LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v13i24.55778
Resumo:
Este artigo busca compreender como é feita a cobertura jornalística dos casos de
feminicídio no Sertão Paraibano, a partir do discurso utilizado pelo veículo Diário do Sertão, um dos
mais importantes da região, em relação aos crimes extremos de gên
sete casos de feminicídio ocorridos no Sertão da Paraíba no ano de 2020 e analisadas as posições
discursivo-
ideológicas presentes nas matérias. O que se observa é a despolitização do crime, pois
nem sempre os assassinatos o
cenário de violência contra as mulheres. As autoridades policiais o a principal e, na maioria das
vezes, a única fonte ouvida. Além disso, há o silenciamento de informações importantes sobr
prevenção e disque- denúncias.
Palavras-chave: Mídia; f
Regularidades discursivas de los casos de feminicidio en el
Resumen:
Este artículo busca comprender cómo
feminicidio en el Sertão Paraibano, a partir del discurso utilizado por el Diário do Sertão, uno de los
más importantes de la región, en relación a los crímenes extremos de género/patriarcado. Se
analiza
ron los siete casos de feminicidios ocurridos en el Sertão da Paraíba en 2020 y se analizaron
las posiciones discursivo-
ideológicas presentes en los artículos. Lo que se observa es la
despolitización del crimen, pues los asesinatos no siempre son retratado
como la descontextualización del escenario de la violencia contra las mujeres. Las autoridades
policiales son la principal y, en la mayoría de los casos, la única fuente escuchada. Además, se
silencia información importante sobre p
Palabras clave:
Medios de comunicación; feminicidio;
movimiento feminista.
1 Luana Brito Lacerda.
Graduanda em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba
Email: luablacerda@gmail.com
2
Demerval Ricardo Lellis. Graduando em Jornalismo da Universidade
Brasil.. Email:
riccchys@outlook.com
3 Glória Rabay.
Doutora em Ciências Sociais (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
Professora do PPG em Jornalismo e do PPG em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas
Universidade Federal da Paraíba
https://orcid.org/0000-0002-
0985
Recebido em 31/08/2022,
aceito para publicação em
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão
Luana Brito Lacerda
Demerval Ricardo Lellis
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v13i24.55778
Este artigo busca compreender como é feita a cobertura jornastica dos casos de
feminidio no Sertão Paraibano, a partir do discurso utilizado pelo veículo Diário do Sertão, um dos
mais importantes da região, em relação aos crimes extremos de gên
ero. Foram analisados todos os
sete casos de feminidio ocorridos no Sertão da Paraíba no ano de 2020 e analisadas as posições
ideológicas presentes nas matérias. O que se observa é a despolitização do crime, pois
nem sempre os assassinatos são
retratados como feminicídios, bem como a descontextualização do
cenário de violência contra as mulheres. As autoridades policiais são a principal e, na maioria das
vezes, a única fonte ouvida. Além disso, o silenciamento de informações importantes sobr
eminidio; Diário do Sertão;
sociedade paraibana; m
ovimento
Regularidades discursivas de los casos de feminicidio en el
Diário do Sertão
Este artículo busca comprender cómo
se realiza la cobertura periodística de los casos de
feminicidio en el Sertão Paraibano, a partir del discurso utilizado por el Diário do Sertão, uno de los
más importantes de la región, en relación a los crímenes extremos de nero/patriarcado. Se
ron los siete casos de feminicidios ocurridos en el Sertão da Paraíba en 2020 y se analizaron
ideológicas presentes en los artículos. Lo que se observa es la
despolitización del crimen, pues los asesinatos no siempre son retratado
s como feminicidios, así
como la descontextualización del escenario de la violencia contra las mujeres. Las autoridades
policiales son la principal y, en la mayoría de los casos, la única fuente escuchada. Además, se
silencia información importante sobre p
revención.
Medios de comunicación; feminicidio;
Diário do Sertão
; s
Graduanda em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba
https://orcid.org/0000-0001-7791-7835.
Demerval Ricardo Lellis. Graduando em Jornalismo da Universidade
Federal da Paraíba
riccchys@outlook.com
– https://orcid.org/0000-0001-6123-1687.
Doutora em Ciências Sociais (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
Professora do PPG em Jornalismo e do PPG em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas
Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), Brasil.
Email: gloria.rabay@gmail.com.
0985
-9044.
aceito para publicação em
02/02/20
23 e disponibilizado online em
01/03/2023.
75
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão
Luana Brito Lacerda
1
Demerval Ricardo Lellis
2
Glória Rabay3
Este artigo busca compreender como é feita a cobertura jornalística dos casos de
feminidio no Sertão Paraibano, a partir do discurso utilizado pelo veículo Diário do Sertão, um dos
ero. Foram analisados todos os
sete casos de feminidio ocorridos no Sertão da Paraíba no ano de 2020 e analisadas as posições
ideológicas presentes nas matérias. O que se observa é a despolitização do crime, pois
retratados como feminidios, bem como a descontextualização do
cenário de violência contra as mulheres. As autoridades policiais o a principal e, na maioria das
vezes, a única fonte ouvida. Além disso, há o silenciamento de informações importantes sobr
e
ovimento
feminista.
Diário do Sertão
se realiza la cobertura periodística de los casos de
feminicidio en el Sertão Paraibano, a partir del discurso utilizado por el Diário do Sertão, uno de los
más importantes de la región, en relación a los crímenes extremos de género/patriarcado. Se
ron los siete casos de feminicidios ocurridos en el Sertão da Paraíba en 2020 y se analizaron
ideológicas presentes en los artículos. Lo que se observa es la
s como feminicidios, así
como la descontextualización del escenario de la violencia contra las mujeres. Las autoridades
policiales son la principal y, en la mayoría de los casos, la única fuente escuchada. Además, se
; s
ociedad Paraíba;
Graduanda em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), Brasil.
Federal da Paraíba
(UFPB),
Doutora em Ciências Sociais (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
Professora do PPG em Jornalismo e do PPG em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas
Email: gloria.rabay@gmail.com.
23 e disponibilizado online em
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
Discursive regularities of feminicide cases in the
Abstract
This article seeks to understand the journalistic
Paraibano, based on the discourse used by the Diário do Sertão, one of the most important news
website of the region, in relation to extreme crimes of gender. All seven cases of femicides that
occurred in Sertão da Para
íba in 2020 were analyzed and the discursive
in the articles were analyzed. What is observed is the depoliticization of crime, as murders are not
always portrayed as femicides, as well as the decontextualization of the scenari
women. Police authorities are the main and, in most cases, the only source heard. In addition,
important information on prevention and emergence phone lines is silenced.
Keywords: Media; femicide;
Diário do Sertão
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão
Introdução
A violência contra
as mulheres
um fenômeno que atravessa culos e
economias distintas. Essa estrutura de
opressão,
quer seja tratada como
patriarcado ou re
lações de
reatualiza-se
na modernidade
feminicídios são seus produtos diretos
O feminicídio é
a expressão extrema
dessa violência: a punição com morte
dos corpos femininos.
A manutenção
d
essa opressão
necessariamente pelo corpo das
instituiçõ
es, corporações e dos
aparelhos ideológicos do Estado,
disseminando-
se em nossas relações
pessoais.
C
omo agente ideológico, a
mídia cumpre um papel importante na
manutenção e reprodução desses
problemas. No caso dos feminidios,
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
Discursive regularities of feminicide cases in the
Diário do Sertão
This article seeks to understand the journalistic
coverage of femicide cases in Sertão
Paraibano, based on the discourse used by the Diário do Sertão, one of the most important news
website of the region, in relation to extreme crimes of gender. All seven cases of femicides that
íba in 2020 were analyzed and the discursive
-
ideological positions present
in the articles were analyzed. What is observed is the depoliticization of crime, as murders are not
always portrayed as femicides, as well as the decontextualization of the scenari
women. Police authorities are the main and, in most cases, the only source heard. In addition,
important information on prevention and emergence phone lines is silenced.
Diário do Sertão
; Paraiba society; feminist m
ovement.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão
as mulheres
é
um fenômeno que atravessa séculos e
economias distintas. Essa estrutura de
quer seja tratada como
lações de
gêneros,
na modernidade
e os
feminidios o seus produtos diretos
.
a expressão extrema
dessa violência: a punição com morte
A manutenção
essa opressão
acontece
necessariamente pelo corpo das
es, corporações e dos
aparelhos ideológicos do Estado,
se em nossas relações
omo agente ideológico, a
mídia cumpre um papel importante na
manutenção e reprodução desses
problemas. No caso dos feminicídios,
ela
atua conferindo justi
através de estereótipos que
culpabilizam as vítimas. A legitimação
e naturalização das desigualdades
sociais e de gênero ocorrem pela
“representação do mundo social (e, em
particular, da política) feita pela mídia
(e, em particular, pelo jornalis
contribui para perpetuar tal
desigualdade” (MIGUEL; BIROLI,
2011, p.12),
auxiliando
manutenção desses cenários de
violência. Dessa forma, podemos falar
no exercício de uma pedagogia da
crueldade, por meio da qual a mídia
ensina à sociedade a
com a tima (SEGATO,
THURLER, 2017
). Além do mais,
muitas matérias o
predominantemente descontínuas e
pontuais, provocando o sentimento de
76
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
coverage of femicide cases in Sertão
Paraibano, based on the discourse used by the Diário do Sertão, one of the most important news
website of the region, in relation to extreme crimes of gender. All seven cases of femicides that
ideological positions present
in the articles were analyzed. What is observed is the depoliticization of crime, as murders are not
always portrayed as femicides, as well as the decontextualization of the scenari
o of violence against
women. Police authorities are the main and, in most cases, the only source heard. In addition,
ovement.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão
atua conferindo justi
ficativas
através de estereótipos que
culpabilizam as vítimas. A legitimação
e naturalização das desigualdades
sociais e de gênero ocorrem pela
representação do mundo social (e, em
particular, da política) feita pela mídia
(e, em particular, pelo jornalis
mo) que
contribui para perpetuar tal
desigualdade (MIGUEL; BIROLI,
auxiliando
para a
manutenção desses cenários de
violência. Dessa forma, podemos falar
no exercio de uma pedagogia da
crueldade, por meio da qual a mídia
ensina à sociedade a
não ter empatia
com a vítima (SEGATO,
2016 apud
). Além do mais,
muitas matérias são
predominantemente descontínuas e
pontuais, provocando o sentimento de
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
que os feminicídios são fatos isolados
Como aponta Thurler (
2017, p. 46):
O que ganha espaço no debate
público e o que é condenado ao
silêncio está condicionado
caso da violência contra a mulher
e os feminicídios
entre os sexos, à estratificação
entre o público e o privado. A
despolitização dos feminicídios
a
meniza o sentido radical de
dominação masculina sobre a
vida, tanto por meio dos espaços
de liberdade de escolha, quanto
pelos espaços a que as mulheres
estão destinadas e têm sido
também, histórica e socialmente,
revestidos de menor valor.
Diante desse cenário,
estudo busca
responder como é
realizada a cobertura jornalística dos
casos de feminicídios no Sertão da
Paraíba. Compreendendo que
“somente uma postura crítica da mídia
diante desses crimes hediondos
poderá contribuir para reduzi
ocorrer mudança em comportamentos
coletivos e individuais” (THURLER,
2017, p. 4).
O que é feminicídio?
O texto Femicide
, de Jane
Caputi e Diana Russell, publicado nos
anos 1990, nos Estados Unidos, é a
primeira referência de formulação do
te
rmo feminicídio como conhecemos
hoje:
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
que os feminidios são fatos isolados
.
2017, p. 46):
O que ganha espaço no debate
público e o que é condenado ao
silêncio está condicionado
no
caso da violência contra a mulher
à hierarquia
entre os sexos, à estratificação
entre o público e o privado. A
despolitização dos feminicídios
meniza o sentido radical de
dominação masculina sobre a
vida, tanto por meio dos espaços
de liberdade de escolha, quanto
pelos espaços a que as mulheres
estão destinadas e têm sido
também, histórica e socialmente,
revestidos de menor valor.
Diante desse cenário,
este
responder como é
realizada a cobertura jornalística dos
casos de feminidios no Sertão da
Paraíba. Compreendendo que
somente uma postura crítica da mídia
diante desses crimes hediondos
poderá contribuir para reduzi
-los, para
ocorrer mudança em comportamentos
coletivos e individuais” (THURLER,
”, de Jane
Caputi e Diana Russell, publicado nos
anos 1990, nos Estados Unidos, é a
primeira referência de formulação do
rmo feminidio como conhecemos
O femicídio representa o extremo
de um continuum de terror anti
feminino e inclui uma ampla
variedade de abusos verbais e
físicos (..)
Sempre que estas
formas de terrorismo resultam em
morte, se transformam em
femicídios (CAPUTI; RUSSELL,
1992, s. p.).
Tão logo a categoria se
consolidou na América Latina. De
acordo com a autora argentina Rita
Segato (2012), em tradução livre,
dentro da teoria do feminidio, o
impulso de ódio em relação às
mulheres foi
explicado como
consequência da desobediência
feminina às duas leis do patriarcado:
1) a norma de controle ou posse sobre
o corpo feminino e 2) a norma da
superioridade masculina
2012, p. 4).
Uma vez que a maioria desses
assassinatos são de mulhere
e pobres, “o gênero tem que ser
redefinido e reestruturado em
conjunção com uma vio de
igualdade política e social que inclui
não o sexo, mas também, a classe
e a raça” (SCOTT, 199
Dados
Dos 26 estados brasileiros, a
Paraíba ocupa
a 16ª posição quando o
77
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
O femidio representa o extremo
de um continuum de terror anti
-
feminino e inclui uma ampla
variedade de abusos verbais e
Sempre que estas
formas de terrorismo resultam em
morte, se transformam em
femidios (CAPUTI; RUSSELL,
Tão logo a categoria se
consolidou na América Latina. De
acordo com a autora argentina Rita
Segato (2012), em tradução livre,
dentro da teoria do feminicídio, o
impulso de ódio em relação às
explicado como
consequência da desobediência
feminina às duas leis do patriarcado:
1) a norma de controle ou posse sobre
o corpo feminino e 2) a norma da
superioridade masculina
(SEGATO,
Uma vez que a maioria desses
assassinatos são de mulhere
s negras
e pobres, o gênero tem que ser
redefinido e reestruturado em
conjunção com uma visão de
igualdade política e social que inclui
não só o sexo, mas também, a classe
e a raça (SCOTT, 199
5, p. 39).
Dos 26 estados brasileiros, a
a 16ª posição quando o
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
assunto são os estados com maior
índice de feminicídios no Brasil.
Quando o recorte é a região Nordeste,
a Paraíba aparece em lugar como o
estado com maior índice de
feminicídios da região, junto com
Alagoas. Esses dados são do An
Brasileiro de Segurança Pública de
2022. Entre 2016 e 2020, 426
mulheres foram assassinadas na
Paraíba. em 2020, foram 93
mulheres. Desse número, até o
momento dessa pesquisa, 36 casos
são investigados como feminidios.
Sete aconteceram no Sertã
Paraíba, segundo dados da Secretaria
da Segurança e Defesa Social
(SESDS-PB).
A maioria dos casos de mortes
violentas de mulheres entre 2016 e
2017 está concentrada
na região da
Zona da M
ata, onde se localizam
das cinco maiores cidades do estado,
incluindo a capital
. Foram 43 mortes
violentas de mulheres em Campina
Grande, cidade do Agreste Paraibano,
ao passo que em João Pessoa esse
número sobe para 93. Santa Rita
aparece em lugar, com 31
assassinatos violentos de mulheres
entre esses anos. Em
lugar, Patos
no Sertão
, contabilizou 14
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
assunto o os estados com maior
índice de feminidios no Brasil.
Quando o recorte é a região Nordeste,
a Paraíba aparece em 3º lugar como o
estado com maior índice de
feminidios da região, junto com
Alagoas. Esses dados o do An
uário
Brasileiro de Segurança Pública de
2022. Entre 2016 e 2020, 426
mulheres foram assassinadas na
Paraíba. Só em 2020, foram 93
mulheres. Desse número, até o
momento dessa pesquisa, 36 casos
o investigados como feminicídios.
Sete aconteceram no Sertã
o da
Paraíba, segundo dados da Secretaria
da Segurança e Defesa Social
A maioria dos casos de mortes
violentas de mulheres entre 2016 e
na região da
ata, onde se localizam
três
das cinco maiores cidades do estado,
. Foram 43 mortes
violentas de mulheres em Campina
Grande, cidade do Agreste Paraibano,
ao passo que em João Pessoa esse
número sobe para 93. Santa Rita
aparece em 3º lugar, com 31
assassinatos violentos de mulheres
4º lugar, Patos
-
, contabilizou 14
assassinatos de mulheres. O 5º lugar
é ocupado por Bayeux,
número de feminicídios chegou a 12.
As estatísticas contrariam o
senso comum de que o sertão é mais
violento que a Capital do Estado. A
idei
a de “Capital”, região de maior
centralização do poder/capital, que
concentra a “alta administração do
território estadual, como sendo
“superior”, “avançado, civilizado em
relação ao restante do
sintoma da ideologia dominante que,
ao criar
seu “outro (retrógrado,
atrasado) parece esquecer ou ignorar
que não qualquer contradição entre
civilização moderna e feminidios:
Assim como as características do
crime de genodio o, por sua
racionalidade e sistematicidade,
originárias dos
os feminicídios, como práticas
quase mecânicas de extermínio
das mulheres o também uma
invenção moderna. É a barbárie
da colonial modernidade (...). Sua
impunidade (...) encontra
vinculada à privatização do
espaço doméstico, como espa
residual, não incluído na esfera
das questões maiores,
consideradas de interesse público
geral (SEGATO, 2012, p. 121).
Ainda assim, é importante
destacar que as dificuldades em obter
os dados oficiais de feminidios são
muitas, pois os casos demandam
78
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
assassinatos de mulheres. O lugar
é ocupado por Bayeux,
no qual o
número de feminidios chegou a 12.
As estatísticas contrariam o
senso comum de que o sertão é mais
violento que a Capital do Estado. A
a de Capital, região de maior
centralização do poder/capital, que
concentra a alta administração” do
território estadual, como sendo
superior, avançado”, “civilizado” em
relação ao restante do
estado, é um
sintoma da ideologia dominante que,
seu outro” (retrógrado,
atrasado) parece esquecer ou ignorar
que não há qualquer contradição entre
civilização moderna e feminicídios:
Assim como as características do
crime de genocídio são, por sua
racionalidade e sistematicidade,
originárias dos
tempos modernos,
os feminidios, como práticas
quase menicas de extermínio
das mulheres são também uma
invenção moderna. É a barbárie
da colonial modernidade (...). Sua
impunidade (...) encontra
-se
vinculada à privatização do
espaço doméstico, como espa
ço
residual, não incluído na esfera
das questões maiores,
consideradas de interesse público
geral (SEGATO, 2012, p. 121).
Ainda assim, é importante
destacar que as dificuldades em obter
os dados oficiais de feminicídios são
muitas, pois os casos demandam
certo
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
tempo para serem juridicamente
qualificados como feminicídios e nem
todos serão interpretados e tratados
pela Lei dessa maneira. Há muitas
discussões sobre a definição no
código penal e a definição teórica das
autoras feministas. Estas entendem o
fen
ômeno numa perspectiva mais
ampla e complexa do que a Lei.
A Lei 13.104/2015 incluiu
“feminicídio” como qualificadora ao
crime de homicídio, prevista no inciso
VI, do Art. 121 do Código Penal, como
o homicídio praticado “contra a mulher
por razões da co
ndição de sexo
feminino”. Mais adiante, nos incisos I e
II, do §2º-
A, do Código Penal, essa
razão é atribuída para quando há
“violência doméstica e familiar; e
menosprezo ou discriminação à
condição de mulher” (BRASIL, 2015).
Este último,
menosprezo ou
dis
criminação à condição de mulher
sofre relativizações pelas agentes da
lei que conduzem os casos. Dessa
forma, não é difícil que crimes
misóginos sejam enquadrados como
homicídios. Tudo isso é importante
para facilitar o entendimento de que,
dos 93 assassi
natos de mulheres na
Paraíba, em 2020,
mais do que os 36
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
tempo para serem juridicamente
qualificados como feminicídios e nem
todos serão interpretados e tratados
pela Lei dessa maneira. muitas
discuses sobre a definição no
digo penal e a definição teórica das
autoras feministas. Estas entendem o
ômeno numa perspectiva mais
ampla e complexa do que a Lei.
A Lei nº 13.104/2015 incluiu
feminidio como qualificadora ao
crime de homidio, prevista no inciso
VI, do Art. 121 do Código Penal, como
o homidio praticado contra a mulher
ndição de sexo
feminino. Mais adiante, nos incisos I e
A, do Código Penal, essa
razão é atribuída para quando
violência doméstica e familiar; e
menosprezo ou discriminação à
condição de mulher (BRASIL, 2015).
menosprezo ou
criminação à condição de mulher
,
sofre relativizações pelas agentes da
lei que conduzem os casos. Dessa
forma, não é difícil que crimes
miginos sejam enquadrados como
homidios. Tudo isso é importante
para facilitar o entendimento de que,
natos de mulheres na
mais do que os 36
assim definidos, devem tratar
feminicídios.
É fundamental considerar a
subnotificação. Um ótimo exemplo
disso é o “caso Vivianny
Assassinada com golpes de chave de
fenda na cabeça, el
a teve seu corpo
queimado em uma mata de Bayeux,
na Grande João Pessoa, por homens
com os quais ela não mantinha
relações íntimas. A advogada e
pesquisadora Jaíne Araújo Pereira
(2018) demonstrou, através da
pesquisa
“Os Tropeços do Judiciário
Paraibano: u
ma análise sobre a não
tipificação do caso Vivianny
com a qualificadora do feminidio,
que o caso Vivianny deveria ter sido
tipificado com a qualificadora de
feminicídio.
Conseguimos visualizar vários
elementos que caracterizam
feminicídio no Cas
Crisley. Vimos que houve
crueldade, uso de força física,
sofrimento físico e mental da
vítima, além da desconfiguração
do corpo através da
carbonização. Verificamos, além
disso, o total menosprezo ou
discriminação à condição de
mulher, mencionad
penal. Nesse sentido, cumpre
frisar que o próprio fato dela ser
mulher desacompanhada de um
homem na noite da festa e,
principalmente, no momento de ir
embora, encontrar
foram elementos suficientes para
79
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
assim definidos, devem tratar
-se de
É fundamental considerar a
subnotificação. Um ótimo exemplo
disso é o caso Vivianny
Crisley”.
Assassinada com golpes de chave de
a teve seu corpo
queimado em uma mata de Bayeux,
na Grande João Pessoa, por homens
com os quais ela não mantinha
relações íntimas. A advogada e
pesquisadora Jaíne Araújo Pereira
(2018) demonstrou, através da
Os Tropeços do Judiciário
ma análise sobre a não
tipificação do caso Vivianny
Crisley
com a qualificadora do feminicídio”,
que o caso Vivianny deveria ter sido
tipificado com a qualificadora de
Conseguimos visualizar vários
elementos que caracterizam
feminicídio no Cas
o Vivianny
Crisley. Vimos que houve
crueldade, uso de força física,
sofrimento físico e mental da
tima, além da desconfiguração
do corpo através da
carbonização. Verificamos, além
disso, o total menosprezo ou
discriminação à condição de
mulher, mencionad
a no tipo
penal. Nesse sentido, cumpre
frisar que o próprio fato dela ser
mulher desacompanhada de um
homem na noite da festa e,
principalmente, no momento de ir
embora, encontrar
-se sozinha,
foram elementos suficientes para
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
que ela fosse um corpo a ser
de
scartado; embora não tenha
dado nenhum motivo para ser
executada brutalmente, como faz
constar os autos. Não podemos
esquecer que, nesse quadro, o
patriarcado valida o poder de
morte, violência física e
emocional contra as mulheres.
Assim, trata-
se de uma
simples, de um lado estão os
homens, que exercem a
dominação masculina quase sem
nenhuma restrição, e do outro
estão as mulheres, que sofrem os
efeitos desse poder (
2018, p. 26).
Categorias cor, classe, gênero,
sexualidade e poder
influenciam na
formação da verdade jurídica e na
visão de realidade das pessoas que
fazem parte do judiciário (
2018).
Essas categorias o
fundamentais no caso da Paraíba, pois
das 426 mulheres assassinadas entre
os anos de 2016 e 2020 no estado,
369 foram identificadas como
63 como brancas, duas
como negras,
uma como amarela e 17 não
informadas, coincidindo com as
estatísticas nacionais que apontam
como negras e pardas a maioria das
vítimas de feminicídio no Brasil.
Diário do Sertão
A escolha
por analisar o
Diário do Sertão se
pelo fato deste
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
que ela fosse um corpo a ser
scartado; embora não tenha
dado nenhum motivo para ser
executada brutalmente, como faz
constar os autos. Não podemos
esquecer que, nesse quadro, o
patriarcado valida o poder de
morte, violência física e
emocional contra as mulheres.
se de uma
equação
simples, de um lado estão os
homens, que exercem a
dominação masculina quase sem
nenhuma restrição, e do outro
estão as mulheres, que sofrem os
efeitos desse poder (
PEREIRA,
Categorias cor, classe, gênero,
influenciam na
formação da verdade jurídica e na
vio de realidade das pessoas que
fazem parte do judiciário (
Pereira,
Essas categorias são
fundamentais no caso da Paraíba, pois
das 426 mulheres assassinadas entre
os anos de 2016 e 2020 no estado,
369 foram identificadas como
pardas”,
como negras,
uma como amarela e 17 não
informadas, coincidindo com as
estatísticas nacionais que apontam
como negras e pardas a maioria das
timas de feminidio no Brasil.
por analisar o
portal
pelo fato deste
ser,
atualmente, o maior veículo
jornalístico do sertão paraibano
2020,
o presidente deste sistema de
comunicação
recebeu a maior
comenda,
a medalha João Bosco
Braga Barreto, da câm
Cajazeiras PB.
Diante da auncia
de registros e análises
sobre o referido portal de notícias, esta
breve descrição foi construída atras
de informações retiradas do próprio
site e diálogo com seus responveis
via e-mail.
O Portal de Notícias Diário do
Sertão nasceu no dia 21 de
agosto de 2006. Com 15 anos de
prestação de serviços à
população de todo o Sertão
Paraibano. Atualmente, o Diário
do Sertão é um dos portais de
notícias mais acessado do
Estado da Paraíba (dados Ale
e Google Analytics). Com sede
na cidade de Cajazeiras, o Portal
Diário do Sertão possui sucursais
nas cidades de Sousa,
Itaporanga, Patos, Pombal e João
Pessoa. Uma jovem equipe é
responsável pela atualização do
Diário do Sertão que traz todos
os dias a
s principais notícias da
região, com responsabilidade e
profissionalismo (
internet4).
O
Diário do Sertão
29/04/2021,
110.472 mil seguidores
4
https://www.diariodosertao.com.br/sobre
80
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
atualmente, o maior veículo
jornalístico do sertão paraibano
. Em
o presidente deste sistema de
recebeu a maior
a medalha João Bosco
Braga Barreto, da câm
ara municipal de
Diante da ausência
de registros e análises
científicas
sobre o referido portal de notícias, esta
breve descrição foi construída através
de informações retiradas do próprio
site e diálogo com seus responsáveis
O Portal de Notícias Diário do
Sertão nasceu no dia 21 de
agosto de 2006. Com 15 anos de
prestação de serviços à
população de todo o Sertão
Paraibano. Atualmente, o Diário
do Sertão é um dos portais de
notícias mais acessado do
Estado da Paraíba (dados Ale
xa
e Google Analytics). Com sede
na cidade de Cajazeiras, o Portal
Diário do Sertão possui sucursais
nas cidades de Sousa,
Itaporanga, Patos, Pombal e João
Pessoa. Uma jovem equipe é
responvel pela atualização do
Diário do Sertão que traz todos
s principais notícias da
região, com responsabilidade e
profissionalismo (
portal oficial da
Diário do Sertão
possuía, em
110.472 mil seguidores
https://www.diariodosertao.com.br/sobre
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
nas redes sociais, a
proximadamente
4,1 milhões de visualizações mensais
no YouTube e
6.061.198 mil
visualizações mensais nas páginas do
portal. Essas informações
, publicadas
em seu
portal e reafirmadas em
entrevista via e-
mail, em
demonstram o alcance do veículo e
seu impacto social na região do Sertão
Paraibano.
Metodologia
A Análise do Discurso (AD) é a
metodologia empregada neste estudo.
Esse método toma o discurso como
objeto, analisando como a língua
sentido de acordo com as posições
discursivo-
ideológicas. Pêcheux (20
traz alguns conceitos
que auxiliam a
análise
com base na sua teoria da
ideologia. Para o autor, os sujeitos do
discurso o sujeitos interpelados pela
ideologia, isto é, constituídos por ela. A
ideologia, aqui, funciona como aquilo
que fornece as “evidências do mundo
e das coisas.
Em outras palavra
s, os sujeitos
compartilham de um arcabouço
simbólico de sentidos. É dessa forma
que uma ligação entre as palavras
e as coisas, e não uma relação de
transparência entre elas. É de acordo
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
proximadamente
4,1 milhões de visualizações mensais
6.061.198 mil
visualizações mensais nas páginas do
, publicadas
portal e reafirmadas em
mail, em
29/04/2021,
demonstram o alcance do veículo e
seu impacto social na região do Sertão
A Análise do Discurso (AD) é a
metodologia empregada neste estudo.
Esse método toma o discurso como
objeto, analisando como a língua
toma
sentido de acordo com as posições
ideológicas. Pêcheux (20
09)
que auxiliam a
com base na sua teoria da
ideologia. Para o autor, os sujeitos do
discurso o sujeitos interpelados pela
ideologia, isto é, constituídos por ela. A
ideologia, aqui, funciona como aquilo
que fornece as evidências” do mundo
s, os sujeitos
compartilham de um arcabouço
simbólico de sentidos. É dessa forma
que há uma ligação entre as palavras
e as coisas, e não uma relação de
transparência entre elas. É de acordo
com essas formações ideológicas que
formações discursivas aparecem
discurso na comunicação. Assim,
temos posições demarcadas pelos
sujeitos em suas inscrições
ideológicas, analisáveis por meio de
enunciados.
Pêcheux (2008) aponta que a
análise acontece numa alternância
entre a descrição e a interpretação.
Nesse sent
ido, para fins práticos, num
primeiro momento analisamos os
fenômenos discursivos, aquilo que
pode ser descrito e problematizado
sob uma perspectiva crítica da mídia e
feminista.
No segundo momento,
sistematizamos as problemáticas de
acordo com as regulari
observadas, isto é, aqueles fenômenos
problematizados e que perpassam a
estrutura discursiva do veículo
midiático.
Nos baseamos nos
seguintes questionamentos
metodológicos: a) que enunciados o
selecionados?; b) quem o as
fontes?; c) como se
assassinatos?; d) que silenciamentos
existem?
Para isso, foi feita a análise das
matérias publicadas pelo Diário do
Sertão sobre os sete casos de
feminicídios ocorridos no sertão da
81
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
com essas formações ideológicas que
formações discursivas aparecem
pelo
discurso na comunicação. Assim,
temos posições demarcadas pelos
sujeitos em suas inscrições
ideológicas, analiveis por meio de
Pêcheux (2008) aponta que a
análise acontece numa alternância
entre a descrição e a interpretação.
ido, para fins práticos, num
primeiro momento analisamos os
fenômenos discursivos, aquilo que
pode ser descrito e problematizado
sob uma perspectiva crítica da mídia e
No segundo momento,
sistematizamos as problemáticas de
acordo com as regulari
dades
observadas, isto é, aqueles fenômenos
problematizados e que perpassam a
estrutura discursiva do veículo
Nos baseamos nos
seguintes questionamentos
metodológicos: a) que enunciados são
selecionados?; b) quem são as
fontes?; c) como se
explicam os
assassinatos?; d) que silenciamentos
Para isso, foi feita a análise das
matérias publicadas pelo Diário do
Sertão sobre os sete casos de
feminidios ocorridos no sertão da
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
Paraíba em 2020. Os dados foram
coletados pela SESDS, o que
possibilitou encontrar as matérias do
portal, através da data do crime e
idade da vítima.
Casos
1)
Não identificada, Cachoeira dos
Índios - PB:
Uma mulher, de 43 anos,
foi assassinada com golpes de foice,
em abril de 2020, em Cachoeira dos
Índios. Sua morte sequer foi noticiada
pelo veículo.
Nesses casos, é preciso
entender que a mídia tem grande
capacidade de manter na memória
humana os fatos oco
rridos, mas
quando se trata de assassinato de
mulheres, muitas vezes, não h
documentais ou quaisquer imagens
ilustrativas das matérias publicadas, o
que causa o mascaramento e
apagamento da notícia, perdendo seu
destaque como manchete (
2018).
2)
Lúcia Suelen, Marizópolis
Na primeira matéria,
publicada no dia
19/05/2020, às 08h165
, anunciando o
5
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/pol
icial/472932/mulher-de-28-anos-
e
morta-dentro-de-quarto-de-
pousada
de-sousa.html
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
Paraíba em 2020. Os dados foram
coletados pela SESDS, o que
possibilitou encontrar as matérias do
portal, através da data do crime e
Não identificada, Cachoeira dos
Uma mulher, de 43 anos,
foi assassinada com golpes de foice,
em abril de 2020, em Cachoeira dos
Índios. Sua morte sequer foi noticiada
Nesses casos, é preciso
entender que a mídia tem grande
capacidade de manter na memória
rridos, mas
quando se trata de assassinato de
mulheres, muitas vezes, não h
á fotos
documentais ou quaisquer imagens
ilustrativas das matérias publicadas, o
que causa o mascaramento e
apagamento da notícia, perdendo seu
destaque como manchete (
SOARES,
Lúcia Suelen, Maripolis
PB:
publicada no dia
, anunciando o
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/pol
e
-encontrada-
pousada
-na-regiao-
assassinato:
“Mulher de 28 anos é
encontrada morta dentro de quarto de
pousada”, é dito que o companheiro
da jovem é o principal suspeito da
morte. Ele encontra-
se foragido, sem
que isso implique o veículo a referir
ao assassinato como suspeita de
fem
inicídio, dado o caráter nitidamente
íntimo do crime.
Não qualquer menção ou
contextualização do caso com
violência contra a mulher, muito menos
informações sobre órgãos de
atendimento às mulheres vítimas de
agressão.
A principal fonte,
invariavelmente
, foi a polícia militar.
Em casos de feminicídio, recomenda
se a descentralização do viés policial,
como recorrer aos gestores de
políticas blicas, especialmente no
campo de gênero, como a ativistas e
especialistas em direito das mulheres.
a segunda m
publicada no dia 19/05/2020 às
15h446
, “Jovem cearense que foi
morta em pousada na região de Sousa
foi sufocada antes de levar três tiros”,
6https://www.diariodo
sertao.com.br/noticias/pol
icial/473007/jovem-
cearense
em-pousada-na-regiao-
de
antes-de-levar-tres-
tiros.html
82
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
Mulher de 28 anos é
encontrada morta dentro de quarto de
pousada, é dito que “o companheiro
da jovem é o principal suspeito da
se foragido”, sem
que isso implique o veículo a referir
-se
ao assassinato como suspeita de
inidio, dado o caráter nitidamente
Não há qualquer menção ou
contextualização do caso com
violência contra a mulher, muito menos
informações sobre órgãos de
atendimento às mulheres vítimas de
A principal fonte,
, foi a polícia militar.
Em casos de feminicídio, recomenda
-
se a descentralização do viés policial,
como recorrer aos gestores de
políticas públicas, especialmente no
campo de gênero, como a ativistas e
especialistas em direito das mulheres.
a segunda m
atéria, também
publicada no dia 19/05/2020 às
, Jovem cearense que foi
morta em pousada na região de Sousa
foi sufocada antes de levar três tiros”,
sertao.com.br/noticias/pol
cearense
-que-foi-morta-
de
-sousa-foi-sufocada-
tiros.html
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
alguns detalhes da perícia criminal,
mostrando que Lúcia foi estrangulada
antes dos disparos com a
rma de fogo.
D
esta vez, a matéria categoriza o
crime como um feminidio:
“Funcionários do posto escutaram os
disparos e em seguida viram o homem
sair às pressas do local. O
veículoacrescenta um parágrafo final
sob o tópico de feminidio:
“Feminicídio
é um termo de crime de
ódio baseado no gênero, amplamente
definido como o assassinato de
mulheres em contexto de violência
doméstica ou em aversão ao gênero
da vítima”.
O conceito d
e feminidio
trazido, mas sem acrescentar qualquer
outro dado qu
e o con
Informações importantes sobre órgãos
de atendimento à mulher em situação
de violência não são fornecidas. Essas
são as recomendações dos institutos e
organizações não-g
overnamentais
(ONGs
) preocupados com o papel da
mídia na reprodução da ideol
patriarcal, como é o caso do Dossiê
Feminicídio #InvisibilidadeMata do
Instituto Patrícia Ga
lvão
Nenhuma autoridade é trazida nas
matérias. Não fala de ativistas ou
gestores de políticas públicas no texto.
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
dá alguns detalhes da perícia criminal,
mostrando que Lúcia foi estrangulada
rma de fogo.
esta vez, a matéria categoriza o
crime como um feminicídio:
Funcionários do posto escutaram os
disparos e em seguida viram o homem
sair às pressas do local”. O
veículoacrescenta um parágrafo final
sob o tópico de feminicídio”:
é um termo de crime de
ódio baseado no gênero, amplamente
definido como o assassinato de
mulheres em contexto de violência
doméstica ou em avero ao gênero
e feminicídio
é
trazido, mas sem acrescentar qualquer
e o con
textualize.
Informações importantes sobre órgãos
de atendimento à mulher em situação
de violência não o fornecidas. Essas
o as recomendações dos institutos e
overnamentais
) preocupados com o papel da
mídia na reprodução da ideol
ogia
patriarcal, como é o caso do Dossiê
Feminidio #InvisibilidadeMata do
lvão
(2017).
Nenhuma autoridade é trazida nas
matérias. Não há fala de ativistas ou
gestores de políticas públicas no texto.
Além disso, o sistema verbal
das d
uas matérias traz verbos
apassivados -
isto é, um verbo que
está na voz passiva, na perspectiva de
quem sofre determinada ação
se referir ao crime, como encontrada
morta” e “morta a tiros. Reconhece
se, assim, a inexistência de um sujeito
actante,
ou seja, aquele que realiza a
ação no enunciado da ação.
são as únicas matérias sobre o caso.
Nada mais é dito sobre o
desdobramento das investigações,
atendendo ao modelo factual segundo
o qual a notícia encerra
mesma sem gerar suítes, ou
sequência.
3)
Maria Aparecida Gomes, Sousa
PB:
uma única matéria sobre o
caso,
no dia 4 de maio de 2020, às
19h037
, dentro de um blog do portal. O
crime foi categorizado como
feminicídio, no entanto, sua motivação
é apresentada e justificada através da
entrevista com agentes da Polícia
Militar:
“a PM apurou que o feminidio
teria sido causado pelo fato de Maria
Aparecida ter encerrado um
7
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/pol
icial/457796/jovem-e-
morta
cidade-de-patos-e-
principal
e-o-ex-companheiro-da-
vitima.html
83
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
Além disso, o sistema verbal
uas matérias traz verbos
isto é, um verbo que
está na voz passiva, na perspectiva de
quem sofre determinada ação
- para
se referir ao crime, como “encontrada
morta e morta a tiros”. Reconhece
-
se, assim, a inexistência de um sujeito
ou seja, aquele que realiza a
ação no enunciado da ação.
Essas
o as únicas matérias sobre o caso.
Nada mais é dito sobre o
desdobramento das investigações,
atendendo ao modelo factual segundo
o qual a notícia encerra
-se nela
mesma sem gerar suítes, ou
Maria Aparecida Gomes, Sousa
-
Há uma única matéria sobre o
no dia 4 de maio de 2020, às
, dentro de um blog do portal. O
crime foi categorizado como
feminidio, no entanto, sua motivação
é apresentada e justificada através da
entrevista com agentes da Polícia
a PM apurou que o feminicídio
teria sido causado pelo fato de Maria
Aparecida ter encerrado um
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/pol
morta
-por-tiros-na-
principal
-suspeito-do-crime-
vitima.html
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
relacionamento amoroso com o
acusado”.
A
construção da narrativa
possui um efeito de sentido que indica
que Maria Aparecida foi
por sua própria morte, afinal, teve a
autonomia de terminar um
relacionamento, ao invés de obedecer,
critério fundamental na manutenção do
poder masculino.
Ainda nessa fala, fica
evidente como a Polícia Militar da
região trata esse crime
, modo que se
repete em outros
casos,
escolha e responsabilidade do veículo
atribuir destaque, exclusivamente, a
esse trecho da entrevista, já que a
mídia não paira isenta
, acima da
sociedade, mas também
inclui falas nesse debate
. Assim, em
uma sociedade marcada pelas
estratificações e pela misoginia, a
palavra da mulher tem menor valor do
que a palavra masculina
2017, p. 5).
Também neste caso, a Polícia
Militar foi a única fonte. O
utros agentes
de políticas públicas, or
feministas e até mesmo familiares
foram negligenciados pelo portal
assassinato de Maria Aparecida
também não foi contextualizado com o
grave cenário de violência doméstica
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
relacionamento amoroso com o
construção da narrativa
possui um efeito de sentido que indica
responsável
por sua própria morte, afinal, teve a
autonomia de terminar um
relacionamento, ao ins de obedecer,
critério fundamental na manutenção do
Ainda nessa fala, fica
evidente como a Polícia Militar da
, modo que se
casos,
porém é
escolha e responsabilidade do veículo
atribuir destaque, exclusivamente, a
esse trecho da entrevista, que a
, acima da
sociedade, mas também
interdita ou
. Assim, em
uma sociedade marcada pelas
estratificações e pela misoginia, a
palavra da mulher tem menor valor do
(THURLER,
Também neste caso, a Polícia
utros agentes
de políticas públicas, or
ganizações
feministas e até mesmo familiares
foram negligenciados pelo portal
. O
assassinato de Maria Aparecida
também não foi contextualizado com o
grave cenário de violência doméstica
que enfrentamos no Brasil, muito
menos foram disponibilizad
informaç
ões sobre os órgãos de
atendimento às mulheres agredidas e
números de disque-
denúncia.
Seu sistema verbal, diferente do
segundo caso, traz um sujeito actante,
“Vendedor autônomo mata mulher, o
que leva a um diferente efeito de
sentido e abre portas para a
problematização das escolhas verbais
na prática jornalística. No final na
matéria, foi
revelado que o autor do
crime é investigado pelo assassinato
de outra mulher, em uma cidade de
vizinha, sem que isso seja
desdobrado.
4)
Daniela Pereira de Morais, Pato
PB:
Mais uma vez, há uma única
matéria sobre o caso,
25/01/2020 às 15h22
matéria, é dito que foi registrado um
homicídio na cidade de Patos, no
Sertão paraibano”. Ao final, a
informação é que “de acordo com a
Polícia Civil, uma das linhas de
investigação é que o crime pode ter
sido um femini
cídio e um dos
principais suspeitos é o ex
companheiro da tima.
segue seu rito: a única fonte é a
polícia, os casos de feminidio
84
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
que enfrentamos no Brasil, muito
menos foram disponibilizad
as
ões sobre os órgãos de
atendimento às mulheres agredidas e
denúncia.
Seu sistema verbal, diferente do
segundo caso, traz um sujeito actante,
Vendedor autônomo mata mulher”, o
que leva a um diferente efeito de
sentido e abre portas para a
problematização das escolhas verbais
na prática jornalística. No final na
revelado que o autor do
crime é investigado pelo assassinato
de outra mulher, em uma cidade de
vizinha, sem que isso seja
Daniela Pereira de Morais, Pato
s -
Mais uma vez, uma única
matéria sobre o caso,
publicada no dia
25/01/2020 às 15h22
. No início da
matéria, é dito que “foi registrado um
homidio na cidade de Patos, no
Sertão paraibano. Ao final, a
informação é que de acordo com a
Polícia Civil, uma das linhas de
investigação é que o crime pode ter
dio e um dos
principais suspeitos é o ex
-
companheiro da vítima”.
O veículo
segue seu rito: a única fonte é a
polícia, os casos de feminicídio
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
aparecem isolados, que não há
qualquer contextualização dos crimes
com as estatísticas aterradoras de
violênc
ia contra a mulher que
enfrentamos no Brasil,
sem ao
estatísticas de números locais. Os
crimes, cujas mulheres foram
assassinadas em situações
semelhantes, pelos seus
companheiros
ou companheiros na
ocasião do feminicídio, o parecem
possuir qual
quer relação entre si.
Trata-
se de uma distorção da prática
jornalística, que
enfatiza narrativas
factuais
e reflete uma aliança política à
ideologia patriarcal. Não há tampouco
informações sobre órgãos de
atendimento e disque-
denúncias.Seu
sistema verbal a
presenta, novamente,
o apassivamento da ação, como
“jovem é morta a tiros",
ao ins de
assassinada”.
Além da auncia de
um sujeito actante, a ausência de
explicações.
5)
Juliana Lucena, Patos
Contrastando com os
casos anteriores,
Juliana Lucena não mantinha ou
manteve relação amorosa com seu
assassino. Casos de misoginia como
esse acontecem quando a mulher é
punida de forma indireta, como quando
o agressor se vinga de outro homem
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
aparecem isolados, já que não
qualquer contextualização dos crimes
com as estatísticas aterradoras de
ia contra a mulher que
sem ao
menos
estatísticas de números locais. Os
crimes, cujas mulheres foram
assassinadas em situações
semelhantes, pelos seus
ex-
ou companheiros na
ocasião do feminidio, não parecem
quer relação entre si.
se de uma distorção da prática
enfatiza narrativas
e reflete uma aliança política à
ideologia patriarcal. Não há tampouco
informações sobre órgãos de
denúncias.Seu
presenta, novamente,
o apassivamento da ação, como
ao invés de
foi
Além da ausência de
um sujeito actante, há a ausência de
Juliana Lucena, Patos
- PB:
casos anteriores,
Juliana Lucena não mantinha ou
manteve relação amorosa com seu
assassino. Casos de misoginia como
esse acontecem quando a mulher é
punida de forma indireta, como quando
o agressor se vinga de outro homem
ligado à vítima. Ela sofreu dispa
arma de fogo após seu irmão
com um cliente por causa de um troco.
No entanto, segundo informações
policiais que constam na matéria,
investiga-
se um “mal
entre os dois homens.
assassino e seu desejo de desfigura
que entende como feminino
manifesta-
se na sua escolha de
realizar diversos disparos no rosto da
vítima. O ódio e o desprezo à condição
feminina se manifestam no extremo da
depredação dos signos de
feminilidade.
Em
matéria única,
dia 24/
12/2020 às 09h09
categorizado como homidio.
se trata em crime de ódio à mulher
praticado por pessoa sem
envolvimento íntimo, a dificuldade da
mídia, ou mesmo do judiciário, em
qualificá-
lo como feminidio é maior e
merece um estudo à p
complexidade do tema.
que o crime foi retratado como
homicídio e, mais uma vez, a polícia é
a única fonte.
Sem menção ao ódio e
8
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/pol
icial/505528/mulher-e-
assassinada
de-briga-motivada-por-
um
um-bar-na-cidade-de-
patos.html
85
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
ligado à vítima. Ela sofreu dispa
ros de
arma de fogo após seu irmão
discutir
com um cliente por causa de um troco.
No entanto, segundo informações
policiais que constam na matéria,
se um mal
-estar” anterior
entre os dois homens.
O desprezo do
assassino e seu desejo de desfigura
r o
que entende como feminino”
se na sua escolha de
realizar diversos disparos no rosto da
tima. O ódio e o desprezo à condição
feminina se manifestam no extremo da
depredação dos signos de
matéria única,
publicada no
12/2020 às 09h09
8, o caso é
categorizado como homicídio.
Quando
se trata em crime de ódio à mulher
praticado por pessoa sem
envolvimento íntimo, a dificuldade da
mídia, ou mesmo do judiciário, em
lo como feminicídio é maior e
merece um estudo à p
arte dada a
complexidade do tema.
O fato, aqui, é
que o crime foi retratado como
homidio e, mais uma vez, a polícia é
Sem menção ao ódio e
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/pol
assassinada
-por-causa-
um
-troco-de-r-050-em-
patos.html
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
desprezo ao corpo feminino, sem
informações sobre órgãos de
denúncias, essa é sem dúvida a
matéria
sobre feminicídio de 2020 na
qual o veículo mais se distancia do
tratamento d
a natureza complexa
desses crimes. Seu sistema verbal traz
o apassivamento em mulher é
assassinada”, logo na manchete, e
reformulado no corpo da matéria. Tal
forma verbal se dist
acontecimento reconstituído logo
depois, em que se traz um sujeito
actante, mas o mesmo não é colocado
no enunciado da ação.
Também na
manchete, o assassinato é explicado
como “por causa de briga motivada por
troco de R$0,50 centavos
confi
gura uma forma de banalização
da morte por meio de uma construção
noticiosa do insólito: aquilo que não é
usual, constituindo certa raridade na
matéria. A banalização, assim, é tornar
o “porquê” do caso um fato incomum,
curioso e apelar para o absurdo,
vel
ando, por consequência,
motivações mais profundas.
6)
Thays Diniz, Itaporanga
Thays
Diniz foi encontrada morta
dentro de sua casa, com marcas de
agressão. A investigação aponta como
suspeito um rapaz com quem Thays
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
desprezo ao corpo feminino, sem
informações sobre órgãos de
denúncias, essa é sem dúvida a
sobre feminidio de 2020 na
qual o veículo mais se distancia do
a natureza complexa
desses crimes. Seu sistema verbal traz
o apassivamento em “mulher é
assassinada, logo na manchete, e
reformulado no corpo da matéria. Tal
forma verbal se dist
ancia do
acontecimento reconstituído logo
depois, em que se traz um sujeito
actante, mas o mesmo não é colocado
Também na
manchete, o assassinato é explicado
como por causa de briga motivada por
troco de R$0,50 centavos”
, o que
gura uma forma de banalização
da morte por meio de uma construção
noticiosa do insólito: aquilo que não é
usual, constituindo certa raridade na
matéria. A banalização, assim, é tornar
o porquê do caso um fato incomum,
curioso e apelar para o absurdo,
ando, por consequência,
motivações mais profundas.
Thays Diniz, Itaporanga
PB:
Diniz foi encontrada morta
dentro de sua casa, com marcas de
agressão. A investigação aponta como
suspeito um rapaz com quem Thays
estaria se relacionando casualmente.
A única matéria sobre o caso,
publicada no dia 18/12/2020 às
08h529
, possui o título: Empresária é
encontrada morta dentro de casa na
Região do Vale do Piancó. Diferente
dos demais casos, um adjetivo para
qualifica
r Thays. Ela era empreria,
dona de uma agência de turismo local,
e possuía alguma influência em sua
cidade.
O sistema verbal traz o
apassivamento, como em empresária
é encontrada morta” na manchete e
reformulado no corpo da matéria. A
única fonte é a po
cia. O texto, no
entanto, não responde quem a agrediu
e por que a matou. A marca do veículo
é a falta do contexto em que os fatos
são apresentados. Dessa forma,
bloqueia-
se o desenvolvimento da
investigação do caso como feminidio,
bem como as informaçõ
deveriam ser acompanhadas nestes
casos.
7)
Pâmela Bessa, Poço José de
Moura PB:
A única exceção no
número de publicações e tática de
abordagem é o caso Pâmela Bessa.
9
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/pol
icial/504579/empresaria-
e
dentro-de-casa-na-regiao
-
pianco.html
86
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
estaria se relacionando casualmente.
A única matéria sobre o caso,
publicada no dia 18/12/2020 às
, possui o título: “Empresária é
encontrada morta dentro de casa na
Região do Vale do Piancó”. Diferente
dos demais casos, há um adjetivo para
r Thays. Ela era empresária,
dona de uma agência de turismo local,
e possuía alguma influência em sua
O sistema verbal traz o
apassivamento, como em “empresária
é encontrada morta na manchete e
reformulado no corpo da matéria. A
lícia. O texto, no
entanto, não responde quem a agrediu
e por que a matou. A marca do veículo
é a falta do contexto em que os fatos
o apresentados. Dessa forma,
se o desenvolvimento da
investigação do caso como feminicídio,
bem como as informaçõ
es que
deveriam ser acompanhadas nestes
Pâmela Bessa, Poço José de
A única exceção no
número de publicações e tica de
abordagem é o caso Pâmela Bessa.
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/pol
e
-encontrada-morta-
-
do-vale-do-
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
Ao total, são 13 matérias publicadas
sobre o crime. Essa é de longe a maior
repercussão de um feminidio no
veículo. Isso ocorre porque o caso se
enquadra em dois critérios de
noticiabilidade: 1) a violência
agravante, o fato de que Pâmela
estava grávida de cinco meses quando
foi brutalmente assassinada; 2) de
maneira inédita, o
caso gerou revolta
popular, protestos e organização de
mulheres cobrando por justiça. Os
protestos estão na categoria de um
“acontecimento”. As pessoas não
conhecidas são notícias quando: a)
são manifestantes, grevistas ou
amotinados
indivíduos que fazem
barulho ou provocam tumultos; b) o
vítimas de desastres, naturais ou
sociais, em particular na televio,
quando imagens fortes; c) o
transgressores da lei e da moral; d)
são praticantes de atividades
invulgares. (TRAQUINA, 2005, p.
A primeir
a matéria
caso, publicada no dia 08/09/2020,
anuncia a morte de Pâmela Bessa:
“jovem grávida morre em hospital e
10
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/po
licial/488129/jovem-gravida-
morre
e-policia-investiga-se-vitima-foi-
espancada
em-poco-jose-de-moura.html
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
Ao total, são 13 matérias publicadas
sobre o crime. Essa é de longe a maior
repercussão de um feminicídio no
veículo. Isso ocorre porque o caso se
enquadra em dois critérios de
noticiabilidade: 1) a violência
agravante, o fato de que Pâmela
estava grávida de cinco meses quando
foi brutalmente assassinada; 2) de
caso gerou revolta
popular, protestos e organização de
mulheres cobrando por justiça. Os
protestos estão na categoria de um
acontecimento. As pessoas não
conhecidas o notícias quando: a)
o manifestantes, grevistas ou
indivíduos que fazem
barulho ou provocam tumultos; b) são
timas de desastres, naturais ou
sociais, em particular na televisão,
quando há imagens fortes; c) são
transgressores da lei e da moral; d)
o praticantes de atividades
invulgares. (TRAQUINA, 2005, p.
68).
a matéria
10sobre o
caso, publicada no dia 08/09/2020,
anuncia a morte de Pâmela Bessa:
jovem grávida morre em hospital e
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/po
morre
-em-hospital-
espancada
-
polícia investiga se tima foi
espancada”. É dito que Hélio, seu
esposo, prestou depoimento e foi
liberado, mas ainda sem ser ligado à
suspeitas de ter provocado a morte.
Ao longo do texto é indagado:
“homicídio ou morte natural?.
É inicialmente importante
destacar a compreeno do veículo
acerca da morte de Pâmela como
homicídio, pois essa ideia guiará todo
o desenrolar da cobertura
feita pelo Diário do Sertão. Além de
retirar o teor político do crime e,
portanto, impedir a compreeno
social do termo que possui em si um
caráter pedagógico contra a violência
patriarcal, a despolitização midiática
dos feminicídios também a
sentido radical de dominação
masculina sobre a vida das mulheres
(THURLER, 2017, p. 6).
No dia 09/09/2020 saem outras
duas matérias: “mulheres fazem
protestos após morte de jovem
grávida”11
e “emoção e revolta marcam
11
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/ci
dades/488269/video-
mulheres
apos-morte-de-jovem-
gravida
cajazeiras-nao-
merecemos
87
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
polícia investiga se vítima foi
espancada. É dito que Hélio, seu
esposo, prestou depoimento e foi
liberado, mas ainda sem ser ligado à
s
suspeitas de ter provocado a morte.
Ao longo do texto é indagado:
homidio ou morte natural?”.
É inicialmente importante
destacar a compreensão do veículo
acerca da morte de Pâmela como
homidio, pois essa ideia guiará todo
o desenrolar da cobertura
jornalística
feita pelo Diário do Sertão. Além de
retirar o teor político do crime e,
portanto, impedir a compreensão
social do termo que possui em si um
caráter pedagógico contra a violência
patriarcal, a despolitização midiática
dos feminidios também a
meniza o
sentido radical de dominação
masculina sobre a vida das mulheres
(THURLER, 2017, p. 6).
No dia 09/09/2020 saem outras
duas matérias: mulheres fazem
protestos após morte de jovem
e emoção e revolta marcam
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/ci
mulheres
-fazem-protesto-
gravida
-na-regiao-de-
merecemos
-isso.html
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
sepultamento de jovem grávida
Ambas repercutem os protestos feitos
por mulheres que começaram no
velório e se estendeu até o
sepultamento da tima, com cartazes
e gritos que questionam
até quando
vamos aceitar isso? Precisamos
quebrar esse ciclo (de violência).
Estamos aqui, todas
nós, unidas não
por Pâmela, mas por todas as
Pâmelas do país, por todas as
Pâmelas espalhadas pelo mundo
No entanto, ao representar o
primeiro protesto contra feminidio na
cidade do Poço José de Moura, o texto
jornalístico diz que as manifestantes
a
penas “lamentaram a tragédia que a
cidade vivenciou”. Embora a
compreensão do teor político da morte
de Pâmela estivesse expressa nos
cartazes, nas palavras de ordem, nos
pedidos por justiça, a reportagem opta
por individualizar e isolar os protestos,
suge
rindo a ideia de que lamentavam
a morte por serem amigas, parentes e
colegas da vítima.
A matéria também traz a
informação, legitimada na fala do
12https://www.diari
odosertao.com.br/noticias/ci
dades/488269/video-mulheres-
fazem
apos-morte-de-jovem-gravida-
na
cajazeiras-nao-merecemos-
isso.html
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
sepultamento de jovem grávida”
12.
Ambas repercutem os protestos feitos
por mulheres que começaram no
velório e se estendeu até o
sepultamento da vítima, com cartazes
“até quando
vamos aceitar isso? Precisamos
quebrar esse ciclo (de violência).
nós, unidas não
por Pâmela, mas por todas as
Pâmelas do país, por todas as
Pâmelas espalhadas pelo mundo
.
No entanto, ao representar o
primeiro protesto contra feminicídio na
cidade do Poço Jo de Moura, o texto
jornalístico diz que as manifestantes
penas lamentaram a tragédia que a
cidade vivenciou. Embora a
compreensão do teor político da morte
de Pâmela estivesse expressa nos
cartazes, nas palavras de ordem, nos
pedidos por justiça, a reportagem opta
por individualizar e isolar os protestos,
rindo a ideia de que lamentavam
a morte por serem amigas, parentes e
A matéria também traz a
informação, legitimada na fala do
odosertao.com.br/noticias/ci
fazem
-protesto-
na
-regiao-de-
isso.html
próprio delegado, de que o caso está
sendo investigado como homidio,
embora o crime se enquadrasse
como
qualificação de feminidio, uma
vez que o principal suspeito era marido
da vítima e estava foragido. Nenhuma
dessas informações é apresentada.
Além disso, esse texto inaugura a
expressão que será reiterada ao longo
de toda a cobertura: ...acabou
falecend
o” aparece insistentemente,
ao invés de foi assassinada.
O esvaziamento político do
termo feminicídio, e o tratamento de
homicídio comum dado a este,
fundamenta a noção de que os
protestos eram realizados por parentes
e amigos. Ora, se não há um problema
político em torno dessa morte, apenas
seus conhecidos e conhecidas devem
lamentar a perda. Para Thurler (2017,
p. 465), no jornalismo de forma geral,
as matérias sobre feminidios o
“predominantemente descontínuas e
pontuais, provocando o sentimento de
que os feminicídios o fatos
isolados".
No dia 10/09/2020, saem novas
matérias sobre o caso. A primeira
13
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/po
licial/488530/video-
audios
88
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
próprio delegado, de que o caso está
sendo investigado como homicídio,
embora o crime já se enquadrasse
qualificação de feminicídio, uma
vez que o principal suspeito era marido
da vítima e estava foragido. Nenhuma
dessas informações é apresentada.
Além disso, esse texto inaugura a
expressão que será reiterada ao longo
de toda a cobertura: “...acabou
o aparece insistentemente,
ao invés de foi assassinada.
O esvaziamento político do
termo feminidio, e o tratamento de
homidio comum dado a este,
fundamenta a noção de que os
protestos eram realizados por parentes
e amigos. Ora, se não há um problema
político em torno dessa morte, apenas
seus conhecidos e conhecidas devem
lamentar a perda. Para Thurler (2017,
p. 465), no jornalismo de forma geral,
as matérias sobre feminicídios são
predominantemente descontínuas e
pontuais, provocando o sentimento de
que os feminidios são fatos
No dia 10/09/2020, saem novas
matérias sobre o caso. A primeira
13
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/po
audios
-vazados-indicam-
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
traz, pela primeira vez, o esposo Hélio
como principal suspeito do crime. No
entanto, tal abordagem é bastante
autoexplicativa acerca da estratégia
midiática do Diário do Sertão na
cobertura de feminicídios. Na
manchete do dia, “áudios vazados
indicam que Pâmela havia sido
agredida pelo marido, mas retirou
queixa”. Segundo Prado e Sanematsu
(2017, p. 142):
A imprensa tem um papel
estratégico na fo
opinião e na pressão por políticas
públicas e pode contribuir para
ampliar, contextualizar e
aprofundar o debate sobre o
feminicídio. Análises mostram,
porém, que com frequência as
coberturas jornalísticas reforçam
estereótipos e culpabilizam a
mulher.
Ao propor que a vítima tolerava
a agressão e acobertava o marido por
retirar queixas ou o realizar
denúncias, o veículo faz a separação
entre “a produção das ideias e as
condições sociais” (BRANDÃO, 1990),
tratando as consequências da
violência como raiz
do problema.
Trata-
se de uma ideologia patriarcal
que está comumente presente nas
coberturas midiáticas acerca de
que-pamella-bessa-ja-havia-
sido
pelo-marido-mas-retirou-
queixa.html
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
traz, pela primeira vez, o esposo Hélio
como principal suspeito do crime. No
entanto, tal abordagem é bastante
autoexplicativa acerca da estratégia
midiática do Diário do Sertão na
cobertura de feminicídios. Na
manchete do dia, áudios vazados
indicam que Pâmela já havia sido
agredida pelo marido, mas retirou
queixa. Segundo Prado e Sanematsu
A imprensa tem um papel
estratégico na fo
rmação da
opinião e na pressão por políticas
públicas e pode contribuir para
ampliar, contextualizar e
aprofundar o debate sobre o
feminicídio. Análises mostram,
porém, que com frequência as
coberturas jornalísticas reforçam
estereótipos e culpabilizam a
Ao propor que a vítima tolerava
a agressão e acobertava o marido por
retirar queixas ou não realizar
denúncias, o veículo faz a separação
entre a produção das ideias e as
condições sociais” (BRANDÃO, 1990),
tratando as consequências da
do problema.
se de uma ideologia patriarcal
que está comumente presente nas
coberturas midiáticas acerca de
sido
-agredida-
queixa.html
feminicídios e que, como dito, serve
para culpabilizar a vítima e atuar na
manutenção da submissão feminina e,
portanto, manutenção do poder
masculino.
A segunda matéria do dia
a manchete: “delegado explica por que
não solicitou a prisão do marido de
Pâmela”, além de falas do grupo
“mulheres vitoriosas, atreladas ao
CRAS do PJM, que participaram dos
protestos. Das 13 matérias sobre o
cas
o, nove contêm falas do
delegado/autoridades de segurança e
apenas três possuem falas das
ativistas. De maneira desproporcional,
a alternância de falas apresentadas
pelo veículo entre autoridades
masculinas e as ativistas, atribuindo
destaque às representa
masculinas, demonstra que na mídia
a existência de dois discursos: um
legítimo (masculino/autoritário), outro
sub-representado
(feminino/submetido).
A mídia é um campo de disputa,
no qual a visibilidade é fundamental
para a construção de capital po
14
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/po
licial/488541/video-
delegado
nao-solicitou-a-prisao-do-
marido
bessa-apos-a-morte-
dela.html
89
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
feminidios e que, como dito, serve
para culpabilizar a vítima e atuar na
manutenção da submissão feminina e,
portanto, manutenção do poder
A segunda matéria do dia
14traz
a manchete: delegado explica por que
não solicitou a prisão do marido de
Pâmela, além de falas do grupo
mulheres vitoriosas”, atreladas ao
CRAS do PJM, que participaram dos
protestos. Das 13 matérias sobre o
o, nove contêm falas do
delegado/autoridades de segurança e
apenas três possuem falas das
ativistas. De maneira desproporcional,
a alternância de falas apresentadas
pelo veículo entre autoridades
masculinas e as ativistas, atribuindo
destaque às representa
ções
masculinas, demonstra que na mídia
há a existência de dois discursos: um
legítimo (masculino/autoritário), outro
(feminino/submetido).
A mídia é um campo de disputa,
no qual a visibilidade é fundamental
para a construção de capital po
lítico.
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/po
delegado
-explica-por-que-
marido
-de-pamella-
dela.html
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
Trata-
se de um “espaço privilegiado de
disseminação das diferentes
perspectivas e projetos dos grupos em
conflito nas sociedades
contemporâneas” (MIGUEL
2010, p. 22 apud
THURLER, 2017, p.
6). No entanto, “em uma sociedade
marcada pelas est
ratificações e
misoginias, a palavra da mulher tem
menor valor do que a palavra
masculina” (THURLER, 2017, p. 5).
A representação não se limita aos
processos eleitorais. A
representação política inclui
discussão pública e debate de
informações, argumentaçõ
construção de agenda pública.
Nesses processos a visibilidade
midiática é disputada para
construção de capital político.
Ocorre de essa visibilidade ser
imposta. Assim, pode acontecer
com as violências contra as
mulheres, os feminicídios
visibilida
de, a análise crítica, a
inclusão
em pautas de
demandas para a deliberação
pública. A representação política
inclui também a possibilidade de
participação na construção de
agendas e debates públicos
(THURLER, 2017, p. 5).
No dia 15/09/2020, sai a tima
matéria sobre o caso: “delegado diz
que Pâmela sofreu pancadas no
abdômen e que o acusado é altamente
perigoso”15
. Dessa forma, o veículo
15h
ttps://www.diariodosertao.com.br/noticias/po
licial/489141/video-delegado-diz
-
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
se de um espaço privilegiado de
disseminação das diferentes
perspectivas e projetos dos grupos em
conflito nas sociedades
contemporâneas” (MIGUEL
; BIROLI,
THURLER, 2017, p.
6). No entanto, em uma sociedade
ratificações e
misoginias, a palavra da mulher tem
menor valor do que a palavra
masculina (THURLER, 2017, p. 5).
A representação não se limita aos
processos eleitorais. A
representação potica inclui
discussão pública e debate de
informações, argumentaçõ
es,
construção de agenda pública.
Nesses processos a visibilidade
midiática é disputada para
construção de capital político.
Ocorre de essa visibilidade ser
imposta. Assim, pode acontecer
com as violências contra as
mulheres, os feminicídios
a
de, a análise crítica, a
em pautas de
demandas para a deliberação
pública. A representação política
inclui também a possibilidade de
participação na construção de
agendas e debates públicos
(THURLER, 2017, p. 5).
No dia 15/09/2020, sai a sétima
matéria sobre o caso: delegado diz
que Pâmela sofreu pancadas no
abdômen e que o acusado é altamente
. Dessa forma, o veículo
ttps://www.diariodosertao.com.br/noticias/po
-
que-pamella-
descontextualiza completamente o
agressor de Pâmela de um cenário de
alto índice de violência contra as
mulheres e o i
sola a fim de causar a
impressão de que o problema é ele,
separando-
o dos demais homens,
distanciando-
o do homem comum
para o “anormal” e altamente
perigoso”. Assim, provocando esse
distanciamento, se pode culpar e punir
o indivíduo sem pensar critica
em suas causas sociais.
Em seu clássico discurso, Diana
Russell (1992), responsável por
cunhar o termo feminidio, afirma que
com frequência a mídia nega a
natureza política desses crimes, e que
se tal assassino é demente não é
uma informação rele
acrítica. Para ela, a fixação na
patologia dos agressores de mulheres
apenas abafa a função de contr
social destes atos” (CAPUTI
1992, s.
p.). Em outras palavras, em
uma sociedade racista e machista,
“homens psicóticos assim como os
supostamente normais frequentemente
agem do modo totalmente racista,
misógino e homofóbico com os quais
bessa-sofreu-pancadas-
no
acusado-e-altamente-
agressivo.html
90
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
descontextualiza completamente o
agressor de Pâmela de um cenário de
alto índice de violência contra as
sola a fim de causar a
impressão de que o problema “é ele”,
o dos demais homens,
o do “homem comum”
para o anormal e “altamente
perigoso. Assim, provocando esse
distanciamento, se pode culpar e punir
o indivíduo sem pensar critica
mente
em suas causas sociais.
Em seu clássico discurso, Diana
Russell (1992), responsável por
cunhar o termo feminicídio, afirma que
com frequência a mídia nega a
natureza política desses crimes, e que
se tal assassino é “demente” não é
uma informação rele
vante, mas
acrítica. Para ela, “a fixação na
patologia dos agressores de mulheres
apenas abafa a função de contr
ole
social destes atos” (CAPUTI
; RUSSEL,
p.). Em outras palavras, em
uma sociedade racista e machista,
homens psiticos assim como os
supostamente normais frequentemente
agem do modo totalmente racista,
migino e homofóbico com os quais
no
-abdomen-e-que-o-
agressivo.html
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
foram criados e que eles
repetidamente veem legitimados”
(CAPUTI; RUSSEL, 1992,
s.
(...)
o objetivo da violência contra
as mulheres
seja consciente ou
não
é preservar a supremacia
masculina. Assim como o
estupro, a maioria dos
assassinatos de mulheres por
maridos, amantes, pais,
conhecidos e estranhos não o
produto de algum desvio
inexp
licável. Eles o
feminicídios, a mais extrema
forma de terrorismo machista,
motivado por ódio, desprezo,
prazer ou um senso de posse
sobre a mulher (
RUSSEL, 1992, s.p.
).
A fim de cumprir o papel de
conscientização da população, o
fundamento que
deve guiar coberturas
jornalísticas acerca de feminidios
deve ser a contextualização e a
correlação do crime a um problema
social que deve ser combatido. Ainda
segundo o dossiê feminidio do
instituto Patrícia Galvão:
Não basta noticiar o crime, é
impo
rtante contextualizar a
violência (...) A partir do problema
individual, é necessário
estabelecer uma conexão com os
aspectos socioculturais
envolvidos, como noções de
desigualdade de direitos e
sentimentos como posse,
controle e direito sobre o corpo e
a
vida das mulheres (
SANEMATSU
, 2017, p. 144).
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
foram criados e que eles
repetidamente veem legitimados”
s.
p.).
o objetivo da violência contra
seja consciente ou
é preservar a supremacia
masculina. Assim como o
estupro, a maioria dos
assassinatos de mulheres por
maridos, amantes, pais,
conhecidos e estranhos não são
produto de algum desvio
livel. Eles são
feminicídios, a mais extrema
forma de terrorismo machista,
motivado por ódio, desprezo,
prazer ou um senso de posse
sobre a mulher (
CAPUTI;
).
A fim de cumprir o papel de
conscientização da população, o
deve guiar coberturas
jornalísticas acerca de feminicídios
deve ser a contextualização e a
correlação do crime a um problema
social que deve ser combatido. Ainda
segundo o dossiê feminicídio do
Não basta noticiar o crime, é
rtante contextualizar a
violência (...) A partir do problema
individual, é necessário
estabelecer uma conexão com os
aspectos socioculturais
envolvidos, como noções de
desigualdade de direitos e
sentimentos como posse,
controle e direito sobre o corpo e
vida das mulheres (
PRADO;
, 2017, p. 144).
Uma forte mudança ocorre na
reportagem sobre o caso, em ato
público, coletivo de mulheres cobra
justiça no caso Pâmela Bessa
publicada no dia 21/09/2020. Os
protestos que vinham aparecendo até
então à margem das matérias,
tornaram-
se a pauta principal quando,
através da união entre as mulheres de
cidades circunvizinhas, um grande ato
ocorreu em praça pública na cidade de
Pâmela
. Tanto o texto para o portal de
notícias, quanto a tele reportagem
para a TV Diário do Sertão, o
produzidos com falas destacadas de
ativistas do coletivo Mulheres à Bessa.
Nessa mesma matéria, pela
primeira vez o caso é tratado como
feminicídio: “o acu
sado de feminidio
é o seu esposo”. Os protestos o
interpretados não como pedido de
justiça de familiares e amigos, mas
como uma luta contra violência
doméstica: “a repercussão foi tão
grande que mulheres do Poço José de
Moura formaram um coletivo chama
‘Mulheres a Bessa’ como forma de
16
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/ci
dades/490026/video-em-
ato
de-mulheres-cobra-
justica
bessa-em-poco-de-jose-
de
91
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
Uma forte mudança ocorre na
9ª reportagem sobre o caso, “em ato
público, coletivo de mulheres cobra
justiça no caso Pâmela Bessa”
16
publicada no dia 21/09/2020. Os
protestos que vinham aparecendo até
então à margem das matérias,
se a pauta principal quando,
através da união entre as mulheres de
cidades circunvizinhas, um grande ato
ocorreu em praça pública na cidade de
. Tanto o texto para o portal de
notícias, quanto a tele reportagem
para a TV Diário do Sertão, o
produzidos com falas destacadas de
ativistas do coletivo Mulheres à Bessa.
Nessa mesma matéria, pela
primeira vez o caso é tratado como
sado de feminicídio
é o seu esposo. Os protestos são
interpretados não como pedido de
justiça de familiares e amigos, mas
como uma luta contra violência
doméstica: a repercussão foi tão
grande que mulheres do Poço José de
Moura formaram um coletivo chama
do
Mulheres a Bessa como forma de
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/ci
ato
-publico-coletivo-
justica
-no-caso-pamella-
de
-moura.html
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
homenagear Pâmela e lutar contra a
violência doméstica, em defesa da
vida das mulheres”.
Ao invés de isolar o agressor,
estereotipando-
o como anormal,
“altamente agressivo”, ou seja, uma
exceção, o texto finalmente o
com o alto índice de violência contra
as mulheres: “De acordo com a jovem
Lívia Dantas, uma das ativistas do
movimento, a violência contra a mulher
tem estatísticas assustadoras no
Brasil”.
O ato unificado das mulheres
também reflete na matéria s
feita no dia 23/09/2020, delegado
lamenta impunidade no Brasil e faz
alerta para população”
sequência ao feito da reportagem
anterior, o veículo segue referindo
morte de Pâmela como feminidio.
Esta nomeação é inédita e merece
atenç
ão, pois para a autora Izabel
Gomes (2018, p. 3):
É fundamental identificar as
mortes de mulheres como
feminicídio, em especial
determinados assassinatos, a fim
17
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/po
licial/490382/video-delegado-do
-
bessa-lamenta-impunidade-no-
brasil
alerta-para-populacao.html
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
homenagear Pâmela e lutar contra a
violência doméstica, em defesa da
Ao invés de isolar o agressor,
o como “anormal”,
altamente agressivo, ou seja, uma
exceção, o texto finalmente o
relaciona
com o alto índice de violência contra
as mulheres: De acordo com a jovem
Lívia Dantas, uma das ativistas do
movimento, a violência contra a mulher
tem estatísticas assustadoras no
O ato unificado das mulheres
também reflete na matéria s
eguinte,
feita no dia 23/09/2020, “delegado
lamenta impunidade no Brasil e faz
alerta para população
17. Dando
sequência ao feito da reportagem
anterior, o veículo segue referindo
-se à
morte de Pâmela como feminicídio.
Esta nomeação é inédita e merece
ão, pois para a autora Izabel
É fundamental identificar as
mortes de mulheres como
feminicídio, em especial
determinados assassinatos, a fim
https://www.diariodosertao.com.br/noticias/po
-
caso-pamella-
brasil
-e-faz-
de visibilizar a letalidade e a não
acidentalidade da violência de
gênero. Esta visibilização
esperada na identificação do
fenômeno como feminidio não
se trata apenas de trazer à tona o
que estava oculto, mas de
politizar algo já naturalizado, ou
que não foi observado e
reconhecido em seu contexto de
produção.
Portanto, a mídia deve seguir a
le
i e se ater aos seus discursos legais,
pois ela possui um caráter pedagógico
que pode incidir na compreeno,
prática e costumes de uma
nação/região, tal como assinalou a
autora Rita Segato (2002
Si percibimos
propaganda y el potencia
persuasivo de
simbólica de
comprendemos que ella incide,
de manera lenta y por momentos
indirecta, en
costumbres y en
prejuicioso
del que emanan
violencias. Es por eso que la
reforma de l
a
permante de su sistema de
nombres es un
imprescindible y fundamental.
Respondendo diretamente às
demandas postas pelo protesto, outra
reportagem é feita em seguida, no dia
23/09/2020, trazendo novamente uma
entrevista com o delegado, mas
vez para lamentar a impunidade dos
agressores e falar sobre prevenção de
novos casos: “O delegado pediu que
92
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
de visibilizar a letalidade e a não
acidentalidade da violência de
gênero. Esta “visibilização”
esperada na identificação do
fenômeno como feminicídio não
se trata apenas de trazer à tona o
que estava oculto, mas de
politizar algo naturalizado, ou
que não foi observado e
reconhecido em seu contexto de
Portanto, a mídia deve seguir a
i e se ater aos seus discursos legais,
pois ela possui um caráter pedagógico
que pode incidir na compreensão,
prática e costumes de uma
nação/região, tal como assinalou a
autora Rita Segato (2002
, p. 121):
Si percibimos
el poder de
propaganda y el potencia
l
persuasivo de
la dimensión
simbólica de
la ley,
comprendemos que ella incide,
de manera lenta y por momentos
la moral, en las
costumbres y en
el substrato
del que emanan
las
violencias. Es por eso que la
a
ley y la expansión
permante de su sistema de
nombres es un
proceso
imprescindible y fundamental.
Respondendo diretamente às
demandas postas pelo protesto, outra
reportagem é feita em seguida, no dia
23/09/2020, trazendo novamente uma
entrevista com o delegado, mas
dessa
vez para lamentar a impunidade dos
agressores e falar sobre prevenção de
novos casos: O delegado pediu que
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
familiares, conhecidos e até vizinhos
que conheçam uma mulher que sofra
agressão doméstica denunciem para
que os ataques sejam interrompidos
antes de uma fatalidade acontecer.
Essa é a postura crítica máxima
que o veículo consegue chegar, sem
escapar de incorrer em outro grande
problema que é dar centralidade
falas de autoridades de segurança em
detrimento dos gestores de políticas
públi
cas e ativistas sociais, conferindo
à
cobertura jornalística um viés
policial. Ao contrário disso, é dever da
imprensa “questionar as diferentes
esferas de governo para cobrar
soluções para evitar novas ocorrências
e exigir a responsabilização dos
autore
s desses crimes” (
SANEMATSU, 2017, p.
148).
Com o fim dos protestos, a
cobertura sobre o caso entra em um
intervalo de dois meses, que se rompe
para anunciar finalmente a prisão de
Hélio de Almeida. As matérias citam os
protestos que foram organizad
mulheres, mas, dessa vez, reduz
novamente seus horizontes políticos e
seus objetivos, retornando à alegação
inicial de que “as manifestantes
lamentaram a tragédia que a cidade
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
familiares, conhecidos e até vizinhos
que conheçam uma mulher que sofra
agressão doméstica denunciem para
que os ataques sejam interrompidos
antes de uma fatalidade acontecer”.
Essa é a postura crítica máxima
que o veículo consegue chegar, sem
escapar de incorrer em outro grande
problema que é dar centralidade
às
falas de autoridades de segurança em
detrimento dos gestores de políticas
cas e ativistas sociais, conferindo
cobertura jornalística um viés
policial. Ao contrário disso, é dever da
imprensa questionar as diferentes
esferas de governo para cobrar
soluções para evitar novas ocorrências
e exigir a responsabilização dos
s desses crimes (
PRADO;
148).
Com o fim dos protestos, a
cobertura sobre o caso entra em um
intervalo de dois meses, que se rompe
para anunciar finalmente a prisão de
Hélio de Almeida. As matérias citam os
protestos que foram organizad
os pelas
mulheres, mas, dessa vez, reduz
novamente seus horizontes políticos e
seus objetivos, retornando à alegação
inicial de que as manifestantes
lamentaram a tragédia que a cidade
vivenciou”, distanciando
político dos protestos.
Essas últim
as reportagens
encontram-
se relacionadas ao
marcador #Homicídio. Com o caso
isolado, a matéria mostra que a
justiça foi feita”, sem que haja qualquer
contextualização do caso com as
estatísticas de violência doméstica,
muito menos números de disque
denúnc
ias para prevenção de novos
casos. Longe da pressão popular, o
veículo regride na contribuição para o
debate público sobre violência de
gênero.
Análise das
Discursivas
É possível identificar uma
regularidade discursiva na cobertura
dos casos citados.
Em primeiro lugar,
a polícia é a fonte primária dos
acontecimentos, quase sempre sendo
a única presente. Dessa forma, temos
apenas uma voz enunciadora como
regularidade nas
nar
do Sertão sobre os feminidios
Segundo Benetti (2007), resgatando a
teoria polifônica de Ducrot,
enunciadores são não os sujeitos
falantes, mas a posão de onde parte
a perspectiva do enunciado. Isto é, no
93
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
vivenciou, distanciando
-se do teor
político dos protestos.
as reportagens
se relacionadas ao
marcador #Homidio. Com o caso
isolado, a matéria mostra que “a
justiça foi feita, sem que haja qualquer
contextualização do caso com as
estatísticas de violência doméstica,
muito menos números de disque
-
ias para prevenção de novos
casos. Longe da pressão popular, o
veículo regride na contribuição para o
debate público sobre violência de
Análise das
Regularidades
É possível identificar uma
regularidade discursiva na cobertura
Em primeiro lugar,
a polícia é a fonte primária dos
acontecimentos, quase sempre sendo
a única presente. Dessa forma, temos
apenas uma voz enunciadora como
nar
rativas do Diário
do Sertão sobre os feminicídios
.
Segundo Benetti (2007), resgatando a
teoria polifônica de Ducrot,
enunciadores o não os sujeitos
falantes, mas a posição de onde parte
a perspectiva do enunciado. Isto é, no
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
caso das matérias, as pers
partem da posição “polícia”, um campo
de ação institucionalizado com seus
regramentos, práticas particulares e
universo ideológico-
discursivo. Ao
apresentar apenas tal perspectiva, o
discurso jornalístico constrói um
discurso monofônico. De acordo
Bezerra (2005, p. 192):
O monólogo é algo concluído e
surdo à resposta do outro, não
reconhece nela força deciria.
Descarta o outro como entidade
viva, falante e veiculadora das
múltiplas facetas da realidade
social e, assim procedendo,
coisifica em
certa medida toda a
realidade e cria um modelo
monológico de um universo
mudo, inerte. Pretende ser a
última palavra. Fecha em seu
modelo o mundo representado e
os homens representados.
Como consequência, o discurso
é unidimensional, sendo selecionados
enunciados que partem de uma única
posição que tem certa composição
ideológica, como o não tratamento do
feminicídio em seu teor e
crítico e político, mas como mais uma
forma de cri
me, não ultrapassando
esse patamar.
É nesse ponto que
podemos reconhecer que é dado o
direito de fala
somente a essa
de autoridade legitimada para discorrer
sobre o assassinato de mulheres. Pelo
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
caso das matérias, as pers
pectivas
partem da posição polícia”, um campo
de ação institucionalizado com seus
regramentos, práticas particulares e
discursivo. Ao
apresentar apenas tal perspectiva, o
discurso jornalístico constrói um
discurso monofônico. De acordo
com
O monólogo é algo concluído e
surdo à resposta do outro, não
reconhece nela força decisória.
Descarta o outro como entidade
viva, falante e veiculadora das
múltiplas facetas da realidade
social e, assim procedendo,
certa medida toda a
realidade e cria um modelo
monológico de um universo
mudo, inerte. Pretende ser a
última palavra. Fecha em seu
modelo o mundo representado e
os homens representados.
Como consequência, o discurso
é unidimensional, sendo selecionados
enunciados que partem de uma única
posição que tem certa composição
ideológica, como o não tratamento do
feminidio em seu teor e
sentido
crítico e político, mas como mais uma
me, não ultrapassando
É nesse ponto que
podemos reconhecer que é dado o
somente a essa
posição
de autoridade legitimada para discorrer
sobre o assassinato de mulheres. Pelo
discurso e pelo saber, tal posição
discursiva é aquel
descreve e explica tais
acontecimentos. É ela quem
reconstitui e sentido a tais mortes.
Trata-
se do poder no saber. Segundo
Feder (2014) o poder, para Foucault,
não parte do indiduo, e nem
propriamente do sujeito, mas é algo
exercido nas
posições ocupadas pelos
sujeitos.
Dessa forma
“permeia, produz coisas, induz ao
prazer, forma saber, produz discurso
(FOUCAULT, 1979
, p. 8), sendo
exercido numa rede produtiva a partir
das práticas desenvolvidas
socialmente. Logo
, a posição "polí
exerce
uma prática de poder que
consiste em ditar sobre assassinatos
de mulheres inquestionavelmente.
Em segundo lugar, a dimeno
própria dos enunciados revela efeitos
de sentidos que nos fornecem pistas
sobre a composição ideológica. Por
exemplo, t
emos a banalização da
explicação das mortes das mulheres
(
PRADO; SANEMATSU, 2017
assassinada porque terminou o
relacionamento, como no caso
Maria Aparecida
ou por cinquenta
centavos, caso
4) Daniela Pereira
formas de associações discursivas
94
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
discurso e pelo saber, tal posição
discursiva é aquel
a que narra,
descreve e explica tais
acontecimentos. É ela quem
reconstitui e dá sentido a tais mortes.
se do poder no saber. Segundo
Feder (2014) o poder, para Foucault,
não parte do indivíduo, e nem
propriamente do sujeito, mas é algo
posições ocupadas pelos
Dessa forma
, o poder
permeia, produz coisas, induz ao
prazer, forma saber, produz discurso”
, p. 8), sendo
exercido numa rede produtiva a partir
das práticas desenvolvidas
, a posição "polí
cia"
uma prática de poder que
consiste em ditar sobre assassinatos
de mulheres inquestionavelmente.
Em segundo lugar, a dimensão
própria dos enunciados revela efeitos
de sentidos que nos fornecem pistas
sobre a composição ideológica. Por
emos a banalização da
explicação das mortes das mulheres
PRADO; SANEMATSU, 2017
). Ser
assassinada porque terminou o
relacionamento, como no caso
3)
ou por cinquenta
4) Daniela Pereira
, são
formas de associações discursivas
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
entre um fato e sua explicação, sua
causa. Essas “justificativas” o
enunciadas pela posição discursiva
polícia e selecionadas pelos critérios
de construção jornalísticos.
verbal do discurso jornalístico, por sua
vez, produz sentidos ao apassiva
ações dos assassinatos, como
acontece na maioria das matérias.
Entre “morta a tiros”, encontrada
morta” e “vendedor aunomo mata
mulher” constata-se uma
diferença de
sentidos que entre a presença e a
ausência de um sujeito actante. A
problematiza
ção verbal é pertinente,
pois trata exatamente de
visibilizar/invisibilizar os feminicidas no
enunciado accional.
Em terceiro lugar, uma outra
problemática, mais profunda, pode ser
identificada como o silêncio. O não dito
é um aspecto necessário do discur
e “todo dizer é uma relação
fundamental com o não
(ORLANDI, 2007, p. 12). Notamos o
aspecto político-
ideológico do
silenciamento, em que a tomada e
a tirada da palavra. Não pressupomos
que o silêncio é por si negativo, mas
somente através das
pistas discursivas
identificamos como ele produz
sentidos ao se dar a voz a uma
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
entre um fato e sua explicação, sua
causa. Essas justificativas” são
enunciadas pela posição discursiva
polícia e selecionadas pelos critérios
de construção jornalísticos.
O sistema
verbal do discurso jornalístico, por sua
vez, produz sentidos ao apassiva
r as
ações dos assassinatos, como
acontece na maioria das matérias.
Entre morta a tiros”, “encontrada
morta e vendedor autônomo mata
diferença de
sentidos que há entre a presença e a
ausência de um sujeito actante. A
ção verbal é pertinente,
pois trata exatamente de
visibilizar/invisibilizar os feminicidas no
Em terceiro lugar, uma outra
problemática, mais profunda, pode ser
identificada como o silêncio. O não dito
é um aspecto necessário do discur
so,
e todo dizer é uma relação
fundamental com o não
-dizer”
(ORLANDI, 2007, p. 12). Notamos o
ideológico do
silenciamento, em que há a tomada e
a tirada da palavra. Não pressupomos
que o silêncio é por si negativo, mas
pistas discursivas
identificamos como ele produz
sentidos ao se dar a voz a uma
posição e não a outras: como o
sentido é sempre produzido de um
lugar, a partir de uma posição do
sujeito
ao dizer, ele estará,
necessariamente, não dizendo outros’
sentid
os” (ibid, p. 53).Com uma única
voz enunciadora, o fato é isolado de
um contexto particular, fragmentado da
problemática que constitui. Podemos
falar dos seguintes silêncios: a) outras
vozes: à exceção do caso Pâmela
Bessa, nenhuma voz de movimentos
sociai
s é ouvida; nenhum campo do
saber é explorado, como especialistas
em feminicídios; a família, que pode
fornecer históricos mais concretos,
também não é ouvida; etc.; b)
feminicídio: a problemática do
feminicídio não é, na maioria dos
casos, explorada. O co
algumas matérias, funciona como mais
uma categorização de crime, como o
homicídio, sem ter sua particularidade
evidenciada; além disso, suas
especificidades, como a sua aplicação
legal, são deixadas
de lado; c) por fim,
informações fundamentais
disque-
denúncia, órgãos responsáveis,
dados nacionais e locais de
feminicídio, além dos históricos
criminais, quase nunca aparecem.
95
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
posição e não a outras: “como o
sentido é sempre produzido de um
lugar, a partir de uma posição do
ao dizer, ele estará,
necessariamente, não dizendo ‘outros’
os” (ibid, p. 53).Com uma única
voz enunciadora, o fato é isolado de
um contexto particular, fragmentado da
problemática que constitui. Podemos
falar dos seguintes silêncios: a) outras
vozes: à exceção do caso Pâmela
Bessa, nenhuma voz de movimentos
s é ouvida; nenhum campo do
saber é explorado, como especialistas
em feminidios; a família, que pode
fornecer históricos mais concretos,
também não é ouvida; etc.; b)
feminidio: a problemática do
feminidio não é, na maioria dos
casos, explorada. O co
nceito, em
algumas matérias, funciona como mais
uma categorização de crime, como o
homidio, sem ter sua particularidade
evidenciada; além disso, suas
especificidades, como a sua aplicação
de lado; c) por fim,
informações fundamentais
como
denúncia, órgãos responsáveis,
dados nacionais e locais de
feminidio, além dos históricos
criminais, quase nunca aparecem.
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
A quarta e última regularidade
analisada, temos a não
dos casos, à exceção de Pâmela
Bessa. Aqui cabe di
scutir a valoração
que o veículo atribui às mortes de
mulheres constantemente
assassinadas. É dito que a polícia
realizará maiores investigações nos
seis
casos, mas quatro contam com
apenas uma matéria e um dos casos
sequer foi noticiado. Fato que remete
desvalorização simbólica dessas vidas
por meio das práticas de
noticiabilidade. O efeito disso é uma
espécie de totalidade construída em
torno de uma matéria, desprovida de
outras perspectivas que o a policial,
sem informações que deem a
dimensão comple
xa do feminidio e
isolada de suas “similares”.
Considerações finais
um padrão na cobertura de
feminicídios do portal Diário do Sertão
que impede a discussão aprofundada
do problema na região de seu alcance,
o Sertão Paraibano. No entanto,
também
se indicou uma contrarregra
no caso Pâmela Bessa. Embora o
caso de Pâmela se enquadre no que
prescreve a Lei do
Feminicídio, e esta
esteja em vigor desde 2015, não foi
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
A quarta e última regularidade
analisada, temos a não
-atualização
dos casos, à exceção de Pâmela
scutir a valoração
que o veículo atribui às mortes de
mulheres constantemente
assassinadas. É dito que a polícia
realizará maiores investigações nos
casos, mas quatro contam com
apenas uma matéria e um dos casos
sequer foi noticiado. Fato que remete
à
desvalorização simbólica dessas vidas
por meio das práticas de
noticiabilidade. O efeito disso é uma
espécie de totalidade construída em
torno de uma matéria, desprovida de
outras perspectivas que não a policial,
sem informações que deem a
xa do feminicídio e
isolada de suas similares”.
Há um padrão na cobertura de
feminidios do portal Diário do Sertão
que impede a discussão aprofundada
do problema na região de seu alcance,
o Sertão Paraibano. No entanto,
se indicou uma contrarregra
no caso Pâmela Bessa. Embora o
caso de Pâmela se enquadre no que
Feminicídio, e esta
já esteja em vigor desde 2015, não foi
a jurisdição legal, mas o ativismo de
mulheres, realizando ações públicas
de protest
os, que modificou
momentaneamente o tratamento
conferido pelo Diário do Sertão à
cobertura do feminicídio, ainda que
não adequadamente, colocando em
pauta os próprios protestos, bem como
questões sobre violência doméstica e
impunidade de agressores.
Assim
como historicamente a
“denúncia dos feminidios e o
desenvolvimento da compreeno
sobre eles se deu no conjunto dos
movimentos de mulheres e feministas”
(GOMES, 2018), no Sertão da Paraíba
a dinâmica não tem sido diferente.
Nesse sentido, o coletivo Mul
Bessa cumpriu um importante papel de
denúncia e vigilância da mídia e dos
órgãos públicos, garantindo e
fiscalizando que a justiça e o debate
relativo ao caso fossem feitos.
Em todos os sete casos de
feminicídio ocorridos em
Sertão Paraib
ano, o Diário do Sertão
conclui sua cobertura jornalística sem
sequer mencionar as políticas públicas
e as leis que tratam dos crimes
violentos contra mulheres. Além disso,
nem sempre os casos foram
nomeados como feminidio,
96
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
a jurisdição legal, mas o ativismo de
mulheres, realizando ações públicas
os, que modificou
momentaneamente o tratamento
conferido pelo Diário do Sertão à
cobertura do feminicídio, ainda que
não adequadamente, colocando em
pauta os próprios protestos, bem como
questões sobre violência doméstica e
impunidade de agressores.
como historicamente a
denúncia dos feminicídios e o
desenvolvimento da compreensão
sobre eles se deu no conjunto dos
movimentos de mulheres e feministas”
(GOMES, 2018), no Sertão da Paraíba
a dinâmica não tem sido diferente.
Nesse sentido, o coletivo Mul
heres a
Bessa cumpriu um importante papel de
denúncia e vigilância da mídia e dos
órgãos públicos, garantindo e
fiscalizando que a justiça e o debate
relativo ao caso fossem feitos.
Em todos os sete casos de
feminidio ocorridos em
2020 no
ano, o Diário do Sertão
conclui sua cobertura jornalística sem
sequer mencionar as políticas públicas
e as leis que tratam dos crimes
violentos contra mulheres. Além disso,
nem sempre os casos foram
nomeados como feminicídio,
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
demonstrando completamente a f
de abordagem crítica e a auncia de
um debate contextualizado
pressupostos básicos ao papel social
da mídia.
Os gestores de políticas
públicas nunca foram questionados.
Além disso, nenhuma das reportagens
possui informações sobre como as
vítimas p
odem acessar redes de apoio
e instituições que possam auxiliá
em casos de violência. Portanto, o
Diário do Sertão dificulta a
possibilidade do debate blico sobre
a violência contra as mulheres no
território de sua difusão, a região do
Alto Sertão Paraibano.
Para mudar esse cenário, além
das medidas citadas, é necessário
que o veículo adote permanentemente
a categoria “feminicídio” para referir
ao assassinato de mulheres por
motivações de gênero, conforme já
previsto na referida Lei. Falar em
f
eminicídio não é simplesmente
substituir um vocábulo por outro
(mortes violentas ou assassinato), mas
reconhecer um fenômeno e expressar
o conjunto de elementos que o
conformam e, portanto, revelar uma
concepção teórica acerca da
realidade” (GOMES, 2018, p
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
demonstrando completamente a f
alta
de abordagem crítica e a ausência de
um debate contextualizado
pressupostos básicos ao papel social
Os gestores de políticas
públicas nunca foram questionados.
Além disso, nenhuma das reportagens
possui informações sobre como as
odem acessar redes de apoio
e instituições que possam auxiliá
-las
em casos de violência. Portanto, o
Diário do Sertão dificulta a
possibilidade do debate público sobre
a violência contra as mulheres no
território de sua difuo, a região do
Para mudar esse cenário, além
das medidas já citadas, é necessário
que o veículo adote permanentemente
a categoria feminidio para referir
-se
ao assassinato de mulheres por
motivações de gênero, conforme
previsto na referida Lei. Falar em
eminidio não é simplesmente
substituir um vobulo por outro
(mortes violentas ou assassinato), mas
reconhecer um fenômeno e expressar
o conjunto de elementos que o
conformam e, portanto, revelar uma
concepção teórica acerca da
realidade (GOMES, 2018, p
.13).
Dessa forma, poderá promover a
conscientização sobre o problema no
Alto Sertão Paraibano.
Referências:
BENETTI, Marcia. O jornalismo como
gênero discursivo.
Galáxia
n. 15, p. 13- 28, jun
.
em:
https://revistas.pucsp.br/index.php/gala
xia/article/view/1492. Acesso em: 19
jul. 2022.
BEZERRA, Paulo. Polifonia. I
Beth. Bakhtin
: conceitos
Paulo: Contexto, 2005. p. 191
BRASIL.
Lei 13.104/2015
março de 2015. Altera
Decreto-
Lei 2.848. Bralia, DF:
Presidência da República, 2015.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at
o2015-
2018/2015/lei/l13104.htm.
Acesso em: 18 nov. 2022.
CAPUTI, J.; RUSSELL, D. E. H.
Femicide: sexist terrorism again
women. In:
RADFORD
D. E. H. Femicide
: the politics of
woman killing. New York: Twaine
Publishers, 1992.
FEDER, Ellen K. Power/Knowledge. I
TAYLOR, Dianna.
Michel Foucault
concepts. Durham,
UK: Acumen, 2011.
p. 55-68.
FOUCAULT, Michel.
poder
. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1979.
GOMES, Izabel Solyszko.
Feminicídios: um longo debate.
Revista Estudos Feministas
2018. Disponível em
97
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
Dessa forma, poderá promover a
conscientização sobre o problema no
Alto Sertão Paraibano.
BENETTI, Marcia. O jornalismo como
Galáxia
, São Paulo,
.
2008. Disponível
https://revistas.pucsp.br/index.php/gala
xia/article/view/1492. Acesso em: 19
BEZERRA, Paulo. Polifonia. I
n: BRAIT,
: conceitos
-chave. São
Paulo: Contexto, 2005. p. 191
-200.
Lei nº 13.104/2015
, de 9 de
março de 2015. Altera
o art. 121 do
Lei nº 2.848. Brasília, DF:
Presidência da República, 2015.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at
2018/2015/lei/l13104.htm.
Acesso em: 18 nov. 2022.
CAPUTI, J.; RUSSELL, D. E. H.
Femicide: sexist terrorism again
st
RADFORD
, J.; RUSSELL,
: the politics of
woman killing. New York: Twaine
FEDER, Ellen K. Power/Knowledge. I
n:
Michel Foucault
: key
UK: Acumen, 2011.
FOUCAULT, Michel.
Microfísica do
. Rio de Janeiro: Edições Graal,
GOMES, Izabel Solyszko.
Feminidios: um longo debate.
Revista Estudos Feministas
, v 26, n. 2.
2018. Disponível em
:
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 24, p. 75-98, mar. 2023.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/
article/view/39651/37097
. Acesso em
18 nov. 2022.
MIGUEL, Luís Felipe; BIROLI, Flávia.
Caleidoscópio convexo
: Mulheres,
política e mídia. São Paulo: UNESP,
2011.
ORLANDI, Eni.
As formas do
no movimento dos sentidos.
Campinas: Unicamp, 2007.
PRADO, bora; SANEMATSU,
Marisa.
#invisibilidademata. o Paulo:
Instituto Patrícia Galvão, 2017.
PÊCHEUX, Michel.
O discurso
estrutura ou acontecimento.
Campinas: Pontes
Editora, 2008.
PÊCHEUX, Michel.
Semântica e
discurso
: uma crítica à afirmação do
óbvio. Campinas: Unicamp, 2009.
PEREIRA, Jaíne Araújo.
O
do judiciário paraibano
: Uma análise
sobre a não tipificação do Caso
Vivianny Crisley com a qualificadora
d
e feminicídio. Monografia (Bacharel
em Direito). Universidade Federal da
Paraíba,
João Pessoa, 2018.
RUSSEL, Diana; RADFORD, Jill.
Feminicidio
. La politica del asesinato
de las mujeres. Coyoacán: CEIICH,
2006.
SCOTT, Joan W.
Gênero
Categoria Útil para
a Análise Histórica.
SOS CORPO
Gênero e Cidadania:
Recife, 1995.
SEGATO, Rita Laura. Femigenocidio y
feminicidio: una propuesta de
tipificación.
Herramienta
Aires, n. 49, mar.
2012. Disponível em:
LACERDA, Luana Brito; LELLIS, Demerval Ricardo; RABAY, Glória.
Regularidades discursivas dos casos de feminicídio no Diário do Sertão.
Americana de Estudos em Cultura,
www.
periodicos.uff.br/pragmatizes
(Dossiê "
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/
. Acesso em
:
MIGUEL, Luís Felipe; BIROLI, Flávia.
: Mulheres,
política e mídia. São Paulo: UNESP,
As formas do
silêncio:
no movimento dos sentidos.
Campinas: Unicamp, 2007.
PRADO, Débora; SANEMATSU,
Marisa.
Feminicídio:
#invisibilidademata. São Paulo:
Instituto Patrícia Galvão, 2017.
O discurso
:
estrutura ou acontecimento.
Editora, 2008.
Semântica e
: uma crítica à afirmação do
óbvio. Campinas: Unicamp, 2009.
O
s tropeços
: Uma análise
sobre a não tipificação do Caso
Vivianny Crisley com a qualificadora
e feminidio. Monografia (Bacharel
em Direito). Universidade Federal da
João Pessoa, 2018.
RUSSEL, Diana; RADFORD, Jill.
. La politica del asesinato
de las mujeres. Coyoacán: CEIICH,
Gênero
: Uma
a Análise Histórica.
Gênero e Cidadania:
SEGATO, Rita Laura. Femigenocidio y
feminicidio: una propuesta de
Herramienta
, Buenos
2012. Disponível em:
https://biblat.unam.mx/pt/revista/herra
mienta-buenos-
aires/articulo/femigenocidio
feminicidio-una-
propuesta
tipificacion. Acesso em
SEGATO, Rita Laura. Las estructuras
elementales de la violencia: ensayos
sobre género entre la antropología, el
psicoanálisis y los derechos humanos.
PROMETEO. 2002.
SOARES, Talita tiro. A Violência
contra a Mulher e o Feminidio na
Mídia: Análise das Reportagens
Publicadas pelo jornal Correio da
Paraíba, João Pessoa, 2018.
THURLER, A. L.
Feminidios na mídia
e desumanização das
mulheres.
Revista Obse
n. 6, p. 465-
496, 1 out. 2017. Acesso
em: 22 abr. 2022.
TRAQUINA, Nelson.
Jornalismo
, volume II: A tribo
jornalística
uma comunidade
interpretativa transnacional.
Florianópolis: Insular, 2005.
98
periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Violência contra as Mulheres nas narrativas midiáticas
")
https://biblat.unam.mx/pt/revista/herra
aires/articulo/femigenocidio
-y-
propuesta
-de-
tipificacion. Acesso em
: 10 mai. 2021.
SEGATO, Rita Laura. Las estructuras
elementales de la violencia: ensayos
sobre género entre la antropología, el
psicoanálisis y los derechos humanos.
SOARES, Talita Sátiro. A Violência
contra a Mulher e o Feminicídio na
Mídia: Análise das Reportagens
Publicadas pelo jornal Correio da
Paraíba, João Pessoa, 2018.
Feminicídios na mídia
e desumanização das
Revista Obse
rvatório , v. 3,
496, 1 out. 2017. Acesso
TRAQUINA, Nelson.
Teorias do
, volume II: A tribo
uma comunidade
interpretativa transnacional.
Florianópolis: Insular, 2005.