas as dimensões,
ateriais e subjetivas, da existência
social. Por isso, o projeto
de
modernidade necessita da
colonialidade para se constituir e se
impor, na medida em que a
segunda
Desde o século XVIII,
sobretudo com o Iluminismo,
foi se afi
rmando no
eurocentrismo a mitológica
ideia de que a Europa era pré
-
a
esse padrão de
poder, que era antes um
mundial do capitalismo
colonizou o resto do
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
mundo e elaborou, por
conta e a partir de si
modernidade e a
racionalidade.
E que em
qualidade, Europa e os
europeus
eram o momento e o
nível mais
avançados no
caminho linear,
unidirecional e
contínuo da espécie.
Consolidou-
se, assim, junto
com essa ideia,
uma
núcleos
principais
colonialidade
/modernidade
eurocêntr
ica: uma
de humanidade
qual a população do
diferenciava em
superiores, irracionais e
racionais,primitivos e
civilizados, tradicionais e
modernos. (QUIJANO, 2000,
p. 343-
344, tradução
Uma das
perspectivas
Quijano (2000)
privilegia,
análise, quanto à
colonialidade do poder
classificação racial e étnica
(ESCOBAR, 2003). A
dominação
América dá-se em termos
ao
desenvolver o racismo científico, os
europeus produziram e
justificaram a
ideia de raça como
instrumento
colonização. A partir da
utilização
teoria evolucionista de
racismo científico aplicou, por
analogia, a lógica da evolução das
espécies aos diferentes
humanos, classificando, por exemplo,
os negros e suas respectivas culturas
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
mundo e elaborou, por
sua
conta e a partir de si
mesma, a
modernidade e a
E que em
essa
qualidade, Europa e os
eram o momento e o
avançados no
unidirecional e
contínuo da espécie.
se, assim, junto
uma
outra de
principais
da
/modernidade
ica: uma
concepção
segundo a
qual a população do
mundo se
inferiores e
superiores, irracionais e
racionais,primitivos e
civilizados, tradicionais e
modernos. (QUIJANO, 2000,
344, tradução
nossa)
perspectivas
que
privilegia,
em sua
categoria
colonialidade do poder
, é a
classificação racial e étnica
dominação
da
raciais pois,
desenvolver o racismo científico, os
justificaram a
instrumento
de
utilização
da
Darwin, o
racismo científico aplicou, por
analogia, a lógica da evolução das
espécies aos diferentes
grupos
humanos, classificando, por exemplo,
os negros e suas respectivas culturas
como inferiores,
em
evolutiva cujo
parâmetro
branca-ocidental.
No interior dos estudos
decoloniais, são diversas as
abordagens e enfoques que os
dedicam ao
fenômeno
modernidade/colonialidade,
diversidade que é
fruto
enquadramentos, ênfases e metas
economia política para Quijano, uma
filosofia
da libertação para Dussel,
literatura e epistemologia para
Mignolo” (ESCOBAR, 2003, p. 61,
tradução nossa). En
(2000) se dedica ao caráter racial
dessa engrenagem,
tradução nossa) enfatiza a ocultação
do não-
europeu”, ou seja, o processo
de negação da
alteridade
americana”
instaurado
com que se deu
a
América.
A colonialidade opera
naturalizando relações de poder
estabelecidas por categorias
raça, que passam a ser aceitas como
algo dado, preexistente,
desconsiderando suas
historicamente
construídas
em nome da
modernidade.
colonização europeia, que produziu a
141
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
em
uma cadeia
parâmetro
era a cultura
No interior dos estudos
decoloniais, são diversas as
abordagens e enfoques que os
autores
fenômeno
da
modernidade/colonialidade,
fruto
de “diferentes
enquadramentos, ênfases e metas
economia política para Quijano, uma
da libertação para Dussel,
literatura e epistemologia para
Mignolo (ESCOBAR, 2003, p. 61,
tradução nossa). En
quanto Quijano
(2000) se dedica ao caráter racial
Dussel (1994,
tradução nossa) enfatiza “a ocultação
europeu, ou seja, o processo
alteridade
“latino-
instaurado
pela violência
a
dominação da
A colonialidade opera
naturalizando relações de poder
estabelecidas por categorias
como
raça, que passam a ser aceitas como
algo dado, preexistente,
desconsiderando suas
causas
construídas
e impostas
modernidade.
A violenta
colonização europeia, que produziu a
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
barbárie nos continentes americano,
asiático e africano,
dizimando povos e
catequizando corações e mentes,
tornou-
se fato histórico irrefutável. Mas
os modos como a
colonialidade
mantém esse padrão
introduzido por
essa colonização
brutal, e seus efeitos nas sociedades
contemporâneas, não são, muitas
vezes, tão evidentes.
Um dos modos de atuação
desse padrão de poder
modernidade/colonialidade está na
universalização do Eurocentrismo, um
modelo de
conhecimento referente a
uma experiência
localizada (europeia),
iniciada no século XVII, que se
configurou enquanto uma hegemonia
global da
colonialidade do saber
difundindo e promovendo a
experiência histórica, cultural e
epistêmica
dos europeus à
de História universal.
Ao apontar a
razão
sua noção de
desenvolvimento
baseada na teoria
evolucionista,
unilinear e unidirecional, como um dos
mecanismos criados e utilizados para
justificar o poder
imperial,
(1994) critica o
eurocentrismo
epistemológico que
legitimou as ações
nefastas de colonização no Novo
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
barbárie nos continentes americano,
dizimando povos e
catequizando corações e mentes,
se fato histórico irrefutável. Mas
colonialidade
de poder,
essa colonização
brutal, e seus efeitos nas sociedades
contemporâneas, não são, muitas
Um dos modos de atuação
desse padrão de poder
modernidade/colonialidade está na
universalização do Eurocentrismo, um
conhecimento referente a
localizada (europeia),
iniciada no século XVII, que se
configurou enquanto uma hegemonia
colonialidade do saber
,
difundindo e promovendo a
experiência histórica, cultural e
dos europeus à
categoria
razão
iluminista,
desenvolvimento
evolucionista,
unilinear e unidirecional, como um dos
mecanismos criados e utilizados para
imperial,
Dussel
eurocentrismo
legitimou as ações
nefastas de colonização no Novo
Continente. Por isso, Dussel (1994) e
Mignolo (2003) desenvolvem suas
linhas de pensamento, no sentido de
provar que o advento
“descobrimento” da América foi um
fenômeno
constitutivo e determinante
do mito da
modernidade.
Para esses
autores,
moderna encobriu
a
barbárie
empregadas pelas
expedições
colonizadoras
discurso de
salvação,
mais
“avançados” e esclarecidos”
cumpriam sua
missão cristã de civilizar
todos os demais. A
colonização partiu
do princípio de desconsiderar a opção
de autodeterminação das populões
colonizadas, o que representou um
primeiro ato de violência contra a
autonomia desses
povos. Por isso,
autores deco
loniais não acreditam em
um projeto de emancipação que seja
formulado a
partir
epistêmicas do
projeto
pelo
modernidade/colonialidade.
Cada vez
fronteiras
econômicas e se
fecham as fronteiras
Esse
exemplo
cara da
modernidade/colonialidade: a
cristianização,
progresso,
a
desenvolvimento
142
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
Continente. Por isso, Dussel (1994) e
Mignolo (2003) desenvolvem suas
linhas de pensamento, no sentido de
provar que o advento
do
descobrimento da América foi um
constitutivo e determinante
modernidade.
autores,
a razão
a
violência e a
empregadas pelas
colonizadoras
com um
salvação,
no qual povos
avançados e “esclarecidos”
missão cristã de civilizar
colonização partiu
do prinpio de desconsiderar a opção
de autodeterminão das populações
colonizadas, o que já representou um
primeiro ato de violência contra a
povos. Por isso,
loniais não acreditam em
um projeto de emancipação que seja
partir
das bases
projeto
que responde
binômio
modernidade/colonialidade.
mais se abrem
econômicas e se
fecham as fronteiras
civis.
exemplo
ilustra a dupla
cara da
modernidade/colonialidade: a
cristianização,
a civilização, o
a
modernização e o
desenvolvimento
(cara da
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
modernidade)
necessitam
violência, da
barbárie, do
atraso, da invenção da
tradição e do
subdesenvolvimento (a ca
da colonialidade). Não
modernidade
colonialidade, mesmo que se
apresente essa
derivativa da
primeira
como sua
constituinte. A
grande
mentira é fazer
que a modernidade
colonialidade
quando,
verdade, ela
necessita
colonialidade
para
construir-
se e subsistir.
(MIGNOLO,
2003,
O discurso da modernidade
estabelece uma espécie de
classificação humana,
onde
humanos são
categorizados
bárbaros,
selvagens, incultos
civilizados, enquanto
outros
identificados como
civilizados,
desenvolvidos, numa escala de
valoração definida pelo
colonizador/dominador, tendo seus
valores e sua cultura
como referência
e modelo.
Segundo Maldonado
(2007), o conceito de
colonialidade
do ser surgiu da
necessidade
responder à pergunta de
quais
os efeitos da
colonialidade
experiência vivida dos sujeitos
colonizados. O fato desse conceito ter
sido o terceiro a ser
formulado deveu
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
necessitam
da
barbárie, do
atraso, da invenção da
tradição e do
subdesenvolvimento (a ca
ra
da colonialidade). Não
sem
colonialidade, mesmo que se
última como
primeira
e não
constituinte. A
mentira é fazer
crer
que a modernidade
superará a
quando,
na
necessita
da
para
instalar-se,
se e subsistir.
2003,
p. 34-35)
O discurso da modernidade
estabelece uma espécie de
onde
grupos
categorizados
como
selvagens, incultos
ou não
outros
são
civilizados,
cultos,
desenvolvidos, numa escala de
valoração definida pelo
colonizador/dominador, tendo seus
como referência
Segundo Maldonado
-Torres
colonialidade
necessidade
de
quais
seriam
colonialidade
na
experiência vivida dos sujeitos
colonizados. O fato desse conceito ter
formulado deveu
-
se aos desdobramentos
que essas duas noções
proporcionaram, no âmbito dos
estudos decoloniais. Ao
implicações da colonialidade do poder
em diferentes áreas da sociedade, o
intelectual
chegou à
conclusão:
Se a
colonialidade
refere a
formas
exploração, e a colonialidade
do saber tem a ver com o
da
epistemologia
gerais
da
conhecimento
de regimes de pensamentos
coloniais, a colonialidade do
ser se
refere,
experiência
colonização
linguagem.
TORRES,
tradução
nossa)
Maldonado-
Torres (2007), ao
desenvolver o conceito de
colonialidade do ser, defende
noção está
intimamente
com a
colonialidade
desenvolvimento da argumentação em
favor de sua tese, o autor creditou a
Descartes, e sua
célebre
penso, logo existo,
privilegiado a
epistemologia
detrimento da existência, ou seja, o
saber sobre o
ser. Porém, Maldonado
Torres (2007)
destaca que, ao
143
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
se aos desdobramentos
investigativos
que essas duas noções
proporcionaram, no âmbito dos
estudos decoloniais. Ao
questionar as
implicações da colonialidade do poder
em diferentes áreas da sociedade, o
chegou à
seguinte
colonialidade
do poder se
interrelação entre
modernas de
exploração, e a colonialidade
do saber tem a ver com o
rol
epistemologia
e as tarefas
da
produção do
conhecimento
na reprodução
de regimes de pensamentos
coloniais, a colonialidade do
refere,
então, a
vivida da
e seu impacto na
(MALDONADO-
2007, p.129-130,
nossa)
Torres (2007), ao
desenvolver o conceito de
colonialidade do ser, defende
que essa
intimamente
relacionada
colonialidade
do saber. No
desenvolvimento da argumentação em
favor de sua tese, o autor creditou a
lebre
formulação,
o fato de ter
epistemologia
em
detrimento da existência, ou seja, o
ser. Porém, Maldonado
-
destaca que, ao
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
condicionar a existência do ser à
razão, Descartes referiu
-
razão em específico, da
qual
referência. Ainda
sobre
racionalista, o autor
interpretou:
Sob o ‘eu
penso’ podemos
‘outros não
pensam, e no
interior de existo
localizar a justificativa
para a
ideia de que outros não
existem’ ou
estão
de existir. Desta forma
descobrimos
complexidade
não
da formulação
cartesiana: de
‘eu penso, logo
existo somos
levados a noção
complexa, porém
mais precisa,
filosoficamente: Eu penso
(outros não
pensam
pensam
adequadamente),
existo (outros
não
estão
desprovidos
devem existir
dispensáveis)’.
(MADONADO
TORRES,
2007,
tradução nossa)
Como assinalou Maldonado
Torres (2007), ao assumir a lógica
cartesiana como centro e
para qualificar todos os tipos de
racionalidade, estamos aceitando que
aquele que não pensa
não pensa de acordo com o modelo de
racionalidade ocidental –
não
não merece existir. Logo, estamos
atestando a desumanização de seres
humanos que não
fundamentam
compreensão de mundo
nos
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
condicionar a existência do ser à
-
se a uma
qual
tornou-se
sobre
a teoria
interpretou:
penso podemos
ler
pensam’, e no
interior de existo’
podemos
localizar a justificativa
filosófica
ideia de que ‘outros não
estão
desprovidos
de existir. Desta forma
uma
não
reconhecida
cartesiana: de
existo’ somos
levados a noção
mais
complexa, porém
cada vez
histórica e
filosoficamente: ‘Eu penso
pensam
ou não
adequadamente),
logo
não
existem,
desprovidos
de ser, não
ou são
(MADONADO
-
2007,
p. 144,
Como assinalou Maldonado
-
Torres (2007), ao assumir a lógica
cartesiana como centro e
parâmetro
para qualificar todos os tipos de
racionalidade, estamos aceitando que
ou melhor,
não pensa de acordo com o modelo de
não
existe ou
não merece existir. Logo, estamos
atestando a desumanização de seres
fundamentam
a sua
nos
pilares da
racionalidade
moderno
Foram teorias como estas que
justificaram moralmente a escravidão e
a exportação em
massa
o genocídio
dos povos
Brasil, por exemplo.
A colonialidade, como vimos,
age sobre as esferas do poder, saber
e ser e, na proposta
dimensão, Walsh acrescenta a
colonialidade da e natureza
segundo a autora,
“encontra
na divisão binária
natureza/sociedade,
descartando o
mágico
a relação milenar entre mundos
biofísicos, humanos e espirituais,
incluindo o
dos ancestrais, que dá
sustentação aos sistemas integrais de
vida e à própria humanidade.
(WALSH, 2008, p. 138, tradução
nossa). A colonialidade da mãe
natureza é tema de reflexões de
autores como Escobar (2005) e
Coronil (2005) que atestam a
necessidade de evidenciar esse
de colonialidade como uma forma de
combater a modernidade enquanto
cosmovisão que
subjuga a natureza ao
ser humano, que muitas
cosmovisões estabelecem outras
relações
entre ser humano e natureza,
sendo esta última ce
144
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
moderno
-ocidental.
Foram teorias como estas que
justificaram moralmente a escravidão e
massa
de africanos e
dos povos
indígenas no
A colonialidade, como vimos,
age sobre as esferas do poder, saber
e ser e, na proposta
de uma quarta
dimensão, Walsh acrescenta a
colonialidade da mãe natureza
que,
encontra
sua base
natureza/sociedade,
mágico
-espiritual-social,
a relação milenar entre mundos
biofísicos, humanos e espirituais,
dos ancestrais, que
sustentação aos sistemas integrais de
vida e à própria humanidade.”
(WALSH, 2008, p. 138, tradução
nossa). A colonialidade da mãe
natureza é tema de reflexões de
autores como Escobar (2005) e
Coronil (2005) que atestam a
necessidade de evidenciar esse
tipo
de colonialidade como uma forma de
combater a modernidade enquanto
subjuga a natureza ao
ser humano, já que muitas
cosmovies estabelecem outras
entre ser humano e natureza,
sendo esta última ce
ntral à
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
compreensão de mundo de muitos
grupos e
indissociável da
humanidade para
outros tantos.
Além de subjugar a natureza, a
modernidade opera subjugando
grupos humanos ao
domínio
poder de outros. O ato
de
grupos humanos ou
estabelecendo a
inferioridade
alguns grupos em relação
classifica e,
consequentemente,
estabelecendo uma relação de
dominação e exploração, é o que
Mignolo (2003) chama
de
colonial. Segundo
Mignolo,
colonial legitima o
exercício
de determinadas
“civilizações”
as demais. O
dispositivo
motriz que constituiu, transformou e
continua reproduzindo a diferença
colonial se chama,
seguindo a
proposta de Aníbal Quijano (2000), a
colonialidade do
poder, o lugar
epistêmico
de enunciação em que se
descreve e se legitima o poder. Neste
caso, o poder colonial.”
2003, p. 39).
Para fundamentar essa
tipificação valorativa da humanidade, o
discurso da modernidade
colonizar, também, noçõ
es como as de
tempo e espaço. A ideia de
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
compreensão de mundo de muitos
indissociável da
noção de
outros tantos.
Além de subjugar a natureza, a
modernidade opera subjugando
domínio
e ao
de
classificar
populações,
inferioridade
de
a quem os
consequentemente,
estabelecendo uma relação de
dominação e exploração, é o que
de
diferença
Mignolo,
a diferença
exercio
de poder
civilizações”
sobre
dispositivo
ou força
motriz que constituiu, transformou e
continua reproduzindo a diferença
seguindo a
proposta de Aníbal Quijano (2000), a
poder, “o lugar
de enunciação em que se
descreve e se legitima o poder. Neste
(MIGNOLO,
Para fundamentar essa
tipificação valorativa da humanidade, o
discurso da modernidade
precisou
es como as de
tempo e espaço. A ideia de
modernidade foi
cunhada sobre uma
espécie de colonização do tempo,
enquanto uma era próspera, que se
sucedeu a uma idade média,
atrasada e obscura, sendo introduzida
por movimentos como o
e, posterior
mente, o Iluminismo, e
marcada pela racionalidade da ciência,
pelo modelo
econômico
pela cultura e
moral
termos espaciais, a
modernidade agiu
dividindo o mundo entre os
hemisférios: Norte e Sul, sendo que o
primeiro
passou a gu
nos parâmetros da colonialidade do
poder, assumindo o papel de
orientadora das civilizações do Sul.
Essa dupla colonização, do tempo e
do espaço,
produziu
grupos humanos a
impossibilidade
serem
contemporâneos
as sociedades do Norte se
encontravam anos à frente das
sociedades do Sul, que
pareciam habitar tempos medievais.
A colonialidade se utiliza do
tempo e do espaço como meios para
articular as diferenças culturais
as noções Norte e
Su
e a supremacia do tempo sobre o
espaço, no sentido em que populações
vivem sob tempos
distintos
145
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
cunhada sobre uma
espécie de colonização do tempo,
enquanto uma era próspera, que se
sucedeu a uma “idade média”,
atrasada e obscura, sendo introduzida
por movimentos como o
Renascimento
mente, o Iluminismo, e
marcada pela racionalidade da ciência,
econômico
capitalista e
moral
cristãs. em
modernidade agiu
dividindo o mundo entre os
hemisférios: Norte e Sul, sendo que o
passou a gu
iar o segundo,
nos parâmetros da colonialidade do
poder, assumindo o papel de
bússola
orientadora das civilizações do Sul.
Essa dupla colonização, do tempo e
produziu
nos diferentes
impossibilidade
de
contemporâneos
entre si, já que
as sociedades do Norte se
encontravam anos à frente das
sociedades do Sul, que
ainda
pareciam habitar tempos medievais.
A colonialidade se utiliza do
tempo e do espaço como meios para
articular as diferenças culturais
– como
Su
l, por exemplo
e a supremacia do tempo sobre o
espaço, no sentido em que populações
distintos
tomando-
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
se como referência
para
classificação a
modernidade,
critério de valoração
sendo
classificadas como mais
atrasadas
que outras. Assim, um
dos
do
projeto decolonial recai na
refutação de teorias
classificatórias,
impostas pela
colonialidade
e do espaço, para
estudos no campo
cultural.
O projeto decolonial entende,
portanto, a pós-coloniali
dade em um
primeiro sentido
cronológico como a
continuidade da colonialidade, sendo
que o prefixo pós indicaria uma
colonialidade global,
integrante
projeto neoliberal, que
configuraria como a
colonialidade
cristã ou liberal dos séculos
A partir desse entendimento, os
estudos
decoloniais avançam para um
segundo sentido de pós-
colonialidade,
de cunho utopístico, e
que indica tanto
um espaço de análise quanto os
projetos dirigidos a analisar a lógica de
ação da colonialidade.
espaço-tempo pós-
colonial que
emerge a ideia de um paradigma
outro.
Um paradigma outro de
pensamento:contemporâneo
pluriversal
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
para
essa
modernidade,
enquanto
sendo
algumas
atrasadas
do
dos
objetivos
projeto decolonial recai na
classificatórias,
colonialidade
do tempo
estudos no campo
O projeto decolonial entende,
dade em um
cronológico como a
continuidade da colonialidade, sendo
que o prefixo pós indicaria uma
integrante
do
que
não se
colonialidade
cristã ou liberal dos culos
anteriores.
A partir desse entendimento, os
decoloniais avançam para um
colonialidade,
que indica tanto
um espaço de análise quanto os
projetos dirigidos a analisar a lógica de
É nesse
colonial que
emerge a ideia de um paradigma
pensamento:contemporâneo
e
O conceito de um paradigma
outro surge em resposta ao
esgotamento das
críticas
neoliberal, nascidas
própria matriz
epistêmica
modernidade
e se desenvolve no
horizonte dos estudos decoloniais.
Mignolo define como
outro’ a diversidade
(diversalidade)
formas críticas
de
analíticos e de projetos futuros
assentados s
obre as histórias e
experiências marcadas pela
colonialidade mais
que
dominantes até
agora,
histórias e
experiências
modernidade”
(2003, p.
nossa).
Assim, um paradigma outro
consiste na proposta de produção
pensamento crítico e utopístico em
todos os lugares nos quais a expansão
imperial e
colonial silenciou e negou
essa possibilidade, relegando a essas
colônias o papel de objetos e
sujeitos do conhecimento, tudo isso
sendo articulado pelo reconhecim
dessa
diferença colonial. Logo, um
paradigma outro é uma proposta de
ruptura com a tradição clássica, trazida
pelos “descobridores da América às
colônias americanas, que criou a
146
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
O conceito de um paradigma
outro surge em resposta ao
críticas
ao projeto
dentro da sua
epistêmica
a
e se desenvolve no
horizonte dos estudos decoloniais.
Mignolo define como
“[...] ‘paradigma
(diversalidade)
de
de
pensamentos
analíticos e de projetos futuros
obre as histórias e
experiências marcadas pela
que
por aquelas,
agora,
assentadas em
experiências
da
(2003, p.
20, tradução
Assim, um paradigma outro
consiste na proposta de produção
de
pensamento crítico e utopístico em
todos os lugares nos quais a expansão
colonial silenciou e negou
essa possibilidade, relegando a essas
colônias o papel de objetos e
nunca de
sujeitos do conhecimento, tudo isso
sendo articulado pelo reconhecim
ento
diferença colonial. Logo, um
paradigma outro é uma proposta de
ruptura com a tradição clássica, trazida
pelos descobridores da América às
colônias americanas, que criou a
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
impossibilidade das
colônias
ingressarem em um
diálogo
pensamento com seus
impérios,
tudo
externo a ela não é reconhecido
como conhecimento ou saber.
Portanto, as colônias passaram
somente a ser pensadas e nunca a
pensar, nem sobre si mesmas nem
sobre seus impérios. Mas
quer dizer que se
sujeitaram
produziram, mas que
foram
ao silêncio.
Para Mignolo (2009), é
necessário descolonizar a erudição e
descentrar os lugares de
epistemológica,
mostrando
Europa ocidental
(Inglaterra,
Alemanha) e os Estados
são os únicos lugares de
válidos para produzir
conhecimento. O
autor defende que os estudos
decoloniais devem seguir o caminho
de
desenvolver as possibilidades
existentes nos diferentes e legítimos
lugares de enunciação
dessa forma, relocal
izar o sujeito
conhecimento.
Um paradigma outro surge
desse pensamento que pensa a
decolonialidade não mais como objeto,
mas como força de pensamento: como
descolonizar-
me e ajudar na
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
colônias
de
diálogo
de
impérios,
já que
externo a ela não é reconhecido
como conhecimento ou saber.
Portanto, as colônias passaram
somente a ser pensadas e nunca a
pensar, nem sobre si mesmas nem
sobre seus impérios. Mas
isso não
sujeitaram
e não
foram
relegadas
Para Mignolo (2009), é
necessário descolonizar a erudição e
descentrar os lugares de
produção
mostrando
que a
(Inglaterra,
França e
Unidos não
enunciação
conhecimento. O
autor defende que os estudos
decoloniais devem seguir o caminho
desenvolver as possibilidades
existentes nos diferentes e legítimos
teóricos e,
izar o sujeito
do
Um paradigma outro surge
desse pensamento que pensa a
decolonialidade não mais como objeto,
mas como força de pensamento: como
me e ajudar na
descolonização de todos aqueles que,
como eu, foram levados a crer qu
podemos pensar, se não pensarmos
em algumas das variantes das
ideologias da modernidade? Um
paradigma outro deve ser pensado na
interseção das experiências dos
sujeitos que não querem estudar a si
mesmos como objeto, mas pensar a si
mesmos, em
projet
emancipadores:
[...] o pensamento de um
sujeito que não
deem a liberdade, mas
queira
tomá
construindo
em um
paradigma outro
se deixar
atar
modernidade, em
suas
variantes
que são
parciais,
em que
possibilidades de que as
soluções e os
possam
esgotadas
modernidade. (MIGNOLO,
2003, p.
31,
tradução
nossa).
O
colonialismo
surgimento de
histórias
integradas e
absorvidas
paradigma da
civilização
da modernidade
emergiram de rupturas e
descontinuidades e saíram da tirania
do tempo linear, do
evolução. Essas histórias outras foram
147
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
descolonização de todos aqueles que,
como eu, foram levados a crer qu
e não
podemos pensar, se não pensarmos
em algumas das variantes das
ideologias da modernidade? Um
paradigma outro deve ser pensado na
interseção das experiências dos
sujeitos que não querem estudar a si
mesmos como objeto, mas pensar a si
projet
os libertadores,
[...] o pensamento de um
sujeito que não
quer que lhe
deem a liberdade, mas
que
tomá
-la por si mesmo,
seu próprio projeto
paradigma outro
; não
atar
ao paradigma da
modernidade, em
qualquer de
variantes
libertadoras
parciais,
na medida
se esgotam as
possibilidades de que as
soluções e os
projetos futuros
possam
surgir das
possibilidades da
modernidade. (MIGNOLO,
31,
grifos do autor,
nossa).
colonialismo
possibilitou o
histórias
outras, não
absorvidas
no super
civilização
ocidental e
europeia, que
emergiram de rupturas e
descontinuidades e saíram da tirania
do tempo linear, do
progresso e da
evolução. Essas histórias outras foram
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
rupturas que se produziram com o
processo de
descolonização, às quais
o projeto decolonial denominou de
pensamento fronteiriço: A ideia de
pensamento fronteiriço
surgiu
identificar o potencial
pensamento
chicano/latino/a
dele o livro de
Gloria
Broderland/Afronteira.”
2003, p. 50, tradução nossa).
Sousa Santos (2010) também
aponta para a existência de tipos de
conhecimento do
outro lado da linha,
não
ocidentalizados, taxados pela
racionalidade científica de crenças,
magias, idolatrias, e outros tipos de
compreensão intuitiva ou subjetiva, ou
seja, tudo aquilo
que não seja o
conhecimento real”. Nesse sentido, as
reflexões de Sousa Santos (2010)
aproximam-
se das de Mignolo (2003)
sobre o pensamento de fronteira. Para
Sousa Santos
(2010), essa linha que
separa de um lado ciência, teologia e
filosofia e coloca no seu oposto
outras formas de conhecimento é
traçada levando-
se em conta os
métodos científicos de
verificação da
verdade e os critérios que imperam
nos reinos da filosofia e da teologia,
sendo
tudo aquilo que o pode ser
mensurado e compreendido, conforme
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
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(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
rupturas que se produziram com o
descolonização, às quais
o projeto decolonial denominou de
pensamento fronteiriço: A ideia de
surgiu
para
de um
chicano/latino/a
e dentro
Gloria
Anzaldúa
(MIGNOLO,
2003, p. 50, tradução nossa).
Sousa Santos (2010) também
aponta para a existência de tipos de
outro lado da linha,
ocidentalizados, taxados pela
racionalidade científica de crenças,
magias, idolatrias, e outros tipos de
compreensão intuitiva ou subjetiva, ou
que não seja “o
conhecimento real. Nesse sentido, as
reflexões de Sousa Santos (2010)
se das de Mignolo (2003)
sobre o pensamento de fronteira. Para
(2010), essa linha que
separa de um lado ciência, teologia e
filosofia e coloca no seu oposto
as
outras formas de conhecimento é
se em conta os
verificação da
verdade e os critérios que imperam
nos reinos da filosofia e da teologia,
tudo aquilo que não pode ser
mensurado e compreendido, conforme
esses critérios, descartado
horizonte epistêmico
Mignolo
(2003)
pensamento f
ronteiriço
de formas
parecidas, como a
mestiçagem, por exemplo, pois esta
última é uma expreso
partir da perspectiva
do
da colonialidade.
Para
pensamento fronteiriço, a partir da
perspectiva da
subalternidade colonial,
é um pensamento
ignorar o pensamento moderno, mas
que também não pode estar subjugado
a
ele. O pensamento fronteiriço surge
do diferencial de poder e contra ele se
ergue, não sendo um
mas um
pensamento
subalternidade
colonial.
estudos decoloniais defendem a
necessidade de se pensar o
conhecimento como um fenômeno
geopolítico, negando a premissa
moderna de pensá-
lo como um lugar
universal ao qual todos têm acesso,
embora poucos re
consigam.
O projeto proposto por um
paradigma outro de pensamento nos
conduz às investigações das
genealogias das histórias locais que
produzam pensamentos de fronteira
148
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
esses critérios, descartado
do
(2003)
distingue o
ronteiriço
ou de fronteira
parecidas, como a
mestiçagem, por exemplo, pois esta
última é uma expressão
inventada a
do
poder, ou seja,
Para
o autor, o
pensamento fronteiriço, a partir da
subalternidade colonial,
que não pode
ignorar o pensamento moderno, mas
que também não pode estar subjugado
ele. O pensamento fronteiriço surge
do diferencial de poder e contra ele se
ergue, não sendo um
objeto híbrido,
pensamento
a partir da
colonial.
Por isso, os
estudos decoloniais defendem a
necessidade de se pensar o
conhecimento como um fenômeno
geopolítico, negando a premissa
lo como um lugar
universal ao qual todos têm acesso,
embora poucos re
almente o
O projeto proposto por um
paradigma outro de pensamento nos
conduz às investigações das
genealogias das histórias locais que
produzam pensamentos de fronteira
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
oriundos da diferença
colonial. São
essas genealogias que possibilitarão
histórias pluriversais, em contraponto à
globalização de uma
história
eurocêntrica.
Por isso, um
paradigma
possibilita
vislumbrarmos
enfrentamentos ao
contemporâneo de pensar políticas e
gestões públicas
para
diversidade cultural, que
efetivação dos direitos culturais de
todos os povos e grupos que
conformam uma nação,
combatendo
hegemonia de uma
monocultura
colonialista e
permanecendo
pela garantia de outras formas e
conteúdos, externos ao discurso da
modernidade, que sejam
reconhecidos
e tratados como cultura e
conhecimento. Mas, para isso, é
preciso discutir o
Estado
queremos para atuar
pluricultural,
reconhecendo
diversidade de etnias e
culturas
precisam ser
pensadas
desenvolvidas,
equitativamente,
através de políticas e
pública de cultura.
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
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(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
colonial. São
essas genealogias que possibilitarão
histórias pluriversais, em contraponto à
história
universal
paradigma
outro
vislumbrarmos
desafio
contemporâneo de pensar políticas e
para
e com a
garantam a
efetivação dos direitos culturais de
todos os povos e grupos que
combatendo
a
monocultura
permanecendo
na luta
pela garantia de outras formas e
conteúdos, externos ao discurso da
reconhecidos
e tratados como cultura e
conhecimento. Mas, para isso, é
Estado
que
de modo
reconhecendo
a
culturas
que
pensadas
e
equitativamente,
da gestão
Políticas públicas e
cultura na
perspectiva
interculturalidade
As reflexões sobre políticas
culturais, gestão cultural e diversidade
cultural vêm se
extrapolando o espo acadêmico,
congregando pesquisadores,
movimentos
sociais,
políticos, expandindo
-
interessados no
campo cultural. Uma
das questões centrais sobre a qual se
debruçam os interessados no debate é
a de como delinear
de cultura que
possam
diversidade cultural,
país, estado ou cidade. Ou ainda,
como realizar gestões públicas para a
proteção e a
promoção da diversidade
cultural? Pensadores e pesquisadores
do campo cultural desdobram
contribuições através de suas análises
e críticas, dentre as quais se destacam
aquelas
voltadas para debater o papel
do Estado na formulação e
implementação de políticas culturais
pautadas na
diversidade
Somam-s
e ao debate as
discussões quanto à esfera pública da
gestão cultural, que o
cidadania cultural compreende a
participação da sociedade civil em
149
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
gestão da
perspectiva
da
As reflees sobre políticas
culturais, gestão cultural e diversidade
multiplicando e
extrapolando o espaço acadêmico,
congregando pesquisadores,
sociais,
artistas e
-
se para além dos
campo cultural. Uma
das questões centrais sobre a qual se
debruçam os interessados no debate é
políticas públicas
possam
contemplar a
seja ela de um
país, estado ou cidade. Ou ainda,
como realizar gestões públicas para a
promoção da diversidade
cultural? Pensadores e pesquisadores
do campo cultural desdobram
-se em
contribuições através de suas análises
e críticas, dentre as quais se destacam
voltadas para debater o papel
do Estado na formulação e
implementação de políticas culturais
diversidade
cultural.
e ao debate as
discuses quanto à esfera pública da
gestão cultural, já que o
exercício da
cidadania cultural compreende a
participação da sociedade civil em
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
instâncias,
processos e espaços
decisórios. Ou seja, pensar políticas e
realizar a gestão cultura
l não
para a diversidade
cultural,
também a partir da
diversidade
públicos. A diversidade cultural é
objeto e sujeito da política e da gestão
cultural pública, que em uma
democracia a participação da
sociedade civil em sua diversidade
institucional e cultural constitui
prerrogativa.
Tomando a realidade brasileira
como ponto de partida, percebemos o
quanto as políticas culturais
avançaram no sentido de contemplar a
diversidade cultural do país, com
destaque para a esfera
gestão pública da cultura
no
primeira década desse
especialmente estimulante, tanto para
o debate quanto para a implementação
de políticas e
de gestão pública de
cultura, ambas focadas em abarcar a
diversidade cultural brasileira. As
ge
stões dos Ministros Gilberto Gil e
Juca Ferreira, durante o Governo Lula,
foram decisivas
para os avanços no
projeto de democracia cultural, para
que os cidadãos vislumbrassem gozar
dos
direitos culturais garantidos pela
Constituição Federal de 1988.
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
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(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
processos e espaços
decirios. Ou seja, pensar políticas e
l não
apenas
cultural,
mas
diversidade
de
públicos. A diversidade cultural é
objeto e sujeito da política e da gestão
cultural pública, já que em uma
democracia a participação da
sociedade civil em sua diversidade
institucional e cultural constitui
uma
Tomando a realidade brasileira
como ponto de partida, percebemos o
quanto as políticas culturais
avançaram no sentido de contemplar a
diversidade cultural do país, com
federal da
no Brasil. A
século foi
especialmente estimulante, tanto para
o debate quanto para a implementação
de gestão pública de
cultura, ambas focadas em abarcar a
diversidade cultural brasileira. As
stões dos Ministros Gilberto Gil e
Juca Ferreira, durante o Governo Lula,
para os avanços no
projeto de democracia cultural, para
que os cidadãos vislumbrassem gozar
direitos culturais garantidos pela
Constituição Federal de 1988.
Exem
plos disso foram as
investidas do Governo Lula na
capoeira
que se iniciaram em 2004,
com o lançamento do Programa
Brasileiro e Mundial da Capoeira, em
Genebra, durante cerimônia em
homenagem ao diplomata brasileiro
Sergio Vieira de Melo, morto em 2003
no Iraque. Duas
ações do Programa
Brasileiro e Mundial da Capoeira foram
efetivadas a partir de 2005: um edital
do Programa Cultura Viva
exclusivamente para selecionar Pontos
de Cultura de Capoeira no estado da
Bahia e o Projeto Capoeira Viva, uma
ação ampliad
a de fomento à capoeira.
Ainda no rol das iniciativas do
Governo Lula, destaca
reconhecimento da capoeira como
Patrimônio Imaterial Brasileiro em
2008, ação que proporcionou sua
nomeação a Patrimônio da
Humanidade pela
Unesco
que a capoeir
a é uma das
manifestações culturais nacionais mais
difundidas pelo mundo
mais de 150 países.
Pesquisadores como Barbalho
observaram que durante o Governo
Lula um tratamento diferenciado foi
dado à questão da diversidade
cultural:
150
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
plos disso foram as
investidas do Governo Lula na
que se iniciaram em 2004,
com o lançamento do Programa
Brasileiro e Mundial da Capoeira, em
Genebra, durante cerimônia em
homenagem ao diplomata brasileiro
Sergio Vieira de Melo, morto em 2003
ações do Programa
Brasileiro e Mundial da Capoeira foram
efetivadas a partir de 2005: um edital
do Programa Cultura Viva
exclusivamente para selecionar Pontos
de Cultura de Capoeira no estado da
Bahia e o Projeto Capoeira Viva, uma
a de fomento à capoeira.
Ainda no rol das iniciativas do
Governo Lula, destaca
-se o
reconhecimento da capoeira como
Patrimônio Imaterial Brasileiro em
2008, ação que proporcionou sua
nomeação a Patrimônio da
Unesco
em 2014,
a é uma das
manifestações culturais nacionais mais
difundidas pelo mundo
- presente em
Pesquisadores como Barbalho
observaram que durante o Governo
Lula um tratamento diferenciado foi
dado à questão da diversidade
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
a diversidade
o
uma
síntese, como
à mestiçagem
durante
Vargas e na
lógica
dos governos
militares, nem
sereduzàdiversidadedeofertas
emummercadoculturalglobaliza
do.Apreocupação da gestão
Gilberto Gil está
em
br
asis, trabalhar com
múltiplas
manifestações
culturais, em
suas
matrizes étnicas,
religiosas,
gênero,
regionais etc.
(BARBALHO,
2007, p. 13
A gestão cultural do Governo
Lula (2003-
2010) posicionou
uma contra-
corrente ao projeto
integração do
Estado
brasileiro através da
cultura,
pelo Governo Vargas e
que
novos contornos com
os
militares após golpe de
primeira década do século XXI, o
Ministério da Cultura apostou em
políticas que
valorizaram e
reconheceram a pluralidade cultural
brasileira, num esforço para
desconstruir a ideia de uma
nacional homogênea e isomorfa. Um
exemplo emblemático de êxito desse
esforço foi o Programa
Cultura
que primou pela
diversidade
expressões culturais,
bem
suas origens étnicas,
geográficas
socioeconômicas, que
passaram
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
não
se torna
ntese, como
no recurso
durante
a era
lógica
integradora
militares, nem
sereduzàdiversidadedeofertas
emummercadoculturalglobaliza
do.Apreocupação da gestão
em
revelar os
asis, trabalhar com
as
manifestações
suas
variadas
religiosas,
de
regionais etc.
2007, p. 13
-14)
A gestão cultural do Governo
2010) posicionou
-se em
corrente ao projeto
de
Estado
-nacional
cultura,
iniciado
que
ganhou
os
governos
1964. Na
primeira década do culo XXI, o
Ministério da Cultura apostou em
valorizaram e
reconheceram a pluralidade cultural
brasileira, num esforço para
desconstruir a ideia de uma
identidade
nacional homogênea e isomorfa. Um
exemplo emblemático de êxito desse
Cultura
Viva,
diversidade
de
bem
como de
geográficas
e
passaram
a ser
apoiadas e
estimuladas
público federal
(LACERDA, 2010).
O que o Governo Lula propôs,
através de políticas como o Programa
Cultura Viva, foi
uma
orientada para o
estabelecimento
uma democracia
cultural
qual o Estado teria o papel de
garantidor de direitos culturais,
entendidos em sua plenitude,
somente direito de acesso aos meios
de produção, fruição e di
cultura, mas
direito do povo de
participar das políticas culturais, com
poder de decisão (CHAUÍ, 2006).
Porém, o Programa, assim como toda
a gestão do MinC, esbarrou em
entraves próprios de um
classista, cuja estrutura e instituições
ser
vem a grupos sociais restritos e a
burocracia é utilizada
para negar o acesso
da
serviços públicos.
O Programa Cultura Viva
alcançou repercussão dentro e fora do
país, sendo apontado
referência para as
políticas
“América Latina”,
o
explicado por
diferentes
modelo inovador
de
aporte direto de
recursos públicos ou
devido ao alcance nacional do
151
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
estimuladas
com recurso
(LACERDA, 2010).
O que o Governo Lula propôs,
através de políticas como o Programa
uma
gestão cultural
estabelecimento
de
cultural
no Brasil, na
qual o Estado teria o papel de
garantidor de direitos culturais,
entendidos em sua plenitude,
e não
somente direito de acesso aos meios
de produção, fruição e di
vulgação da
direito do povo de
participar das políticas culturais, com
poder de decisão (CHAUÍ, 2006).
Porém, o Programa, assim como toda
a gestão do MinC, esbarrou em
entraves próprios de um
Estado
classista, cuja estrutura e instituições
vem a grupos sociais restritos e a
estrategicamente
da
população aos
O Programa Cultura Viva
alcançou repercussão dentro e fora do
país, sendo apontado
como uma
políticas
culturais na
o
que pode ser
diferentes
motivos: seu
de
gestão, pelo
recursos públicos ou
devido ao alcance nacional do
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
Programa. Mas um desses motivos
pode
ser identificado no modo como o
Programa geriu a diversidade cultural
do país. O Cultura
Viva injetou
recursos públicos federais em práticas
de livre-
iniciativa da sociedade civil, ou
seja, atendendo a demandas
espontâneas da sociedade, sem
determinar linguagem, segmento
formato dos p
rojetos apoiados. Assim,
diferentes atores, instituições,
produtores, grupos e
organizações
puderam acessar recursos públicos,
para dinamizar suas iniciativas, ações
e projetos, da maneira
como
mais oportuna,
dentro das
legais.
O nome original
do programa
era Programa Nacional de Cultura,
Educação e Cidadania gerido pela
Secretaria de Programas e Projetos
Culturais (SPPC) desde 2004,
Secretário era Célio
Turino,
passou a se chamar Secretaria de
Cidadania Cultural (SCC) em 2009.
presença do termo cidadania na
nomeação da política e do seu
gestor não é fortuita,
pois, em
análise anterior,
constatamos que:
o Programa [Cultura Viva]
pode ser entendido
uma política de
cultura
aproxima do
paradigma
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
Programa. Mas um desses motivos
ser identificado no modo como o
Programa geriu a diversidade cultural
Viva injetou
recursos públicos federais em práticas
iniciativa da sociedade civil, ou
seja, atendendo a demandas
espontâneas da sociedade, sem
determinar linguagem, segmento
ou
rojetos apoiados. Assim,
diferentes atores, instituições,
organizações
puderam acessar recursos públicos,
para dinamizar suas iniciativas, ações
como
acharam
dentro das
limitações
do programa
era Programa Nacional de Cultura,
Educação e Cidadania gerido pela
Secretaria de Programas e Projetos
Culturais (SPPC) desde 2004,
cujo
Turino,
e que
passou a se chamar Secretaria de
Cidadania Cultural (SCC) em 2009.
A
presença do termo cidadania na
nomeação da política e do seu
órgão
pois, em
uma
constatamos que:
o Programa [Cultura Viva]
pode ser entendido
enquanto
cultura
que se
paradigma
da
democracia
compreende
na sua
radicalidade,
Estado
responvel
assegurar a todo
livre exercio da sua
cidadania
cultural,
dispor de
produção
distribuição da
(LACERDA,
A dimensão
cidadã
foi compreendida e
desenvolvida
apenas pelo
Programa
mas também em
outras
MinC, nas gestões
ainda no intuito de demonstrar
algumas das razões para
aceitação e reverberação do
Programa, principalmente enquanto
política e gestão para a diversidade
cultural, a aposta na
da dinâmica cultural foi decisiva. Ao
mirar o objetivo de proporcionar as
condições materiais e institucionais
para o exercício dos direitos culturais
dos brasileiros, em
sua complexidade,
o MinC
criou o Programa Cultura
como uma política
para
cultural brasileira.
É
interessante
que, nessas mesmas
o Ministério da
Cultura criou a
Secretaria da Identidade e da
Diversidade Cultural, inicialmente
152
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
cultural, que
compreende
o direito cultural
radicalidade,
sendo o
responsável
por
assegurar a todo
cidadão o
livre exercício da sua
cultural,
ou seja,
meios para a
cultural,fruição e
distribuição da
cultura.
(LACERDA,
2010, p. 75-76)
cidadã
da cultura
desenvolvida
não
Programa
Cultura Viva,
outras
frentes do
Gil/Juca. Mas,
ainda no intuito de demonstrar
algumas das razões para
a grande
aceitação e reverberação do
Programa, principalmente enquanto
política e gestão para a diversidade
dimensão cidadã
da dinâmica cultural foi decisiva. Ao
mirar o objetivo de proporcionar as
condições materiais e institucionais
para o exercio dos direitos culturais
sua complexidade,
criou o Programa Cultura
Viva
para
a diversidade
interessante
contextualizar
gestões federais,
Cultura criou a
Secretaria da Identidade e da
Diversidade Cultural, inicialmente
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
gerida pelo secretário Sérgio Mamberti
e, posteriormente, assumida pelo
secretário Américo
Córdula, no intuito
de empreender políticas de defesa e
promoção da diversidade cul
brasileira. Numa análise
gestão, enfatizamos a
entre identidade e
presente na proposta de
Secretaria:
O trabalho
nesses sete
anos de gestão da
Secretaria
priorizou o
investimento
em
culturais em
situação
tais como
grupos
com a
desarticulação
membros e
correm
verem
encerradas
manifestações
segmentos
timas
preconceito
cultural,
das
comunidades
grupos em
situação de risco
social, tais como
quilombolas e
indígenas, que requerem
políticas públicas
articuladas.
(LACERDA,
p. 60)
Além de buscar promover a
inclusão de segmentos culturais
historicamente excluídos
das políticas
culturais, a
Secretaria da Identidade e
da Diversidade Cultural atuou, em
parceria com o Ministério das
Relações Exteriores, na arena
internacional dos debates sobre
diversidade cultural, especialmente
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
gerida pelo secretário Sérgio Mamberti
e, posteriormente, assumida pelo
Córdula, no intuito
de empreender políticas de defesa e
promoção da diversidade cul
tural
pontual da
articulação
diversidade
criação da
desenvolvido
anos de gestão da
priorizou o
em
estratos
situação
de risco,
grupos
que sofrem
desarticulação
de seus
correm
o risco de
encerradas
as suas
culturais;
vítimas
de
cultural,
a exemplo
comunidades
ciganas, e
situação de risco
quilombolas e
indígenas, que requerem
específicas e
(LACERDA,
2010,
Além de buscar promover a
incluo de segmentos culturais
das políticas
Secretaria da Identidade e
da Diversidade Cultural atuou, em
parceria com o Ministério das
Relações Exteriores, na arena
internacional dos debates sobre
diversidade cultural, especialmente
naqueles promovidos no âmbito da
Unesco
. O trabalho do MinC
visibilidade internacional devido ao
papel estratégico desempenhado pelo
Brasil na promulgação
sobre a Proteção e a Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais,
em2005.
Tendo o Programa Cultura Viva
despontado como uma potente política
de valorização
da diversidade cultural
do país, a função da Secretaria da
Identidade e da Diversidade Cultural
passou a ser a de implementar
políticas de identidade. Atuando,
internamente, em frentes
(diversidade, identidade) e,
externamente, de for
(Unesco
), as gestões
conseguiram incluir
a
apenas na agenda
política
do país, mas também agregar
experiência no delineamento de uma
política e modelos de gestão
na diversidade
cultural do país.
Se
no Brasil as políticas e a
gestão pública de cultura do Governo
Lula contribuíram para a promoção e a
proteção da diversidade de
manifestações culturais,
ajudaram no avanço
da
visto que houve
sensível
153
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
naqueles promovidos no âmbito da
. O trabalho do MinC
ganhou
visibilidade internacional devido ao
papel estratégico desempenhado pelo
Brasil na promulgação
da Convenção
sobre a Proteção e a Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais,
Tendo o Programa Cultura Viva
despontado como uma potente política
da diversidade cultural
do país, a função da Secretaria da
Identidade e da Diversidade Cultural
passou a ser a de implementar
políticas de identidade. Atuando,
internamente, em frentes
diversas
(diversidade, identidade) e,
externamente, de for
ma incisiva
), as gestões
Gil/Juca
a
diversidade não
política
e intelectual
do país, mas também agregar
experiência no delineamento de uma
política e modelos de gestão
pautados
cultural do país.
no Brasil as políticas e a
gestão pública de cultura do Governo
Lula contribuíram para a promoção e a
proteção da diversidade de
manifestações culturais,
elas também
da
esfera política,
sensível
aumento da
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
participação d
a sociedade civil nos
processos decisórios relativos à
cultura. Exemplos disso
recorrentes conferências de cultura, a
crescente criação de conselhos de
cultura pelo país e
outras
formas de participação
pública. O papel do
Estado
reconfigurações: de uma atuação
historicamente autoritária para uma
política cultural mais
democrática
também no que diz
respeito
funcionamento de suas
instituições.
Porém, acima de todas essas
questões nas quais a gestão pública
avançou, um obstáculo
interposto: a necessidade de
repensarmos o Estado brasileiro. O
modo como o
Estado foi concebido e a
forma como ele se estruturou no Brasil
ao longo da história não
corresponde
mais às demandas da sociedade
contemporânea, principalmente
se refere
ao campo cultural. Por isso,
defende-
se uma reformulação
conceitual e estrutural do Estado, para
que este
deixe de ser um espaço
social de exercício de poder de uma
classe minoritária, que se utiliza
seus cargos e de sua estrutura para
oprimir a população, passando a ser
um espaço de
empoderamento das
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
a sociedade civil nos
processos decisórios relativos à
foram as
recorrentes conferências de cultura, a
crescente criação de conselhos de
outras
tantas
e escuta
Estado
passou por
reconfigurações: de uma atuação
historicamente autoritária para uma
democrática
respeito
ao
instituições.
Porém, acima de todas essas
questões nas quais a gestão pública
vem sendo
interposto: a necessidade de
repensarmos o Estado brasileiro. O
Estado foi concebido e a
forma como ele se estruturou no Brasil
corresponde
mais às demandas da sociedade
contemporânea, principalmente
no que
ao campo cultural. Por isso,
se uma reformulação
conceitual e estrutural do Estado, para
deixe de ser um espaço
social de exercio de poder de uma
classe minoritária, que se utiliza
de
seus cargos e de sua estrutura para
oprimir a população, passando a ser
empoderamento das
ações e demandas da sociedade, em
sua diversidade, potencializando suas
vocações e
minimizando
carências, nos
diversos
(TURINO, 2009).
Pensar políticas
pública de c
ultura a partir de uma
perspectiva intercultural requer
problematizar as estruturas
institucionais que
reproduzem a
colonialidade
do saber e do
ser
projetos políticos que têm na
promoção da diversidade cultural o
seu
principal objetivo. Um
de se pensar
essas
gestão cultural
decolonialidade
institucional, onde os
sujeitos (cidadãos) e os coletivos
culturais possam ser considerados
capazes de gerir seus processos
políticos e particip
ar ativamente da
vida pública, promovendo
transformação do
Estado
caráter pluriétnico e
pluricultural.
A luta pelo
reconhecimento
Estados
plurinacionais
conseguiu
avanços nos países como a
Bolívia e o Equador,
diferentes da
brasileira.
(2008a), esses
consequências do que a identidade na
154
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
ações e demandas da sociedade, em
sua diversidade, potencializando suas
minimizando
suas
diversos
segmentos
Pensar políticas
e gestão
ultura a partir de uma
perspectiva intercultural requer
problematizar as estruturas
mantêm e
colonialidade
do poder,
ser
e inviabilizam
projetos políticos que têm na
promoção da diversidade cultural o
principal objetivo. Um
dos desafios
essas
políticas e a
passa pela
institucional, onde os
sujeitos (cidadãos) e os coletivos
culturais possam ser considerados
capazes de gerir seus processos
ar ativamente da
vida pública, promovendo
a
Estado
em outro, de
pluricultural.
reconhecimento
de
plurinacionais
e pluriétnicos
avanços nos países como a
Bolívia e o Equador,
realidades bem
brasileira.
Para Mignolo
avanços são
consequências do que a identidade na
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
política pode produzir, uma proposta
defendida pelo autor em
às políticas de
identidade,
essas últimas mais
comuns
América Latina.
Sob o prisma
decolonial, o Estado
moderno
monotópico, fundado e
perpetuado
a falsa idéia da
neutralidade
objetividade
democráticas.
moderno desenvolve uma política de
identidade, sob a tutela de teorias
democráticas
universais, que se
tornam a aparência “natural do
mundo, ou seja: branca,
masculina e
heterossexual. A partir
dessa
outras configurações
identitárias
taxadas como
essencialistas
fundamentalistas: “a política identitária
dominante não se mani
festa como tal,
mas através de
conceitos universais
abstratos como ciência, filosofia,
cristianismo, liberalismo, marxismo e
assim por diante”
(MIGNOLO, 2008a,
p. 289).
O projeto decolonial propõe que
as identidades sejam evidenciadas
para que, assim,
seja
combater essa política de identidade
“invisível”, que é notabilizada
quando
assume sua vero
reparadora ou compensatória, como é
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
política pode produzir, uma proposta
contraponto
identidade,
sendo
comuns
na
da opção
moderno
é
perpetuado
sob
neutralidade
e da
democráticas.
O Estado
moderno desenvolve uma política de
identidade, sob a tutela de teorias
universais, que se
tornam a aparência natural” do
masculina e
dessa
lógica,
identitárias
são
essencialistas
e
fundamentalistas: a política identitária
festa como tal,
conceitos universais
abstratos como ciência, filosofia,
cristianismo, liberalismo, marxismo e
(MIGNOLO, 2008a,
O projeto decolonial propõe que
as identidades sejam evidenciadas
seja
possível
combater essa política de identidade
invisível, que é notabilizada
assume sua versão
reparadora ou compensatória, como é
o caso das políticas culturais de
identidade
voltadas
comunidades
tradicionais
como nos ref
erimos,
grupos étnicos, como quilombolas ou
indígenas. Alguns autores reconhecem
que a questão da diversidade cultural
se confunde com a questão das
minorias étnicas, porém
primeira não pode
ficar
segunda (RIBEIR
O, 2011).
A articulação entre identidade e
diversidade durante a Gestão do
Ministro Gilberto Gil,
da criação da
Secretaria
e da Diversidade
Cultural,
opção pelas políticas de identidade,
denotaram um não
enfrentamento por
parte do Estado
brasileiro
colonial. Ou seja, se
não
identidade na
política,
tratando a
diversidade
e não como regra
aceitando a
colonialidade
padrão de poder e
subjugando
capacidade de produção, cultural e
epistêmica, a esse padrão. Mignolo
argumenta que a
identidade
é crucial para a
opção decolonial,
vez que:
sem a construção de teorias
políticas e a
155
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
o caso das políticas culturais de
voltadas
para as
tradicionais
no Brasil,
erimos,
direcionadas a
grupos étnicos, como quilombolas ou
indígenas. Alguns autores reconhecem
que a questão da diversidade cultural
se confunde com a questão das
minorias étnicas, porém
alertam que a
ficar
circunscrita à
O, 2011).
A articulação entre identidade e
diversidade durante a Gestão do
proposta a partir
Secretaria
da Identidade
Cultural,
bem como a
opção pelas políticas de identidade,
enfrentamento por
brasileiro
da diferença
não
colocarmos a
política,
estaremos
diversidade
como exceção
e continuaremos
colonialidade
como um
subjugando
a nossa
capacidade de produção, cultural e
epistêmica, a esse padrão. Mignolo
identidade
na política
opção decolonial,
uma
sem a construção de teorias
políticas e a
organização de
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
ações políticas
fundame
em identidades
alocadas […]
por
imperiais […], pode
possível
desnaturalizar a
construção racial e
identidade no mundo
em uma
economia
(2008a, p. 289)
O pensamento
apresenta-se como
um caminho para a
pluriversalidade como um projeto
universal, pensamento este que
preconiza um Estado
plurinacional,
que deve ser
reivindicado
movimentos
indígenas
afrodescendentes “latino-
americanos.
Esse horizonte pluriversal se ergue em
detrimento de
um ideal universal
abstrato que foi e é imposto para a
humanidade, na tentativa de anular as
diferenças. Sendo assim,
a
na política combate a
identidade como uma modalidade de
colonialidade do poder. Por isso,
Mignolo postula ser a
identidade na
política a melhor maneira de pensar
decolonialmente pois, para ele, todas
as
outras formas de pensar e de agir
politicamente, que o sejam
decoloniais, significam
permanecer no
âmbito da razão imperial; ou seja,
dentro da polít
ica imperial de
identidades” (2008a,
p. 290).
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
fundame
ntadas
que foram
por
discursos
imperiais [], pode
não ser
desnaturalizar a
construção racial e
imperial da
identidade no mundo
moderno
economia
capitalista.
decolonial
um caminho para a
pluriversalidade como um projeto
universal, pensamento este que
plurinacional,
reivindicado
por
indígenas
e
americanos”.
Esse horizonte pluriversal se ergue em
um ideal universal
abstrato que foi e é imposto para a
humanidade, na tentativa de anular as
a
identidade
política de
identidade como uma modalidade de
colonialidade do poder. Por isso,
identidade na
política a melhor maneira de pensar
decolonialmente pois, para ele, “todas
outras formas de pensar e de agir
politicamente, que não sejam
permanecer no
âmbito da razão imperial; ou seja,
ica imperial de
p. 290).
A perspectiva democrática de
qualquer política pública também
precisa passar por uma
decolonial, ou
ainda,
Mignolo (2008a),
hermenêutica-
decolonial da noção de
democracia. A proposta
contribuição que a civilização
apresentou ao mundo com a
reintrodução do conceito de
democracia através do
moderno, porém, isso não justifica a
imposição para o resto do mundo
desse modo
particular de conceber a
democracia,
pois “quando o conceito
de democracia se converte em
conceito para justificar expanes
imperiais deixa de ser democrático.
(MIGNOLO, 2008b,
nossa).
Essa hermenêutica decolonial
pretende distinguir o
da diversidade d
e projetos decoloniais
que coexistem sob a alcunha de
democracia. Assim, podemos pensar
em democracia em termos de projetos
decoloniais
enquanto
justiça e equidade
a
sendo diversos os
seus
suas línguas e variados
de conhecimento, as religiões e as
subjetividades.
156
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
A perspectiva democrática de
qualquer política blica também
precisa passar por uma
análise
ainda,
como propõe
por uma
decolonial da noção de
democracia. A proposta
não é negar a
contribuição que a civilização
ocidental
apresentou ao mundo com a
reintrodução do conceito de
democracia através do
Estado
moderno, porém, isso não justifica a
imposição para o resto do mundo
particular de conceber a
pois quando o conceito
de democracia se converte em
um
conceito para justificar expansões
imperiais deixa já de ser democrático.”
p. 43, tradução
Essa hermenêutica decolonial
pretende distinguir o
projeto imperial
e projetos decoloniais
que coexistem sob a alcunha de
democracia. Assim, podemos pensar
em democracia em termos de projetos
enquanto
um horizonte de
a
ser alcançado,
seus
caminhos, as
suas línguas e variados
os interesses
de conhecimento, as religiões e as
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
A diferença colonial epistêmica
foi demarcada pelo processo de
afirmação e expansão
possibilitada pelo projeto de
modernidade, portanto, uma tomada
de consciência
desse processo
se desprender dos prinpios
cognitivos e epistêmicos que
construíram e ainda
constroem
diferença colonial.
desprendimento, na
proposta
Mignolo,
“implica imaginar formas de
organização social baseadas em
teorias políticas e econômicas
pen
sadas a partir de histórias,
experiências, subjetividades e
necessidades de países, regiões e
gentes que habitam as regiões ex
colonizadas do globo.” (MIGNOLO,
2008b, p. 51, tradução
nossa).
autor, o desafio atual,
posto
de política de Estado,
seria
Quais caminhos
estão
ao
dilema entre a globalização
de práticas e
crescimento que provém da
fundação
histórica do
capitalismo,
com
retóricas que
adaptação
histórica
capitalismo
em
memórias, subjetividades,
religiões, línguas, formas de
vida alheias
aos
que levaram
a
histórica do
(MIGNOLO,
2008b, p.
tradução nossa)
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
A diferença colonial epistêmica
foi demarcada pelo processo de
afirmação e expano
imperial
possibilitada pelo projeto de
modernidade, portanto, uma tomada
desse processo
implica
se desprender dos princípios
cognitivos e epistêmicos que
constroem
a
Esse
proposta
de
implica imaginar formas de
organização social baseadas em
teorias políticas e econômicas
sadas a partir de histórias,
experiências, subjetividades e
necessidades de países, regiões e
gentes que habitam as regiões ex
-
colonizadas do globo. (MIGNOLO,
nossa).
Para o
posto
em nível
seria
identificar:
estão
abertos
dilema entre a globalização
retóricas de
crescimento que provém da
histórica do
com
práticas e
provém da
histórica
do
em
histórias,
memórias, subjetividades,
religiões, línguas, formas de
aos
processos
a
fundação
capitalismo.
2008b, p.
52,
A opção decolonial propõe que
pensemos a política, a economia e a
cultur
a a partir de
próprias, desvinculando
clássica, fundada e disseminada pelos
europeus, numa
desobediência
epistêmica:
O caminho para o futuro é e
continuará a ser a linha
epistêmica, ou
do pensamento
como a opção dada pelas
comunidades que
privadas de suas almas’ e que
revelam a seu modo de pensar
e de
saber. O que estamos
testemunhando
hoje já
o é um virar à
esquerda’ dentro das maneiras
eurocêntricas de saber, mas
um de
sligar e a
opções
decoloniais. Ou
estamos
testemunhando um
ato de
epistêmica que afeta o Estado
e a economia. (MIGNOLO,
2008a, p. 323
Trabalhar a partir da
desobediência epistêmica é
fundamentar-
se nos conhecimentos,
subjetividades e práticas que foram
silenciados e rebaixados por
categorias ocidentais como
primitivismo e
reinscre
campo epistêmico
pluriversal,
possam suscitar intervenções em
projetos democráticos
157
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
A opção decolonial propõe que
pensemos a política, a economia e a
a a partir de
cosmovisões
próprias, desvinculando
-se da tradição
clássica, fundada e disseminada pelos
atitude de
epistêmica:
O caminho para o futuro é e
continuará a ser a linha
epistêmica, ou
seja, a oferta
do pensamento
decolonial
como a opção dada pelas
comunidades que
foram
privadas de suas ‘almas’ e que
revelam a seu modo de pensar
saber. O que estamos
testemunhando
nos Andes
não é um ‘virar à
esquerda dentro das maneiras
eurontricas de saber, mas
sligar e a
abertura a
decoloniais. Ou
seja,
testemunhando um
desobediência
epistêmica que afeta o Estado
e a economia. (MIGNOLO,
2008a, p. 323
-324)
Trabalhar a partir da
desobediência epistêmica é
se nos conhecimentos,
subjetividades e práticas que foram
silenciados e rebaixados por
categorias ocidentais como
barbárie e
reinscrevê
-las em um
pluriversal,
para que
possam suscitar intervenções em
projetos democráticos
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
contemporâneos. O reconh
dessa diversidade epistêmica nos
mostra que existem outras fontes e
valores de conhecimento,
subjetividades e
outras
baseadas no acúmulo de
experiências
que não se
fundamentam
referências clássicas.
As políticas e a
gestão
no Brasil, em especial
pública,
precisam desenvolver
sentido de abarcar a cultura em seu
sentido ampliado, atentas
que a diversidade cultural representa
no mundo contemporâneo globalizado.
Na primeira década do s
avançamos no debate da diversidade
cultural, caminhando
amadurecimento de uma
intercultural. Porém os últimos cinco
anos impediram esse
desenvolvimento, desestruturando a
gestão federal e influenciando
negativamente nas gestões estadua
e municipais.
A escolha por uma perspectiva
intercultural para as políticas e a
gestão da
diversidade cultural
demanda repensarmos o Estado
brasileiro e suas estruturas
institucionais,
responsáveis pela
produção de políticas de identidade
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
contemporâneos. O reconh
ecimento
dessa diversidade epistêmica nos
mostra que existem outras fontes e
valores de conhecimento,
outras
outras
teorias
experiências
fundamentam
nas
gestão
cultural
na esfera
precisam desenvolver
-se no
sentido de abarcar a cultura em seu
ao desafio
que a diversidade cultural representa
no mundo contemporâneo globalizado.
Na primeira década do s
éculo XXI
avançamos no debate da diversidade
para o
perspectiva
intercultural. Porém os últimos cinco
anos impediram esse
desenvolvimento, desestruturando a
gestão federal e influenciando
negativamente nas gestões estadua
is
A escolha por uma perspectiva
intercultural para as políticas e a
diversidade cultural
demanda repensarmos o Estado
brasileiro e suas estruturas
responsáveis pela
produção de políticas de identidade
(eurocêntricas
, moderno
são invisibilizadas
por
universalidade e
objetividade.
tanto, torna-se
imprescindível a
democratização do Estado brasileiro e
a construção de uma cultura política
que possibilite
vivenciarmos uma
política cultural de
democrática.
O esforço intelectual para
desnaturalizar os mecanismos que
operam no imaginário
brasileiro, como
sinalizou
(1995),
historicamente
reproduzidos,
precisa
exercício de
identificação
outros de
organização e prática
política, conectados em uma rede de
diálogo permanente, a partir de
negociações democráticas. Esse
exercício nos permitirá abordar, de
forma intercultural, as
gestão públicas de
valorizando nossa diversidade ao
promover pensamentos e práticas
subalternizados historicamente, a
exemplo da capoeira.
Colonialidade, cultura
afrobrasileira e capoeira:
contexto histórico e
percepção dos mestres
158
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
, moderno
-coloniais) que
por
categorias como
objetividade.
Para
imprescindível a
democratização do Estado brasileiro e
a construção de uma cultura política
vivenciarmos uma
fato pública e
O esforço intelectual para
desnaturalizar os mecanismos que
operam no imaginário
social e político
sinalizou
Chauí
historicamente
construídos e
precisa
ser somado ao
identificação
de modelos
organização e prática
política, conectados em uma rede de
diálogo permanente, a partir de
negociações democráticas. Esse
exercio nos permitirá abordar, de
forma intercultural, as
políticas e a
cultura do país,
valorizando nossa diversidade ao
promover pensamentos e práticas
subalternizados historicamente, a
Colonialidade, cultura
afrobrasileira e capoeira:
contexto histórico e
percepção dos mestres
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
Identificamos historicame
organização social brasileira uma
recorrência de tipos de conhecimento
e pensamento que, longe de gozar da
legitimação da ciência, permanecem
nas fronteiras e, muitas vezes, nas
bordas da legalidade, como foram os
casos do candomblé e da capoeira no
Brasil.
Ao analisar a dinâmica social
baiana do final do século XVIII e início
do século XIX, Silveira (2006) chamou
a atenção para a política moderada de
tolerância aplicada pelo poder colonial,
mesmo contestada pela corrente
despótica, de fazer “vistas
organizações sociais dos negros
daquela época, que, no longo prazo,
resultou na institucionalização dos
cultos afro-
baianos, dentre outras
coisas. A corrente moderada da
política colonial ancorou
argumento de que apenas a repressão
e a vi
olência da política tirânica
colonial, além de o conter as
sublevações dos negros, eram uma
das causas de muitas das revoltas
organizadas por eles. O Quilombo dos
Palmares aumentava o medo dos
colonos de insurreições escravas e,
com isso, a opção pela po
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
Identificamos historicame
nte na
organização social brasileira uma
recorrência de tipos de conhecimento
e pensamento que, longe de gozar da
legitimação da ciência, permanecem
nas fronteiras e, muitas vezes, nas
bordas da legalidade, como foram os
casos do candomblé e da capoeira no
Ao analisar a dinâmica social
baiana do final do culo XVIII e início
do culo XIX, Silveira (2006) chamou
a atenção para a política moderada de
tolerância aplicada pelo poder colonial,
mesmo contestada pela corrente
despótica, de fazer vistas
grossas” às
organizações sociais dos negros
daquela época, que, no longo prazo,
resultou na institucionalização dos
baianos, dentre outras
coisas. A corrente moderada da
política colonial ancorou
-se no
argumento de que apenas a repressão
olência da política tirânica
colonial, além de não conter as
sublevações dos negros, eram uma
das causas de muitas das revoltas
organizadas por eles. O Quilombo dos
Palmares aumentava o medo dos
colonos de insurreições escravas e,
com isso, a opção pela po
lítica
moderada ganhou força. Segundo
Silveira (2006, p. 154
):
Ao encaminharem tentativas
heroicas de institucionalização
de sua cultura e de seu modo
de viver, ao lutarem pela
cidadania, diríamos hoje, os
africanos, os crioulos, os
mestiços, escravos e li
forçaram uma posição mais
participativa da corrente
moderada e, mesmo contra a
atuação do aparelho de
Estado, levaram a luta para
um outro patamar: agora a
alternativa não era mais vida
ou morte, passava a ser
institucionalização ou
semiclandestini
A consequência desse
posicionamento de grupos
organizados de afrodescendentes,
nesse período, foi a prevalência de
uma postura de meio
corrente moderada, que permitia a
alguns candomblés, maiores e com
mais prestígio, realizarem suas
por meio de licença prévia emitida pela
polícia. Porém, como assinalou
Silveira (2006), a maioria dos
candomblés continuou estigmatizada e
constantemente vigiada pela polícia,
sofrendo com perseguições e
opressão.
Podemos observar uma relação
semelh
ante entre as autoridades, a
política colonial e a capoeira na Bahia,
159
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
moderada ganhou força. Segundo
):
Ao encaminharem tentativas
heroicas de institucionalização
de sua cultura e de seu modo
de viver, ao lutarem pela
cidadania, diríamos hoje, os
africanos, os crioulos, os
mestiços, escravos e li
bertos,
forçaram uma posição mais
participativa da corrente
moderada e, mesmo contra a
atuação do aparelho de
Estado, levaram a luta para
um outro patamar: agora a
alternativa não era mais vida
ou morte, passava a ser
institucionalização ou
semiclandestini
dade.
A consequência desse
posicionamento de grupos
organizados de afrodescendentes,
nesse período, foi a prevalência de
uma postura de “meio
-termo” da
corrente moderada, que permitia a
alguns candomblés, maiores e com
mais prestígio, realizarem suas
festas
por meio de licença prévia emitida pela
polícia. Porém, como assinalou
Silveira (2006), a maioria dos
candomblés continuou estigmatizada e
constantemente vigiada pela polícia,
sofrendo com perseguições e
Podemos observar uma relação
ante entre as autoridades, a
política colonial e a capoeira na Bahia,
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
no mesmo período estudado por
Silveira (2006). Dias (2011), em seu
estudo historiográfico sobre a vida dos
capoeiras na cidade de Salvador, nas
primeira décadas do século XX e suas
relaç
ões sociais, nos mostra como
eles transitavam “por uma zona de
fronteiras tênues ente […] o lícito e o
ilícito, o permitido e o proibido,
adquirindo as características de
“indivíduos complexos e ambíguos,
nem heróis, nem bandidos, mas
sujeitos cuja grande
escola foi o
universo das ruas onde aprenderam a
navegar por dois mundo
aparentemente opostos e teoricamente
cindidos: o mundo da ordem e o
mundo da desordem” (DIAS, 2011, p.
114).
Embora o foco do estudo de
Dias (2011) esteja sobre o sujeito
capoeira
e não no contexto, como
faz Silveira (2006), a autora conseguiu
reunir indícios da existência de
relações entre capoeiristas,
instituições governamentais e políticos
daquela época. Segundo ela,
“capoeiras, indivíduos vistos como
‘valentões’ e ‘afeitos à
desordens’ eram incorporados aos
quadros da polícia, que em tese seria
o órgão responsável pela repressão à
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
no mesmo período estudado por
Silveira (2006). Dias (2011), em seu
estudo historiográfico sobre a vida dos
capoeiras na cidade de Salvador, nas
primeira décadas do século XX e suas
ões sociais, nos mostra como
eles transitavam por uma zona de
fronteiras tênues ente […] o lícito e o
ilícito, o permitido e o proibido”,
adquirindo as características de
indiduos complexos e ambíguos,
nem heróis, nem bandidos, mas
escola foi o
universo das ruas onde aprenderam a
navegar por dois mundo
aparentemente opostos e teoricamente
cindidos: o mundo da ordem e o
mundo da desordem (DIAS, 2011, p.
Embora o foco do estudo de
Dias (2011) esteja sobre o sujeito
o
e não no contexto, como
faz Silveira (2006), a autora conseguiu
reunir indícios da existência de
relações entre capoeiristas,
instituições governamentais e políticos
daquela época. Segundo ela,
capoeiras, indivíduos vistos como
prática de
desordens eram incorporados “aos
quadros da polícia, que em tese seria
o órgão responvel pela repressão à
capoeiragem” (DIAS, 2011, p. 120), já
que a prática de capoeiragem era
crime previsto no Código Penal de
1890. Além da relação de prest
de serviços à polícia, os capoeiras
trabalhavam como capangas de
políticos e autoridades da cidade,
desempenhando importante papel nas
violentas disputas eleitorais da época.
Muitos policiais eram também
capoeiristas, que a maioria do corpo
da po
lícia era formado por pessoas
das mesmas classes e condições
sociais dos capoeiras (negros e
pobres).
Assim como Silveira (2006), que
apontou para uma situação de
semiclandestinidade dos cultos afro
baianos na cidade de Salvador, no
período dos culos XVI
podemos deduzir, a partir do
levantamento realizado por Dias
(2011), que a relação entre capoeira e
legalidade (Estado) era similar. A
criminalização das manifestações de
matriz africana, no Brasil, perdurou até
recentes cadas do culo XX,
quando
foi revogada a lei que proibia a
prática da capoeira, em 1937
(OLIVEIRA; LEAL, 2009), e suspensa
a tutela da polícia sobre os cultos afro
160
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
capoeiragem (DIAS, 2011, p. 120),
que a prática de capoeiragem era
crime previsto no Código Penal de
1890. Além da relação de prest
adores
de serviços à polícia, os capoeiras
trabalhavam como capangas de
políticos e autoridades da cidade,
desempenhando importante papel nas
violentas disputas eleitorais da época.
Muitos policiais eram também
capoeiristas, já que a maioria do corpo
lícia era formado por pessoas
das mesmas classes e condições
sociais dos capoeiras (negros e
Assim como Silveira (2006), que
apontou para uma situação de
semiclandestinidade dos cultos afro
-
baianos na cidade de Salvador, no
período dos séculos XVI
I-XX,
podemos deduzir, a partir do
levantamento realizado por Dias
(2011), que a relação entre capoeira e
legalidade (Estado) era similar. A
criminalização das manifestações de
matriz africana, no Brasil, perdurou até
recentes décadas do século XX,
foi revogada a lei que proibia a
prática da capoeira, em 1937
(OLIVEIRA; LEAL, 2009), e suspensa
a tutela da polícia sobre os cultos afro
-
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
brasileiros, em 1976 (SILVEIRA,
2006).
Criada por negros
escravizados
oriundos de
diferentes
africanas, a capoe
ira encontrou
Brasil
condições para se desenvolver,
foi perseguida e criminalizada pelo
Estado brasileiro em
épocas. Além do seu caráter resistente
à cultura dominante, a capoeira pode
ser
entendida como um exemplo de
conhecimento subalterno
que convive
e dialoga, mesmo que
desiguais, com a cultura e o
conhecimento hegemônico e, por isso
mesmo, persiste no
tempo e
expande territorialmente.
Mesmo livres do peso da
clandestinidade, as produções
culturais e epistêmicas afro
continuaram marginalizadas e
subalternizadas pelo projeto
hegemônico eurocêntrico de
modernidade e, por isso, habitando as
fronteiras (ou bordas) da sociedade. A
definição conceitual de Mignolo (2003)
sobre pensamento de fronteira ajuda
na compreensão d
a condição de
conhecimento subalternizado que a
nossa sociedade relegou à capoeira. O
autor defende que embora em termos
conceituais o habitar, o ser e o pensar
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
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(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
brasileiros, em 1976 (SILVEIRA,
escravizados
diferentes
nações
ira encontrou
no
condições para se desenvolver,
foi perseguida e criminalizada pelo
diferentes
épocas. Além do seu caráter resistente
à cultura dominante, a capoeira pode
entendida como um exemplo de
que convive
em termos
desiguais, com a cultura e o
conhecimento hegemônico e, por isso
tempo e
se
Mesmo livres do peso da
clandestinidade, as produções
culturais e epistêmicas afro
-brasileiras
continuaram marginalizadas e
subalternizadas pelo projeto
hegemônico eurontrico de
modernidade e, por isso, habitando as
fronteiras (ou bordas) da sociedade. A
definição conceitual de Mignolo (2003)
sobre pensamento de fronteira ajuda
a condição de
conhecimento subalternizado que a
nossa sociedade relegou à capoeira. O
autor defende que embora em termos
conceituais o habitar, o ser e o pensar
na fronteira só tenham começado a ser
formulados em finais do culo XX, a
condição em si de ha
pensar na fronteira é muito anterior,
pois se desenvolve juntamente com a
formação histórica do mundo
moderno-
colonial e da economia
capitalista.
Foi a partir da exploração
comercial no Atlântico que se criaram
as condições para a emergênc
habitar nas fronteiras, ou seja, do ser e
do pensar a partir de uma situação de
exterioridade à Europa. Segundo
Mignolo, as condições para uma
epistemologia de fronteira se criam
fundamentalmente nas Américas,
entre os ‘indíos’ e os negros’: duas
c
ategorias inventadas pela
epistemologia territorial teológico
cristã, que era a hegemônica na
cristandade europeia ocidental. (2007,
p. 3, tradução nossa)
Ao nos debruçarmos sobre o
estudo e a análise de pensamentos de
fronteira, estamos contribuindo para
que línguas marginalizadas, religiões,
práticas e formas de pensar
desqualificadas sejam reinscritas em
uma geopolítica do conhecimento e
possam, dessa forma, confrontar as
categorias do pensamento
161
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
na fronteira tenham começado a ser
formulados em finais do século XX, a
condição em si de ha
bitar, de ser e
pensar na fronteira é muito anterior,
pois se desenvolve juntamente com a
formação histórica do mundo
colonial e da economia
Foi a partir da exploração
comercial no Atlântico que se criaram
as condições para a emergênc
ia do
habitar nas fronteiras, ou seja, do ser e
do pensar a partir de uma situação de
exterioridade à Europa. Segundo
Mignolo, as condições para uma
epistemologia de fronteira “se criam
fundamentalmente nas Américas,
entre os indíos’ e os ‘negros’: duas
ategorias inventadas pela
epistemologia territorial teológico
-
cristã, que era a hegemônica na
cristandade europeia ocidental.” (2007,
Ao nos debruçarmos sobre o
estudo e a análise de pensamentos de
fronteira, estamos contribuindo para
que línguas marginalizadas, religiões,
práticas e formas de pensar
desqualificadas sejam reinscritas em
uma geopolítica do conhecimento e
possam, dessa forma, confrontar as
categorias do pensamento
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
hegemônico. Dessa forma, pode
pensar a capoeira enquan
prática e um modo de ser e estar no
mundo que é geopoliticamente
localizada, produzida por sujeitos
marcados pela diferença colonial:
Na América do Sul, na
América Central e no Caribe, o
pensamento decolonial vive
nas mentes e corpos de
indígenas be
m como de afro
descendentes. As memórias
gravadas em seus corpos por
gerações e a marginalização
sócio-
política à qual foram
sujeitos por instituições
imperiais diretas, bem como
por instituições republicanas
controladas pela população
crioula dos descende
europeus, alimentaram uma
mudança na geo
política de Estado de
conhecimento.[…] As opções
decoloniais e o pensamento
decolonial têm uma genealogia
de pensamento que não é
fundamentada no grego e no
latim, mas no quechua e no
aymara, nos nahuatl
tojolabal, nas línguas dos
povos africanos escravizados
que foram agrupadas na
língua imperial da região (cfr.
espanhol, português, frans,
inglês, holandês), e que
reemergiram no pensamento e
no fazer decolonial verdadeiro:
Candomblés, Santería, Vudú
Rastafarianismo,
etc. (MIGNOLO, 2008a, p.
291-
292, grifo nosso)
A capoeira, compreendida
enquanto um pensamento de fronteira,
é produzida às margens do
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
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(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
hegemônico. Dessa forma, pode
-se
pensar a capoeira enquan
to uma
prática e um modo de ser e estar no
mundo que é geopoliticamente
localizada, produzida por sujeitos
marcados pela diferença colonial:
Na América do Sul, na
América Central e no Caribe, o
pensamento decolonial vive
nas mentes e corpos de
m como de afro
-
descendentes. As memórias
gravadas em seus corpos por
gerações e a marginalização
política à qual foram
sujeitos por instituições
imperiais diretas, bem como
por instituições republicanas
controladas pela população
crioula dos descende
ntes
europeus, alimentaram uma
mudança na geo
e na
política de Estado de
conhecimento.[] As opções
decoloniais e o pensamento
decolonial têm uma genealogia
de pensamento que não é
fundamentada no grego e no
latim, mas no quechua e no
aymara, nos nahuatl
s e
tojolabal, nas línguas dos
povos africanos escravizados
que foram agrupadas na
língua imperial da região (cfr.
espanhol, português, francês,
inglês, holandês), e que
reemergiram no pensamento e
no fazer decolonial verdadeiro:
Candomblés, Santería, Vu
,
Rastafarianismo,
Capoeira,
etc. (MIGNOLO, 2008a, p.
292, grifo nosso)
A capoeira, compreendida
enquanto um pensamento de fronteira,
é produzida às margens do
pensamento hegemônico por sujeitos
marginalizados que foram trazidos
forçadamente da África
aqui escravizados e submetidos ao
pensamento hegemônico moderno
colonial e à violência física e simbólica.
Mignolo ressalta que o pensamento de
fronteira (ou decolonial) implica
também o fazer decolonial, já que a
distinção moderna entre t
prática não se aplica quando você
entra no campo do pensamento de
fronteira e nos projetos decoloniais”
(2008a, p. 291). A proposta de pensar
e agir de forma associada, numa
totalidade complexa, é também uma
característica da Capoeira, enquanto
sab
er e prática cuja cosmovio não
compreende a mente (pensar)
dissociada do corpo (fazer).
O conceito de pensamento de
fronteira pode ser entendido como
modos de ser, saber e existir
localizados às margens da
eurocentricidade moderno
que estabele
cem diálogos
permanentes com outros tipos de
pensamento (dominantes,
subalternizados e fronteiriços), a partir
de uma multiplicidade de fronteiras,
marcando um posicionamento
estratégico, no sentido de promover
162
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
pensamento hegemônico por sujeitos
marginalizados que foram trazidos
forçadamente da África
para o Brasil,
aqui escravizados e submetidos ao
pensamento hegemônico moderno
-
colonial e à violência física e simbólica.
Mignolo ressalta que o pensamento de
fronteira (ou decolonial) implica
também o fazer decolonial, “já que a
distinção moderna entre t
eoria e
prática não se aplica quando você
entra no campo do pensamento de
fronteira e nos projetos decoloniais”
(2008a, p. 291). A proposta de pensar
e agir de forma associada, numa
totalidade complexa, é também uma
característica da Capoeira, enquanto
er e prática cuja cosmovisão não
compreende a mente (pensar)
dissociada do corpo (fazer).
O conceito de pensamento de
fronteira pode ser entendido como
modos de ser, saber e existir
localizados às margens da
eurocentricidade moderno
-colonial,
cem diálogos
permanentes com outros tipos de
pensamento (dominantes,
subalternizados e fronteiriços), a partir
de uma multiplicidade de fronteiras,
marcando um posicionamento
estratégico, no sentido de promover
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
giros epistemológicos nas condições
em que se
estabelece esse diálogo e
se produz o conhecimento.
Embora mais tempo
descriminalizada, se comparada ao
candomblé, a capoeira ainda hoje é
subestimada pela sociedade e pelo
Estado brasileiro e são inúmeros os
exemplos que corroboram essa
afirmação.
Em
pesquisa realizada em
2016, ouvimos 33 mestres de capoeira
de cinco estados brasileiros (Bahia,
Pernambuco, São Paulo e Rio de
Janeiro) e do Distrito Federal. Dentre
os objetivos da pesquisa, destacamos
aquele que se refere a percepção que
esses mestres de
capoeira tinham do
tratamento dispensado à Capoeira
pelo Estado e pela sociedade
brasileira. Sobre esse tema, a maioria
dos mestres entrevistados disse sentir
se pouco valorizados e seu trabalho
também muito pouco reconhecido por
ambos. A insatisfação de
grande parte
dos mestres ouvidos deve
-
motivos; para alguns, o problema da
falta de reconhecimento e valorização
afeta acultura popular, como um todo,
não sendo privilégio da capoeira, como
defendeu Mestre Cobra
sua fala:
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
giros epistemológicos nas condições
estabelece esse diálogo e
Embora há mais tempo
descriminalizada, se comparada ao
candomblé, a capoeira ainda hoje é
subestimada pela sociedade e pelo
Estado brasileiro e o inúmeros os
exemplos que corroboram essa
pesquisa realizada em
2016, ouvimos 33 mestres de capoeira
de cinco estados brasileiros (Bahia,
Pernambuco, São Paulo e Rio de
Janeiro) e do Distrito Federal. Dentre
os objetivos da pesquisa, destacamos
aquele que se refere a percepção que
capoeira tinham do
tratamento dispensado à Capoeira
pelo Estado e pela sociedade
brasileira. Sobre esse tema, a maioria
dos mestres entrevistados disse sentir
-
se pouco valorizados e seu trabalho
também muito pouco reconhecido por
grande parte
-
se a muitos
motivos; para alguns, o problema da
falta de reconhecimento e valorização
afeta acultura popular, como um todo,
não sendo privilégio da capoeira, como
Mansa, em
A outra
quest
cultura popular, por
não é valorizada.
é que você
quando
você
que
não é valorizada?
faz uma
coisa marginal, vo é
marginal, não
intelectual
vo
conhecimento que vo
Você está
fazendo
que
é marginal.
verbal)
Para Mestre Cobra Mansa, a
condição de cultura marginal na qual
se encontra acultura popular no Brasil
condiz com o tratamento que é
dispensado aos seus
diferente do tratamento que recebem
representantes de
outros setores da
sociedade. Pode-
se associar essa
percepção do Mestre de marginalidade
daquela cunhada por Mignolo (2008a)
como fronteiriça, sendo a capoeira um
conhecimento
produzido na
do pensamento hegemônico ocidental,
nas suas margens e bordas
geoepistêmicas.
Assim como o conceito de
pensamento fronteiriço, a capoeira é
um pensamento/experiência local
formulada a partir de lógicas outras,
muitas vezes alheias ou opostas
pensamento hegemônico, assim como
vários outros tipos de conhecimento
em diferentes partes do mundo. Retirar
163
periodicos.uff.br/pragmatizes
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Gestão cultural e diversidade
")
quest
ão é que a
cultura popular, por
si só, ela
não é valorizada.
Então, como
é que vo
pode se valorizar
vo
faz uma coisa
não é valorizada?
Se você
coisa marginal, você é
marginal, não
importa o quanto
você
seja, o quanto
conhecimento que você
tenha.
fazendo
uma cultura
é marginal.
(informação
Para Mestre Cobra Mansa, a
condição de cultura marginal na qual
se encontra acultura popular no Brasil
condiz com o tratamento que é
dispensado aos seus
adeptos, muito
diferente do tratamento que recebem
outros setores da
se associar essa
percepção do Mestre de marginalidade
daquela cunhada por Mignolo (2008a)
como fronteiriça, sendo a capoeira um
produzido na
s fronteiras
do pensamento hegemônico ocidental,
nas suas margens e bordas
Assim como o conceito de
pensamento fronteiriço, a capoeira é
um pensamento/experiência local
formulada a partir de lógicas outras,
muitas vezes alheias ou opostas
ao
pensamento hegemônico, assim como
vários outros tipos de conhecimento
em diferentes partes do mundo. Retirar
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
a capoeira desse lugar de
marginalidade no Brasil é repensarmos
o modo como nos relacionamos com
outras localizações históricas e
epistemológica
s, desestabilizando a
ideia de macronarrativa ocidental e de
colonialidade do saber.
Mas essa colonialidade do
saber atravessa outra dimeno da
colonialidade, àquela relativa ao ser,
pois além de perceber que o seu
conhecimento não é valorizado pela
socie
dade, existe também o
sentimento de ser tratado como uma
pessoa de pouco valor, como
compartilhou Mestre
Boca
sua fala:
Para eles, qual é o valor que
eu vou ter
na boca de um
político
ou de um
poder? Eu posso
conhecimento que tenho,
quem vale
é quem é doutor,
quem fez faculdade, que fez
universidade. Mestre que não
sabe ler, como
Pastinha, ou
Bimba e outros.
João Pequeno, João
esses homens
o
se você vê a
assinatura
um
garrancho. Para assinar
nome dele é doutor, está
vendo? Que valor que têm
esses?
(informação verbal)
Assim como Mestre Boca Rica,
muitos outros entrevistados
revelaram um
sentimento
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
a capoeira desse lugar de
marginalidade no Brasil é repensarmos
o modo como nos relacionamos com
outras localizações históricas e
s, desestabilizando a
ideia de macronarrativa ocidental e de
Mas essa colonialidade do
saber atravessa outra dimensão da
colonialidade, àquela relativa ao ser,
pois além de perceber que o seu
conhecimento não é valorizado pela
dade, existe também o
sentimento de ser tratado como uma
pessoa de pouco valor, como
Boca
Rica em
Para eles, qual é o valor que
na boca de um
ou de um
homem de
poder? Eu posso
ter o
conhecimento que tenho,
mas
é quem é doutor,
quem fez faculdade, que fez
universidade. Mestre que não
sabe ler, como
Bimba e
Bimba e outros.
João Pequeno, João
Grande,
não
sabem ler,
assinatura
dele, é
garrancho. Para assinar
o
nome dele é doutor, está
vendo? Que valor que têm
(informação verbal)
Assim como Mestre Boca Rica,
muitos outros entrevistados
idosos
sentimento
de
desvalorização com
relação
como são
tratados,
pelo poder público.
As
Mestres Bimba e
recorrentes nas entrevistas, assim
como a outros mestres do passado,
como exemplos daqueles
morreram desamparados
materialmente, mesmo tendo sido
expoentes da capoeira de sua
Os mestres
também um ressentimento por não
terem seu valor reconhecido pela
sociedade e pelo poder público, os
quais estarão sempre em dívida com
a capoeira. Os entrevistados
disseram achar necessária e justa
uma ação de reparação histórica, por
parte do
Estado e da sociedade
brasileira, principalmente voltada
para os velhos mestres de capoeira,
por considerarem que essas pessoas
foram e ainda são timas de
discriminação.
Para
Segato,
reparatória do Estado tem a função
de combater a discrimi
forma ativa, pois promove
“discriminação
positiva,
através de ações
visam “o
ressarcimento
lesivos cometidos
164
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
relação
à maneira
tratados,
principalmente
As
referências aos
Pastinha foram
recorrentes nas entrevistas, assim
como a outros mestres do passado,
como exemplos daqueles
que
morreram desamparados
materialmente, mesmo tendo sido
expoentes da capoeira de sua
época.
Os mestres
demonstraram
também um ressentimento por não
terem seu valor reconhecido pela
sociedade e pelo poder público, os
quais estarão sempre em dívida com
a capoeira. Os entrevistados
disseram achar necessária e justa
uma ação de reparação histórica, por
Estado e da sociedade
brasileira, principalmente voltada
para os velhos mestres de capoeira,
por considerarem que essas pessoas
foram e ainda são vítimas de
Segato,
uma conduta
reparatória do Estado tem a função
de combater a discrimi
nação de
forma ativa, pois promove
uma
positiva”,
ao interferir
afirmativas que
ressarcimento
por atos
contra um povo
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
assim como a
não
‘compensação’ pelas perdas
ocasionadas” (2006, p. 83).
Segato (2006), ao se referir às
cotas para estudantes negros nas
universidades públicas
elencou as principais eficácias desse
tipo de ação afirmativa, dentre as
quais,
aquela de acusar a existência
do racismo na sociedade brasileira,
que se es
força por negá
sistematicamente. Outro importante
efeito das ações afirmativas, ainda
segundo a autora,
ocorre, pois a
nação aceita publicamente sua
responsabilidade pela prática
sistemática do
racismo ao longo da
sua história”, acata “a denúncia da
ex
istência da discriminação racial na
sociedade brasileira e aceita a dívida
histórica para com seu componente
negro” (SEGATO,
2006,
Assim,uma ação desse
tipo,
para a capoeira,
resultaria
reconhecimento, por parte do Estado
brasileiro, da
sistemática discriminação
sofrida pelos
mestres de capoeira,
enquanto representantes da cultura
afro-
brasileira, lançando as bases para
uma política de compensação que
poderia, entre outras coisas, assegurar
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
noção
de
compensação pelas perdas
ocasionadas” (2006, p. 83).
Segato (2006), ao se referir às
cotas para estudantes negros nas
brasileiras,
elencou as principais eficácias desse
tipo de ação afirmativa, dentre as
aquela de acusar a existência
do racismo na sociedade brasileira,
força por negá
-lo
sistematicamente. Outro importante
efeito das ações afirmativas, ainda
ocorre, pois “a
nação aceita publicamente sua
responsabilidade pela prática
racismo ao longo da
sua história, acata a denúncia da
istência da discriminação racial na
sociedade brasileira e aceita a dívida
histórica para com seu componente
2006,
p. 85).
tipo,
voltada
resultaria
no
reconhecimento, por parte do Estado
sistemática discriminação
mestres de capoeira,
enquanto representantes da cultura
brasileira, lançando as bases para
uma política de compensação que
poderia, entre outras coisas, assegurar
uma pensão para
aqueles
de vulnerabilidade
social.
Podemos aproximar essa
reclamação por reconhecimento de
seus saberes, defendida
mestres entrevistados, daquilo que
Walsh (2005a) denominou de
necessidade de revalorização e
aplicação dos
saberes
mestres, não
como
localizados e
marcados
tempo passado, mas como
conhecimentos que têm
contemporalidade para compreender,
aprender e atuar hoje. Para que essa
revalorização ocorra, a autora sugere
que seja iniciado um
intervenção intelectual e de
pedagogia crítica, que ponham em
considerações
modos
pensar, aprender
e
cruzam fronteiras”
(WALSH,
p. 48).
Outro tema colocado pela
pesquisa foi como os mestres viam a
inserção da capoeira na
baseados em suas vivên
percebiam mudanças nessa interação,
ao
longo dos anos, e como as
qualificavam.
Os
consideraram
existir
aceitação da
capoeira
165
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
aqueles
em situação
social.
Podemos aproximar essa
reclamação por reconhecimento de
seus saberes, defendida
pelos
mestres entrevistados, daquilo que
Walsh (2005a) denominou de
necessidade de revalorização e
saberes
ancestrais dos
como
saberes
marcados
por um
tempo passado, mas como
conhecimentos que têm
contemporalidade para compreender,
aprender e atuar hoje. Para que essa
revalorização ocorra, a autora sugere
que seja iniciado um
“processo de
intervenção intelectual e de
pedagogia crítica, que ponham em
modos
outros de
e
ensinar que
(WALSH,
2005a,
Outro tema colocado pela
pesquisa foi como os mestres viam a
inserção da capoeira na
sociedade e,
baseados em suas vivên
cias, se eles
percebiam mudanças nessa interação,
longo dos anos, e como as
Os
mestres
existir
uma gradual
capoeira
no país, mas
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
destacaram a
rejeição que ela ainda
sofre de outros
setores sociais. Foi em
tom de c
rítica que Mestre Camisa
respondeu a essa
questão:
Eu acho que capoeira, hoje,
como
patrimônio
essa
coisa no papel,
pessoas fora
da
passaram a
entender
até respeitar.
Mas
que é como a liberdade para
o negro, ainda
falta
um... estar
livre... Mas a
igualdade, o respeito, não
tem. A capoeira passa
esse mesmo
processo.
que não
chegou
capoeira o
reconhecimento,
tanto da
sociedade
autoridades,
dos
competentes.
avançou um
pouco, mas ainda é muito
pouco, em
relação
importância, o
significado
capoeira, o que
esse país.
verbal)
Interessa-nos na
fala
Camisa ressaltar a
relação
entre o tratamento
que a sociedade
dispensa à capoeira e ao negro, numa
clara associação ao racismo
no Brasil, que impossibilita um
tratamento igualitário para todos os
brasileiros, pois
manifestações
culturais de origem afro-
brasileira o
discriminadas, a exempl
o da capoeira.
Encontramos uma impressão
semelhante na fala do Mestre Ulisses
Cangaia, que também
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cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
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(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
rejeição que ela ainda
setores sociais. Foi em
rítica que Mestre Camisa
questão:
Eu acho que capoeira, hoje,
patrimônio
imaterial,
coisa no papel,
as
da
capoeira
entender
melhor,
Mas
eu acho
que é como a liberdade para
falta
muito ter
livre... Mas a
igualdade, o respeito, não
tem. A capoeira passa
por
processo.
Acho
chegou
ainda pra
reconhecimento,
sociedade
como das
dos
órgãos
avançou um
pouco, mas ainda é muito
relação
ao valor, à
significado
da
ela fez por
(informação
fala
de Mestre
relação
que ele fez
que a sociedade
dispensa à capoeira e ao negro, numa
clara associação ao racismo
existente
no Brasil, que impossibilita um
tratamento igualitário para todos os
manifestações
brasileira são
o da capoeira.
Encontramos uma impressão
semelhante na fala do Mestre Ulisses
expressou
indignação pela falta de
reconhecimento da importância da
capoeira, por parte da
brasileira e
pelo descaso do poder
público:
Então isso
vem... vo
na conversa: capoeira? É
coisa de negro ainda,
Na visão
como se negro não
prestasse. Eu sempre digo:
se não fosse a
Brasil
estaria
porque em
toda
comunidade
dando aula de capoei
graça, e ela
Pode ser uma
que estou
Mas eu
digo pro
parar pra
comunidade
tem
capoeira, tem capoeira
em
todo o canto, tem
capoeira e o governo
está
bancando
o
povo que
verbal)
Podemos
encontrar
Mestre Ulisses
parte
explicação para
a
sofrida pela
capoeira
está associada à sua
Outros mestres
concordaram com os
e Ulisses
Cangaia
diversas situações
nas
vítimas de
discriminação
e cultural,
algumas delas vividas em
um passado distante, há 20 ou 30
166
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
indignação pela falta de
reconhecimento da importância da
capoeira, por parte da
sociedade
pelo descaso do poder
vem... você
chega
na conversa: capoeira? É
coisa de negro ainda,
não é?
como se negro não
prestasse. Eu sempre digo:
se não fosse a
capoeira, o
estaria
mais violento,
toda favela, em
comunidade
tem alguém
dando aula de capoei
ra, de
graça, e ela
salva vidas.
Pode ser uma
coisa idiota
falando hoje [...]
digo pro
pessoal
refletir que toda
comunidade
que você chegar
capoeira, tem capoeira
todo o canto, tem
capoeira e o governo
não
bancando
nada disso. É
povo que
faz. (informação
encontrar
na fala de
parte
de uma
a
discriminação
capoeira
no Brasil, que
origem africana.
entrevistados
Mestres Camisa
Cangaia
e relataram
nas
quais foram
discriminação
racial, social
algumas delas vividas em
um passado distante, 20 ou 30
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
anos atrás, e outras bem mais
recentes.
Essas
situações
discriminação, que
recaem
condição de capoeirista,
demonstram
a ão do racismo, que avança para a
esfera epistemológica, o permitindo
que
os mestres de capoeira recebam
um tratamento compatível com o grau
de importância que
representam
a diversidade cultural
brasileira.
concepção defendida
por
(2005a), a colonialidade
produziu esse racismo
epistemológico,
pois:
Ao
estabelecer a raça
algo permanente e fixo e ao
promover uma
subordinação
letrada
dos indígenas e afros
como não
racionais e
incapazes
de intervir
produção do conhecimento, a
colonialidade do poder
uma diferença
simplesmente
étnica
mas colonial e
(WALSH,
2005a,
tradução nossa)
A colonialidade do poder
transpassa o campo do saber,
descartando a intelectualidade
afrodescendente
como no caso dos
Mestres de Capoeira e seus saberes
, ao considerar o
eurocentrismo como
a única perspectiva de conhecimento,
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
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(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
anos atrás, e outras bem mais
situações
de
recaem
sobre a
demonstram
a ação do racismo, que avança para a
esfera epistemológica, não permitindo
os mestres de capoeira recebam
um tratamento compatível com o grau
representam
para
brasileira.
Na
por
Walsh
do poder
epistemológico,
estabelecer a raça
como
algo permanente e fixo e ao
subordinação
dos indígenas e afros
racionais e
de intervir
na
produção do conhecimento, a
colonialidade do poder
instalou
que não é
étnica
e racial,
epistêmica.
2005a,
p. 42,
A colonialidade do poder
transpassa o campo do saber,
descartando a intelectualidade
como no caso dos
Mestres de Capoeira e seus saberes
eurocentrismo como
a única perspectiva de conhecimento,
que se encontra entranhada nas
instituições da soci
edade
Ainda sobre
o tratamento que a
sociedade brasileira dispensa à
capoeira na atualidade, Mestre Corisco
trouxe em sua fala
uma reflexão sobre
o reconhecimento da
Houve um
capoeira
era
e não
havia
Hoje, existe
reconhecimento, em
áreas, o
reconhecimento
capoeirista
Em
outras
reconhecimento
capoeira é uma
pode
fazer
funcionar.
Então,
reconhecimento
e
funcional,
simplesmente
ferramenta
com esse
tipo
e de
administração
pode
descaracterização,
desrespeito,
da
capoeira.
verbal)
Mestre Corisco desenhou um
cenário onde o reconhecimento da
capoeira, por parte da
ocorre em dois níveis: um primeiro,
que ele chama de verdadeiro
reconhecimento,
protagonizado por
alguns setores da sociedade
não especifica
mas que ocorre em
uma escala menor; e um segundo tipo
167
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
que se encontra entranhada nas
edade
brasileira.
o tratamento que a
sociedade brasileira dispensa à
capoeira na atualidade, Mestre Corisco
uma reflexão sobre
capoeira:
tempo em que a
era
marginalizada
havia
reconhecimento.
Hoje, existe
algum
reconhecimento, em
algumas
áreas, o
verdadeiro
reconhecimento
como nós
poderíamos dizer.
outras
áreas um
reconhecimento
de que a
capoeira é uma
graxa que
fazer
aquela máquina
Então,
existe um
reconhecimento
estratégico
funcional,
a capoeira
simplesmente
como uma
e com isso ela...
tipo
de pensamento
administração
é aonde
ocorrer a
descaracterização,
desrespeito,
a condução
capoeira.
(informação
Mestre Corisco desenhou um
cenário onde o reconhecimento da
capoeira, por parte da
sociedade,
ocorre em dois níveis: um primeiro,
que ele chama de verdadeiro
protagonizado por
alguns setores da sociedade
que ele
mas que ocorre em
uma escala menor; e um segundo tipo
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
de reconhecimento, que ele chama de
estratégico e
funcional, que utiliza a
capoeira como um meio, ou seja, um
instrumento de socialização, uma
ferramenta para aplacar
social. Nesse
segundo
reconhecimento, o que
questão não é a “capoeira pela
capoeira”, com um fim em si mesma,
mas uma visão
utilitarista da cultura
no caso da capoeira
consequências danosas para a
mesma,conforme
alertou o mestre.
Pensar as
relações
culturas a partir de uma
intercultural
corresponde ao que
Mestre Corisco chamou de
“reconhecimento verdadeiro da
capoeira, como de
outras
culturais e epistêmicas, na
da nossa sociedade.
Segundo Mestre Ulisses
Cangaia, a capoeira em Pernambuco é
muito mal vista pela
sociedade de
modo geral e isso se deve à violência
das rodas que ocorreram em diversas
cidades da região metropolitana de
Recife, até meados da década de
1990, uma época que
ficou conhecida
pelas bri
gas, rixas e agressões entre
os capoeiristas que delas
participavam. Talvez
esse
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
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(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
de reconhecimento, que ele chama de
funcional, que utiliza a
capoeira como um meio, ou seja, um
instrumento de socialização, uma
a exclusão
segundo
tipo de
está em
questão não é a capoeira pela
capoeira, com um fim em si mesma,
utilitarista da cultura
que traz
consequências danosas para a
alertou o mestre.
relações
entre as
perspectiva
corresponde ao que
Mestre Corisco chamou de
reconhecimento verdadeiro” da
outras
matrizes
constituição
Segundo Mestre Ulisses
Cangaia, a capoeira em Pernambuco é
sociedade de
modo geral e isso se deve à violência
das rodas que ocorreram em diversas
cidades da região metropolitana de
Recife, até meados da cada de
ficou conhecida
gas, rixas e agressões entre
os capoeiristas que delas
esse
contexto
passado explique,
em
de quase todos
pernambucanos entrevistados
relatarem terem sofrido algum tipo
de discriminação. Mestra
Guerreira, após relatar um caso de
discriminação do qual foi vítima,
avaliou a postura
da
seguinte maneira:
Mudou um pouquinho
relação a antes, porque antes
era apontado e dizia:
maconheiro, o desordeiro, o
marginal’. Hoje é menos
está mais
mais
disfarçado. Porque,
assim, vo
dizer você
dizer o
sentido
Então,
mudou
É como a música que tem, de
Boa Voz, que diz que antes
agente era escravo,
diretamente
chicotada, levando
hoje
muitos
mas somos
a gente é escravo
né? Pra
você, sempre tem que
ter hora pra
bater
ponto.
doente,
o
atestado,
descontado. Então, não
de ser escravo, né? El
sendo
escravo do
Então, a mesma
termo do preconceito a
capoeira. Ele
diretamente o dedo
cara, porque sabe que agora
tem lei.
Mas que
coração
aberto,
(informação verbal)
168
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
em
parte, o porquê
os mestres
pernambucanos entrevistados
relatarem já terem sofrido algum tipo
de discriminação. Mestra
Shirlei
Guerreira, após relatar um caso de
discriminação do qual foi vítima,
da
sociedade da
Mudou um pouquinho
em
relação a antes, porque antes
era apontado e dizia:
‘lá vai o
maconheiro, o desordeiro, o
marginal. Hoje é menos
, ou
disfarçado? Está
disfarçado. Porque,
assim, você
não é obrigado a
é malandro’ pra
sentido
da palavra.
mudou
artificialmente.
É como a música que tem, de
Boa Voz, que diz que antes
agente era escravo,
escravo, levando
chicotada, levando
tudo. E
muitos
acham que não,
escravos também,
a gente é escravo
do ponto,
você, sempre tem que
pegar no trabalho,
ponto.
Se você estiver
não
chegar com
é falta e é
descontado. Então, não
deixou
de ser escravo, né? El
e está
escravo do
trabalho. [...]
Então, a mesma
coisa no
termo do preconceito a
capoeira. Ele
não aponta
diretamente o dedo
na sua
cara, porque sabe que agora
Mas que
é aceito de
aberto,
não é.
(informação verbal)
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
A existência
preconceito velado
contra
e seus praticantes foi
apontado
Mestra Shirlei
Guerreira,
praticantes são
estigmatizados como
“marginais”,
“malandros”
“maconheiros”.
Segundo
(2006), as ações
discriminatórias
mais frequentes de cunho racista o
inconscientes
ou disfarçadas, como
qualificou Mestra Shirlei Guerreira
que justificaria a negação do
fenômeno racismo e a
necessidade
de implementaçã
o de ações de
correção da tendência de privilegiar o
branco na sociedade
brasileira.
O racismo estruturante, na
opinião de Segato (2006), tem origem
no sistema de
escravocrata, que foi sedimentado
pela ideologia e reproduzido pela
cultura do
povo brasileiro. Para
autora, “a suspensão da
ordem
que garantia a
exclusão
durante o período de vigência da
escravidão no país, “foi substituída por
uma caução ideológica, o racismo, que
passou a ser a norma o
garantir a p
ermanência da excluo
das
pessoas negras” (SEGATO, 2006,
p. 81). Assim, as relações sociais da
escravidão são marcadas pela
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
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(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
de um
contra
a capoeira
apontado
por
Guerreira,
pois seus
estigmatizados como
malandros”
e
Segundo
Segato
discriminatórias
mais frequentes de cunho racista são
ou disfarçadas, como
qualificou Mestra Shirlei Guerreira
– o
que justificaria a negação do
necessidade
o de ações de
correção da tendência de privilegiar o
brasileira.
O racismo estruturante, na
opinião de Segato (2006), tem origem
exploração
escravocrata, que foi sedimentado
pela ideologia e reproduzido pela
povo brasileiro. Para
a
ordem
jurídica
exclusão
na lei”,
durante o período de vigência da
escravidão no país, foi substituída por
uma caução ideológica, o racismo, que
passou a ser a norma não
-jurídica a
ermanência da exclusão
pessoas negras” (SEGATO, 2006,
p. 81). Assim, as relações sociais da
escravidão o marcadas pela
exclusão de grande
população e serviram de base para a
sociabilidade brasileira, convertendo
se em costume.
Consideraçõ
es finais
O pensamento decolonial busca
a desmitificação da superioridade do
conhecimento moderno
relação a outras formas de pensar e
compreender o mundo, assumindo um
paradigma outro para pensar e agir na
diversidade cultural que lastrei as
políticas e gestão púbica de cultura.
Mesmo com o êxito de um projeto
hegemônico durante culos, outros
tipos de conhecimentos inferiorizados
e desqualificados continuaram
existindo através de suas dinâmicas
sociais próprias, habitando as bordas
da socied
ade às quais foram
relegados e apontando para uma
resistência epistemológica, como foi o
caso da capoeira.
Uma política de reparação que
promova ações
afirmativas com o
objetivo de corrigir as injustas
condições de vida a que foram
relegados os
velhos
exemplo da implementação de
pensões vitalícias, atuaria no
reconhecimento
tardio dos esforços
169
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Gestão cultural e diversidade
")
exclusão de grande
parcela da
população e serviram de base para a
sociabilidade brasileira, convertendo
-
es finais
O pensamento decolonial busca
a desmitificação da superioridade do
conhecimento moderno
-ocidental em
relação a outras formas de pensar e
compreender o mundo, assumindo um
paradigma outro para pensar e agir na
diversidade cultural que lastrei as
políticas e gestão púbica de cultura.
Mesmo com o êxito de um projeto
hegemônico durante séculos, outros
tipos de conhecimentos inferiorizados
e desqualificados continuaram
existindo através de suas dinâmicas
sociais próprias, habitando as bordas
ade às quais foram
relegados e apontando para uma
resistência epistemológica, como foi o
Uma política de reparação que
afirmativas com o
objetivo de corrigir as injustas
condições de vida a que foram
velhos
mestres, a
exemplo da implementação de
pensões vitalícias, atuaria no
tardio dos esforços
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
no Brasil.. PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em
Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 135-173
, se
dessas pessoas que dedicaram suas
vidas à preservação e à difusão de
uma
manifestação cara à cultura
brasileira. Ademais, uma política de
reparação, al
ém do efeito
representaria o
reconhecimento
público dos danos
causados
atuação,
historicamente racista do
Estado e da sociedade brasileira,
dirigida a esse grupo de pessoas.
Dessa forma, ao
assumir
enquanto uma prática
enraizada na
estrutura social
brasileira, estaríamos dando um
importante passo para o seu combate,
no campo da cultura.
Além do reconhecimento
material, o tratamento que os mestres
recebem da sociedade
brasileira, que
não reconhece valor no trabalho que
desenvolvem, demanda outros tipos
de ações e políticas. Esse tratamento
depreciativo não é um privilégio da
capoeira sendo
extensivo
expressões
de culturas
subalternizadas. As gestões públicas
precisam considerar esse déficit de
reconhecimento
público do
mestres de capoeira, agindo não
apenas na correção material da
questão que se
mostra mais urgente
mas também no âmbito simbólico.
LACERDA, Alice Pires de. Política e gestão pública para a diversidade
cultural em perspectiva decolonial: um paradigma outro para a Capoeira
Americana de Estudos em
, se
t. 2023. www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Gestão cultural e diversidade
dessas pessoas que dedicaram suas
vidas à preservação e à difusão de
manifestação cara à cultura
brasileira. Ademais, uma política de
ém do efeito
material,
reconhecimento
causados
por uma
historicamente racista do
Estado e da sociedade brasileira,
dirigida a esse grupo de pessoas.
assumir
o racismo
sistemática
estrutura social
brasileira, estaríamos dando um
importante passo para o seu combate,
Além do reconhecimento
material, o tratamento que os mestres
brasileira, que
não reconhece valor no trabalho que
desenvolvem, demanda outros tipos
de ações e políticas. Esse tratamento
depreciativo não é um privilégio da
extensivo
a outras
de culturas
subalternizadas. As gestões públicas
precisam considerar esse déficit de
público do
valor dos
mestres de capoeira, agindo não
apenas na correção material da
mostra mais urgente
mas também no âmbito simbólico.
A relação entre sociedade
brasileira e capoeira vem sendo
marcada
pelo conflito, imbricada em
relaçõ
es sociais historicamente
constituídas,
nas quais
sociedade vêm lutando por espaços de
manifestação e pelo direito de
exercício de sua
esforços
empreendidos
Bimba e Pastinha
descriminalizar a
capoeira,
na sua exclusão do
1934, e o
reconhecimento
valor, enquanto uma
cultura afro-
brasileira,
sendo demandados
mestras na contemporaneidade.
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Gestão cultural e diversidade
")
A relação entre sociedade
brasileira e capoeira vem sendo
pelo conflito, imbricada em
es sociais historicamente
nas quais
setores da
sociedade vêm lutando por espaços de
manifestação e pelo direito de
cidadania. Os
empreendidos
por Mestres
no sentido de
capoeira,
resultando
código penal em
reconhecimento
do seu
manifestação da
brasileira,
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