Cantada também na Umbanda,
essa toada guarda parte da memória
dos terrores da escravização dos
povos africanos no Brasil. Por meio de
um fade in lento, vemos surgir um
plano geral da mata onde se esboça
uma trilha. Planos da mata da Estação
Ecológica da UFMG, em seus diversos
matizes, vão pontuar o filme,
povoando os interstícios entre uma
performance e outra, entre os corpos
dos mestres e seu entorno: o filme se
constitui estruturalmente com a
presença das matas. Aqui, o plano da
mata parece lembrar que a “defesa
das matas e florestas” passa pela
existência e pela defesa dos direitos
daqueles cujos modos de vida são
indissociáveis das folhas, da terra, dos
rios e dos animais; daqueles que, na
história da colonização ainda
persistente, tiveram suas vidas
“ceifadas” pelos senhores brancos. Ou
seja, o plano inicial da mata, de onde
reverbera a voz de Pedrina, colocando
em simultaneidade um tempo passado
ancestral e o tempo presente, assim
como os demais planos da mata
aparentemente vazia a pontuar o filme,
são imagens que produzem lembrança
(a mata, ela própria, como memória):
por isso, só aparentemente estão
despovoadas (nelas habita a memória
dos corpos, a história dos cantos, suas
experiências de sofrimento e de
resistência ancestral).
A voz de Pedrina se apresenta
em primeiro plano, com seu timbre
característico; ela dá corpo à mata,
antes mesmo que seu corpo se torne
visível, como uma voz ancestral que
emerge em meio à natureza, como
tantas outras vozes também fizeram
ao longo da história afro-brasileira.
Parece até mesmo uma inserção
sonora extradiegética, pois ainda nem
conseguimos ver a imagem da capitã,
que se desvela gradualmente, bem
pequena, no fundo da mata,
aparecendo pouco a pouco por detrás
dos arbustos. Ela surge, toda de
branco, com as vestes do Candomblé,
carregando plantas nas mãos, as
insabas sagradas, cuja importância ela
destaca em seguida, especialmente
para as religiões de matriz africana.
Ela caminha cantando e vai catando
folhas, como é costume no
Candomblé. Ela conta a história de um
senhor de escravos, em sua terra,
Oliveira, que obrigava os "negrinhos" e
as "negrinhas" a subirem nos
coqueiros para apanhar os cocos.
Muitos deles tinham suas vidas