529
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
Lá nas matas tem: a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas
com mestras e mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG
André Brasil
1
César Guimarães
2
Pedro Aspahan
3
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v13i25.57932
Resumo: O artigo reflete sobre o processo e a experiência de realização do filme "Lá nas matas tem"
(César Guimarães e Pedro Aspahan, Saberes Tradicionais UFMG, 55', 2022), realizado no contexto
do Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG. O artigo discute a
metodologia de trabalho, derivada da proposição de criação compartilhada de cenas fílmicas com
mestras e mestres do Reinado do Rosário e da Umbanda. Eles ofereceram um curso ligado às artes
das performances tradicionais e foram desafiados a criarem performances para serem filmadas
junto com professores e alunos da UFMG que resultaram no filme mencionado. O artigo elabora
ainda uma reflexão sobre as artes da performance tradicional, analisando o filme e oferecendo um
caminho de leitura que articula a centralidade das músicas e dos cantos presentes nas performances
com a história da diáspora transatlântica, a espiritualidade e a presença da natureza, nos diferentes
modos de expressão das culturas afro-brasileiras, intermediadas pelo cinema documentário.
Palavras-chave: Saberes Tradicionais; Performance; Processos de Criação Coletiva no Cinema
Documentário; Religiões de Matriz Africana; História da Diáspora Transatlântica.
" nas matas tem" (Algo en el bosque): la experiencia colectiva de crear escenas de cine
compartidas con maestros de Saberes Tradicionales en UFMG
Resumen: El artículo reflexiona sobre el proceso y la experiencia de hacer la película "nas matas
tem" ("Algo en el Bosque" - César Guimarães e Pedro Aspahan, Saberes Tradicionais UFMG, 55',
2022), producida en el contexto del Programa de Formación Transversal en Saberes Tradicionales en
1
André Brasil. Doutor em Comunicação pela UFRJ. Professor Associado do Departamento de
Comunicação da UFMG e integrante do comitê pedagógico da Formação Transversal em Saberes
Tradicionais. E-mail: agbrasil@uol.com.br - https://orcid.org/0000-0002-1472-3475
2
César Guimarães. Doutor em Estudos Literários (Literatura Comparada) pela Universidade Federal
de Minas Gerais (1995), professor Titular da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH)
da UFMG e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Coordenador Geral do Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG E-
mail: cesargg6@gmail.com - https://orcid.org/0000-0001-8616-6279
3
Pedro Aspahan. Doutor em Comunicação Social pela UFMG. Professor Adjunto do Departamento
de Fotografia e Cinema da Escola de Belas Artes da UFMG e Coordenador Audiovisual do Programa
de Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG. E-mail: pedroaspahan@gmail.com -
https://orcid.org/0009-0005-7875-419X
Recebido em 31/03/2023, aceito para publicação em 27/06/2023 e disponibilizado online em
01/09/2023.
530
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
UFMG (Universidad Federal de Minas Gerais, Brasil). El artículo discute la metodología de trabajo
derivada de la propuesta de creación colectiva de escenas de cine con maestros y maestras de
expresiones afrobrasileñas del Reinado do Rosário y la Umbanda. Los maestros ofrecieron un curso
relacionado con las artes de la performance tradicional afrobrasileña y se les desafió a crear cenas
especialmente para ser filmadas, junto con profesores y estudiantes de UFMG, lo que resultó en la
mencionada película. El artículo también desarrolla una reflexión sobre las artes de la performance
tradicional, analizando la película y ofreciendo un camino de lectura que articula la centralidad de la
música y de los cantos presentes en las performances con la historia de la diáspora transatlántica, la
espiritualidad y la presencia de la naturaleza en los diferentes modos de expresión de las culturas
afrobrasileñas, mediadas por el cine documental.
Palavras clave: Saberes Tradicionales; Performance; Procesos de Creación Colectiva en Cine
Documental; Religiones Afrobrasileñas; Historia de la Diáspora Transatlántica.
"nas matas tem" ("Something in the woods"): the collective experience of making shared
film scenes with masters of Traditional Knowledges at UFMG.
Abstract: The article reflects on the process and experience of making the film "nas matas tem"
("Something in the Woods" - César Guimarães e Pedro Aspahan, Saberes Tradicionais UFMG, 55',
2022), produced in the context of the Transversal Training Program in Traditional Knowledges at
UFMG (Federal University of Minas Gerais, Brazil). The article discusses the working methodology
derived from the proposition of collective creation of film scenes with masters and mistresses of afro-
Brazilian expressions of the Reinado do Rosário and Umbanda. The masters offered a course related
to the arts of traditional afro-Brazilian performance and were challenged to create performances
specially to be filmed, along with UFMG professors and students, resulting in the mentioned film. The
article also develops a reflection on the arts of traditional performance, analyzing the film and offering
a reading path that articulates the centrality of music and chants present in the performances with the
history of transatlantic diaspora, spirituality, and the presence of nature in the different modes of
expression of Afro-Brazilian cultures, mediated by documentary cinema.
Keywords: Traditional Knowledges; Performance; Collective Creation Processes in Documentary
Cinema; Afro-Brazilian Religions; History of the Transatlantic Diaspora.
Lá nas matas tem: a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas
com mestras e mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG
Figura 01 - Frame do filme "Lá nas matas tem"
531
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
Saberes Tradicionais e Notório
Saber na UFMG
O Programa de Formação
Transversal em Saberes Tradicionais
da UFMG
4
vem atuando, desde 2014,
inspirado pela experiência pioneira do
Encontro de Saberes da UnB, na
inclusão de mestras e mestres dos
saberes tradicionais, de matrizes
africanas, indígenas e populares,
como professores que atuam no
ambiente acadêmico, em um
importante esforço epistêmico, político
e estético de desconstrução da
estrutura eurocêntrica e colonial sobre
a qual foram construídas e na qual se
sustentam as universidades
brasileiras.
5
De 2014 a 2023, mais de
umacentena de mestras e mestres
conduziram um conjunto de 46
disciplinas, oferecidas a alunos de
diferentes cursos (de graduação e pós-
graduação), compondo um
variadíssimo leque de conhecimentos:
os cuidados com a cura e a saúde nas
comunidades quilombolas e indígenas,
a partir das plantas medicinais e das
4
Cf. site do Programa:
http://www.saberestradicionais.org. Acesso
em: 27 fev. 2023.
5
Cf. Guimarães (2016).
práticas de cultivo agroecológicas; a
cosmociência e a linguagem dos
povos indígenas Guarani e Kaiowá,
Mbya-Guarani, Maxakali, Xavante,
Huni-Kuin e Tupinambá; os cantos, as
danças, os ritmos, as práticas
religiosas e a ancestralidade banto nas
comunidades do Rosário; as artes
rituais, as danças (em especial, a
capoeira angola), os estilos de
pensamento e os modos de existência
das comunidades afro-brasileiras, em
suas diferentes matrizes; o cinema
realizado pelos povos Maxakali e
Xavante; a cerâmica, a culinária, as
técnica de cultivo e de construção
Xacriabá; a construção Maxakali; os
quilombos, com seus modos de vida
contra-colonizadores, guiados pelas
matriarcas (como educadoras e
lideranças políticas e espirituais); a
arte das miçangas entre os povos
Krahô, Huni-Kuin e Maxakali; a
construção de caixas, tambores e pifes
no âmbito das danças e cantos
populares; os saberes sobre a terra, a
experiência do território e a
imaginação política dos povos
Tupinambá, dos quilombos urbanos,
dos assentamentos rurais
agroecológicos e dos terreiros de
532
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
candomblé; as artes e o pensamento
da cultura de Ifá, dentre outros.
Como resultante dessa
presença e atuação continuadas das
mestras e mestres no ensino
acadêmico, a UFMG aprovou, em 28
de maio de 2020, uma resolução que
concede o título de Notório Saber aos
portadores dos saberes lastreados nas
formas de viver e pensar das
comunidades indígenas e afro-
brasileiras, e na tradição das culturas
populares. Nas palavras de José Jorge
de Carvalho, essa iniciativa configura
uma inclusão epistêmica plena desses
saberes na universidade, pois agora
são os próprios mestres que ensinam
seus conhecimentos, e não os
docentes eurocêntricos. Até então
tomados como informantes, nativos,
colaboradores ou parceiros dos
docentes universitários que se
colocam como autoridades para
transmitirem aos alunos esses
saberes”, de agora em diante as
mestras e os mestres podem assumir,
na universidade, seu protagonismo
como os verdadeiros intelectuais,
cientistas, pesquisadores, artistas e
pensadores que são.
6
Tal gesto
6
Confiram o texto que José Jorge de Carvalho
elaborou a pedido da UFMG, por ocasião dos
acreditamos é capaz de promover,
pouco a pouco, a descolonização das
epistemologias e metodologias hoje
vigentes na universidade,
marcadamente eurocêntricas. O
encontro e interlocução dos
pesquisadores e professores com as
mestras e os mestres, em diferentes
áreas do conhecimento, oferece-nos a
chance de inventarmos, pouco a
pouco, uma outra universidade para o
Brasil, feita da diversidade de
epistemes, línguas, modos de viver e
ser.
No caso da UFMG, até o
momento (março de 2023) foram
titulados 13 mestras e mestres:
Cacique Nailton Muniz Pataxó,
liderança da Terra Indígena Caramuru
Paraguassu (BA); Seu Valdemar
Xakriabá, educador engajado na luta
pelos direitos dos povos indígenas do
Norte de Minas Gerais; José Bonifácio
da Luz (Bengala),Mestre da Guarda de
Congo da Comunidade quilombola dos
primeiros estudos e discussões para se criar a
resolução do Notório Saber, em 2016:
https://www.saberestradicionais.org/publicacoe
s-de-mestras-e-mestres-sobre-o-notorio-saber-
dos-mestres-tradicionais-nas-instituicoes-de-
ensino-superior-e-de-pesquisa/. Acesso em
29/03/2023. Ele também fez um balanço dos
dez primeiros anos dessa experiência:
https://www.seer.ufal.br/index.php/revistamund
au/article/view/11128
533
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
Arturos, em Contagem (MG); Maria
Muniz (Mestra Mayá),educadora e
liderança da Terra Indígena Caramuru
Paraguassu (BA); Maria de Fátima
Nogueira (Mameto Kitaloyá),liderança
do terreiro Nzo Atim Kitalodé (Belo
Horizonte);Dirceu Pereira
Sérgio,Capitão regente e presidente
da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário de Justinópolis, em Ribeirão
das Neves (MG); Joelson Ferreira dos
Santos, liderança da Teia dos Povos
firmada na aliança Preta, Indígena e
Popular e do Assentamento Terra
Vista (BA); Antônia Braz Santana
(Mestra Japira), zeladora dos saberes
Pataxó especialmente das plantas
da aldeia Novos Guerreiros (BA);
Edson Moreira da Silva (Mestre
Primo), capoeirista e educador
comunitário, de Belo Horizonte;
Cacique Babau, liderança da aldeia
Serra do Padeiro, na Terra Indígena
Tupinambá de Olivença (BA); Sueli
Maxakali, conhecedora daspráticas
rituais, das narrativas e dos cantos do
povo Tikmũ’ũn (Maxakali), em Minas
Gerais; Isael Maxakali, liderança do
povo Tikmũ’ũn (Maxakali), em Minas
Gerais, educador e cineasta; Pedrina
de Lourdes Santos, Capitã do Terno
de Massambike de Nossa Senhora
das Mercês, da Irmandade dos
Leonídios, em Oliveira (MG).
Figura 02 - Frame do filme "Lá nas matas tem"
534
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
O trabalho audiovisual com os
Saberes Tradicionais
Desde o início do Programa de
Formação Transversal em Saberes
Tradicionais da UFMG, ainda de modo
piloto, em 2014, praticamente todo o
trabalho das mestras e mestres vem
sendo documentado por meio do
registro videográfico, com o apoio do
nosso Laboratório e de monitores de
graduação.
7
Parte desse material deu
origem ao formato das Videoaulas,
8
muitas das quais estão disponíveis em
nosso site e no nosso canal do
Youtube.
9
Elas se constituem como
uma apresentação integral das aulas
ministradas, com o mínimo de
montagem possível, divididas em
cartelas de acordo com as sessões
propostas pelos mestres.
10
Em
seguida, demos início à realização dos
7
Apoio da PROGRAD e da PROEX.
8
Em outro artigo (ASPAHAN; GUIMARÃES, 2020),
discutimos detalhadamente a experiência
audiovisual com os Saberes Tradicionais na UFMG
e o processo de desenvolvimento dos diferentes
formatos com os quais vimos trabalhando:
Videoaulas, Retratos e Documentários.
9
Nesse ano de 2023, nosso Canal
@SaberesTradicionaisUFMG no Youtube,
completou 4 anos de existência, ultrapassando as
marcas de 160 mil visualizações e 20 mil horas
visualizadas, com cerca de 4 mil seguidores:
10
Cf.https://www.saberestradicionais.org/category/vi
deoaulas/. Acesso em 27/02/2023.
Retratos audiovisuais
11
, que,
diferentemente das videoaulas, são
encontros realizados em função da
filmagem. Definimos conjuntamente
com a mestra ou mestre o local onde
vamos filmar, organizamos o set de
filmagem com a estrutura de uma
pequena equipe de cinema
documentário (iluminação, som direto,
câmera, direção etc.), e
estabelecemos uma longa conversa
sobre a história de vida e os
conhecimentos do mestre, animada
sempre pelos cantos presentes nos
rituais e nas festas de sua
comunidade, e por uma relação muito
forte com o fora-de-campo (o que
acaba evidenciando uma perspectiva
cosmológica de relação com o
entorno, seja com a natureza, com os
espíritos ou com os animais).
12
11
Cf.
https://www.saberestradicionais.org/category/video-
retratos/. Acesso em 27/02/2023.
12
Em um texto acerca de outra filmografia no
caso, filmes feitos por diretores e diretoras
indígenas , definimos o fora-de-campo (ou
extracampo) como aquilo que não está visível em
cena, mas que nela incide. "Em sua dimensão
cosmológica, o fora-de-campo será um lugar
contíguo à aldeia, abrigando contudo mundos
outros, arriscados, habitados por animais-espíritos,
por agências e potências não humanas da floresta."
Ou ainda: "o fora-de-campo será justamente o que
torna permeável, o que permite a passagem, no
filme, entre mundos contíguos mas profundamente
díspares, incomensuráveis." (BELISÁRIO; BRASIL,
2016).
535
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
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(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
Figura 03 - Frame do filme "Lá nas matas tem"
Filmar a performance e a
"equivocação controlada"
No início de 2022, primeiro
semestre a retomar os encontros
presenciais após o período de
isolamento em função da pandemia do
Covid 19, tivemos uma nova
experiência que extrapolou o modo
como até então vínhamos trabalhando.
Foi no curso Saberes Tradicionais:
Artes e Poéticas Ancestrais A
Palavra Que Zela & Quem Zela Por
Ela, proposto pelo artista, poeta e
performer Ricardo Aleixo
(recentemente contemplado pela
UFMG com o título de Doutor em
Letras: Estudos Literários por Notório
Saber), em parceria com a professora
Sônia Queiroz, da Faculdade de Letras
da UFMG. A ementa do curso
apresentava a seguinte proposta:
Formula-se, neste curso, que
tem como fundamento a
percepção, no contexto das
culturas afro-brasileiras, da
presença da palavra enquanto
ser vivo, a hipótese de uma
poética ancestre. Dito de outro
modo: mais do que um
“instrumento” a ser “usado”
com tais ou tais finalidades,
trata-se, na série de encontros
aqui propostos, do verbo
encarnado que, de uma
perspectiva afro, graças à sutil
mediação de zeladoras e
zeladores que, por meio de
rezas, canto-poemas,
provérbios, parlendas etc.,
permite à comunidade o
estabelecimento de sempre
novos liames com os que se
foram, com as divindades, com
as plantas, com os bichos,
com as águas e mesmo com
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BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
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529-559, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
quem ainda não nasceu
numa espécie de zelação
mútua e contínua. Que as
vozes dos/as zeladores/as do
verbo que aceitaram o nosso
convite para espalhar pelo ar
desta casa do saber (tão
importante quanto os espaços
coletivos em que pulsam as
“Áfricas espalhadas”, para citar
a bela imagem criada e
firmada pela antropóloga
estadunidense Sheila Walker),
tragam consigo outras vozes
e, com elas, a sugestão de
outros modos de viver o mais
plenamente possível isso que
a gente (ainda) chama de
mundo.
13
Desse modo, a partir de sua
trajetória como artista, poeta e
performer negro, Ricardo Aleixo,
sempre atento à relação com a
ancestralidade afrodiaspórica que
constitui também seu fazer artístico,
propõe um gesto autorreflexivo a três
mestres tradicionais (e aos seus
assistentes): que eles
compartilhassem com alunos e
professores, no espaço da
universidade (no meio da mata da
Estação Ecológica da UFMG), um
13
ALEIXO, Ricardo. Ementa: Saberes
Tradicionais: Artes e Poéticas Ancestrais A
Palavra Que Zela & Quem Zela Por Ela. Site
Saberes Tradicionais UFMG, 15/03/2022.
Disponível em:
https://www.saberestradicionais.org/mestras-e-
mestres-das-artes-do-reinado-do-rosario-da-
umbanda-da-lingua-yoruba-e-da-cultura-de-ifa-
darao-cursos-na-ufmg/. Acesso em
27/02/2023.
pouco do saber e da experiência nas
artes da performance tradicional do
Reinado do Rosário e da Umbanda, ao
mesmo tempo em que produziriam
uma reflexão sobre a dimensão
performática constitutiva desse fazer
tradicional. A zelação mútua e
contínua da palavra viva, encarnada, a
que se refere Aleixo, produz uma
poética ancestral, e coloca corpos e
mundos diferentes em conexão,
convocando-nos à reflexão.
Foram convidados para ofertar
o curso: a mestra Maria Luiza
Marcelino, zeladora do centro espírita
Caboclo Pena Branca e liderança do
quilombo Namastê (Ubá, MG), a
mestra Pedrina de Lourdes Santos,
Capitã do Terno de Massambike de
Nossa Senhora das Mercês (Oliveira,
MG) e José Bonifácio da Luz
(Bengala), mestre da Guarda de
Congo do Reinado de Nossa Senhora
do Rosário, da comunidade dos
Arturos (Contagem, MG).
Diante dessa dimensão
autorreflexiva que guiou a elaboração
do curso, propusemos uma camada a
mais de autorreflexividade, desta vez,
intermediada pelo cinema.
Oferecemos um outro curso de
graduação, intitulado Filmar a
537
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
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performance, que tinha como objetivo
acompanhar o curso conduzido pelos
mestres, não para realizar o registro
de suas atividades, mas para desafiá-
los a produzirem performances
fílmicas de seus saberes a partir da
construção compartilhada de cenas
que seriam criadas especialmente
para serem filmadas.
14
Não estaríamos mais nem no
registro das videoaulas, como fizemos
anteriormente, filmando "a alteração
da cena sensível da sala de aula"
15
,
nem no registro do retrato audiovisual,
que se constituía fortemente em
função da escuta prolongada da
palavra do mestre.
O ato de filmar a performance
se constituía assim como a proposição
de se instalar num terreno rtil em
14
O fato de não realizarmos o registro das
aulas, como de costume, causou, inicialmente,
estranheza aos professores e aos alunos. Eles
tinham dificuldade em compreender como
poderíamos deixar de gravar um material que
se mostrava tão rico e que acontecia na nossa
frente, já que tínhamos todo o equipamento à
mão. Os mestres falavam sobre seus saberes,
sobre a relação com a história afro-brasileira,
muitas vezes cantando e demonstrando
musicalmente alguns pontos discutidos, em
passagens belíssimas. Mas a nossa proposta
para essa disciplina era outra, e foi muito
importante adotarmos a postura de que, desta
vez, não estávamos ali para fazer o registro,
mas para criarmos, junto com os mestres,
performances e cenas especiais que seriam
elaboradas com o intuito de serem gravadas.
15
Aspahan e Guimarães (2020).
criatividade, aberto à negociação e à
indeterminação, bem como à co-
existência de pontos de vistas não-
coincidentes entre quem filma e quem
é filmado, marca definidora do
equívoco inerente ao encontro com a
diferença, como o definiu Viveiros de
Castro. Espécie de "condição de
possibilidade" do encontro e da
tradução entre mundos díspares, a
"equivocação controlada"
16
(tal como o
autor a denomina) é menos o que
impede a relação, do que aquilo que a
funda e a impulsiona. Sem
negligenciar as diferenças entre
ontologias, muitas vezes, em jogo,
situações de trabalho compartilhado
(como este envolvendo saberes
tradicionais, acadêmicos e
cinematográficos) talvez demandem
aquilo que nomearíamos com Mauro
de Almeida, como uma visada
"pragmática": ou seja, a compreensão
de que o encontro entre ontologias
visões de mundo que estão além da
experiência, mas que são
indispensáveis para guiar as ações
das pessoas na experiência se dá
por meio de pragmáticas capazes de
transpor as fronteiras ontológicas.
16
Viveiros de Castro (2005)
538
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
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(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
"Múltiplas ontologias associadas às
ciências e às visões de mundo locais
podem, portanto, se aliar contra a
destruição de um mundo comum
(...)."
17
Retornando à experiência que
nos interessa, trata-se de um gesto
cinematográfico difícil e desafiador,
pois coloca em relação diferentes
concepções de cinema e expectativas
em relação à filmagem, bem como
diferentes visões e percepções de
mundo. Além disso, a criação destas
cenas originadas do compartilhamento
do processo de filmagem com os
sujeitos filmados também lidava com
públicos diversos a comunidade à
qual pertencem os mestres; os
estudantes, os pesquisadores, os
espectadores habituais do cinema
documentário cada um deles com
expectativas particulares.
No nosso caso, estávamos
especialmente empenhados em incluir
ainda mais a imaginação e a
contribuição dos mestres no processo
de concepção fílmica, produzindo um
nível extra de autorreflexividade na
expressão da auto mise-en-scène
deles, propiciando-lhes uma maior
17
Almeida (2021, p. 333).
atenção ao dispositivo, o que nos
levaria a um alargamento e a uma
maior permeabilidade da nossa
experiência audiovisual coletiva. Para
alguns dos assistentes dos mestres, a
nossa proposta parecia, inicialmente, ir
contra a espontaneidade da expressão
tradicional de seus ofícios, como se
quiséssemos dirigi-los
excessivamente, ou ter um maior
controle sobre a cena. Para alguns
alunos, estávamos interferindo na
fluidez da aula, interrompendo o fluxo
da expressão dos mestres para
produzir as gravações, que poderiam
parecer artificiais, a princípio. Para
alguns professores, estávamos
deixando de fazer o registro de
momentos importantíssimos,
históricos, da aula, das falas e dos
cantos. Para os alunos que
participavam do processo de formação
audiovisual para a filmagem, por sua
vez, também parecia difícil
compreender a importância de
permanecerem presentes e
participativos durante a aula dos
mestres, escutando suas histórias e
relatos, pois tinham um pouco de
ansiedade para colocarem em prática
o trabalho de gravação em equipe,
tomados por certo deslumbramento
539
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
pelo equipamento, o que os
distanciava da compreensão das
questões e expressões oferecidas
pelos mestres. Muitas sutilezas dos
eventos que filmávamos acabavam
passando despercebidas para eles.
Para os mestres, às vezes, parecia
que estávamos propondo algo muito
complicado, falando, teorizando ou
explicando demais, na nossa maneira
de querer incluí-los de modo mais
efetivo no processo de construção das
cenas. Eles nos olhavam de modo um
pouco perplexo e queriam nos
conduzir logo às soluções práticas
(pragmáticas) da performance.
Aparentemente, a nossa
proposta teria tudo para dar errado,
não fosse a enorme generosidade e
cumplicidade das mestras e mestres
conosco. tínhamos estabelecido
com mestra Pedrina, mestra Maria
Luiza e mestre Bengala, uma longa e
duradoura relação de confiança, que
foi fundamental para o processo. Eles
tinham participado diversas vezes
de nossos cursos, atividades e
gravações; tinham participado de
filmes e conhecido de perto o nosso
trabalho. Além da relação de
confiança, outro fator essencial foi a
impressionante habilidade estética e
poética dos mestres, um verdadeiro
virtuosismo expressivo e versátil na
modulação da voz e dos gestos em
público, para encontrar, rapidamente,
soluções criativas em termos de
performance, incluindo o manejo do
espaço e de elementos da natureza
que se tornavam elementos
expressivos, tudo de modo fluido,
demonstrando uma enorme
capacidade de adaptação às mais
diferentes situações, por mais
inusitadas e desafiadoras que elas
pudessem parecer. Eles também
demonstraram uma forte consciência
do processo audiovisual e da presença
da câmera, contribuindo, por exemplo,
para a definição do enquadramento,
para a escolha e construção do
espaço fílmico, para o estabelecimento
das relações entre os espaços,
objetos, personagens, determinando,
inclusive, limites claros entre eles,
como discutiremos mais adiante.
540
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
Figura 04 - Frame do filme "Lá nas matas tem"
nas matas tem, o canto e a
construção das cenas
compartilhadas
Em outro artigo, ao refletir sobre
o processo de registro das aulas e
constituição das videoaulas, dizíamos
que:
as aulas ganham, muitas
vezes, um caráter de
acontecimento, se abrindo
para o imprevisível, e o
trabalho de filmagem acaba
por extrapolar apenas o
registro para lidar com
situações dinâmicas e
instáveis. Para tanto, é
fundamental que a equipe
estabeleça um pacto de
confiança e cumplicidade com
as mestras e mestres. Ao
estabelecer esse pacto, como
é comum e necessário no
trabalho do documentário, elas
e eles modulam a sua auto
mise-èn-scene, a sua
performance diante da
câmera, em plena consciência
de que estão em relação não
apenas com os alunos, mas
também com a câmera e com
o mundo não imediatamente
visível da ancestralidade, dos
animais, entidades e espíritos,
que se manifesta no fora-de-
campo.
18
Ao tomarem para si a
mise-en-scène, os sujeitos
filmados podem,
autonomamente, conduzir as
escolhas que constituem a
expressão de sua identidade e
a peculiaridade dos saberes
dos quais são portadores. Por
outro lado, a equipe busca
uma participação sutil, estando
presente e tendo liberdade
para interferir quando
necessário, por exemplo,
ajustando os microfones de
lapela (quando preciso),
18
Pensamos aqui na original abordagem que
André Brasil (2012) tem concedido aos
cinemas indígenas.
541
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
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(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
alterando o ritmo da aula em
função da disponibilidade do
equipamento para a filmagem
ou contribuindo para definir as
posições das pessoas filmadas
no espaço. Trata-se de um
lugar delicado e sutil, de uma
observação ao mesmo tempo
distanciada mas participativa,
de um acordo mútuo entre
mestre, alunos e equipe de
filmagem. Isso é possível
também porque o
reconhecimento da
necessidade e da importância
dessas filmagens que agora
vêm sendo disponibilizadas
online.
19
Se durante a produção dos
registros das aulas, ou mesmo dos
retratos, tínhamos que lidar com
situações dinâmicas e instáveis, da
ordem do acontecimento e do
inesperado, agora, nessa nova
configuração, o imprevisível se tornava
ainda mais forte e potente.
Construímos, junto com os mestres,
cenas fílmicas nas quais eles foram
desafiados a pensarem não apenas a
sua dimensão performativa diante da
câmera, mas também, a construção do
plano, do enquadramento, da dinâmica
da ação, do ritmo da sequência, dos
possíveis encontros com outros
mestres dentro do quadro. Se antes
havia, como é inerente ao trabalho do
19
Aspahan e Guimarães (2020).
documentário, o reconhecimento da
importância da auto mise-en-scène
das mestras e mestres retratados,
agora, essa autorreflexividade era
dilatada também para a construção do
plano, forçando uma maior atenção e
consciência do dispositivo. A equipe,
que antes adotava uma postura mais
discreta e observadora, agora
interferia de modo mais direto na
filmagem, interrompendo o fluxo da
aula para propor a construção conjunta
das cenas.
A proposição de construção das
cenas é algo que não está livre de
conflitos e não acontece sem ruído de
parte a parte, entre quem filma e quem
é filmado. Em certos casos, ao
propormos que os mestres reflitam
sobre o lugar a ser filmado, como deve
se dar o enquadramento e que tipo de
performance deve acontecer diante da
câmera, podem surgir atritos entre o
que buscávamos com os meios do
cinema e a atuação dos mestres,
guiados pela cosmologia que orienta a
vida de sua comunidade e a sua
própria conduta. Portanto, não é
simples alcançarmos um entendimento
comum sobre aquilo que estamos
fazendo. De certa maneira, acabamos
por realizar algo conjunto, de modo
542
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
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(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
bastante heterogêneo, pois cada um
de s acredita estar fazendo algo
diferente. A diferença está presente
em cada etapa do trabalho, e o filme
se faz como a convivência dessas
diferenças incorporadas ao processo
de filmagem. Algumas dessas
situações serão descritas ao longo
deste trabalho.
Foi assim que se constituiu a
cena de abertura do filme.
20
Caminhamos com a turma pela mata
da Estação Ecológica em busca de um
lugar apropriado para a performance
da Mestra Pedrina. Encontramos um
caminho no meio de uma mata mais
fechada. O caminho descia numa
trilha, uma verdadeira pirambeira.
Mestra Pedrina se viu bastante à
vontade em andar pelo sinuoso
caminho no meio da mata. A câmera
poderia se posicionar de cima e
registrar o seu percurso em nossa
direção. A turma acabou ficando mais
distante, pois o espaço era muito
reduzido. Conversamos com Pedrina e
combinamos conjuntamente o
posicionamento da câmera e o
20
Lá nas matas tem (César Guimarães, Pedro
Aspahan, Saberes Tradicionais UFMG, 55',
2022). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=hIRuZ0wv1
qI. Acesso em 29/03/2023.
percurso que ela faria em nossa
direção. Ela estava com um microfone
de lapela que garantiria a captação da
sua voz durante o percurso. No final
das contas, como ela estava muito
distante, demos muita sorte do
microfone ter funcionado
perfeitamente, sem grandes
interferências da transmissão sem fio.
Logo que nos posicionamos, Pedrina
começou a contar histórias e cantar,
antes mesmo de darmos início à
gravação. É como se a filmagem fosse
apenas um pedaço do processo. O
fluxo do acontecimento antecede e
sucede a filmagem, extrapola o visto e
o ouvido, faz parte de um fora-de-
campo absoluto e cosmológico,
palavra encarnada em relação direta
com as entidades ancestrais e com a
história.
É a partir de um canto sobre
uma tela preta que o filme nas
matas tem se inicia. Depois do letreiro
“O cinema em defesa das matas e
florestas” , ouvimos a voz da Capitã
Pedrina a entoar o ponto:
Vovô não quer casca de coco
no terreiro.
Vovô não quer casca de coco
no terreiro.
É pra não se alembrar…
É pra não se alembrar do
tempo do cativeiro.
543
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
Cantada também na Umbanda,
essa toada guarda parte da memória
dos terrores da escravização dos
povos africanos no Brasil. Por meio de
um fade in lento, vemos surgir um
plano geral da mata onde se esboça
uma trilha. Planos da mata da Estação
Ecológica da UFMG, em seus diversos
matizes, vão pontuar o filme,
povoando os interstícios entre uma
performance e outra, entre os corpos
dos mestres e seu entorno: o filme se
constitui estruturalmente com a
presença das matas. Aqui, o plano da
mata parece lembrar que a “defesa
das matas e florestas” passa pela
existência e pela defesa dos direitos
daqueles cujos modos de vida são
indissociáveis das folhas, da terra, dos
rios e dos animais; daqueles que, na
história da colonização ainda
persistente, tiveram suas vidas
“ceifadas” pelos senhores brancos. Ou
seja, o plano inicial da mata, de onde
reverbera a voz de Pedrina, colocando
em simultaneidade um tempo passado
ancestral e o tempo presente, assim
como os demais planos da mata
aparentemente vazia a pontuar o filme,
são imagens que produzem lembrança
(a mata, ela própria, como memória):
por isso, aparentemente estão
despovoadas (nelas habita a memória
dos corpos, a história dos cantos, suas
experiências de sofrimento e de
resistência ancestral).
A voz de Pedrina se apresenta
em primeiro plano, com seu timbre
característico; ela corpo à mata,
antes mesmo que seu corpo se torne
visível, como uma voz ancestral que
emerge em meio à natureza, como
tantas outras vozes também fizeram
ao longo da história afro-brasileira.
Parece até mesmo uma inserção
sonora extradiegética, pois ainda nem
conseguimos ver a imagem da capitã,
que se desvela gradualmente, bem
pequena, no fundo da mata,
aparecendo pouco a pouco por detrás
dos arbustos. Ela surge, toda de
branco, com as vestes do Candomblé,
carregando plantas nas mãos, as
insabas sagradas, cuja importância ela
destaca em seguida, especialmente
para as religiões de matriz africana.
Ela caminha cantando e vai catando
folhas, como é costume no
Candomblé. Ela conta a história de um
senhor de escravos, em sua terra,
Oliveira, que obrigava os "negrinhos" e
as "negrinhas" a subirem nos
coqueiros para apanhar os cocos.
Muitos deles tinham suas vidas
544
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
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(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
ceifadas ao caírem do alto dos
coqueiros, junto com os cocos, na
lagoa. E ela lembra da história para
dizer que não se deve guardar a
mágoa ou o ressentimento daquilo que
passou. A câmera se aproxima com o
zoom e podemos ver as folhas sobre
as quais ela falava: jaborandi, capeba,
guiné, canela de velho. Então ela se
conta, alegremente, que está no
meio da mata, e duas toadas vêm à
tona:
Saí pras matas
só pra ver
lá nas matas
quem tem…
Se vai pra lá,
Você me leva também.
Senhor Ogum de Lei
Já não conhece ninguém (2x).
(...)
nas matas tem,
Lá nas matas mora… (2x)
Lambari de Ouro
Tá puxando tora (2x)
Tá puxando tora, Ogum
Tá puxando tora, Xangô
Tá puxando tora, Caboclo
Tá puxando tora.
As toadas sugerem um convite
à mata, que se mostra povoada de
entidades espirituais, inquices, voduns,
orixás, caboclos, seja o senhor Ogum
de Lei, em sua aplicação das leis
divinas, que "já não conhece
ninguém", sejam Lambari de Ouro,
Ogum, Xangô, que estão trabalhando,
"puxando tora". A toada nos relembra
que "lá nas matas tem, nas matas
mora". Foi dela que extraímos o título
do filme, no esforço de amplificar, por
meio do cinema, a potência
cosmológica da mata, repleta de vida
material e imaterial, tão marcadamente
presente na perspectiva apresentada
pelas mestras e mestres. Os planos
das matas, que estruturam o filme,
separando as seções, se constituem
nesse sentido, de apresentar as
matas, mas também sugerem que ali
muito além do que podemos ver e
ouvir, oferecendo ao espectador um
espaço de escuta e liberdade para
imaginar as relações possíveis com as
reflexões oferecidas pelos mestres.
Pedrina lembra que ela,
juntamente com os povos de terreiro
especialmente os de Candomblé
Angola e Angola Muxicongo ao
entrar na mata, deve sempre fazer
reverência aos povos originários, aos
indígenas, "verdadeiros donos dessa
terra", presentes nas entidades dos
Caboclos, que ela saúda em seguida:
Caboclo, selvagem,
tu és a nação do Brasil,
tu és a nação brasileira,
545
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
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(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
do alto daquela serra,
Caboclo,
tem as cores da nossa
bandeira (2x).
Okê Caboclo, Okê Caboclo
É impressionante como aquilo
que chamamos de performance na
nossa proposição inicial, acaba
ganhando uma dimensão espiritual e
ritualística muito acentuada,
especialmente por meio dos cantos. O
que poderia parecer para nós como
um ponto cantado ou uma toada, na
verdade, se constitui, na perspectiva
da mestra, como uma saudação, uma
palavra encarnada que faz contato
direto com os espíritos que habitam a
mata. Em seu percurso, ela encontra
os inquices nas folhas, ela os toca,
retira algumas, acaricia outras, passa
com cuidado para não machucar os
brotos. Ela saúda os espíritos dos
indígenas que habitam a mata com as
toadas para os Caboclos. Ela abre o
fora-de-campo para uma dimensão
cosmológica que extrapola a nossa
possibilidade de ver, ouvir e
compreender, mas, ainda assim,
compartilha conosco uma sensação de
acolhimento e de trabalho espiritual
que são próprios de sua poética
ancestral.
O longo plano sequência, de
oito minutos e meio de duração, parte
de um plano geral, muito aberto, e vai
produzindo uma delicada
aproximação. A câmera parece bailar
junto ao corpo bem próximo de
Pedrina, acompanhando seus gestos,
mas guiada por sua voz. A câmera
deriva com liberdade, de modo quase
intuitivo, entre as mãos, as folhas, os
pés, as vestes, a face, o olhar, mas
sempre em diálogo com o campo
sonoro, com a narrativa e com o canto.
A câmera se aproxima de Pedrina por
meio do zoom, e Pedrina se aproxima
de nós por meio de seu deslocamento
espacial. A aproximação é física e
recíproca, e resulta do encontro em
uma forte relação de cumplicidade e
confiança que construímos com a
capitã. Por fim, ela sai de quadro e
vemos a sua mão deixar
delicadamente o tronco de uma árvore,
sobre a qual, o olhar da câmera
repousa.
A forma fílmica, a performance e
sua pedagogia
Feita essa caracterização inicial
do nosso método de criação de cenas
546
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
compartilhadas com os mestres, e
tendo adiantado alguns comentários
sobre os efeitos (sensíveis e de
sentido) produzidos, podemos lançar
algumas indagações. Como os
processos aqui descritos encontram
uma forma fílmica capaz de abrigar a
questão que os mobiliza (já que são
parte de uma experiência pedagógica
e interepistêmica, envolvendo mestres
de saberes tradicionais, professores e
alunos de campos disciplinares
diversos e, em paralelo, a formação
audiovisual)? Como a cena fílmica
traz, inscritos em seu interior, traços
de um encontro entre diferentes
saberes e epistemologias (os
conhecimentos das tradições afro-
brasileiras, os conhecimentos
acadêmicos, e aqueles conhecimentos
ligados ao cinema)?
Aqui, no caso específico de
nas matas tem, não se trata de expor
reflexivamente os processos de
encontro com os sujeiros filmados e
seus saberes constitutivos da
disciplina , nem os processos de
feitura do filme (tal como se percebe,
historicamente, em certo cinema
documentário moderno). Será
discretamente que eles se insinuam no
filme. No entanto, o modo como as
performances são filmadas o rigor do
plano fixo, a precisão dos movimentos
de câmera, atraídos pelos movimentos
da performance; o enquadramento
visual tornado escuta; a duração dos
planos a prolongar essa observação-
escuta, assim como a transformação
da cena pelos gestos, pelas danças e
pelos cantos tudo isso faz com que
os processos de encontro de saberes
alcancem também uma forma, uma
poética, portanto. Esta forma não é
produto apenas das operações
fílmicas (de filmagem e de montagem),
mas do modo como essas operações,
ao mesmo tempo em que se definem
por escolhas rigorosas, se modulam,
se alteram, se criam e se recriam
pelas performances.
Como dizíamos, em uma
possível definição de performance,
trata-se da liminaridade entre mise-en-
scène (colocação em cena) e gesto.
21
Se o cinema é uma arte da mise-en-
scène, na medida em que haja
sempre uma operação de lculo, de
ordenamento, ou se, como quer
Agamben (2000), ele é uma arte (ou
uma política) do gesto, como algo que
não pode ser total e intencionalmente
21
André Brasil (2014, p. 134).
547
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25, p.
529-559, set. 2023.
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(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
controlado, a performance emerge no
cruzamento de ambos: entre cena e
gesto. A performance seria o gesto
em vias de se colocar em cena (e vale
sublinhar aqui esse “em vias de”).
Entre o gesto e sua colocação
em cena, a performance guarda, por
isso mesmo, estreita ligação com a
memória, memória de uma
coletividade. "As performances rituais,
cerimônias e festejos, por exemplo,
são férteis ambientes de memória dos
vastos repertórios de reservas
mnemonicas", nos diz Leda Martins.
Performances lembram e atualizam
repertórios culturais afro-brasileiros e
carregam saberes contracoloniais,
traços de uma cultura de “dupla face,
dupla voz”, que expressa “nos seus
modos constitutivos fundacionais, a
disjunção entre o que o sistema social
pressupunha que os sujeitos deviam
dizer e fazer e o que, por inúmeras
práticas, realmente diziam e faziam”.
22
Assim, em seu movimento de
retomar e instaurar, pelo gesto, traços
de uma memória coletiva, a
performance nos exigiria considerar
seus traços poéticos situacionais (seus
modos, seu escopo, sua duração),
22
Martins (2003, p. 69).
como também seus aspectos
mnemônicos (sua penetração em
estratos profundos da experiência
histórica, como nos dirá Martins, em
diálogo com Schechner). Mas,
lembremos por fim com a autora que,
para além de ser uma representação
de algo, a performance instaura e cria,
ou melhor, ela repete transcriando,
grafa rasurando, corpo (seus
movimentos e seus adereços), canto e
palavra (seus timbres, texturas e
matizes) tomados assim,
propriamente, como acontecimentos,
"possibilidades de rasura dos
protocolos e sistemas de fixação
excludentes e discricionários".
23
Ao filmar a performance, o
cinema produz arquivo em torno de um
repertório de experiências de
conhecimento incorporado.
24
Se o
arquivo é um modo de inscrever os
eventos em materialidades, de
maneira inclusive a possibilitar um
“governo” à distância em relação aos
corpos e aos saberes filmados, aqui
seria preciso saber em que medida a
performance rasura, altera e desfaz,
por dentro, esse processo arquivístico
23
Martins (2021, p. 42).
24
Cf. Taylor (2013).
548
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
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(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
(em seu desejo de transparência e
visibilidade). Em que medida, ao se
deixar filmar, a performance se mostra
também como estratégia esquiva,
lançando a busca por transparência,
visibilidade e conhecimento em uma
região de opacidade e de não-saber?
Figura 05 - Frame do filme "Lá nas matas tem"
Das cenas compartilhadas
Quando Maria Luiza Marcelino
surge do fundo da mata entoando o
ponto de umbanda dedicado ao
Caboclo Mata Virgem, o tambor está
no fora-de-campo. Novamente,
ouvimos tambores que parecem ser
tocados simultaneamente no tempo
presente e em tempos passados, cuja
memória se guarda nessa mata-
arquivo:
A mata virgem abriu em flor
Foi Jesus Cristo quem mandou
(2x)
Seu Mata Virgem aqui na terra
Pra saravá filhos de fé (2 x)
Ao cantar para os caboclos e
caboclas, ela se aproxima do tambor e
do ogã para benzê-lo com os ramos de
folha que, em seguida, vai
cuidadosamente colocar no interior de
um bambu. Se a mata é construída,
ornada e adornada (não apenas pelos
humanos), ela deposita ali sua
delicada contribuição e delimita o
espaço no qual a cena vai se
549
BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
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529-559, set. 2023.
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(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
desenvolver:
Auê, auê, meus caboclo, auê
Auê, auê, meus caboclo, auê
Caboclo mora nas mata
No meio da sapucaia
Caboclo come folha
E fica cheio de samambaia
Auê, auê, meus caboclo, auê
Auê, auê, meus caboclo, auê
Salve a Cabocla Jupira
Salve a Cabocla Jandira
Saravá Seu Pena Branca
Saravá Seu Mata Virgem
Figura 06 - Frame do filme "Lá nas matas tem"
Como é próprio das
cosmologias dos povos afro-brasileiros
(particularmente os de origem bantu) e
indígenas, a mata guarda sempre a
possibilidade de encontro com muitos
outros seres: animais, espíritos,
divindades, e outras pessoas também.
Terminada a série dos pontos
dedicados aos caboclos, entoados por
Maria Luiza, a mata, abrigo do múltiplo
e de vizinhanças inesperadas, se abre
em outro caminho. Aquele povo que
veio de muito longe, forçado,
atravessando a Kalunga grande, povo
transatlântico na expressão de
Beatriz Nascimento , reaparece aqui,
no pequeno grupo reunido pelo Mestre
Bengala, da Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário de Contagem, da
comunidade quilombola dos Arturos.
Vindo em coletivo, o mestre convoca
um retrato.
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BRASIL, André; GUIMARÃES, César; ASPAHAN, Pedro. nas matas tem:
a experiência de criação compartilhada de cenas fílmicas com mestras e
mestres dos Saberes Tradicionais na UFMG. PragMATIZES - Revista
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529-559, set. 2023.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes no ensino superior")
Ô Marinheiro.
Ô Patrão.
Alerta, alerta!
Alerta estão!
Quê que viemos fazer nesse
dia?
Festejar o Rosário de Maria!
Se a história das imagens
técnicas a fotografia e o cinema se
dedicou aos retratos da distinção de
nobreza às singularidades das
pessoas anônimas aqui o retrato se
quer coletivo: nele estão crianças,
mulheres e homens do Reinado, mas
também seus instrumentos, adornos,
objetos sacralizados e a bandeira de
Nossa Senhora do Rosário. O retrato
se torna então sonoro e se move. As
pessoas olham para a câmera e, no
passo da dança, voltam as costas para
ela. A câmera está presente, tem
centralidade na medida em que é o
dispositivo que permite e organiza o
retrato mas ela também é retirada do
lugar de protagonismo por um coletivo
que vem de antes, que performa para
ela, a indaga, a dirige, a ultrapassa;
volta, devolve o olhar para ela e
prossegue em cortejo. Coletivo que
abriga também alunos e alunas,
sugerindo, no interior do filme, um
processo de encontro e transmissão.
Figura 07 - Frame do filme "Lá nas matas tem"
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Com seus múltiplos caminhos,
que ora se bifurcam, ora se
entrecruzam, a mata é mesmo lugar
de muitos encontros. Por um deles
surge um novo grupo, agora da
Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário do Jatobá, e que se
encontrará, por meio do filme, com a
mestra Maria Luiza, zeladora de
Umbanda. A ideia do encontro surgiu
durante as aulas, ao notarmos que
vários pontos da Umbanda também
eram cantados pelo Reinado, com
pequenas variações. Mas quando
preparamos a cena, cada grupo se
posicionou de um lado de uma
encruzilhada e Maria Luiza logo definiu
um limite: "Vocês não cruzem o
espaço após aquela raiz no chão". Por
mais que houvesse semelhanças, ela
fez questão de definir também os
limites dessa aproximação e a
diferença entre os campos. O filme
acabou por encontrar uma solução
formal para essa separação, ao
produzir os enquadramentos dos dois
grupos também separados (tendo a
mata como entidade e interstício de
ligação e separação entre os grupos).
A câmera derivava em panorâmicas
para cada um dos lados conforme as
músicas eram cantadas. Produziu-se
assim um diálogo musical-espiritual.
Adentrando a cena por um dos
caminhos da mata, a Irmandade do
Jatobá, por meio de seu canto, nos
coloca diante da perspectiva do fim do
mundo:
Perguntei São Benedito
Se o mundo ia se acabar.
Benedito respondeu:
Marinheiro, ajoelha pra rezar.
Enquanto ouvimos o canto da
guarda do Jatobá, do extracampo,
outro ponto é entoado por Maria Luiza,
interrompendo a performance do
Reinado, de modo um pouco abrupto.
A voz de Maria Luiza parece imantar a
câmera, que se desloca pela mata em
uma panorâmica para a esquerda,
dando a ver aquilo que estava no
extracampo: “O navio negreiro vem
chegando/ ele vem chegando
devagar.” Ainda sobre a imagem de
Maria Luiza ao lado do tambor, tocado
por Marlon Marcelino, ouvimos outro
canto que atrai a câmera, dando a ver,
novamente, o grupo do Jatobá. Os
cantos foram se sucedendo por
associações temáticas entre a
Umbanda e o Reinado do Rosário, até
se abrirem num campo de disputa
espiritual, de demanda, de contenda,
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de bizarria, como definiram os
integrantes do Reinado do Jatobá. A
câmera se detém nesse
diálogo/disputa, tornando-se
principalmente uma câmera-escuta,
atenta ao chamado dos cantos. De
certo modo, ela filma “às cegas”,
intuitivamente, desconhecendo a
contenda cosmopolítica, presente nos
cantos e gestos, que constitui uma
cena equívoca (entre a Umbanda, o
Reinado do Rosário e o cinema).
Deslocando-se de um a outro canto da
mata em um plano-sequência de
doze minutos de duração! ela vai
acompanhando o diálogo musical-
espiritual, cujo ritmo se intensifica. Em
um gesto de diplomacia, o Capitão
Juarez atravessa a linha imaginária da
fronteira, que divide um grupo e outro,
se aproxima e reverencia o tambor
ancestral da Umbanda. Terminado o
canto, Maria Luiza, cujo corpo parecia
bambear em contato com as entidades
espirituais convocadas pelos pontos
da Umbanda e do Reinado, faz sua
reverência, tocando o chão e a cabeça
"Salve! Pra mim fecha!" e sai do
enquadramento. O capitão-mor,
Juarez, do coletivo do Jatobá então
finaliza a sequência, de modo
provocador e irreverente:
Eu sou carreiro, eu vim pra
carrear.
A minha boiada é nova, eu
toco o boi é devagar.
O bom carreiro não deixa o
carro tombar.
Se o carro tomba, o boi fica no
lugar.
Eu sou carreiro, eu vim pra
carrear.
A minha boiada é nova, eu
toco o boi é devagar.
Quem não pode com a
mandinga,
não carrega patuá...
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Figura 08 - Frame do filme "Lá nas matas tem"
Findo o canto, surge um novo
plano da mata, abrindo-se em um
outro caminho. “Chora, chora, chora.
Chora, Mugangá. Eu vim de
Aruanda, vim aqui pra saravá.” Sobre
a imagem ainda aparentemente
vazia, ouvimos a voz da Capitã
Pedrina. Ela aparece sozinha, em uma
clareira na mata, cercada de árvores,
por meio das quais o sol tenta
atravessar. Ramo de folhas na mão,
circunda um grande tronco de árvore
caída, coloca uma pedra sobre a
árvore, delimita o espaço da
performance, constrói seu
deslocamento no tempo. “Chorei,
chorar. Chorei, chorar. Ah, eu chorei,
foi no balanço do mar.” Entre um canto
e outro, chama atenção como a mata
vai-se abrindo a tempos outros,
revelando-se um espaço de memória
que se transmuta da terra e da floresta
ao mar, o canto-lamento a nos
devolver o choro dos escravizados.
Mas ele se mostra também um espaço
presente, concreto, no qual uma
transmissão se faz (eis o sentido dos
encontros que o filme acompanha).
Novamente, a câmera se atenta à
presença intensiva e generosamente
distribuída da capitã, a catar folhas do
entorno, enquanto entoa o canto-
lamento. “Aê, vamo devagar. Aê, vamo
devagar. Massambike não pode
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correr”, ela canta enquanto encara a
câmera, sorriso franco no rosto.
Percebemos que ela tem companhia:
os estudantes que convida a adentrar
a cena. Elas e eles formam uma roda
e se somam ao canto, que confere
ritmo aos processos de ensino e
aprendizagem: “É devagarzinho, é
devagarzinho...” Esse vagar lento e
atento, que nos remete ao
aprendizado com os mais velhos, nos
ensina que, quanto mais se adentra a
mata, quanto mais se sabe sobre ela e
com ela, mais ela se abre como não-
saber, como mistério que nos indaga:
não parece ser esse um dos sentidos
possíveis para os planos fixos em
nas matas tem? Um mistério que se
abre como caminho e que nos indaga
em nossa curiosidade e nosso não-
saber? A escutar os cantos e observar
os corpos a adentrar a mata, vamos
aprendendo aprende também o
cinema a não nos apressar, nem
para entender, nem para dar a ver.
Figura 09 - Frame do filme "Lá nas matas tem"
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João do Mato e a performance-
encenação dos Arturos
Do fundo da mata, é devagar
que uma fila de camponeses surge na
imagem, empunhando suas enxadas.
Ouvimos uma voz que saberemos
ser de mestre Bengala que se diz
apreensiva com o trabalho de capina
que têm pela frente. Sua fala
explícita como artifício nos indica
que estamos em uma encenação, ou
melhor, entre uma encenação e uma
performance ritual, no caso, a de João
do Mato.
25
O grupo, formado por
pessoas da comunidade dos Arturos e
por estudantes da UFMG, inicia então
a capina, com destaque para o som
das enxadas a ritmar o canto-lamento,
como vemos na tradição dos filmes em
torno dos “cantos de trabalho”.
25
O ritual de celebração do João do Mato,
acontece tradicionalmente no quilombo dos
Arturos, Contagem, MG, como forma de
relembrar os tempos da escravidão e a
importância do trabalho coletivo de multirão na
limpeza dos terrenos e das roças dos
membros da comunidade. O João do Mato
parece se constituir como uma erva daninha,
que se espalha pelo terreno daquele
camponês que não se esforça em limpar a
roça. Ele é representado por uma pessoa
vestida de folhas, como é comum na
representação de entidades das religiões de
matriz africana. O João do Mato se esconde
no meio da mata e a comunidade vai junto
cantando e limpando o terreno, até encontrá-
lo, o que constitui também um trabalho
espiritual de limpeza e renovação do espaço
para um novo ciclo de fartura.
“Debaixo de um arvoredo, eu vi dois
canários cantar” (...) “Amanhã eu vou-
me embora. Quem me pra levar?”
O enquadramento se interessa pelas
enxadas, que tocam levemente o solo
sem, efetivamente, capiná-lo. Expõe-
se mais uma vez o caráter de
encenação ou de performance-ritual,
nesta que, pelo seu aspecto de
deliberado artifício, se assemelha a
uma cena brechtiana.
26
O grupo então
se desloca pelas trilhas da mata atrás
de João do Mato e nos vemos dentro
do ritual, que será performado por
pessoas do Reinado junto aos alunos.
As enxadas estão presentes, seja na
encenação do trabalho no campo, seja
como parte da performance-ritual,
sempre ritmando a cena. Elas
parecem adquirir certa dimensão
simbólica tanto instrumento parte da
performance-ritual, quanto emblema
26
O teatro épico tal como definido por Brecht
(1978), a partir do exemplo da "cena de rua",
reivindica a dupla posição do ator: ao mesmo
tempo em que é personagem da cena, ele se
distancia dela para narrá-la e comentá-la. Com
algum risco, poderíamos caracterizar assim o
papel de Mestre Bengala nesta sequência do
filme: ao mesmo tempo em que atua junto aos
demais, ele narra e comenta a cena, aqui,
também por meio dos cantos. Nos
perguntamos se o caráter anti-naturalista,
deliberadamente artificial da encenação, não
produz, assim como no teatro épico
brechtiano, certo efeito de distanciamento da
parte do espectador.
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da labuta e da luta dos trabalhadores
do campo. Entre encenação e
performance, a sequência dura, para
que possamos acompanhar a captura
e o julgamento do João do Mato. “Eu
não matei, eu não roubei, eu não fiz
isso nada. Mas o povo está dizendo
que amanhã é o dia do meu jurar. Eu
vou pedir Nossa Senhora para ser
minha advogada.” E então João do
Mato se encanta: “foi passear… entrou
no balão, virou fogo no ar”.
A participação dos jovens na
performance-encenação, os planos-
detalhe das enxadas, o som metálico,
entre trabalho e luta; os dizeres do
canto, a voz arrastada em lamento,
tudo isso constrói uma cena
pedagógica (uma pedagogia que não
está dada a priori, vale dizer) que, no
encontro com o cinema, nos ensina
um pouco acerca dos modos de
transmissão de saberes baseados na
tradição: a participação concreta
daqueles que aprendem na prática que
ali se ensina; a atenção aos detalhes
da experiência, sem negligenciar o
tempo necessário para que ela
transcorra e se transmita. Por meio do
filme, essa experiência pedagógica
partilhada, baseada no tempo e na
relação com os elementos sensíveis
do entorno; experiência que não opõe
artifício e natureza que a segunda
se mostra, ela também, construída e
parte de processos de transmissão ,
ela repercute na experiência do
espectador, convocado a compartilhar
uma duração. Afinal, trata-se de
sustentar, com aqueles que performa,
uma duração partilhada e convocar,
também os espectadores e
espectadoras, a experiênciá-la em
seus componentes sensíveis (talvez,
desfazendo certa hierarquia dos
sentidos que conferiria primado ao
visível).
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Figura 10 - Frame do filme "Lá nas matas tem"
Um cortejo aberto pelas matas
Um novo retrato coletivo
encerra o filme, o cortejo atravessa a
Estação Ecológica, fazendo encontrar
a experiência histórica, a experiência
do sagrado e a experiência
pedagógica, as três a constituírem a
cena cinematográfica. Sob a condução
generosa de mestre Bengala, sem
esconder certo desajeito, alunos e
alunas acompanham os tambores e a
dança do grupo dos Arturos, todos
engajados no processo de
aprendizagem. Um coletivo
heterogêneo se forma para louvar
Nossa Senhora do Rosário e São
Benedito. Ao final da experiência, o
que se aprende, entre outras coisas, é
a ligação estreita entre natureza e
história, ambas em seu caráter de
artifício, que o filme elabora a seu
modo. “Chamar o mato de volta”, como
nos sugeriria Pai Ricardo de Moura, é
trazer com as folhas, a história.
“Somos folha”, ele dirá em outra
oportunidade. Significa não é demais
repetir que “defender as matas e
florestas” não se faz sem a defesa dos
direitos e da existência daqueles e
daquelas que historicamente se
aliaram à natureza, construindo com
ela práticas e saberes que não
separaram construção histórica e
respeito ao sagrado. Montado como
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série de performances, guiadas
sempre pela música e pelo canto, em
espaços distintos da mata da Estação
Ecológica, o filme sugere que são
diversas as elaborações coletivas
entre história da diáspora
transatlântica, espiritualidade e
natureza. Que, junto às folhas, os
cantos materializem certa linha de
continuidade entre as performances,
também nos diz da pedagogia em
curso.
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