SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
O passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v13i25.
Resumo:
Este artigo parte do pressuposto de que a criação é um processo cognitivo, o qual sofre
influências de fatores internos e externos. Portanto, a criação lida com a realidade percebida, com os
elementos disponíveis para a sua elaboração, send
culturais e temporais. Defende-
se que a história, a memória e a apropriação do patrimônio material e
imaterial estimulam a imaginação e o pensamento crítico. O objetivo do trabalho é ilustrar
em recurs
conceitos utilizados na metodologia de Gomes Filho
formadores identitários
seu conhecimento e vivência nutrem a identidade i
construir a identidade coletiva –
e de repertórios estéticos.
Palavras-chave:
criatividade; recursos criativos; patrimônio.
El pasado en la creatividad: el patrimonio como recurso de creación
Resumen: Este artículo parte
del
influencias de factores internos y externos. Por lo tanto,
con
los elementos disponibles para su
geográficos, culturales y temporales. Se argumenta que
patrimonio material e inmaterial
estimulan
trabajo es ilustrar, basándose
específicos, utilizando algunos de los conceptos utilizados
historia, la memoria y e
l patrimonio
nutren la
identidad individual y ayudan a construir
estéticos.
1 Lucia Santa-
Cruz. Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Professora da Escola Superior
de propaganda e Marketing (ESPM
https://orcid.org/0000-0003-
1007
2
Isabella Vicente Perrota. Doutora em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio
Vargas RJ. Professora Adjunta II na
https://orcid.org/0000-0002-
7805
3 André Luis Ferreira Beltrão.
Doutor em Design pela PUC
gestão da economia criativa da ESPM
E-mail: abeltrao@espm.br -
https://orcid.org/0000
Recebido em 16/09/2022,
aceito para publicação em 2
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
Americana de Estudos em Cultura,
, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
O passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
Lucia Santa
Isabella Vicente Perrota
André Luis Ferreira Beltrão
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v13i25.
55913
Este artigo parte do pressuposto de que a criação é um processo cognitivo, o qual sofre
influências de fatores internos e externos. Portanto, a criação lida com a realidade percebida, com os
elementos disponíveis para a sua elaboração, send
o afetada por agentes sociais, geográficos,
se que a história, a memória e a apropriação do patrimônio material e
imaterial estimulam a imaginação e o pensamento crítico. O objetivo do trabalho é ilustrar
os bibliográficos e análise visual de projetos criativos específicos, segundo alguns dos
conceitos utilizados na metodologia de Gomes Filho
que história, memória e patrimônio são
seu conhecimento e vivência nutrem a identidade i
ndividual e ajudam a
e de repertórios estéticos.
criatividade; recursos criativos; patrimônio.
El pasado en la creatividad: el patrimonio como recurso de creación
del
supuesto de que la creación es un
proceso cognitivo,
influencias de factores internos y externos. Por lo tanto,
la
creación se ocupa de
los elementos disponibles para su
elaboración, y se ve
afectada por agentes sociales,
geográficos, culturales y temporales. Se argumenta que
la
historia, la memoria y
estimulan la imaginación y el
pensamiento crítico. El objetivo de este
en recursos bibliográficos y análisis visual de proyectos
específicos, utilizando algunos de los conceptos utilizados
en la
metodología de Gomes Filho, que
l patrimonio
son formadores de identidad: su
conocimi
identidad individual y ayudan a construir
la identidad
colectiva, así como los
Cruz. Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Professora da Escola Superior
de propaganda e Marketing (ESPM
-Rio), Brasil. E-mail:
lucia.santacruz@espm.br
1007
-2473
Isabella Vicente Perrota. Doutora em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio
Vargas RJ. Professora Adjunta II na
ESPM-Rio, Brasil. E-mail:
iperrotta@espm.br
7805
-8443
Doutor em Design pela PUC
-
Rio. Professor do Mestrado profissional em
gestão da economia criativa da ESPM
-Rio e da graduação em Design da ESPM-
Rio e da PUC
https://orcid.org/0000
-0002-5174-1285
aceito para publicação em 2
7/06/20
23, disponibilizado online em
01/09/2023.
646
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
O passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
Lucia Santa
-Cruz1
Isabella Vicente Perrota
2
André Luis Ferreira Beltrão
3
Este artigo parte do pressuposto de que a criação é um processo cognitivo, o qual sofre
influências de fatores internos e externos. Portanto, a criação lida com a realidade percebida, com os
o afetada por agentes sociais, geográficos,
se que a história, a memória e a apropriação do patrimônio material e
imaterial estimulam a imaginação e o pensamento crítico. O objetivo do trabalho é ilustrar
com base
os bibliográficos e análise visual de projetos criativos específicos, segundo alguns dos
que história, memória e patrimônio são
ndividual e ajudam a
proceso cognitivo,
el cual sufre
creación se ocupa de
la realidad percibida,
afectada por agentes sociales,
historia, la memoria y
la apropiación del
pensamiento crítico. El objetivo de este
en recursos bibliográficos y análisis visual de proyectos
creativos
metodología de Gomes Filho, que
la
conocimi
ento y experiencia
colectiva, así como los
repertorios
Cruz. Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Professora da Escola Superior
lucia.santacruz@espm.br
-
Isabella Vicente Perrota. Doutora em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio
iperrotta@espm.br
-
Rio. Professor do Mestrado profissional em
Rio e da PUC
-Rio.
23, disponibilizado online em
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
Palabras clave:
creatividad; recursos creativos; patrimonio.
The past in creativity: heritage as a resource of creation
Abstract:
This article starts from the assumption that creation is a cognitive process, which is
influenced by internal and external factors. Therefore, creation deals with perceived reality, with the
elements available for its development, and it is affec
temporal agents. It is argued that history, memory, and the appropriation of tangible and intangible
heritage stimulate imagination and critical thinking. The objective of this work is to illustrate, based on
bibl
iographic resources and visual analysis of specific creative projects, using some of the concepts
used in Gomes Filho's methodology, that history, memory, and heritage are formative of identity
knowledge and experience nourish individual identity a
aesthetic repertoires.
Keywords:
creativity; creative resources; heritage.
O passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
Introdução
Na contemporânea sociedade
pós-industrial
quando nem as
matérias-
primas, nem a capacidade de
transformá-
las industrialmente, são
fundamentais para determinar o grau
de riqueza das nações –
, a criatividade
e a inovação são recursos estratégicos
de gestão ou desenvolvimento de
projetos, serviços, produtos ou redes;
para empresas, sociedades, cidades e
governos de todas as esferas. Tal
como capital e tecnologia, a
criativid
ade passa a ser reconhecida
como ativo econômico relevante que,
diferentemente de outros, quanto mais
é usado, mais cresce. “Quanto mais
criativo é o ambiente onde vivo,
maiores são as chances de que eu me
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
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.
Americana de Estudos em Cultura,
, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
creatividad; recursos creativos; patrimonio.
The past in creativity: heritage as a resource of creation
This article starts from the assumption that creation is a cognitive process, which is
influenced by internal and external factors. Therefore, creation deals with perceived reality, with the
elements available for its development, and it is affec
ted by social, geographical, cultural, and
temporal agents. It is argued that history, memory, and the appropriation of tangible and intangible
heritage stimulate imagination and critical thinking. The objective of this work is to illustrate, based on
iographic resources and visual analysis of specific creative projects, using some of the concepts
used in Gomes Filho's methodology, that history, memory, and heritage are formative of identity
knowledge and experience nourish individual identity a
nd help build collective identity
creativity; creative resources; heritage.
O passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
Na contemporânea sociedade
quando nem as
primas, nem a capacidade de
las industrialmente, são
fundamentais para determinar o grau
, a criatividade
e a inovação o recursos estratégicos
de gestão ou desenvolvimento de
projetos, serviços, produtos ou redes;
para empresas, sociedades, cidades e
governos de todas as esferas. Tal
como capital e tecnologia, a
ade passa a ser reconhecida
como ativo econômico relevante que,
diferentemente de outros, quanto mais
é usado, mais cresce. Quanto mais
criativo é o ambiente onde vivo,
maiores o as chances de que eu me
torne uma pessoa criativa; quanto
mais criativa so
u, mais criativo torno o
ambiente onde vivo” (REIS, 2012).
De onde vem a criatividade? De
dom natural? Da inspiração divina, do
acaso, de treinamentos ou de
insumos? Mouchird e Lubart (2002)
definem criatividade como um conjunto
de capacidades que permitem
uma pessoa se comporte de modos
novos e adaptativos em determinados
contextos. Drucker (1993,
FLORIDA, 2011), considera que a
criatividade é a faculdade que nos
permite derivar novas formas úteis do
conhecimento. Lima (2011) defende
que a ativida
de docente deve ser
criativa para exercitar a imaginação
dos alunos, e pontua: A criatividade é
647
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
This article starts from the assumption that creation is a cognitive process, which is
influenced by internal and external factors. Therefore, creation deals with perceived reality, with the
ted by social, geographical, cultural, and
temporal agents. It is argued that history, memory, and the appropriation of tangible and intangible
heritage stimulate imagination and critical thinking. The objective of this work is to illustrate, based on
iographic resources and visual analysis of specific creative projects, using some of the concepts
used in Gomes Filho's methodology, that history, memory, and heritage are formative of identity
- their
nd help build collective identity
- and of
O passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
torne uma pessoa criativa; quanto
u, mais criativo torno o
ambiente onde vivo (REIS, 2012).
De onde vem a criatividade? De
dom natural? Da inspiração divina, do
acaso, de treinamentos ou de
insumos? Mouchird e Lubart (2002)
definem criatividade como um conjunto
de capacidades que permitem
que
uma pessoa se comporte de modos
novos e adaptativos em determinados
contextos. Drucker (1993,
apud
FLORIDA, 2011), considera que a
criatividade é a faculdade que nos
permite derivar novas formas úteis do
conhecimento. Lima (2011) defende
de docente deve ser
criativa para exercitar a imaginação
dos alunos, e pontua: “A criatividade é
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
uma mistura, sem receita exata, da
curiosidade, das ideias, do interesse,
da imaginação, do conhecimento, dos
recursos e das técnicas” (LIMA, 2011,
p.11). E, c
omo professor de História,
acredita que “Através do conhecimento
surge a turbulência de ideias (LIMA,
2011, p.15).
Este artigo defende o
pressuposto de que a criação é um
processo cognitivo que sofre
influências de fatores internos e
externos. Ela parte d
aquilo que existe,
e que a história, a memória e a
valorização do patrimônio material e
imaterial estimulam a imaginação e o
pensamento crítico. O objetivo do
trabalho é ilustrar
com base em
recursos bibliográficos e análise visual
(GOMES FILHO, 2020) de
criativos específicos de design de
utensílios e de moda, elencados a
partir de trabalhos acadêmicos e de
mercado
que história, memória e
patrimônio são formadores identitários
seu conhecimento e vivência nutrem
a identidade individual e ajuda
construir a identidade coletiva
repertórios estéticos. Patrimônio é um
elemento da coesão social, da adesão
coletiva a referências culturais”
(BENHAMOU, 2016, p. 23).
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
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.
Americana de Estudos em Cultura,
, set. 2023.
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(Fluxo contínuo)
uma mistura, sem receita exata, da
curiosidade, das ideias, do interesse,
da imaginação, do conhecimento, dos
recursos e das técnicas” (LIMA, 2011,
omo professor de História,
acredita que Através do conhecimento
surge a turbulência de ideias (LIMA,
Este artigo defende o
pressuposto de que a criação é um
processo cognitivo que sofre
influências de fatores internos e
aquilo que existe,
e que a história, a memória e a
valorização do patrimônio material e
imaterial estimulam a imaginação e o
pensamento crítico. O objetivo do
com base em
recursos bibliográficos e análise visual
(GOMES FILHO, 2020) de
projetos
criativos espeficos de design de
utenlios e de moda, elencados a
partir de trabalhos acadêmicos e de
que história, memória e
patrimônio o formadores identitários
seu conhecimento e vivência nutrem
a identidade individual e ajuda
m a
construir a identidade coletiva
e de
repertórios estéticos. Patrimônio é “um
elemento da coeo social, da adesão
coletiva a referências culturais”
(BENHAMOU, 2016, p. 23).
A própria Constituição do Brasil
de 1988 inclui em sua definição de
patrim
ônio tanto o aspecto identitário
como o criativo, considerando as
formas de expressão e os modos de
criar, fazer e viver” como bens de
natureza material e imaterial, ao lado
das “criações científicas, artísticas e
tecnológicas;” “das obras, objetos,
doc
umentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações
artístico-
culturais”e dos conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico
(BRASIL, 1988, s/
p.). Para a Unesco
de Portugal: “Tanto o património como
a criatividade constituem as bases de
uma sociedade do conhecimento
vibrante, inovadora e próspera
(UNESCO PORTUGAL, s/d, s/p)
Com base nesta perspectiva da
criatividade como elemento que
impulsiona as populações a
c
onstruírem um repertório cultural e,
com isso, estabelecerem aspectos de
referência, o urbanista Washington
Fajardo destaca que a capacidade das
APACs (Áreas de Proteção do
Ambiente Cultural) de fixar valores
como identidade, história, harmonia,
estética etc.
“determinará o sucesso
648
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
A própria Constituição do Brasil
de 1988 já inclui em sua definição de
ônio tanto o aspecto identitário
como o criativo, considerando “as
formas de expressãoe “os modos de
criar, fazer e viver como bens de
natureza material e imaterial, ao lado
das criações científicas, artísticas e
tecnológicas; das obras, objetos,
umentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações
culturais”e dos “conjuntos
urbanos e tios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico”
p.). Para a Unesco
de Portugal: Tanto o património como
a criatividade constituem as bases de
uma sociedade do conhecimento
vibrante, inovadora e próspera”
(UNESCO PORTUGAL, s/d, s/p)
.
Com base nesta perspectiva da
criatividade como elemento que
impulsiona as populações a
onstruírem um repertório cultural e,
com isso, estabelecerem aspectos de
referência, o urbanista Washington
Fajardo destaca que a capacidade das
APACs (Áreas de Proteção do
Ambiente Cultural) de fixar valores
como identidade, história, harmonia,
determinará o sucesso
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
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Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
das cidades, produtos, empresas e
pessoas do século XXI, pela
constatação, ou amadurecimento, que
o final do século XX nos trouxe: o
planeta é finito, mas a escassez pode
ser tratada com inovação!” (FAJARDO,
2012, p.11).
Para
alguns profissionais
específicos, como designers e
arquitetos, “a história de sua atividade
é fonte de repertório cultural e visual,
fundamental para a produção estética.
O que não se restringe a trabalhos de
viés historicista, mas diz respeito ao
“domín
io e a compreensão de
sutilezas que influenciam a escolha de
uma cor, de uma iluminação ou de
uma tipografia que melhor dialogue
com o tema” do projeto (PERROTTA,
2019, p. 177).
Ao tentar construir uma Teoria
do Design Gráfico, Helen Armstrong
(1998) perco
rre momentos históricos
emblemáticos que contribuíram para o
êxito e consolidação da profissão, mas
também arrisca um “Mapeamento do
Futuro”. É neste momento do seu livro
que designers contemporâneos
consagrados explicitam a importância
do conhecimento his
tórico na sua
formação e atuação profissional. Para
Kenya Hara, atrás de nós há um
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
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, set. 2023.
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(Fluxo contínuo)
das cidades, produtos, empresas e
pessoas do culo XXI, pela
constatação, ou amadurecimento, que
o final do século XX nos trouxe: o
planeta é finito, mas a escassez pode
ser tratada com inovação! (FAJARDO,
alguns profissionais
espeficos, como designers e
arquitetos, a história de sua atividade
é fonte de repertório cultural e visual,
fundamental para a produção estética”.
O que não se restringe a trabalhos de
viés historicista, mas diz respeito ao
io e a compreensão de
sutilezas que influenciam a escolha de
uma cor, de uma iluminação ou de
uma tipografia que melhor dialogue
com o tema do projeto (PERROTTA,
Ao tentar construir uma Teoria
do Design Gráfico, Helen Armstrong
rre momentos históricos
emblemáticos que contribuíram para o
êxito e consolidação da profissão, mas
também arrisca um Mapeamento do
Futuro. É neste momento do seu livro
que designers contemporâneos
consagrados explicitam a importância
tórico na sua
formação e atuação profissional. Para
Kenya Hara, atrás de nós um
grande acúmulo de história que é um
tesouro para a imaginação e a
criatividade. Para Steven Heller, não é
possível fazer design quando se
desconhece o passado. Para Jessica
Helfand, assim como a natureza
abomina o vácuo, o mesmo deveria
ocorrer com os designers, que
deveriam conhecer história pois ela é
parte imperativa de como trabalhamos,
do que fazemos e de como
continuamos a melhorar como
profissionais e seres humanos
(AR
MSTRONG, 1998).
Em 2019, no bojo da mais
importante efeméride recente, relativa
à História do Design
do centenário de fundação da
disruptiva escola alemã Bauhaus
inaugurado um (novo) museu sobre a
instituição
o Museu Bauhaus de
Weimar. Com o objetivo de provocar
experiências sensoriais que associem
a história da escola e da república
alemã com a forma como vivemos
hoje, ele volta ao passado não para
revisitar a história visual e material,
mas para recolocar a questão que o
fundad
or da escola, Walter Gropius,
apresentava: “Como queremos
projetar o nosso futuro? Pois, para
Hellmut
Seeman, presidente da
649
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
grande amulo de história que é um
tesouro para a imaginação e a
criatividade. Para Steven Heller, não é
posvel fazer design quando se
desconhece o passado. Para Jessica
Helfand, assim como a natureza
abomina o vácuo, o mesmo deveria
ocorrer com os designers, que
deveriam conhecer história pois ela é
parte imperativa de como trabalhamos,
do que fazemos e de como
continuamos a melhorar como
profissionais e seres humanos
MSTRONG, 1998).
Em 2019, no bojo da mais
importante efeméride recente, relativa
a comemoração
do centenário de fundação da
disruptiva escola aleBauhaus
–, foi
inaugurado um (novo) museu sobre a
o Museu Bauhaus de
Weimar. Com o objetivo de provocar
experiências sensoriais que associem
a história da escola e da república
alemã com a forma como vivemos
hoje, ele volta ao passado não para
revisitar a história visual e material,
mas para recolocar a questão que o
or da escola, Walter Gropius,
apresentava: Como queremos
projetar o nosso futuro?” Pois, para
Seeman, presidente da
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
fundação que gere o museu: O
surgimento da Bauhaus há 100 anos
recorda-
nos que também somos os
projetistas do nosso mundo e devemo
continuar assim” (DW, 2019).
Recursos criativos
Land e Jarman (1990, p.34)
afirmam que toda criança pequena é
altamente criativa, pois pouco conhece
do mundo e por desconhecer se
permite experimentar mais. À medida
que cresce, enquanto adquire
conhecimentos, socializa-
se e adquire
julgamentos de valor (o que é bom ou
ruim, bem ou mal, bonito ou feio), que
restringem seu potencial de
pensamento, atuando como
bloqueadores da criatividade.
Land e Jarman (1990, p.145)
realizaram pesquisas para avaliar o
pote
ncial criativo com 1600 crianças,
às quais aplicaram testes de
pensamento criativo divergente. Na
primeira etapa, com crianças entre 3 e
5 anos de idade, 98% foram
consideradas altamente criativas.
Cinco anos mais tarde, aplicaram
novos testes às mesmas cr
somente 32% alcançaram a mesma
marca. Após outros cinco anos
reaplicaram os testes -
as crianças
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.
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, set. 2023.
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(Fluxo contínuo)
fundação que gere o museu: “O
surgimento da Bauhaus há 100 anos
nos que também somos os
projetistas do nosso mundo e devemo
s
continuar assim (DW, 2019).
Land e Jarman (1990, p.34)
afirmam que toda criança pequena é
altamente criativa, pois pouco conhece
do mundo e por desconhecer se
permite experimentar mais. À medida
que cresce, enquanto adquire
se e adquire
julgamentos de valor (o que é bom ou
ruim, bem ou mal, bonito ou feio), que
restringem seu potencial de
pensamento, atuando como
bloqueadores da criatividade.
Land e Jarman (1990, p.145)
realizaram pesquisas para avaliar o
ncial criativo com 1600 crianças,
às quais aplicaram testes de
pensamento criativo divergente. Na
primeira etapa, com crianças entre 3 e
5 anos de idade, 98% foram
consideradas altamente criativas.
Cinco anos mais tarde, aplicaram
novos testes às mesmas cr
ianças e
somente 32% alcançaram a mesma
marca. Após outros cinco anos
as crianças
tinham entre 13 e 15 anos de idade e
somente 10% foram consideradas
altamente criativas. Nos mesmos
testes, aplicados a uma amostra
aleatória de 200.0
00 adultos acima de
25 anos de idade, apenas 2%
atingiram o nível máximo.
Os autores afirmam que temos
sido levados a crer que a criatividade é
um dom todo especial reservado a
umas poucas pessoas extraordinárias,
porém isso está muito longe da
verdade, p
ois todos temos a
capacidade de trabalhar, de nos
divertirmos e de vivermos de maneira
criativa. O poder criativo de todos está
sob camadas e camadas de bloqueios
e pode ser redescoberto.
A criatividade caminha no
sentido oposto ao da amnésia, todo
process
o criativo é também uma
anamnese, toda aprendizagem é
lembrança, um processo em que as
referências culturais e as memórias
são resgatadas e combinadas aos
estímulos recebidos de acordo com
nossos padrões perceptivos na
produção de novas ideias.
O conhecime
nto é significativo
quando nasce a partir da imaginação.
No processo de aprendizagem, o
estudante relaciona novas informações
650
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tinham entre 13 e 15 anos de idade e
somente 10% foram consideradas
altamente criativas. Nos mesmos
testes, aplicados a uma amostra
00 adultos acima de
25 anos de idade, apenas 2%
atingiram o nível máximo.
Os autores afirmam que temos
sido levados a crer que a criatividade é
um dom todo especial reservado a
umas poucas pessoas extraordinárias,
porém isso está muito longe da
ois todos temos a
capacidade de trabalhar, de nos
divertirmos e de vivermos de maneira
criativa. O poder criativo de todos es
sob camadas e camadas de bloqueios
e pode ser redescoberto.
A criatividade caminha no
sentido oposto ao da amnésia, todo
o criativo é também uma
anamnese, toda aprendizagem é
lembrança, um processo em que as
referências culturais e as memórias
o resgatadas e combinadas aos
estímulos recebidos de acordo com
nossos padrões perceptivos na
produção de novas ideias.
nto é significativo
quando nasce a partir da imaginação.
No processo de aprendizagem, o
estudante relaciona novas informações
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
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Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
a algum aspecto relevante pré
existente em sua estrutura cognitiva,
modificando-
se enquanto aprende pela
ressignificação de conhec
criando condições de aprender novas
informações em uma espiral
progressiva de construção do
conhecimento (AUSUBEL, 1963).
As ideias nascem a partir da
imaginação. De acordo com Spinoza,
(apud SARTRE,
2008, p.
imagem é uma afecção do
lembrança é a ressurreição das
imagens; as ideias são o produto de
uma confusão de imagens imateriais.
A imaginação é o conhecimento por
imagens.
Giordano Bruno, filósofo italiano
do século XVI, cada ideia tem uma
imagem. Se captarmos a imagem,
c
aptamos a ideia e se lembramos da
imagem, recordaremos a ideia. Quem
não tem imaginação não tem memória
(GALVÃO, 2008).
Segundo Ostrower (1987, p. 18
20), evocando o passado e projetando
o sobre o futuro, o homem dispõe de
um instrumental para integrar
exp
eriências feitas com novas
experiências que deseja fazer. O
espaço vivencial da memória
representa uma ampliação do espaço
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
Americana de Estudos em Cultura,
, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
a algum aspecto relevante pré
-
existente em sua estrutura cognitiva,
se enquanto aprende pela
ressignificação de conhec
imentos,
criando condições de aprender novas
informações em uma espiral
progressiva de construção do
conhecimento (AUSUBEL, 1963).
As ideias nascem a partir da
imaginação. De acordo com Spinoza,
2008, p.
14-15), a
imagem é uma afeão do
corpo e a
lembrança é a ressurreição das
imagens; as ideias o o produto de
uma confusão de imagens imateriais.
A imaginação é o conhecimento por
Giordano Bruno, filósofo italiano
do século XVI, cada ideia tem uma
imagem. Se captarmos a imagem,
aptamos a ideia e se lembramos da
imagem, recordaremos a ideia. Quem
não tem imaginação não tem memória
Segundo Ostrower (1987, p. 18
-
20), evocando o passado e projetando
-
o sobre o futuro, o homem dispõe de
um instrumental para integrar
eriências já feitas com novas
experiências que deseja fazer. O
espaço vivencial da memória
representa uma ampliação do espaço
físico natural, a memória influi no
poder imaginativo e na construção se
associações simbólicas.
Nas diversas técnicas de
brainstorming
, utilizadas para gerar
ideias, o ponto essencial é permitir que
as ideias surjam em estado divergente,
em profusão, sem julgamento de valor.
O brainstorming
assemelha
improviso, ao resgate do que se
conhece: o músico de jazz improvisa a
partir
da lembrança das notas e do
ritmo e do que imagina que os outros
músicos da banda tocarão a seguir. As
ideias são geradas a partir do que o
indivíduo conhece, do que consegue
evocar e recombinar.
p.20) afirma que essas associações
compõem a
essência da imaginação.
São tão velozes em nossa mente que
não podemos controlá
conscientemente. As associações
geram o mundo experimental.
O improviso requer
conhecimento, a criatividade requer
repertório e um modo diferente de ver
o que se tem, de r
peças. Indivíduos com referenciais
limitados ou bloqueados têm menos
fluência criativa. Quanto maiores os
mergulhos nesse repertório, na
lembrança, mais sinapses se fazem
651
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
físico natural, a memória influi no
poder imaginativo e na construção se
associações simbólicas.
Nas diversas técnicas de
, utilizadas para gerar
ideias, o ponto essencial é permitir que
as ideias surjam em estado divergente,
em profuo, sem julgamento de valor.
assemelha
-se ao
improviso, ao resgate do que se
conhece: o músico de jazz improvisa a
da lembrança das notas e do
ritmo e do que imagina que os outros
músicos da banda tocarão a seguir. As
ideias o geradas a partir do que o
indivíduo conhece, do que consegue
evocar e recombinar.
Ostrower (1987,
p.20) afirma que essas associações
essência da imaginação.
São tão velozes em nossa mente que
não podemos controlá
-las
conscientemente. As associações
geram o mundo experimental.
O improviso requer
conhecimento, a criatividade requer
repertório e um modo diferente de ver
o que se tem, de r
ecombinar essas
peças. Indivíduos com referenciais
limitados ou bloqueados têm menos
fluência criativa. Quanto maiores os
mergulhos nesse repertório, na
lembrança, mais sinapses se fazem
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
possíveis, mais ligações criativas que
geram imagens e ideias.
Isso
nos remete à metáfora do
“estilingue”, de Aloísio Magalhães...
que iremos apresentar na próxima
seção.
O novo como forma transformada
do passado
Aloísio Magalhães, além de ter
sido um dos designers fundadores da
profissão no Brasil, foi também
defensor d
o patrimônio cultural
brasileiro, tendo sido diretor do
Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan), presidente
da Fundação Nacional P
secretário da Cultura do Ministério da
Educação e Cultura. Também gráfico
experimental e a
rtista plástico, esteve,
então, voltado tanto para a criação (o
novo), quanto para a preservação (o
existente). Inclusive, é por causa do
seu dia de aniversário que em 5 de
novembro comemora-
se, no Brasil, o
dia da cultura e o dia do designer.
Para Aloísio
, um dos caminhos para
que o processo criativo se transforme
numa expressão verdadeira de design
brasileiro, fundamental para o
“desenho de toda uma nação, seria a
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
Americana de Estudos em Cultura,
, set. 2023.
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(Fluxo contínuo)
posveis, mais ligações criativas que
nos remete à metáfora do
estilingue, de Aloísio Magalhães...
que iremos apresentar na próxima
O novo como forma transformada
Aloísio Magalhães, além de ter
sido um dos designers fundadores da
profissão no Brasil, foi também
o patrimônio cultural
brasileiro, tendo sido diretor do
Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan), presidente
da Fundação Nacional Pró
-Memória e
secretário da Cultura do Ministério da
Educação e Cultura. Também gráfico
rtista plástico, esteve,
então, voltado tanto para a criação (o
novo), quanto para a preservação (o
existente). Inclusive, é por causa do
seu dia de aniverrio que em 5 de
se, no Brasil, o
dia da cultura e o dia do designer.
, um dos caminhos para
que o processo criativo se transforme
numa expressão verdadeira de design
brasileiro, fundamental para o
desenho de toda uma nação”, seria a
consciência do nosso passado e dos
componentes da nossa cultura.
Tanto em 1977, em
comunic
ação para o Conselho Federal
de Cultura, em visita ao Rio de
Janeiro; quanto em 1979, quando fez
para o mesmo organismo a defesa da
criação da Fundação Pró
desta vez em Brasília, Aloísio usou o
mesmo argumento
uma revisitação do pas
Pode-
se afirmar que, no
processo de evolução de uma
cultura, nada existe
propriamente de novo. O
“novo” é apenas uma forma
transformada do passado,
enriquecida na continuidade
do processo, ou novamente
revelada de um repertório
latente. Na verdade,
elementos o sempre os
mesmos; apenas a vio pode
ser enriquecida, por novas
incidências de luz nas diversas
faces do cristal (MAGALHÃES,
[1977], 2017, p. 140).
Da sua profícua produção
intelectual, para além da produção
visual, destacam-
se duas falas que
foram amplamente divulgadas, por ele
mesmo e por outros, por isso
transformadas em representações
figuradas que permitem várias
transferências/analogias. São ela
“estilingue” e “Triunfo. Em ambas,
estão presentes a preocupação de
652
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- ISSN 2237-1508
consciência do nosso passado e dos
componentes da nossa cultura.
Tanto em 1977, em
ação para o Conselho Federal
de Cultura, em visita ao Rio de
Janeiro; quanto em 1979, quando fez
para o mesmo organismo a defesa da
criação da Fundação Pró
-Memória,
desta vez em Brasília, Aloísio usou o
que o novo é
uma revisitação do pas
sado.
se afirmar que, no
processo de evolução de uma
cultura, nada existe
propriamente de “novo”. O
novo é apenas uma forma
transformada do passado,
enriquecida na continuidade
do processo, ou novamente
revelada de um repertório
latente. Na verdade,
os
elementos são sempre os
mesmos; apenas a visão pode
ser enriquecida, por novas
incidências de luz nas diversas
faces do cristal (MAGALHÃES,
[1977], 2017, p. 140).
Da sua profícua produção
intelectual, para além da produção
se duas falas que
foram amplamente divulgadas, por ele
mesmo e por outros, por isso
transformadas em representações
figuradas que permitem várias
transferências/analogias. São ela
s: o
estilingue e Triunfo”. Em ambas,
estão presentes a preocupação de
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
Aloísio Magalhães com a manutenção
do patrimônio, quando se deseja a
atitude projetiva do futuro.
Ao falar sobre a identidade
cultural brasileira, para o Conselho
Federal de Cultura,
em 1977, Aloísio
defendeu que a cultura se insere num
processo histórico e que sua
continuidade é um processo flexível
que comporta modificações e
realimentações que garantem sua
sobrevivência.
Pode-
se mesmo dizer que a
previsão ou a antevisão da
trajetór
ia da cultura é
diretamente proporcional à
amplitude e profundidade de
recuo no tempo, do
conhecimento e da
consciência do passado
histórico. Da mesma maneira
como, analogicamente, uma
pedra vai mais longe na
medida em que a borracha do
bodoque (estilingue
suficientemente forte e flevel
para suportar uma grande
tensão, diametralmente oposta
ao objetivo de sua direção
(MAGALHÃES, [1977], 2017,
p. 140).
Posteriormente, em entrevista
publicada na revista IstoÉ, em 1982,
quando questionado, pelo
Zuenir Ventura, se sua trajetória não
estaria mais associada à vanguarda do
que à preservação do passado, Aloísio
responde:
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
Americana de Estudos em Cultura,
, set. 2023.
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(Fluxo contínuo)
Aloísio Magalhães com a manutenção
do patrimônio, quando se deseja a
Ao falar sobre a identidade
cultural brasileira, para o Conselho
em 1977, Aloísio
defendeu que a cultura se insere num
processo histórico e que sua
continuidade é um processo flexível
que comporta modificações e
realimentações que garantem sua
se mesmo dizer que a
previsão ou a antevisão da
ia da cultura é
diretamente proporcional à
amplitude e profundidade de
recuo no tempo, do
conhecimento e da
consciência do passado
histórico. Da mesma maneira
como, analogicamente, uma
pedra vai mais longe na
medida em que a borracha do
bodoque (estilingue
) é
suficientemente forte e flexível
para suportar uma grande
teno, diametralmente oposta
ao objetivo de sua direção
(MAGALHÃES, [1977], 2017,
Posteriormente, em entrevista
publicada na revista IstoÉ, em 1982,
quando questionado, pelo
jornalista
Zuenir Ventura, se sua trajetória não
estaria mais associada à vanguarda do
que à preservação do passado, Aloísio
Essa contradição é curiosa:
um sujeito com a minha
formação e postura sentir
necessidade de um recuo para
poder entender
formulação projetiva. É como o
estilingue que usamos tanto
quando crianças: quanto mais
se estica a borracha para trás,
mais longe vai a pedra
(MAGALHÃES, [1982], 2017,
p. 460).
“E Triunfo?” A pergunta,
aparentemente estapafúrdia, foi
proferida p
or Aloísio em uma reunião
sobre tecnologias que se realizava em
São Paulo em 1978, na qual discutia
se, em escala de milhões de cruzeiros,
questões relativas ao traçado do metrô
daquela cidade. A história foi, então,
narrada por ele dois anos depois,
quand
o da sua participação num
debate da Semana de Arte e Ensino,
em São Paulo, quando então ficou
registrada.
[...]
não sei se intuitivamente, me
virei, interrompi a reunião e disse
bem alto. E Triunfo? Aí a reunião
parou, um sujeito olhou para o
outro e disse
disse: E o que é Triunfo? Que
era o que eu queria
(MAGALHÃES [1980]
DODEBEI;
ABREU, 2008, p.10).
A partir daí, Aloísio discorreu
sobre um pequeno sítio, no sertão de
Pernambuco, chamado Triunfo, que
acabara de visitar, onde, seg
653
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Essa contradição é curiosa:
um sujeito com a minha
formação e postura sentir
necessidade de um recuo para
poder entender
melhor a
formulação projetiva. É como o
estilingue que usamos tanto
quando crianças: quanto mais
se estica a borracha para trás,
mais longe vai a pedra
(MAGALHÃES, [1982], 2017,
E Triunfo? A pergunta,
aparentemente estapafúrdia, foi
or Aloísio em uma reunião
sobre tecnologias que se realizava em
São Paulo em 1978, na qual discutia
-
se, em escala de milhões de cruzeiros,
questões relativas ao traçado do metrô
daquela cidade. A história foi, então,
narrada por ele dois anos depois,
o da sua participação num
debate da Semana de Arte e Ensino,
em São Paulo, quando então ficou
não sei se intuitivamente, me
virei, interrompi a reunião e disse
bem alto. E Triunfo? a reunião
parou, um sujeito olhou para o
outro e disse
: “Triunfo? Outro
disse: E o que é Triunfo?” Que
era o que eu queria
(MAGALHÃES [1980]
apud
ABREU, 2008, p.10).
A partir daí, Aloísio discorreu
sobre um pequeno sítio, no sertão de
Pernambuco, chamado Triunfo, que
acabara de visitar, onde, seg
undo ele,
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
havia “todo um processo de harmonia
entre ecologia e necessidades
técnicas” (MAGALHÃES, 1980
DODEBEI;
ABREU, 2008, p.
sua intervenção naquela reunião, tinha
sido, então, uma maneira de tentar
influenciar a “cabeça das pessoas
daquele nível de tecnologia e uma
tentativa de dizer que existe Triunfo
(MAGALHÃES, 1980
apud
ABREU, 2008, p. 10).
Mas “a pergunt
insistentemente dirigida, naqueles
anos da segunda metade de 1970, a
interlocutores que de uma forma ou de
outra eram fiadores do evanescente
milagre brasileiro” (MELO, 1985
LEITE, 2017, p. 10). Anos em que
Aloí
sio sinalizava que fenômenos
decor
rentes da aceleração
desenfreada do crescimento
econômico
sobretudo em relação à
urbanização e à especulação
imobiliária em cidades brasileiras de
médio e grande porte
, o se faziam
acompanhar de ações de preservação
do patrimônio cultural.
Na verdad
e, a própria
estagnação econômica de
certas regiões facilitara até
então a tarefa de
preservação, já que
concorrera para manter
intactos conjuntos históricos
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
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, set. 2023.
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(Fluxo contínuo)
havia todo um processo de harmonia
entre ecologia e necessidades
técnicas” (MAGALHÃES, 1980
apud
ABREU, 2008, p.
10). A
sua intervenção naquela reunião, tinha
sido, então, uma maneira de tentar
influenciar a cabeça das pessoas
daquele nível de tecnologia” e “uma
tentativa de dizer que existe Triunfo”
apud
DODEBEI;
Mas a pergunt
a foi
insistentemente dirigida, naqueles
anos da segunda metade de 1970, a
interlocutores que de uma forma ou de
outra eram fiadores do evanescente
milagre brasileiro (MELO, 1985
apud
LEITE, 2017, p. 10). Anos em que
sio sinalizava que fenômenos
rentes da aceleração
desenfreada do crescimento
sobretudo em relação à
urbanização e à especulação
imobiliária em cidades brasileiras de
, não se faziam
acompanhar de ações de preservação
e, a própria
estagnação econômica de
certas regiões facilitara até
então a tarefa de
preservação, que
concorrera para manter
intactos conjuntos históricos
e paisagísticos de valor
inestimável (MAGALHÃES,
[1979], 2017, p. 260).
“E Triunfo?” foi nome dad
coletânea de textos de Aloísio
Magalhães reunidos após a sua morte,
ocorrida em 1982; assim como
inspiração para o título E o
Patrimônio?”
obra editada pelo
Programa de Pós
Memória Social da Universidade
Federal do Estado do Rio de Jane
(UNIRIO).
Patrimônio Material e Imaterial
A noção de patrimônio
designava, no direito romano, o
conjunto de bens reunidos pela
sucessão: bens que descendem,
segundo as leis, dos pais e mães aos
seus filhos ou bens de família, assim
definidos em oposiç
adquiridos (DESVALLÉS
2013).
Destas concepções, teriam
surgido duas formas metafóricas
“patrimônio genético”, para designar as
características hereditárias de um ser
vivo; e “patrimônio cultural, que teria
aparecido no século XVI
filósofo Leibniz e foi retomada pela
654
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
e paisagísticos de valor
inestimável (MAGALHÃES,
[1979], 2017, p. 260).
E Triunfo? foi nome dad
o a
coletânea de textos de Aloísio
Magalhães reunidos após a sua morte,
ocorrida em 1982; assim como
inspiração para o título “E o
obra editada pelo
Programa de Pós
-Graduação em
Memória Social da Universidade
Federal do Estado do Rio de Jane
iro
Patrimônio Material e Imaterial
A noção de patrimônio
designava, no direito romano, o
conjunto de bens reunidos pela
suceso: bens que descendem,
segundo as leis, dos pais e mães aos
seus filhos ou bens de família, assim
definidos em oposiç
ão aos bens
adquiridos (DESVALLÉS
; MAIRESSE,
Destas concepções, teriam
surgido duas formas metafóricas
patrimônio genético, para designar as
características hereditárias de um ser
vivo; e patrimônio cultural”, que teria
aparecido no século XVI
I, por meio do
filósofo Leibniz e foi retomada pela
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
Revolução Francesa (DESVALLÉS
MAIRESSE, 2013, p.73).
A partir da Revolução Francesa
e durante todo o século XIX, o termo
“patrimônio” passou a designar
essencialmente o conjunto de bens
imóveis, confundindo-
se geralmente
com a noção de monumentos
históricos (DESVALLÉS;
MAIRESSE,
2013). Nesse período, patrimônio
também é percebido como documento,
com valor histórico, ou como uma
relíquia, um objeto sagrado e,
portanto, com valor de reverência. O
monumento,
em seu sentido original, é
uma construção condenada a
perpetuar a lembrança de alguém ou
de alguma coisa. Aloÿs
quem todo monumento é histórico e
artístico, distingue três categorias de
monumentos: aqueles que foram
concebidos deliberadamente
“comemorar um momento preciso ou
um acontecimento complexo do
passado” [monumentos intencionais],
“aqueles cuja escolha é determinada
por nossas preferências subjetivas”
[monumentos históricos], e, enfim,
“todas as criações do homem,
independentemente
de sua
significação ou de sua destinação
originais” [monumentos antigos]
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
Americana de Estudos em Cultura,
, set. 2023.
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(Fluxo contínuo)
Revolução Francesa (DESVALLÉS
;
A partir da Revolução Francesa
e durante todo o culo XIX, o termo
patrimônio passou a designar
essencialmente o conjunto de bens
se geralmente
com a noção de monumentos
MAIRESSE,
2013). Nesse período, patrimônio
também é percebido como documento,
com valor histórico, ou como uma
relíquia, um objeto sagrado e,
portanto, com valor de reverência. O
em seu sentido original, é
uma construção condenada a
perpetuar a lembrança de alguém ou
Riegl, para
quem todo monumento é histórico e
artístico, distingue três categorias de
monumentos: aqueles que foram
concebidos deliberadamente
para
comemorar um momento preciso ou
um acontecimento complexo do
passado [monumentos intencionais],
aqueles cuja escolha é determinada
por nossas preferências subjetivas”
[monumentos históricos], e, enfim,
todas as criações do homem,
de sua
significação ou de sua destinação
originais” [monumentos antigos]
(RIEGL, 1903
apud
MAIRESSE, 2013, p.73).
No século XX, a noção de
patrimônio ampliou-
se, englobando,
progressivamente, o conjunto de
testemunhos materiais do homem e do
se
u meio, o que representou incluir o
patrimônio folclórico, o patrimônio
científico e, mais recentemente, o
patrimônio industrial (DESVALLÉS
MAIRESSE, 2013). Ainda no final do
século passado, assistimos à
incorporação da noção de patrimônio
imaterial, considerado como um bem
público da humanidade. Este conceito
parte de uma perspectiva que alia
cultura a modos de ser, ver e fazer,
distanciando-
se de uma visão de
cultura como erudição. Ao mesmo
tempo, rompe com a hierarquização da
cultura, que até meados da década de
1950 estava demarcada entre alta
cultura, cultura de massa e cultura
popular, numa correspondência entre
classe e manifestação cul
(WILLIAMS, 2011).
Com a adoção da noção de
patrimônio imaterial, aspectos da vida
social e cultural, isto é, práticas e
representações do cotidiano das
populações, foram elevados à
categoria de elementos a serem
655
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- ISSN 2237-1508
apud
DESVALLÉS;
MAIRESSE, 2013, p.73).
No culo XX, a noção de
se, englobando,
progressivamente, o conjunto de
testemunhos materiais do homem e do
u meio, o que representou incluir o
patrimônio folclórico, o patrimônio
científico e, mais recentemente, o
patrimônio industrial (DESVALLÉS
;
MAIRESSE, 2013). Ainda no final do
culo passado, assistimos à
incorporação da noção de patrimônio
imaterial, considerado como um bem
público da humanidade. Este conceito
parte de uma perspectiva que alia
cultura a modos de ser, ver e fazer,
se de uma visão de
cultura como erudição. Ao mesmo
tempo, rompe com a hierarquização da
cultura, que até meados da década de
1950 estava demarcada entre alta
cultura, cultura de massa e cultura
popular, numa correspondência entre
classe e manifestação cul
tural
Com a adoção da noção de
patrimônio imaterial, aspectos da vida
social e cultural, isto é, práticas e
representações do cotidiano das
populações, foram elevados à
categoria de elementos a serem
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
registrados (GONÇALVES, 2003).
Este p
rocesso é simultâneo ao
movimento de valorização da memória
como um instrumento legítimo de
registro do passado, que tem início
com o final da Segunda Guerra
Mundial e se fortalece na década de
1980. Huyssen (2000; 2004) considera
que se instala uma cultur
memória, em função de eventos
políticos como o fim das ditaduras na
América Latina, a queda do muro de
Berlim, o colapso da União Soviética e
o fim do apartheid.
Na perspectiva de Candau
(2012), a memória funciona como um
terreno fértil para a
identidade, dando
origem às identidades coletivas. E
justamente nesta associação entre
identidade e memória que podemos
localizar o conceito de patrimônio
cultural, como estabelece Pelegrini
(2007, p. 1): “o lócus privilegiado onde
as memórias e as identid
adquirem materialidade”. Para a
autora, os bens culturais são
preservados em função da relação que
mantêm com as identidades culturais.
Para Ostrower (1987), a materialidade
representa a matéria revestida de suas
qualificações e compromissos
culturais.
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
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, set. 2023.
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(Fluxo contínuo)
registrados (GONÇALVES, 2003).
rocesso é simultâneo ao
movimento de valorização da memória
como um instrumento legítimo de
registro do passado, que tem início
com o final da Segunda Guerra
Mundial e se fortalece na década de
1980. Huyssen (2000; 2004) considera
que se instala uma cultur
a da
memória, em função de eventos
políticos como o fim das ditaduras na
América Latina, a queda do muro de
Berlim, o colapso da União Soviética e
Na perspectiva de Candau
(2012), a memória funciona como um
identidade, dando
origem às identidades coletivas. E
justamente nesta associação entre
identidade e memória que podemos
localizar o conceito de patrimônio
cultural, como estabelece Pelegrini
(2007, p. 1): o lócus privilegiado onde
as memórias e as identid
ades
adquirem materialidade. Para a
autora, os bens culturais são
preservados em função da relação que
mantêm com as identidades culturais.
Para Ostrower (1987), a materialidade
representa a matéria revestida de suas
qualificações e compromissos
Nesse sentido, memória,
identidade e patrimônio cultural se
entrelaçam como uma estratégia de
desvelamento de informações,
vestígios e indícios do já vivido, do
compartilhado e do construído por um
grupo ou coletivo social. E podem ser
acionados para com
por novos padrões
ou celebrar um repertório comum.
Análise de alguns exemplos
Elencam-
se, agora, alguns
exemplos de produtos manufaturados
contemporâneos brasileiros
(cerâmicas, adornos, calçados e
vestimentas), em que o processo
criativo está claramente
com a apropriação de repertórios do
patrimônio imaterial, e sobre os quais
propomos uma análise visual.
Muitas pesquisas de análise
visual recorrem às categorias formais
da teoria da Gestalt
psicologia do início do século XX
relacio
nada à percepção visual.
Recorrente também é o trabalho de
Donis Dondis (2003) que estabeleceu,
numa “sintaxe da linguagem visual,
alguns elementos sicos
ponto, linha, forma, cor, textura
partir dos quais ensina a ver e ler
informações v
isuais. Recorrendo a
656
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
Nesse sentido, memória,
identidade e patrimônio cultural se
entrelaçam como uma estratégia de
desvelamento de informações,
vestígios e indícios do vivido, do
compartilhado e do construído por um
grupo ou coletivo social. E podem ser
por novos padrões
ou celebrar um repertório comum.
Análise de alguns exemplos
se, agora, alguns
exemplos de produtos manufaturados
contemporâneos brasileiros
(cerâmicas, adornos, calçados e
vestimentas), em que o processo
criativo está claramente
relacionado
com a apropriação de repertórios do
patrimônio imaterial, e sobre os quais
propomos uma análise visual.
Muitas pesquisas de análise
visual recorrem às categorias formais
da teoria da Gestalt
linha da
psicologia do início do século XX
nada à percepção visual.
Recorrente também é o trabalho de
Donis Dondis (2003) que estabeleceu,
numa sintaxe da linguagem visual”,
alguns elementos básicos
tais como
ponto, linha, forma, cor, textura
a
partir dos quais ensina a ver e ler
isuais. Recorrendo a
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
estas duas teorias, Gomes Filho
(2000) propôs diversos conceitos e
categorias para gerar um sistema de
leitura visual da forma, contudo seu
método envolve segmentações
demais.
Para analisar os produtos aqui
apresentados, propõe-
se, en
processo de análise mais sintético, em
relação à referência (clareza, sutileza,
aleatoriedade, fragmentação ou
integridade) e em relação à
composição (unidade, simplicidade ou
complexidade e coerência), além de
pregnância em relação ao objeto como
um todo.
O primeiro exemplo é a
Cerâmica Serra da Capivara, fundada
em 1992, pela arqueóloga Niède
Guidon, como um projeto social da
Fundação Museu do Homem
Americano (FUNDHAM), com objetivo
de “garantir a preservação do
patrimônio cultural e natural do P
Nacional Serra da Capivara
(FUNDHAM, s
/d). A produção está
baseada nas pinturas rupestres pré
históricas, encontradas na década de
1970, na região do parque, no sudeste
do Piauí que, desde 1991, é
considerada patrimônio mundial pelo
Unesco, que é
“uma das maiores
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
Americana de Estudos em Cultura,
, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
estas duas teorias, Gomes Filho
(2000) propôs diversos conceitos e
categorias para gerar um sistema de
leitura visual da forma, contudo seu
método envolve segmentações
Para analisar os produtos aqui
se, en
tão, um
processo de análise mais sintético, em
relação à referência (clareza, sutileza,
aleatoriedade, fragmentação ou
integridade) e em relação à
composição (unidade, simplicidade ou
complexidade e coerência), além de
pregnância em relação ao objeto como
O primeiro exemplo é a
Cerâmica Serra da Capivara, fundada
em 1992, pela arqueóloga Niède
Guidon, como um projeto social da
Fundação Museu do Homem
Americano (FUNDHAM), com objetivo
de garantir a preservação do
patrimônio cultural e natural do P
arque
Nacional Serra da Capivara”
/d). A produção es
baseada nas pinturas rupestres pré
-
históricas, encontradas na década de
1970, na região do parque, no sudeste
do Piauí que, desde 1991, é
considerada patrimônio mundial pelo
uma das maiores
concentrações de sítios pré
do mundo por quilômetro quadrado
(FUNDHAM, s/d.).
A Cerâmica utiliza, como
inspiração para suas peças, imagens
rupestres –
de caça, de beijo, de parto,
de animais em movimento
reproduzem cenas
arqueológico da Serra da Capivara. O
projeto desenvolveu coleções
exclusivas para lojas e marcas como o
grupo Pão de Açúcar e a a Tok & Stok
(PESSOA, 2017) e mais recentemente
para os chocolates Dengo, do grupo
Natura.
Observando-
se as figura
percebe-
se que as referências o
explícitas e pertinentes (não aleatórias
ou fortuitas). As composições
apresentam unidade e, nelas, as
referências são bem destacadas e
coerentes. Os produtos finais
apresentam pregnância da forma e
das referências.
657
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
- ISSN 2237-1508
concentrações de tios pré
-históricos
do mundo por quilômetro quadrado”
A Cerâmica utiliza, como
inspiração para suas peças, imagens
de caça, de beijo, de parto,
de animais em movimento
que
reproduzem cenas
do parque
arqueológico da Serra da Capivara. O
projeto já desenvolveu coleções
exclusivas para lojas e marcas como o
grupo Pão de Açúcar e a a Tok & Stok
(PESSOA, 2017) e mais recentemente
para os chocolates Dengo, do grupo
se as figura
s 1 e 2,
se que as referências são
explícitas e pertinentes (não aleatórias
ou fortuitas). As composições
apresentam unidade e, nelas, as
referências são bem destacadas e
coerentes. Os produtos finais
apresentam pregnância da forma e
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
Figura 1-
Cerâmica com imagens rupestres da
Serra da Capivara
Fonte: SÃO RAIMUNDO, 2018.
Figura 2 -
Prato de cerâmica com imagens
rupestres
Fonte: Foto Lucas Cuervo
O segundo exemplo é uma
coleção de adornos baseada na
iconografia das inscrições rupestres do
sítio arqueológico de Ingá (PB) (Figura
3). Com o nome “Memórias inscritas,
recortes de tradição”, ela foi
confeccionada em pele de bode, por
artesãos locais, de
forma a promover
resgate cultural, valorização do
patrimônio e desenvolvimento local
sustentável. Entrevistas prévias com
estes artesãos ajudaram a levantar os
processos tradicionalmente utilizados
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
Americana de Estudos em Cultura,
, set. 2023.
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(Fluxo contínuo)
Cerâmica com imagens rupestres da
Serra da Capivara
Fonte: SÃO RAIMUNDO, 2018.
Prato de cerâmica com imagens
Fonte: Foto Lucas Cuervo
O segundo exemplo é uma
coleção de adornos baseada na
iconografia das inscrições rupestres do
tio arqueológico de Ingá (PB) (Figura
3). Com o nome Memórias inscritas,
recortes de tradição, ela foi
confeccionada em pele de bode, por
forma a promover
resgate cultural, valorização do
patrimônio e desenvolvimento local
sustentável. Entrevistas prévias com
estes arteos ajudaram a levantar os
processos tradicionalmente utilizados
por eles de forma a materializar a
identidade de um territ
materiais locais e métodos de
fabricação correspondentes
(BORGES;
CLEMENTINO
Figura 3 –
Adornos inspirados nas inscrições
da Pedra do Ingá
Fonte: Borges e Clementino (2021)
Além das referências da
iconografia rupestre do tio
arqueológico do Ingá, as peças, então,
procuraram valorizar as tradições
artesanais locais. O resultado, muito
criativo e contemporâneo, é
relativamente sutil em relação à
referência aos traços rupestre
mesmo porque estes o mais
abstratos do que os da Serra da
Capivara), mas a composição das
peças apresenta bastante unidade e
coerência formal, sendo o design das
peças mais pregnante do que os
658
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- ISSN 2237-1508
por eles de forma a materializar a
identidade de um territ
ório, pelo uso de
materiais locais e métodos de
fabricação correspondentes
CLEMENTINO
, 2021).
Adornos inspirados nas inscrições
da Pedra do Ingá
Fonte: Borges e Clementino (2021)
Além das referências da
iconografia rupestre do tio
arqueológico do Ingá, as peças, então,
procuraram valorizar as tradições
artesanais locais. O resultado, muito
criativo e contemporâneo, é
relativamente sutil em relação à
referência aos traços rupestre
s (até
mesmo porque estes são mais
abstratos do que os da Serra da
Capivara), mas a composição das
peças apresenta bastante unidade e
coerência formal, sendo o design das
peças mais pregnante do que os
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
elementos extraídos da referência
inicial.
Os exemplos
que se seguem
foram extraídos do estudo de Menezes
e Duarte (2022), que apresenta uma
análise dos símbolos estéticos do
cangaço, do maracatu e do frevo
especialmente no estado de
Pernambuco
e um levantamento de
apropriações desses símbolos em
peças de
design contemporâneo, a
começar pelas sandálias de Espedito
Seleiro (figuras 4 e 5), inspiradas na
estética cangaço nordestino
movimento social liderado por
Lampião, muito associado ao
banditismo. Além da capacidade de
fugir de seus inimigos e dos homen
da lei, Lampião criou um
para seu bando, que se tornaria um
símbolo do sertão (FRÓIS, s/d).
Nas sandálias, observa
presença do couro de cabra (claro e
macio), das cores fortes, dos
pespontos peculiares usados nas
selas, coletes e chapéus que eram
ostentados como uma diferenciação
pelo bando. A presença da referência
é clara e as composições
unidade, apesar de suas
complexidades. Os produtos o
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
Americana de Estudos em Cultura,
, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
elementos extraídos da referência
que se seguem
foram extraídos do estudo de Menezes
e Duarte (2022), que apresenta uma
análise dos mbolos estéticos do
cangaço, do maracatu e do frevo
especialmente no estado de
e um levantamento de
apropriações desses mbolos em
design contemporâneo, a
começar pelas sandálias de Espedito
Seleiro (figuras 4 e 5), inspiradas na
estética cangaço nordestino
movimento social liderado por
Lampião, muito associado ao
banditismo. Além da capacidade de
fugir de seus inimigos e dos homen
s
da lei, Lampião criou um
dresscode
para seu bando, que se tornaria um
mbolo do sertão (FRÓIS, s/d).
Nas sandálias, observa
-se a
presença do couro de cabra (claro e
macio), das cores fortes, dos
pespontos peculiares usados nas
selas, coletes e chapéus que eram
ostentados como uma diferenciação
pelo bando. A presença da referência
é clara e as composições
apresentam
unidade, apesar de suas
complexidades. Os produtos são
pregnantes na sua apresentação e em
relação às referências.
Figura 4 –
sandália de Espedito Seleiro
inspirada no cangaço
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
Figura 5 –
sandália de Espedito Se
inspirada no cangaço
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
A seguir, veem
Rafa Q Faz (figura 6) e uma coleção
de agasalhos, tênis e mochilas da
parceria Farm + Adidas (
inspiradas no Maracatu (manifestação
de música dança e encena
dois exemplos a referência não é
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- ISSN 2237-1508
pregnantes na sua apresentação e em
relação às referências.
sandália de Espedito Seleiro
inspirada no cangaço
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
sandália de Espedito Se
leiro
inspirada no cangaço
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
A seguir, veem
-se a blusa de
Rafa Q Faz (figura 6) e uma coleção
de agasalhos, tênis e mochilas da
parceria Farm + Adidas (
Figura 7),
inspiradas no Maracatu (manifestação
de música dança e encena
ção). Nos
dois exemplos a referência não é
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
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Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
clara, mas sutil, e relaciona
sobretudo à pujança das cores.
Embora na blusa haja uma referência
específica à figura do caboclo de
lança, do Maracatu rural
óculos escuros, uma cabeleira
flutuante e um
lenço amarrado no
pescoço
ela não é clara, e a
estampa parece um pouco aleatória.
Sobressai um rosto de óculos, que
pode ter várias associações. Contudo,
pode se dizer que esta composição é
ritmada e lembra os movimentos das
fitas com guizos.
Na coleção
de agasalhos, tênis
e mochilas, podem ser percebidos
alguns detalhes dos bordados dos
figurinos do Maracatu, assim como o
contraste de cores. Ainda assim, é
difícil fazer associação imediata com a
manifestação. Em ambos os casos a
pregnância da referência
é fraca, mas,
no segundo, a pregnância da
composição é mais forte.
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
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, set. 2023.
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(Fluxo contínuo)
clara, mas sutil, e relaciona
-se
sobretudo à pujança das cores.
Embora na blusa haja uma referência
espefica à figura do caboclo de
lança, do Maracatu rural
que usa
óculos escuros, uma cabeleira
lenço amarrado no
ela não é clara, e a
estampa parece um pouco aleatória.
Sobressai um rosto de óculos, que
pode ter várias associações. Contudo,
pode se dizer que esta composição é
ritmada e lembra os movimentos das
de agasalhos, tênis
e mochilas, podem ser percebidos
alguns detalhes dos bordados dos
figurinos do Maracatu, assim como o
contraste de cores. Ainda assim, é
difícil fazer associação imediata com a
manifestação. Em ambos os casos a
é fraca, mas,
no segundo, a pregnância da
Figura 6 –
estampa de Rafa Q Faz inspirada
no Maracatu
(7)
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
Figura 7 –
estampa Farm inspirada no
Maracatu
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
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estampa de Rafa Q Faz inspirada
no Maracatu
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
estampa Farm inspirada no
Maracatu
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
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Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
Os
próximos exemplos mostram
inspirações vinda do frevo: um lenço
da Tecidos de Duas (Figura 8) e peças
de moda praia da Rush Praia (Figuras
9 e 10). As roupas com que se dança
o frevo são saias, shorts ou calças
com pontas de tecido, ou fitas
penduradas, que
se agitam com o
movimento acelerado dos dançarinos.
A estampa do lenço é sutil em relação
à referência (no caso o movimento das
fitas), embora apresente as cores
tradicionais que são azul, amarelo e
vermelho. Sua composição é
complexa e aleatória, mas bas
pregnante. Já a referência é difusa.
Figura 8 –
Lenço da Tecido Duas
inspirado no frevo
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
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passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
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(Fluxo contínuo)
próximos exemplos mostram
inspirações vinda do frevo: um lenço
da Tecidos de Duas (Figura 8) e peças
de moda praia da Rush Praia (Figuras
9 e 10). As roupas com que se dança
o frevo o saias, shorts ou calças
com pontas de tecido, ou fitas
se agitam com o
movimento acelerado dos dançarinos.
A estampa do lenço é sutil em relação
à referência (no caso o movimento das
fitas), embora apresente as cores
tradicionais que são azul, amarelo e
vermelho. Sua composição é
complexa e aleatória, mas bas
tante
pregnante. a referência é difusa.
Lenço da Tecido Duas
inspirado no frevo
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
Os biquínis da marca
pernambucana apresentam estampas
coloridas que fazem referência à
Olinda (pelo desenho de casinhas) e
ao
“homem da meia
gigante que nome a um bloco).
Pode-
se dizer também que algumas
das modelagens inspiram
de dançar o frevo. A dança é também
o tema do cenário da produção das
fotos de divulgação da coleção. Assim,
percebe-se que
referência é sutil, mas
não é aleatória, há unidade na
composição da estampa que não é
muito pregnante.
Figura 9–
Biquinis da Rush Praia inspirados no
frevo
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
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- ISSN 2237-1508
Os biquínis da marca
pernambucana apresentam estampas
coloridas que fazem referência à
Olinda (pelo desenho de casinhas) e
homem da meia
-noite” (boneco
gigante que dá nome a um bloco).
se dizer também que algumas
das modelagens inspiram
-se em trajes
de dançar o frevo. A dança é também
o tema do cenário da produção das
fotos de divulgação da coleção. Assim,
referência é sutil, mas
não é aleatória, unidade na
composição da estampa que não é
Biquinis da Rush Praia inspirados no
frevo
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
Figura 10 –
Biquinis da Rush Praia inspirados
no frevo
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
Estes exemplos indicam que a
utilização do patrimônio cultural, seja
ele material ou imaterial, possibilita
novos repertórios criativos, sem que
isso signifique uma mera reprodução
de elementos tradicionais.
patrimônio, c
omo espaço da
criatividade, se traduz em inovação e
aponta para o futuro, ao mesmo tempo
em que reafirma suas raízes na
identidade e na memória coletiva.
Notas finais
Este artigo pretendeu
apresentar exemplos de como o
patrimônio cultural pode ser recurs
criativos. Para isso, nos apoiamos na
perspectiva de um dos pioneiros do
design no Brasil, Aloí
sio Magalhães,
que defendia que a consciência do
nosso passado e dos componentes da
nossa cultura é um dos caminhos para
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
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(Fluxo contínuo)
Biquinis da Rush Praia inspirados
Fonte: Menezes e Duarte (2022)
Estes exemplos indicam que a
utilização do patrimônio cultural, seja
ele material ou imaterial, possibilita
novos repertórios criativos, sem que
isso signifique uma mera reprodução
de elementos tradicionais.
O
omo espaço da
criatividade, se traduz em inovação e
aponta para o futuro, ao mesmo tempo
em que reafirma suas raízes na
identidade e na memória coletiva.
Este artigo pretendeu
apresentar exemplos de como o
patrimônio cultural pode ser recurs
os
criativos. Para isso, nos apoiamos na
perspectiva de um dos pioneiros do
sio Magalhães,
que defendia que a consciência do
nosso passado e dos componentes da
nossa cultura é um dos caminhos para
que o processo criativo se transforme
numa expressão verdadeira de design
brasileiro. Mais especificamente, sua
metáfora do estilingue nos parece
adequada para a análise dos
exemplos que elencamos. Quanto
mais no passado somos capazes de
recuar, mais nos nutrimos de
referências que consolidam
repertório e projetam nossa produção
com maior amplitude e maior alcance.
Isso se porque nossa
identidade cultural se forja imersa na
cultura
uma teia complexa de
símbolos, associações, valores,
práticas e usos -
que nos forma e na
qual vivemo
s. Um processo relacional
que nos constitui e no qual habitamos,
ao mesmo tempo em que
prosseguimos na sua elaboração. E é
nesse imbricamento que também
vamos estabelecendo nossa memória
coletiva, que nos forma enquanto
grupo e como indivíduos. Halbwachs
(
1990) afirma que o alcance da
memória numa sociedade encontra
seu limite na possibilidade de
lembrança dos sujeitos que integram
os grupos, articulando desta forma
recordações coletivas.
662
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- ISSN 2237-1508
que o processo criativo se transforme
numa expressão verdadeira de design
brasileiro. Mais especificamente, sua
metáfora do estilingue nos parece
adequada para a análise dos
exemplos que elencamos. Quanto
mais no passado somos capazes de
recuar, mais nos nutrimos de
referências que consolidam
nosso
repertório e projetam nossa produção
com maior amplitude e maior alcance.
Isso se dá porque nossa
identidade cultural se forja imersa na
uma teia complexa de
mbolos, associações, valores,
que nos forma e na
s. Um processo relacional
que nos constitui e no qual habitamos,
ao mesmo tempo em que
prosseguimos na sua elaboração. E é
nesse imbricamento que também
vamos estabelecendo nossa memória
coletiva, que nos forma enquanto
grupo e como indivíduos. Halbwachs
1990) afirma que o alcance da
memória numa sociedade encontra
seu limite na possibilidade de
lembrança dos sujeitos que integram
os grupos, articulando desta forma
recordações coletivas.
SANTA-
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
PragMATIZES - Revista Latino-
Americana de Estudos em Cultura,
Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p. 646-665
, set. 2023.
Nesse sentido, o patrimônio se
apresenta como uma força viva e rica
de simbolismos, não apenas como um
repositório do passado, mas sim como
autêntico recurso criativo, apontando
para o novo e, portanto, para o futuro.
Os exemplos aqui apresentados
falam de design de utilitários e de
moda nos quais as referências ao
patrim
ônio estivessem explícitas,
porém não de forma alegórica ou
meramente representativa. O que
vimos nesses casos é o patrimônio,
majoritariamente imaterial, se
valorizando como elemento de
inovação. São possibilidades de
mergulho na história e na memória
bra
sileira que não se restringem a
estes setores da Economia Criativa,
podendo ser incorporadas pelas
indústrias criativas, da arquitetura ao
universo dos games, do cinema à
música, da publicidade ao mercado
editorial.
Encararmos o patrimônio,
especialmente
o imaterial, como
recurso criativo nos traz um
ferramental identitário robusto que
devemos, mais do que nunca,
valorizar.
CRUZ, Lucia; PERROTA, Isabella V.; BELTRÃO, André Luis F. O
passado na criatividade: o patrimônio como recurso da criação
.
Americana de Estudos em Cultura,
, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes
(Fluxo contínuo)
Nesse sentido, o patrimônio se
apresenta como uma força viva e rica
de simbolismos, não apenas como um
repositório do passado, mas sim como
autêntico recurso criativo, apontando
para o novo e, portanto, para o futuro.
Os exemplos aqui apresentados
falam de design de utilitários e de
moda nos quais as referências ao
ônio estivessem explícitas,
porém não de forma alegórica ou
meramente representativa. O que
vimos nesses casos é o patrimônio,
majoritariamente imaterial, se
valorizando como elemento de
inovação. São possibilidades de
mergulho na história e na memória
sileira que não se restringem a
estes setores da Economia Criativa,
podendo ser incorporadas pelas
indústrias criativas, da arquitetura ao
universo dos games, do cinema à
música, da publicidade ao mercado
Encararmos o patrimônio,
o imaterial, como
recurso criativo nos traz um
ferramental identitário robusto que
devemos, mais do que nunca,
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