CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
O “Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão: uma política com a
DOI:
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v13i25.
Resumo:
No contexto do debate da curricularização da extensão, ensejado pela Resolução CNE 07
de 2018, este artigo pretende pensar se outra extensão é posvel: uma extensão que traga, para o
interior das
aqui proposta sobre a construção de uma universidade aberta a outras epistemologias, no âmbito da
extensão, ensino e da pesquisa, debruçamo
no “Módulo Caiçara” pelo Encontro de Saberes da Universidade Federal Fluminense, em 2018, e
sobre a legislação pertinente à curricularização da extensão e à crítica à colonialidade presente em
nossas universidades. Ao compree
pedagogia das encruzilhadas e da pedagogia do território.
Palavras-chave:
encontro de saberes, pedagogia do território, curricularização da extensão,
pedagogia das encruzilhadas, Praia Grande
El
"Encuentro de Saber" en la encrucijada de la extensión: una política con la pedagogía de los
territorios
Resumen:
En el contexto del debate sobre la curricularización de la extensión, propiciado por la
Resolución CNE 07 de 2018, este artíc
que traiga otras matrices de saberes, saberes y prácticas a las universidades. Para la reflexión aquí
propuesta, sobre la construcción de una universidad abierta a otras epistemologías, en el
extensión, la enseñanza y la investigación, nos centramos en la experiencia del trabajo de campo
realizado en el Módulo Caiçara por el Encuentro del Saber de la UFF en 2018, el legislación
pertinente a la curricularización de la extensión y la
universidades. Al comprender los vacíos que puede ocupar la extensión, nos acercamos a la
pedagogía de la encruzilhada ya la pedagogía del territorio.
1 Lúcia Cavalieri.
Doutora em Geografia, Professora da Faculdade de Educação da UFF. Email:
cavalierilucia@id.uff.br -
https://orcid.org/0000
2 Flávia Salazar Salgado.
Doutoranda em Educação (PPG Educação/FE/UFF) e mestra em Cultura e
Territorialidades (PPCult/UFF). Email:
3 Johnny Menezes Alvarez.
Doutor em Psicologia, professor do Instituto de Psicologia da UF. Email:
johnnyalvarez@id.uff.br -
https://orcid.org/0000
Recebido em 31/03/2023,
aceito para publicação em
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão: uma política com a
pedagogia dos territórios
Flá
via Salazar Salgado
Johnny Menezes Alvarez
https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v13i25.
57934
No contexto do debate da curricularização da extensão, ensejado pela Resolução CNE 07
de 2018, este artigo pretende pensar se outra extensão é possível: uma extensão que traga, para o
universidades, outras matrizes de conhecimento, de saberes e de fazeres. Para a reflexão
aqui proposta sobre a construção de uma universidade aberta a outras epistemologias, no âmbito da
extensão, ensino e da pesquisa, debruçamo
-nos sobre a experiência do
trabalho de campo realizado
no Módulo Caiçara pelo Encontro de Saberes” da Universidade Federal Fluminense, em 2018, e
sobre a legislação pertinente à curricularização da extensão e à crítica à colonialidade presente em
nossas universidades. Ao compree
nder as brechas que a extensão pode ocupar, aproximamo
pedagogia das encruzilhadas e da pedagogia do território.
encontro de saberes, pedagogia do território, curricularização da extensão,
pedagogia das encruzilhadas, Praia Grande
da Cajaíba
"Encuentro de Saber" en la encrucijada de la extensión: una política con la pedagogía de los
En el contexto del debate sobre la curricularización de la extensión, propiciado por la
Resolución CNE 07 de 2018, este artíc
ulo pretende pensar si es posible otra extensión: una extensión
que traiga otras matrices de saberes, saberes y prácticas a las universidades. Para la reflexión aquí
propuesta, sobre la construcción de una universidad abierta a otras epistemologías, en el
extensión, la enseñanza y la investigación, nos centramos en la experiencia del trabajo de campo
realizado en el Módulo Caiçara por el Encuentro del Saber de la UFF en 2018, el legislación
pertinente a la curricularización de la extensión y la
crítica a la colonialidad presente en nuestras
universidades. Al comprender los vacíos que puede ocupar la extensión, nos acercamos a la
pedagogía de la encruzilhada ya la pedagogía del territorio.
Doutora em Geografia, Professora da Faculdade de Educação da UFF. Email:
https://orcid.org/0000
-0003-2443-4308
Doutoranda em Educação (PPG Educação/FE/UFF) e mestra em Cultura e
Territorialidades (PPCult/UFF). Email:
flaviasalgado@id.uff.br -
https://orcid.org/0000
Doutor em Psicologia, professor do Instituto de Psicologia da UF. Email:
https://orcid.org/0000
-0003-4707-5344
aceito para publicação em
27/06/20
23 e disponibilizado online em
01/09/2023.
403
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
O “Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão: uma política com a
Lúcia Cavalieri1
via Salazar Salgado
2
Johnny Menezes Alvarez
3
No contexto do debate da curricularização da extensão, ensejado pela Resolução CNE 07
de 2018, este artigo pretende pensar se outra extensão é posvel: uma extensão que traga, para o
universidades, outras matrizes de conhecimento, de saberes e de fazeres. Para a reflexão
aqui proposta sobre a construção de uma universidade aberta a outras epistemologias, no âmbito da
trabalho de campo realizado
no Módulo Caiçara pelo Encontro de Saberes da Universidade Federal Fluminense, em 2018, e
sobre a legislação pertinente à curricularização da extensão e à crítica à colonialidade presente em
nder as brechas que a extensão pode ocupar, aproximamo
-nos da
encontro de saberes, pedagogia do território, curricularização da extensão,
"Encuentro de Saber" en la encrucijada de la extensión: una política con la pedagogía de los
En el contexto del debate sobre la curricularización de la extensión, propiciado por la
ulo pretende pensar si es posible otra extensión: una extensión
que traiga otras matrices de saberes, saberes y prácticas a las universidades. Para la reflexión aquí
propuesta, sobre la construcción de una universidad abierta a otras epistemologías, en el
ámbito de la
extensión, la enseñanza y la investigación, nos centramos en la experiencia del trabajo de campo
realizado en el Módulo Caiçara por el Encuentro del Saber de la UFF en 2018, el legislación
crítica a la colonialidad presente en nuestras
universidades. Al comprender los vacíos que puede ocupar la extensión, nos acercamos a la
Doutora em Geografia, Professora da Faculdade de Educação da UFF. Email:
Doutoranda em Educação (PPG Educação/FE/UFF) e mestra em Cultura e
https://orcid.org/0000
-0001-5065-9864
Doutor em Psicologia, professor do Instituto de Psicologia da UF. Email:
23 e disponibilizado online em
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
Palabras clave:
encuentro de saberes, pedagogía del
pedagogía de la encruzilhada, Praia Grande da Cajaíba
The
"Meeting of Knowledge" at the crossroads of extension: a policy with the pedagogy of
territories
Abstract:
In the context of the debate on the curri
Resolution CNE 07 of 2018, this article intends to think about whether another extension is possible:
an extension that brings other matrices of knowledge, knowledge and practices into universities. For
the refle
ction proposed here, on the construction of a university open to other epistemologies, within
the scope of extension, teaching and research, we focus on the experience of the fieldwork carried out
in the Caiçara Module by the UFF Knowledge Meeting in 2018,
curricularization of the extension and the criticism to the coloniality present in our universities. By
understanding the gaps that extension can occupy, we approach the pedagogy of encruzilhadas and
the pedagogy of the territory.
Keywords:
meeting of knowledge, pedagogy of the territory, curricularization of extension, pedagogy
of the crossroads, Praia Grande da Cajaíba
O “Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão: uma política com a
Primeiras palavras
O “Encontro de Saberes”,
programa coordenado pelo professor
de Antropologia da Universidade de
Brasília (UnB), José Jorge de
Carvalho, a partir do Instituto Nacional
de Ciência, Tecnologia e Incluo
(INCTI/CNPq/UnB), radicaliza a
produção dialógi
ca do conhecimento,
proposta por Paulo Freire
, na medida
e
m que abre a universidade para o
diálogo sistemático
e o eventual,
frise-se bastante
com os/as
mestres/as da cultura popular
tradicional.
Não se trata, como nos diz José
Jorge de Carvalho, de
alfabetizar o/a
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
encuentro de saberes, pedagogía del
territorio, curricularización de la extensión,
pedagogía de la encruzilhada, Praia Grande da Cajaíba
"Meeting of Knowledge" at the crossroads of extension: a policy with the pedagogy of
In the context of the debate on the curri
cularization of extension, brought about by
Resolution CNE 07 of 2018, this article intends to think about whether another extension is possible:
an extension that brings other matrices of knowledge, knowledge and practices into universities. For
ction proposed here, on the construction of a university open to other epistemologies, within
the scope of extension, teaching and research, we focus on the experience of the fieldwork carried out
in the Caiçara Module by the UFF Knowledge Meeting in 2018,
the legislation pertinent to the
curricularization of the extension and the criticism to the coloniality present in our universities. By
understanding the gaps that extension can occupy, we approach the pedagogy of encruzilhadas and
meeting of knowledge, pedagogy of the territory, curricularization of extension, pedagogy
of the crossroads, Praia Grande da Cajaíba
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão: uma política com a
pedagogia dos territórios
O Encontro de Saberes”,
programa coordenado pelo professor
de Antropologia da Universidade de
Bralia (UnB), José Jorge de
Carvalho, a partir do Instituto Nacional
de Ciência, Tecnologia e Inclusão
(INCTI/CNPq/UnB), radicaliza a
ca do conhecimento,
, na medida
m que abre a universidade para o
e não eventual,
com os/as
mestres/as da cultura popular
Não se trata, como nos diz José
alfabetizar o/a
mestre/a: “é como se fôssemos uma
espécie de complementar simétrico da
Pedagogia do Oprimido. É quase uma
inversão da maravilhosa lógica de
Paulo Freire em que o analfabeto
precisa ser alfabetizado
inversão, é o/a mestre/a iletrado
nos ensina no lugar de um/uma
professor/a doutor/a visitante.
Na Universidade Federal
Fluminense (UFF), as primeiras
reuniões a fim de efetivar o Encontro
de Saberes” ocorreram no início de
2016. Em 2017, as disciplinas de
4
Entrevista concedida por José Jorge de
Carvalho à Flávia Salazar Salgado no contex
da sua dissertação (SALGADO,
404
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
territorio, curricularización de la extensión,
"Meeting of Knowledge" at the crossroads of extension: a policy with the pedagogy of
cularization of extension, brought about by
Resolution CNE 07 of 2018, this article intends to think about whether another extension is possible:
an extension that brings other matrices of knowledge, knowledge and practices into universities. For
ction proposed here, on the construction of a university open to other epistemologies, within
the scope of extension, teaching and research, we focus on the experience of the fieldwork carried out
the legislation pertinent to the
curricularization of the extension and the criticism to the coloniality present in our universities. By
understanding the gaps that extension can occupy, we approach the pedagogy of encruzilhadas and
meeting of knowledge, pedagogy of the territory, curricularization of extension, pedagogy
O “Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão: uma política com a
mestre/a: é como se fôssemos uma
espécie de complementar simétrico da
Pedagogia do Oprimido. É quase uma
invero da maravilhosa lógica de
Paulo Freire em que o analfabeto
precisa ser alfabetizado”
4. Nessa
invero, é o/a mestre/a iletrado
/a que
nos ensina no lugar de um/uma
professor/a doutor/a visitante.
Na Universidade Federal
Fluminense (UFF), as primeiras
reuniões a fim de efetivar o “Encontro
de Saberes” ocorreram no início de
2016. Em 2017, as disciplinas de
Entrevista concedida por José Jorge de
Carvalho à Flávia Salazar Salgado no contex
to
da sua dissertação (SALGADO,
2016).
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
graduação do “Encontro de
foram iniciadas.
O artigo objetiva, em diálogo
com o trabalho de campo realizado em
2018 na Praia Grande da Cajaíba,
localizada em Paraty/RJ, defender que
o “Encontro de Saberes” seja uma
extensão às avessas e perdure em sua
tarefa de descoloniza
r as Instituições
de Ensino Superior (IES). Este texto,
que se encontra dividido em três
seções, tem como metodologia confluir
com diferentes saberes do campo
acadêmico e da cultura popular. A
ideia germinante de confluência de
Antônio Bispo dos Santo
2020), conhecido por Nêgo Bispo, será
nossa companheira, pois nos convoca
a juntar campos muito heterogêneos
sem ter como meta nteses
unificadoras.
Na primeira seção, A
colonialidade da Universidade
brasileira”, dialogamos com Florestan
Fernandes e Castro-
Gómez, cientistas
que se debruçaram sobre a fundação e
a colonialidade das universidades
latino-
americanas, apontando alguns
desafios para rompermos com uma
forma única de se produzir ciência e
conhecimento.
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
graduação do Encontro de
Saberes”
O artigo objetiva, em diálogo
com o trabalho de campo realizado em
2018 na Praia Grande da Cajaíba,
localizada em Paraty/RJ, defender que
o Encontro de Saberes seja uma
exteno às avessas e perdure em sua
r as Instituições
de Ensino Superior (IES). Este texto,
que se encontra dividido em três
seções, tem como metodologia confluir
com diferentes saberes do campo
acadêmico e da cultura popular. A
ideia germinante de confluência de
Antônio Bispo dos Santo
s (2015,
2020), conhecido por Nêgo Bispo, será
nossa companheira, pois nos convoca
a juntar campos muito heterogêneos
sem ter como meta sínteses
Na primeira seção, “A
colonialidade da Universidade
brasileira, dialogamos com Florestan
Gómez, cientistas
que se debruçaram sobre a fundação e
a colonialidade das universidades
americanas, apontando alguns
desafios para rompermos com uma
forma única de se produzir ciência e
Em “Extensão Universitária: da
polif
onia de sentidos à encruzilhada,
segunda seção, trazemos a disputa de
sentidos que circunda a ideia de
extensão. Desde a Resolução CNE
07/2018, que determina que 10% da
carga horária de todos os cursos de
graduação sejam creditados à
extensão, a relação d
no tripé ensino-
pesquisa
intensifica. Aqui defendemos que a
extensão ocupe a encruzilhada. A
aridez da leitura de documentos de
ordem legal que verticalmente
instituem políticas curriculares é
imprescindível, vez que o brecha
importantes para descolonizar as
universidades. Além dos textos da lei,
evocamos Paulo Freire, Luis Simas e
Luis Rufino para encantar o texto e
apontar para a exteno como
encruzilhada.
Por fim, na terceira seção,
trazemos uma etnografia do módulo do
Encontro de Saberes” realizado com
mestres/as caiçaras no qual a
pedagogia do território conflui com a
pedagogia das encruzilhadas, em um
exemplo do que pode ser uma
extensão às avessas. Nossos
interlocutores aqui serão: Dona Dica,
405
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
Em Extensão Universitária: da
onia de sentidos à encruzilhada”,
segunda seção, trazemos a disputa de
sentidos que circunda a ideia de
exteno. Desde a Resolução CNE
07/2018, que determina que 10% da
carga horária de todos os cursos de
graduação sejam creditados à
exteno, a relação d
e força presente
pesquisa
-extensão se
intensifica. Aqui defendemos que a
exteno ocupe a encruzilhada. A
aridez da leitura de documentos de
ordem legal que verticalmente
instituem políticas curriculares é
imprescindível, vez que são brecha
s
importantes para descolonizar as
universidades. Além dos textos da lei,
evocamos Paulo Freire, Luis Simas e
Luis Rufino para encantar o texto e
apontar para a extensão como
Por fim, na terceira seção,
trazemos uma etnografia do módulo do
Encontro de Saberes” realizado com
mestres/as caiçaras no qual a
pedagogia do território conflui com a
pedagogia das encruzilhadas, em um
exemplo do que pode ser uma
exteno às avessas. Nossos
interlocutores aqui serão: Dona Dica,
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
Seu Altamiro, Laura dos
Santos, Paulo
Freire e Luiz Rufino5.
A colonialidade da Universidade
brasileira
Estratégia fundamental dos
processos de colonização, a educação
é parte da lógica epistemicida
vem sendo explicitada por vários/as
autores, dentre eles/as, os/as que se
fundamentam no pensamento
decolonial7
e os/as que já fazem a
crítica a ele, mantendo a teno
aberta. Edgardo Lander (2015) é um
desses/as autores/as que, ao refletir
sobre o se
ntido essencial do que
5
Neste mesmo dossiê, encontramos um
trabalho “A vida acontece no encontro com o
outro”. diários da experiência pedagógica dos
encontros de saberes,
em que as perspectivas
dos/as alunos/as participantes dos encontros
de saberes, na UFF, e nos campos caiçara e
quilombola estão em primeiro plano. Aqui
nosso destaque está nos mestres e no
território.
6
Boaventura de Sousa Santos (2007) cha
de epistemicídio a produção de uma violência
sistêmica que silencia e invisibiliza o outro
tomado como ser menor, infantilizado.
7
Optamos aqui, tal como Walter Mignolo, no
prefácio do livro Des/decolonizar la
universidad, pela grafia de/descolonização:
posición al respecto fue siempre que lo
importante no era si dejábamos o sacábamos
la ‘s’ sino a qué nos estamos refiriendo cuando
hablamos de desprendermos del patrón
colonial de poder, es dicir, de la colonialidade
del poder. A partir de es momento
eligió de acuerdo a sus preferencias
(MIGNOLO, 2015, p. 10).
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
Santos, Paulo
A colonialidade da Universidade
Estratégia fundamental dos
processos de colonização, a educação
é parte da lógica epistemicida
6 que
vem sendo explicitada por vários/as
autores, dentre eles/as, os/as que se
fundamentam no pensamento
e os/as que fazem a
crítica a ele, mantendo a tensão
aberta. Edgardo Lander (2015) é um
desses/as autores/as que, ao refletir
ntido essencial do que
Neste mesmo dossiê, encontramos um
trabalho A vida acontece no encontro com o
outro. diários da experiência pedagógica dos
em que as perspectivas
dos/as alunos/as participantes dos encontros
de saberes, na UFF, e nos campos caiçara e
quilombola estão em primeiro plano. Aqui
nosso destaque está nos mestres e no
Boaventura de Sousa Santos (2007) cha
ma
de epistemicídio a produção de uma violência
sistêmica que silencia e invisibiliza o outro
tomado como ser menor, infantilizado.
Optamos aqui, tal como Walter Mignolo, no
prefácio do livro Des/decolonizar la
universidad, pela grafia de/descolonização:
“Mi
posición al respecto fue siempre que lo
importante no era si dejábamos o sacábamos
la s sino a qué nos estamos refiriendo cuando
hablamos de desprendermos del patrón
colonial de poder, es dicir, de la colonialidade
del poder. A partir de es momento
cada uno
eligió de acuerdo a sus preferencias”
fazemos na Universidade, provoca
a “sair do sonambulismo, afirmando
que a colonialidade do saber não está
restrita à herança colonial, mas se
aprofunda no domínio
imperial/neocolonial do presente.
No mesmo sentido, Santiago
Castro-
Gómez (2015) afirma que o
modelo epistêmico iniciado no período
da moderno-
colonialidade é
reproduzido nas Universidades [...]
tanto en el tipo de pensamento
disciplinario que encarna como en la
organización arbórea de sus
estructuras”
(CASTRO
p. 69). Em sua concepção, a
universidade espelha a ideia de que o
conhecimento tem hierarquias,
especialidades, fronteiras epistêmicas,
cânones e procedimentos que não
podem ser transgredidos. Dessa
maneira, a universidade ocupa o lug
primordial de produção e legitimação
(vigilante) de conhecimentos. Sua
estrutura arbórea se espraia pelos
currículos, departamentos e
programas de pós
comunicando-
se diretamente com a
colonialidade do saber, do ser e do
poder, definidora de c
legítimos e ilegítimos, almejando a
reprodução de um modelo único de
406
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
fazemos na Universidade, provoca
-nos
a sair do sonambulismo”, afirmando
que a colonialidade do saber o está
restrita à herança colonial, mas se
aprofunda no domínio
imperial/neocolonial do presente.
No mesmo sentido, Santiago
Gómez (2015) afirma que o
modelo epistêmico iniciado no período
colonialidade é
reproduzido nas Universidades “[...]
tanto en el tipo de pensamento
disciplinario que encarna como en la
organización arbórea de sus
(CASTRO
-GÓMEZ, 2015,
p. 69). Em sua concepção, a
universidade espelha a ideia de que o
conhecimento tem hierarquias,
especialidades, fronteiras epistêmicas,
nones e procedimentos que não
podem ser transgredidos. Dessa
maneira, a universidade ocupa o lug
ar
primordial de produção e legitimação
(vigilante) de conhecimentos. Sua
estrutura arbórea se espraia pelos
currículos, departamentos e
programas de pós
-graduação,
se diretamente com a
colonialidade do saber, do ser e do
poder, definidora de c
onhecimentos
legítimos e ilegítimos, almejando a
reprodução de um modelo único de
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
mundo fundado em hierarquias e
mortes.
Em estudo sobre a universidade
latino-
americana, Florestan Fernandes
(2010) destaca três fatores comuns a
toda a região, um “diagnóstic
situação global”, a despeito das
especificidades de cada país.
O primeiro fator comum à
educação superior latino
diz respeito ao fato de que, nesses
países, a universidade surge como
resultado da conquista, da colonização
e da transposição d
os modelos
institucionais da metrópole que, por
sua vez, espelhavam os ideais liberais
ocidentais de emancipação nacional e
de seus
padrões de vida econômica,
social e política. Tal fator, se não é
propriamente homogeneizador, pelo
menos cria certa unifor
histórico-
cultural” na região
(FERNANDES, 2010, p. 199).
O segundo fator característico
das universidades na América Latina,
ainda que elas tenham sempre sido
destinadas à manutenção dos grupos
privilegiados, é a sua condição de
escassez crônica de
materiais, financeiros e humanos. A
persistente relação de dependência
econômica produzida nesses países,
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
mundo fundado em hierarquias e
Em estudo sobre a universidade
americana, Florestan Fernandes
(2010) destaca três fatores comuns a
toda a região, um diagnóstic
o da
situação global, a despeito das
especificidades de cada país.
O primeiro fator comum à
educação superior latino
-americana
diz respeito ao fato de que, nesses
países, a universidade surge como
resultado da conquista, da colonização
os modelos
institucionais da metrópole que, por
sua vez, espelhavam os ideais liberais
-
ocidentais de emancipação nacional e
padrões de vida econômica,
social e política. Tal fator, “se não é
propriamente homogeneizador, pelo
menos cria certa unifor
midade
cultural na região
(FERNANDES, 2010, p. 199).
O segundo fator característico
das universidades na América Latina,
ainda que elas tenham sempre sido
destinadas à manutenção dos grupos
privilegiados, é a sua condição de
escassez crônica de
recursos
materiais, financeiros e humanos. A
persistente relação de dependência
econômica produzida nesses países,
ao não priorizar o investimento local,
faz com que essas instituições operem
sempre muito aquém de suas
potencialidades, o que as diferencia
daquelas instituições europeias que
teriam lhes servido como modelo.
(...) malgrado seu êxito relativo
na absorção e na expano da
civilização ocidental moderna,
em todos esses países os
efeitos do passado colonial e
da persistente dependência
econômica d
conduziram a uma escassez
crônica de recursos materiais,
financeiros e humanos que
geraram e continuam a gerar
dificuldade por assim dizer
típicas na esfera cultura do
desenvolvimento econômico,
social e político
(FERNANDES, 2010, p.
200).
Dessa condição de escassez se
originaria o espaço aberto para que,
desde os primórdios do ensino
superior nesses países, o mercado
suprisse as demandas não atendidas
pelo Estado, abrindo, nos centros
urbanos nascentes, as Escolas
Superiores, atenden
do à necessidade
de mão de obra especializada,
definindo currículos pedagógicos
focados nas especialidades e suas
técnicas, grosso modo, isoladas de
qualquer relacionamento com outras
áreas de conhecimento.
407
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
ao não priorizar o investimento local,
faz com que essas instituições operem
sempre muito aquém de suas
potencialidades, o que as diferencia
daquelas instituições europeias que
teriam lhes servido como modelo.
(...) malgrado seu êxito relativo
na absorção e na expansão da
civilização ocidental moderna,
em todos esses países os
efeitos do passado colonial e
da persistente dependência
econômica d
iante do exterior
conduziram a uma escassez
crônica de recursos materiais,
financeiros e humanos que
geraram e continuam a gerar
dificuldade por assim dizer
típicas na esfera cultura do
desenvolvimento econômico,
social e político
(FERNANDES, 2010, p.
199-
Dessa condição de escassez se
originaria o espaço aberto para que,
desde os primórdios do ensino
superior nesses países, o mercado
suprisse as demandas não atendidas
pelo Estado, abrindo, nos centros
urbanos nascentes, as Escolas
do à necessidade
de mão de obra especializada,
definindo currículos pedagógicos
focados nas especialidades e suas
técnicas, grosso modo, isoladas de
qualquer relacionamento com outras
áreas de conhecimento.
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
Finalmente, o terceiro fator
apontado por Florest
an Fernandes
(2010) diz respeito aos modelos
universitários vigentes nos países da
América Latina igualmente originários
do estoque ibérico” atualizados pelos
modelos francês (napoleônico),
alemão (humboltiano) e inglês que,
desde meados do século XX, têm
revistos pela influência hegemônica
dos Estados Unidos:
Em todos os casos, as
instituições universitárias
transplantadas tiveram de
adaptar-
se, estrutural e
dinamicamente, a situações
histórico-
sociais que
selecionaram positivamente
apenas algumas de
funções essenciais (aquelas
que fossem compatíveis com o
estilo social de vida
predominante). (FERNANDES,
2010, p. 200)
Em outras palavras, uma
universidade cuja estrutura e
funcionamento está voltada, a despeito
de cada tentativa de reforma, à
manu
tenção do pensamento
hegemônico da vez.
Dessa maneira, a trajetória das
universidades latino
-
corresponderia emblematicamente à
periodização sugerida pelo
pensamento de/descolonial, em que
modernidade e colonialidade não se
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
Finalmente, o terceiro fator
an Fernandes
(2010) diz respeito aos modelos
universitários vigentes nos países da
América Latina igualmente “originários
do estoque ibérico atualizados pelos
modelos frans (napoleônico),
alemão (humboltiano) e inglês que,
desde meados do século XX, têm
sido
revistos pela influência hegemônica
Em todos os casos, as
instituições universitárias
transplantadas tiveram de
se, estrutural e
dinamicamente, a situações
sociais que
selecionaram positivamente
apenas algumas de
suas
funções essenciais (aquelas
que fossem compatíveis com o
estilo social de vida
predominante). (FERNANDES,
Em outras palavras, uma
universidade cuja estrutura e
funcionamento está voltada, a despeito
de cada tentativa de reforma, à
tenção do pensamento
Dessa maneira, a trajetória das
-
americanas
corresponderia emblematicamente à
periodização sugerida pelo
pensamento de/descolonial, em que
modernidade e colonialidade não se
separam, mas, ao contr
estiveram em relação de
complementaridade.
A epistemologia eurontrica
dominante, ao anular outros espaços e
outros tempos, assim como tudo aquilo
que não está nos extremos definidos
pelo pensamento dualista, cria
inexistências: aquilo que nã
está, não se vê, o fala a minha
língua.
Os povos e as culturas
originárias ou transplantadas aos
países latino-
americanos, suas
filosofias e modos de se relacionar
com a natureza, distantes da lógica
hegemônica, habitam, assim, um
espaço definid
o e demarcado pela
fronteira do pensamento abissal:
Tudo aquilo que é produzido
como inexistente é excluído de
forma radical porque
permanece exterior ao
universo que a própria
concepção de incluo
considera como o outro. A
característica fundamental do
pensamento abissal é a
impossibilidade da copresença
dos dois lados da linha
(SANTOS, 2007, p. 71, grifo
do autor).
No Brasil8
, essa conjunção de
fatores, enunciada por Florestan
8
Diferentemente das colônias espanholas
que, como estratégia de colonização recebem,
408
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
separam, mas, ao contr
ário, sempre
estiveram em relação de
A epistemologia eurocêntrica
dominante, ao anular outros espaços e
outros tempos, assim como tudo aquilo
que não está nos extremos definidos
pelo pensamento dualista, cria
inexistências: aquilo que
o é, não
está, não se vê, não fala a minha
Os povos e as culturas
originárias ou transplantadas aos
americanos, suas
filosofias e modos de se relacionar
com a natureza, distantes da lógica
hegemônica, habitam, assim, um
o e demarcado pela
fronteira do pensamento abissal:
Tudo aquilo que é produzido
como inexistente é excluído de
forma radical porque
permanece exterior ao
universo que a própria
concepção de inclusão
considera como o “outro”. A
característica fundamental do
pensamento abissal é a
impossibilidade da copresença
dos dois lados da linha
(SANTOS, 2007, p. 71, grifo
, essa conjunção de
fatores, enunciada por Florestan
Diferentemente das colônias espanholas
que, como estratégia de colonização recebem,
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
Fernandes (2010), retomada pelo
pensamento des/decolonial e mais
contempora
neamente tensionada por
Bispo e Rufino -
autores com os quais
travamos interlocução -
, configura o
padrão conservador do ensino superior
brasileiro, definido pela forte presença
da lógica do mercado na gestão de
parte expressiva de nossas escolas
pelo isol
amento das diferentes escolas
e campos de conhecimento, em uma
rígida separação disciplinar, típica do
racionalismo europeu.
Como afirma Santiago Castro
Gómez (2015), em contraposição à
estrutura arbórea da universidade,
baseada na soberba, na crença do
po
nto neutro, do pensamento que se
quer universal e imparcial
del punto cero
que, na América
Latina, mais que em seus países de
origem, funcionou como elemento de
distinção e como capital cultural para
uns poucos -
caberia, agora, instituir
um
a universidade transcultural e
rizomática.
logo nos primeiros anos de colônia,
universidades transplantadas da metrópole
para a educação das
elites criolas, no Brasil, é
somente no séc. XIX, com a ascensão da
Colônia à Império e a chegada da família real
que se inicia o ensino superior, com a criação
das primeiras Escolas de Medicina, Direito e
Engenharia.
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
Fernandes (2010), retomada pelo
pensamento des/decolonial e mais
neamente tensionada por
autores com os quais
, configura o
padrão conservador do ensino superior
brasileiro, definido pela forte presença
da lógica do mercado na gestão de
parte expressiva de nossas escolas
amento das diferentes escolas
e campos de conhecimento, em uma
rígida separação disciplinar, típica do
Como afirma Santiago Castro
-
Gómez (2015), em contraposição à
estrutura arbórea da universidade,
baseada na soberba, na crença do
nto neutro, do pensamento que se
quer universal e imparcial
- la hybris
que, na América
Latina, mais que em seus países de
origem, funcionou como elemento de
distinção e como capital cultural para
caberia, agora, instituir
a universidade transcultural e
logo nos primeiros anos de colônia,
universidades transplantadas da metrópole
elites criolas, no Brasil, é
somente no séc. XIX, com a ascensão da
Colônia à Império e a chegada da família real
que se inicia o ensino superior, com a criação
das primeiras Escolas de Medicina, Direito e
Sin embargo, considero que el
avance hacia una universidad
transdisciplinaria lleva consigo
el tránsito hacia una
universidad transcultural, en la
que diferentes formas
culturales de producción de
conocimientos
sin quedar sometidos a la
hegemonía única de episteme
de la ciencia occidental.
(CASTRO-
GÓMEZ, 2015, p.
78)
Na trilha da teoria pós
dos estudos culturais, do pensamento
des/decolonial, das epistemologias do
sul que demonstraram o
ciências humanas como estratégia e
dispositivo de dominação de uma
classe e de uma cultura sobre outras
(CASTRO-
GÓMEZ, 2015), a
experiência proposta pelo Encontro de
Saberes reconhece a necessidade de
conhecimentos pluriepistêmicos, na
medida em
que estudantes negros/as
e indígenas que, finalmente, acessam
a universidade pela via das cotas
não podem mais se confrontar com a
tábua rasa que é feita das suas
culturas e dos conhecimentos próprios
9
Cotas universitárias para negros/as
indígenas implantadas em diferentes
universidades brasileiras desde 2003 e
tornadas obrigatórias nas universidades e
instituições técnicas federais pela Lei nº
12.711/2012 como fração das cotas sociais
por ela determinadas.
409
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
Sin embargo, considero que el
avance hacia una universidad
transdisciplinaria lleva consigo
el tránsito hacia una
universidad transcultural, en la
que diferentes formas
culturales de producción de
conocimientos
puedan convivir
sin quedar sometidos a la
hegemonía única de episteme
de la ciencia occidental.
GÓMEZ, 2015, p.
Na trilha da teoria pós
-colonial,
dos estudos culturais, do pensamento
des/decolonial, das epistemologias do
sul que demonstraram o
papel das
ciências humanas como estratégia e
dispositivo de dominação de uma
classe e de uma cultura sobre outras
GÓMEZ, 2015), a
experiência proposta pelo Encontro de
Saberes reconhece a necessidade de
conhecimentos pluriepistêmicos, na
que estudantes negros/as
e indígenas que, finalmente, acessam
a universidade pela via das cotas
9
não podem mais se confrontar “com a
tábua rasa que é feita das suas
culturas e dos conhecimentos próprios
Cotas universitárias para negros/as
e
indígenas implantadas em diferentes
universidades brasileiras desde 2003 e
tornadas obrigatórias nas universidades e
instituições técnicas federais pela Lei nº
12.711/2012 como fração das cotas sociais
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
das comunidades donde se sentem
originários” (SAN
TOS, 2004, p. 31).
Mestres e mestras das culturas
populares tradicionais, com saberes
“encorpados” (MIGNOLO, 2005), têm,
em sua territorialidade, nas relações
que estabelecem com a natureza, com
o sagrado e com sua comunidade, a
raiz de seus saberes. Mais
sorte de saberes, trazer, para o interior
das universidades, uma forma de
produzir conhecimento e de viver
desmonta as bases de um racionalismo
eurocristão e provoca às Instituições do
Ensino Superior -
tão castigadas com
cortes de recursos, fra
gmentações e
concorrências típicas da ordem da
escassez -
a buscar caminhos de
reconhecimento e convivência com
ontologias e epistemologias outras.
No fundo, o que nos
perguntamos é: em qual universidade
queremos viver? Como assumimos
alianças com outras f
ormas de se
produzir conhecimento que estejam
comprometidas com a longevidade da
vida?
Extensão Universitária: da polifonia
de sentidos à encruzilhada
A Universidade é constituída em
compromisso histórico e epistêmico
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
das comunidades donde se sentem
TOS, 2004, p. 31).
Mestres e mestras das culturas
populares tradicionais, com saberes
encorpados” (MIGNOLO, 2005), têm,
em sua territorialidade, nas relações
que estabelecem com a natureza, com
o sagrado e com sua comunidade, a
raiz de seus saberes. Mais
do que uma
sorte de saberes, trazer, para o interior
das universidades, uma forma de
produzir conhecimento e de viver
desmonta as bases de um racionalismo
eurocristão e provoca às Instituições do
tão castigadas com
gmentações e
concorrências típicas da ordem da
a buscar caminhos de
reconhecimento e convivência com
ontologias e epistemologias outras.
No fundo, o que nos
perguntamos é: em qual universidade
queremos viver? Como assumimos
ormas de se
produzir conhecimento que estejam
comprometidas com a longevidade da
Extensão Universitária: da polifonia
de sentidos à encruzilhada
A Universidade é constituída em
compromisso histórico e epistêmico
com uma forma de racionalidade que
co
mpreende a pluralidade como
reunião de áreas homogêneas e
separadas com fins à universalidade.
O plural é sempre disciplinado em
campos específicos e cada diferença
deve se destacar como área, subárea
ou uma nova disciplina, sendo as
relações especializada
os/as iguais ou semelhantes. Depois
desse esforço de separação e
homogeneização, propagam
políticas de integração das áreas,
setores, departamentos e disciplinas,
surgem os movimentos
multidisciplinares e interdisciplinares
que esbarram s
empre em uma
precária integração.
Tal como se apresenta desde o
final da década de 1980, a exteno
compõe, juntamente com o ensino e
pesquisa, o tripé da produção
acadêmica. As três atividades,
conforme explicitado em todos os
documentos oficiais, deveria
coerentemente interligadas e serem
indissociáveis. Contudo, conformam
como campos distintos estanques ou
são reduzidos às relações
hegemônicas e hierárquicas.
O tripé de sustentação das
universidades públicas brasileiras se
410
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
com uma forma de racionalidade que
mpreende a pluralidade como
reunião de áreas homogêneas e
separadas com fins à universalidade.
O plural é sempre disciplinado em
campos espeficos e cada diferença
deve se destacar como área, subárea
ou uma nova disciplina, sendo as
relações especializada
s sempre entre
os/as iguais ou semelhantes. Depois
desse esforço de separação e
homogeneização, propagam
-se
políticas de integração das áreas,
setores, departamentos e disciplinas,
surgem os movimentos
multidisciplinares e interdisciplinares
empre em uma
Tal como se apresenta desde o
final da década de 1980, a extensão
compõe, juntamente com o ensino e
pesquisa, o tripé da produção
acadêmica. As três atividades,
conforme explicitado em todos os
documentos oficiais, deveria
m estar
coerentemente interligadas e serem
indissociáveis. Contudo, conformam
-se
como campos distintos estanques ou
o reduzidos às relações
hegemônicas e hierárquicas.
O tripé de sustentação das
universidades públicas brasileiras se
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
organiza em pró-rei
torias de ensino, de
pesquisa e de extensão, cada qual
contando com editais, bolsas e projetos
que competem entre si. A perspectiva
carregada de colonialidade degua no
ensino, gerando aulas especializadas,
com matérias teóricas e abstratas, não
raro afa
stadas da vida.
Universidade uma máquina colonial em
sua centralidade, a
extensão é aquela
que menos lhe aporta capital científico
não obstante, oferecer-
lhe, muitas
vezes, um refresco de brechas com
práticas mais arejadas.
Relembrando ainda os muitos
sentidos de extensão, Paulo Freire
(1977), em sua obra clássica,
“Extensão ou Comunicação, tensionou
a acepção mais clássica das atividades
extensionistas, qual seja, a de que, por
meio das ações extensionistas, a
universidade
estenderia seus
conhecimentos, produzidos de forma
científica (leia-
se racional, positivista,
desalmada, moderna...), à comunidade
estranha e alijada do mundo
acadêmico, à comunidade que
necessitaria desses conhecimentos de
forma hierarquizada e verticali
limite mais colonial da exteno seria o
de substituir um conhecimento por
outro, reproduzindo a invisibilidade,
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
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(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
torias de ensino, de
pesquisa e de exteno, cada qual
contando com editais, bolsas e projetos
que competem entre si. A perspectiva
carregada de colonialidade deságua no
ensino, gerando aulas especializadas,
com matérias teóricas e abstratas, não
stadas da vida.
Sendo a
Universidade uma máquina colonial em
extensão é aquela
que menos lhe aporta capital científico
,
lhe, muitas
vezes, um refresco de brechas com
Relembrando ainda os muitos
sentidos de extensão, Paulo Freire
(1977), em sua obra clássica,
Exteno ou Comunicação”, tensionou
a acepção mais clássica das atividades
extensionistas, qual seja, a de que, por
meio das ações extensionistas, a
estenderia seus
conhecimentos, produzidos de forma
se racional, positivista,
desalmada, moderna...), à comunidade
estranha e alijada do mundo
acadêmico, à comunidade que
necessitaria desses conhecimentos de
forma hierarquizada e verticali
zada. O
limite mais colonial da extensão seria o
de substituir um conhecimento por
outro, reproduzindo a invisibilidade,
ignorando as inúmeras formas
relacionais de produção de
conhecimento.
Repetimos que o
conhecimento não se estende
do que se julga sabed
aquêles que se julga não
saberem; o conhecimento se
constitui nas relações homem
mundo, relações de
transformação, e se aperfeiçoa
na problematização crítica
destas relações. (FREIRE,
1983, p. 21)
Em plenas décadas de 1960 e
1970, o foco de Freire
intelectuais comprometidos/as com as
revoluções de esquerda em curso na
América Latina, ressaltamos, não
estava em questionar a centralidade da
universidade e sua relação com a
reprodução da colonialidade do saber,
conceito que surgiria nos anos 1
por intelectuais inspirados/as também
em sua luta. Sua preocupação
centrava-
se na promoção da
conscientização da classe
trabalhadora, camponesa e operária, a
partir da produção dialógica do
conhecimento e da percepção de
outros possíveis para, enfim, u
transformação amorosa e criativa do
mundo.
Refletindo
sobre os limites e os
horizontes das práticas extensionistas,
411
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
ignorando as inúmeras formas
relacionais de produção de
Repetimos que o
conhecimento não se estende
do que se julga sabed
or até
aquêles que se julga não
saberem; o conhecimento se
constitui nas relações homem
-
mundo, relações de
transformação, e se aperfeiçoa
na problematização crítica
destas relações. (FREIRE,
1983, p. 21)
Em plenas décadas de 1960 e
1970, o foco de Freire
e dos/as
intelectuais comprometidos/as com as
revoluções de esquerda em curso na
América Latina, ressaltamos, não
estava em questionar a centralidade da
universidade e sua relação com a
reprodução da colonialidade do saber,
conceito que surgiria nos anos 1
990
por intelectuais inspirados/as também
em sua luta. Sua preocupação
se na promoção da
conscientização da classe
trabalhadora, camponesa e operária, a
partir da produção dialógica do
conhecimento e da percepção de
outros possíveis para, enfim, u
ma
transformação amorosa e criativa do
sobre os limites e os
horizontes das práticas extensionistas,
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
deparamo-
nos com importantes
documentos e fóruns que instituem,
debatem e normalizam a extensão, tais
como a criação do Fórum de Pró
Reit
ores das Instituições Públicas de
Educação Superior Brasileira
(FORPROEX), criado em 1987
pauta e articula as ações de extensões.
Em seus documentos, o Fórum aponta:
A extensão universitária é o
processo educativo, cultural e
científico que articul
e a pesquisa de forma
indissociável e viabiliza a
relação transformadora entre
Universidade e Sociedade. A
extensão é uma via de mão
dupla, com trânsito
assegurado à comunidade
acadêmica, que encontrará, na
sociedade, a oportunidade de
elaboraçã
o da práxis de um
conhecimento acadêmico. No
retorno à universidade,
docentes e discentes trarão
um aprendizado que,
submetido à reflexão teórica,
será acrescido àquele
conhecimento. Este fluxo, que
estabelece a troca de saberes
sistematizados/acadêmico e
popular, terá como
consequência: a produção do
conhecimento resultante do
confronto com a realidade
brasileira e regional; e a
democratização do
conhecimento acadêmico e a
participação efetiva da
10 Contudo, seu primeiro regi
mento foi
aprovado somente quase 23 anos após sua
criação, quando a extensão voltou a ganhar
centralidade no debate sobre as funções
sociais das instituições de ensino superior
públicas.
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
nos com importantes
documentos e fóruns que instituem,
debatem e normalizam a extensão, tais
como a criação do Fórum de Pró
-
ores das Instituições Públicas de
Educação Superior Brasileira
(FORPROEX), criado em 1987
10, e que
pauta e articula as ações de extensões.
Em seus documentos, o Fórum aponta:
A exteno universitária é o
processo educativo, cultural e
científico que articul
a o ensino
e a pesquisa de forma
indissociável e viabiliza a
relação transformadora entre
Universidade e Sociedade. A
exteno é uma via de mão
-
dupla, com trânsito
assegurado à comunidade
acadêmica, que encontrará, na
sociedade, a oportunidade de
o da práxis de um
conhecimento acadêmico. No
retorno à universidade,
docentes e discentes trarão
um aprendizado que,
submetido à reflexão teórica,
será acrescido àquele
conhecimento. Este fluxo, que
estabelece a troca de saberes
sistematizados/acadêmico e
popular, terá como
consequência: a produção do
conhecimento resultante do
confronto com a realidade
brasileira e regional; e a
democratização do
conhecimento acadêmico e a
participação efetiva da
mento foi
aprovado somente quase 23 anos após sua
criação, quando a extensão voltou a ganhar
centralidade no debate sobre as funções
sociais das instituições de ensino superior
comunidade na atuação da
universidade. Além de
instrumentali
processo dialético de
teoria/prática, a exteno é um
trabalho interdisciplinar que
favorece a vio integrada do
social (FORPROEX, 1987, p.
11).
Orientado por esses prinpios,
o FORPROEX formula ações junto às
reitorias de Pró-
Exteno e
MEC, articula ministério, tendo
formulado o Plano Nacional de
Extensão-
PNEX. Dividido em quatro
eixos norteadores, o PNEX propõe que
as ações de extensão universitárias se
caracterizem: pelo impacto e
transformação; pela interação
dialógica; pe
la interdisciplinaridade e,
finalmente, pela indissociabilidade
pesquisa-ensino-
exteno. Tais
proposições do Plano Nacional de
Extensão estão em conformidade com
a Constituição Federal
reconhece a extensão como dimensão
formativa inerente à un
Em meio às disputas do campo,
o Plano Nacional de Educação (2014
2024) traz, no detalhamento da Meta
12, a elevação de oferta de matrículas
no Ensino Superior público e
estabelece o mínimo de 10% dos
créditos curriculares da graduação em
412
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
comunidade na atuação da
universidade. Além de
instrumentali
zadora deste
processo dialético de
teoria/prática, a extensão é um
trabalho interdisciplinar que
favorece a visão integrada do
social (FORPROEX, 1987, p.
Orientado por esses princípios,
o FORPROEX formula ações junto às
Extensão e
ao próprio
MEC, articula ministério, tendo
formulado o Plano Nacional de
PNEX. Dividido em quatro
eixos norteadores, o PNEX propõe que
as ações de exteno universitárias se
caracterizem: pelo impacto e
transformação; pela interação
la interdisciplinaridade e,
finalmente, pela indissociabilidade
extensão. Tais
proposições do Plano Nacional de
Exteno estão em conformidade com
a Constituição Federal
de 1988 que
reconhece a exteno como dimensão
formativa inerente à un
iversidade.
Em meio às disputas do campo,
o Plano Nacional de Educação (2014
-
2024) traz, no detalhamento da Meta
12, a elevação de oferta de matrículas
no Ensino Superior público e
estabelece o mínimo de 10% dos
créditos curriculares da graduação em
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
progra
mas de extensão universitária,
orientando sua ação prioritariamente
para as áreas de grande pertinência
social. (BRASIL, 2014)
Meta 12: elevar a taxa bruta de
matrícula na educação
superior para 50% (cinquenta
por cento) e a taxa líquida para
33% (trinta e
três por cento) da
população de 18 (dezoito) a 24
(vinte e quatro) anos,
assegurada a qualidade da
oferta e expansão para, pelo
menos, 40% (quarenta por
cento) das novas matrículas,
no segmento público. [...] item
12.7:
assegurar, no mínimo,
10% (dez por
cento) do total
de créditos curriculares
exigidos para a graduação
em programas e projetos de
extensão universitária,
orientando sua ação,
prioritariamente, para áreas
de grande pertinência social
(BRASIL, 2014, grifos nossos).
Com a aprovação da Resoluç
07/2018 do Conselho Nacional de
Educação (CNE -
Estabelece as
Diretrizes para a Exteno na
Educação Superior Brasileira e
regimenta o disposto na Meta 12.7 da
Lei 13.005/2014 que aprova o Plano
Nacional de Educação (PNE
2024) e outras provi
inaugura-
se o momento em que a
extensão adere ao ensino.
Art. As Diretrizes para a
Extensão na Educação
Superior Brasileira
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
mas de extensão universitária,
orientando sua ação prioritariamente
para as áreas de grande pertinência
Meta 12: elevar a taxa bruta de
matrícula na educação
superior para 50% (cinquenta
por cento) e a taxa líquida para
três por cento) da
população de 18 (dezoito) a 24
(vinte e quatro) anos,
assegurada a qualidade da
oferta e expansão para, pelo
menos, 40% (quarenta por
cento) das novas matrículas,
no segmento público. [...] item
assegurar, no mínimo,
cento) do total
de créditos curriculares
exigidos para a graduação
em programas e projetos de
extensão universitária,
orientando sua ação,
prioritariamente, para áreas
de grande pertinência social
(BRASIL, 2014, grifos nossos).
Com a aprovação da Resoluç
ão
07/2018 do Conselho Nacional de
Estabelece as
Diretrizes para a Extensão na
Educação Superior Brasileira e
regimenta o disposto na Meta 12.7 da
Lei nº 13.005/2014 que aprova o Plano
Nacional de Educação (PNE
- 2014-
2024) e dá outras provi
dências),
se o momento em que a
Art. 2º As Diretrizes para a
Exteno na Educação
Superior Brasileira
regulamentam as atividades
acadêmicas de exteno dos
cursos de graduação, na forma
de componentes curriculares
para os
cursos, considerando
os em seus aspectos que se
vinculam à formação dos
estudantes, conforme
previstos nos Planos de
Desenvolvimento Institucionais
(PDIs), e nos Projetos Políticos
Institucionais (PPIs) das
entidades educacionais, de
acordo com o perfil d
egresso, estabelecido nos
Projetos Pedagógicos dos
Cursos (PPCs) e nos demais
documentos normativos
próprios (BRASIL, 2018).
Ainda que a leitura de
documentos acerca da extensão seja
árida, entendemos que há uma fresta
aberta e um espaço a ser disputado
que potencialmente contraria uma das
disposições das Instituições de Ensino
Superior em permanecer no registro
colonial. Cada IES, desde a Resolução
07/2018 do CNE, vem produzindo
documentos a fim de normatizar a
creditação da exteno para a
integralizaç
ão curricular
de criar as regras e normas, cada IES
tem a oportunidade de voltar seu olhar,
11
Nos sites de diversas IES, já consta o
processo de trabalho e as resoluções
formuladas para a creditação da extensão. É
possível apreender os muitos sentidos de
extensão em disputa analisando essas
resoluções, mas isso fugiria do espaço
que temos neste artigo.
413
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
regulamentam as atividades
acadêmicas de extensão dos
cursos de graduação, na forma
de componentes curriculares
cursos, considerando
-
os em seus aspectos que se
vinculam à formação dos
estudantes, conforme
previstos nos Planos de
Desenvolvimento Institucionais
(PDIs), e nos Projetos Políticos
Institucionais (PPIs) das
entidades educacionais, de
acordo com o perfil d
o
egresso, estabelecido nos
Projetos Pedagógicos dos
Cursos (PPCs) e nos demais
documentos normativos
próprios (BRASIL, 2018).
Ainda que a leitura de
documentos acerca da extensão seja
árida, entendemos que uma fresta
aberta e um espaço a ser disputado
que potencialmente contraria uma das
disposições das Instituições de Ensino
Superior em permanecer no registro
colonial. Cada IES, desde a Resolução
07/2018 do CNE, vem produzindo
documentos a fim de normatizar a
creditação da extensão para a
ão curricular
11. Para além
de criar as regras e normas, cada IES
tem a oportunidade de voltar seu olhar,
Nos sites de diversas IES, já consta o
processo de trabalho e as resoluções
formuladas para a creditação da extensão. É
posvel apreender os muitos sentidos de
extensão em disputa analisando essas
resoluções, mas isso fugiria do espaço
-tempo
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
de modo criativo, para aquilo que
defende e apoia, como programas,
projetos e ações de extensão.
Nesse sentido, postulamos que
o “Encontro de Saberes” s
extensão às avessas na medida em
que, com a inserção dos mestres e
mestras das tradições nas práticas de
ensino e pesquisa, realiza uma
oxigenação que somente nas práticas
extensionistas pareciam ter algum
sentido. Como essas práticas
aconteciam “f
ora da Universidade, o
“Encontro de Saberes” atua como uma
extensão às avessas, trazendo para
dentro daquilo que sempre foi central
(ensino e pesquisa), esses outros
saberes e suas múltiplas formas de
existências. Dessa forma, ajuda a
forjar um ensino co
ntracolonial numa
universidade que não somente se
ocupe em estender seus
conhecimentos para fora
comunidade não acadêmica, de forma
dialógica -
, mas também se ocupe em
romper seus muros e em deixar entrar
conhecimentos tradicionais populares:
sabe
res que fissuram a colonialidade
do saber e aproximem mundos
abissais”.
No movimento de fissurar,
romper, contaminar e contrariar, o
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
de modo criativo, para aquilo que
defende e apoia, como programas,
projetos e ações de extensão.
Nesse sentido, postulamos que
o Encontro de Saberes s
eja uma
exteno às avessas na medida em
que, com a inserção dos mestres e
mestras das tradições nas práticas de
ensino e pesquisa, realiza uma
oxigenação que somente nas práticas
extensionistas pareciam ter algum
sentido. Como essas práticas
ora da Universidade”, o
Encontro de Saberes” atua como uma
exteno às avessas, trazendo para
dentro daquilo que sempre foi central
(ensino e pesquisa), esses outros
saberes e suas múltiplas formas de
existências. Dessa forma, ajuda a
ntracolonial numa
universidade que não somente se
ocupe em estender seus
conhecimentos para fora
- para a
comunidade não acadêmica, de forma
, mas também se ocupe em
romper seus muros e em deixar entrar
conhecimentos tradicionais populares:
res que fissuram a colonialidade
do saber e aproximem “mundos
No movimento de fissurar,
romper, contaminar e contrariar, o
texto deste artigo agora se dobra. Até
aqui, os autores de referência,
situados no movimento de/descolonial,
como Lander
, Boaventura e Castro
Gómez, e aqueles que lhe
precederam, como Paulo Freire e
Florestan Fernandes, entenderam a
constituição das universidades e seus
desafios nessas terras latino
americanas ou afropindorâmicas,
como prefere go Bispo, já
contrariando a
interiorização daquela
nomenclatura que se refere ao
momento da invasão europeia. Na
dobra que queremos inscrever neste
texto, invitamos quem, trazendo os
conhecimentos das esquinas, dos
terreiros, das ruas, da caboclaria,
coloca-
se parceiro da educação e
encantarias, como Luis Rufino, Luis
Simas, Nêgo Bispo, Laura dos Santos
e bell hooks, interlocutora de Paulo
Freire.
Nêgo Bispo (2015, 2020), na
guerra das denominações
formas como ele entende a prática
política e estética de contracoloniza
formula algo essencial ao
prosseguimento do diálogo:
confluência e transfluência. É com
esses conceitos germinantes, como
ele gosta de denominá
414
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
texto deste artigo agora se dobra. Até
aqui, os autores de referência,
situados no movimento de/descolonial,
, Boaventura e Castro
-
Gómez, e aqueles que lhe
precederam, como Paulo Freire e
Florestan Fernandes, entenderam a
constituição das universidades e seus
desafios nessas terras latino
-
americanas ou afropindorâmicas,
como prefere Nêgo Bispo,
interiorização daquela
nomenclatura que se refere ao
momento da invasão europeia. Na
dobra que queremos inscrever neste
texto, invitamos quem, trazendo os
conhecimentos das esquinas, dos
terreiros, das ruas, da caboclaria,
se parceiro da educação e
das
encantarias, como Luis Rufino, Luis
Simas, Nêgo Bispo, Laura dos Santos
e bell hooks, interlocutora de Paulo
Nêgo Bispo (2015, 2020), na
guerra das denominações
- uma das
formas como ele entende a prática
política e estética de contracoloniza
r -,
formula algo essencial ao
prosseguimento do diálogo:
confluência e transfluência. É com
esses conceitos germinantes, como
ele gosta de denominá
-los, que
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
intentaremos costurar a crítica à
colonialidade a partir da constituição
da Universidade, as brech
podem habitar na extensão a partir
das novas normativas vigentes, a
política traçada pelo “Encontro de
Saberes” e a assertiva da pedagogia
das encruzilhadas em confluência com
a pedagogia do território.
Confluir não exige
apagamentos, longe disso
intenção e prática de vida
reconhecedora. Assim, nos encontros,
algo se revela, junta-
se, sem formar
uma unidade homogênea. Confluir,
para Nêgo Bispo, destaca
diferencia da influência, que disciplina
as fluências, unificando
i
nterioridades excludentes. O que não
está dentro fica de fora, e o que está
fora fica localizado como estranho ou
invisibilizado, excluído. Na fluência
com”, os encontros não geram
unificações, mas, sim, multiplicidades
em compartilhamento, como nos diz
Nego Bispo,
nem tudo que se junta,
se mistura”. Parece-
nos uma forma
vinculada ao cotidiano de revigorar
nossa travessia e presença (ancestral)
por aqui.
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
intentaremos costurar a crítica à
colonialidade a partir da constituição
da Universidade, as brech
as que a
podem habitar na extensão a partir
das novas normativas vigentes, a
política traçada pelo Encontro de
Saberes” e a assertiva da pedagogia
das encruzilhadas em confluência com
Confluir não exige
apagamentos, longe disso
. Confluir é
intenção e prática de vida
reconhecedora. Assim, nos encontros,
se, sem formar
uma unidade homogênea. Confluir,
para Nêgo Bispo, destaca
-se e se
diferencia da influência, que disciplina
as fluências, unificando
-as em
nterioridades excludentes. O que não
está dentro fica de fora, e o que está
fora fica localizado como estranho ou
invisibilizado, excluído. Na “fluência
com, os encontros não geram
unificações, mas, sim, multiplicidades
em compartilhamento, como nos diz
nem tudo que se junta,
nos uma forma
vinculada ao cotidiano de revigorar
nossa travessia e presença (ancestral)
a transfluência, para Nêgo
Bispo12
, assume outras presenças nos
encontros:
nem tudo que se mistur
está junto”
, como a imagem do
encontro das águas dos Rios Jordão e
Amazonas, que transfluem nos rios do
céu. Misturam-
se na transformação.
Confluir e transfluir são dois modos
contracoloniais de tratar as fluências,
fazendo emergir a dimeno do
sagrado
e de outras configurações no
tempo e no espaço propulsoras de
cosmovisões, filosofias e ciências.
Pedagogo formado nos terreiros
e na academia, Luis Rufino (2019)
pontua que, na encruzilhada e no
cruzo, nenhum saber substitui o outro,
sendo a encruzilhada
encontro de múltiplos caminhos, de
ginga e de batalha. Não é zona de
mortandade ou de apaziguamento. A
encruzilhada transborda o
encantamento que a modernidade
solapou na formatação de um único
modo de se fazer ciência e de ser
humano. Em suas pala
A partir do saber em
encruzilhadas, a transgressão
da colonização das
mentalidades emerge como
um ato de libertação, que
12
Nêgo Bispo muitas vezes se apresenta
como um relator de saberes de seus
ancestrais.
415
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
a transfluência, para Nêgo
, assume outras presenças nos
nem tudo que se mistur
a
, como a imagem do
encontro das águas dos Rios Jordão e
Amazonas, que transfluem nos rios do
se na transformação.
Confluir e transfluir são dois modos
contracoloniais de tratar as fluências,
fazendo emergir a dimensão do
e de outras configurações no
tempo e no espaço propulsoras de
cosmovies, filosofias e ciências.
Pedagogo formado nos terreiros
e na academia, Luis Rufino (2019)
pontua que, na encruzilhada e no
cruzo, nenhum saber substitui o outro,
sendo a encruzilhada
zona de
encontro de múltiplos caminhos, de
ginga e de batalha. Não é zona de
mortandade ou de apaziguamento. A
encruzilhada transborda o
encantamento que a modernidade
solapou na formatação de um único
modo de se fazer ciência e de ser
humano. Em suas pala
vras:
A partir do saber em
encruzilhadas, a transgressão
da colonização das
mentalidades emerge como
um ato de libertação, que
Nêgo Bispo muitas vezes se apresenta
como um relator de saberes de seus
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
produz o arrebatamento tanto
dos marcados pela condição
de subalternidade (colono)
quanto dos montados pela
condição de explorado
(colonizadores). A prática das
encruzilhadas como um ato
descolonial não mira a
subversão, a mera troca de
posições, mas sim a
transgressão. Assim, responde
eticamente a todos os
envolvidos nessa trama, os
envolve, os emacumba
(encanta), os cruza e o
a outros caminhos enquanto
possibilidades para o
tratamento da tragédia
chamada colonialismo
(RUFINO, 2019, p. 75).
Dentre os inúmeros desafios
que as IES enfrentam, como o de
superar sua crise institucional,
hegemônica e de legitimidade
(SANTOS,
2004), reiteramos que a
extensão universitária, por si , não
afiança a legitimidade das
universidades públicas quando
concebida de forma hierárquica,
instrumental e de transmissão de
conhecimento. No contexto de crise
pelo qual passam as universidades,
p
remidas pelas necessidades internas
e externas de reformas, não será a
extensão a redenção, um movimento
único de salvação. O sentido de
redenção não nos interessa porque
sustenta um discurso civilizatório
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
produz o arrebatamento tanto
dos marcados pela condição
de subalternidade (colono)
quanto dos montados pela
condição de explorado
res
(colonizadores). A prática das
encruzilhadas como um ato
descolonial não mira a
subvero, a mera troca de
posições, mas sim a
transgressão. Assim, responde
eticamente a todos os
envolvidos nessa trama, os
envolve, os ‘emacumba’
(encanta), os cruza e o
s lança
a outros caminhos enquanto
possibilidades para o
tratamento da tragédia
chamada colonialismo
(RUFINO, 2019, p. 75).
Dentre os inúmeros desafios
que as IES enfrentam, como o de
superar sua crise institucional,
hegemônica e de legitimidade
2004), reiteramos que a
exteno universitária, por si só, não
afiança a legitimidade das
universidades públicas quando
concebida de forma hierárquica,
instrumental e de transmissão de
conhecimento. No contexto de crise
pelo qual passam as universidades,
remidas pelas necessidades internas
e externas de reformas, não será a
exteno a redenção, um movimento
único de salvação. O sentido de
redenção não nos interessa porque
sustenta um discurso civilizatório
colonialista, promotor da chamada
invasão cultural
no assombro colonial.
Confluindo com Bispo e Rufino,
reivindicamos a exteno na
encruzilhada. Este é o ponto ou o
cruzo.
Encontro de Saberes da UFF
cruzo com a Pedagogia do Território
No ano de 2016, após o
primeiro encontro com José Jorge de
Carvalho, estruturamos, na
Universidade Federal Fluminense,
duas disciplinas interdisciplinares e
interdepartamentais, a saber:
Educação, Corpo e Espiritualidade e
Toques e Cantos. A primeira, em tela
neste artigo, ofertada pelo Instituto de
Psicologia e
pela Faculdade de
Educação, estruturou
módulos: o quilombola, o indígena e o
caiçara.
Em 2017 e 2018, o módulo
caiçara da disciplina Educação, Corpo
e Espiritualidade nos fez pensar sobre
a importância da territorialidade dos/as
mestres/as e tensionar, na trilha do
questionamento de Paulo Freire
(1977), a relação entre ensino,
extensão e pe
squisa como lugares de
abrigo e de produção do conhecimento
pluriversitário, de que fala Boaventura
416
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
colonialista, promotor da chamada
no assombro colonial.
Confluindo com Bispo e Rufino,
reivindicamos a extensão na
encruzilhada. Este é o ponto ou o
Encontro de Saberes da UFF
em
cruzo com a Pedagogia do Território
No ano de 2016, após o
primeiro encontro com José Jorge de
Carvalho, estruturamos, na
Universidade Federal Fluminense,
duas disciplinas interdisciplinares e
interdepartamentais, a saber:
Educação, Corpo e Espiritualidade e
Toques e Cantos. A primeira, em tela
neste artigo, ofertada pelo Instituto de
pela Faculdade de
Educação, estruturou
-se em três
módulos: o quilombola, o indígena e o
Em 2017 e 2018, o módulo
caiçara da disciplina Educação, Corpo
e Espiritualidade nos fez pensar sobre
a importância da territorialidade dos/as
mestres/as e tensionar, na trilha do
questionamento de Paulo Freire
(1977), a relação entre ensino,
squisa como lugares de
abrigo e de produção do conhecimento
pluriversitário, de que fala Boaventura
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
de Sousa Santos
(2004),
pluriepistêmico, como defende Jo
Jorge de Carvalho (2014).
Em sua primeira edição, em
2017, o mestre Seu Altamiro e a
mestra Don
a Dica, nascido/a e criado/a
na Praia Grande da Cajaíba, em
Paraty-
RJ, vieram à UFF. A
Universidade é, como vimos, um lugar
de violência epistêmica, de racismos e
de embranquecimento (de peles, de
sentimentos e pensares, de almas). É
lugar dos “mono” e
o dos pluri:
lugar de peleja diária para que o
pensamento crítico (nem sempre
vinculado ao
sentirpensar
diálogo pluriepistêmico)
construa novos
mundos.
Não foi necessariamente fácil
para o mestre e a mestra saírem de
seus territórios atravessando
água e tanto asfalto, para estarem
conosco nesse lugar tão sem alma: em
salas retangulares, mesas e cadeiras
enfileiradas e duras, janelas fechadas,
exposição de argumentos de forma
unilateral, tempo cronometrado,
encontros semanais (e se vão 15
s
emanas de um semestre típico e 60
créditos), desencantos, projetos
competitivos e produtividade. Ainda
que a experiência tenha sido marcante
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
(2004),
e
pluriepistêmico, como defende José
Em sua primeira edição, em
2017, o mestre Seu Altamiro e a
a Dica, nascido/a e criado/a
na Praia Grande da Cajaíba, em
RJ, vieram à UFF. A
Universidade é, como vimos, um lugar
de violência epistêmica, de racismos e
de embranquecimento (de peles, de
sentimentos e pensares, de almas). É
o dos “pluri”:
lugar de peleja diária para que o
pensamento crítico (nem sempre
sentirpensar
ou ao
construa novos
Não foi necessariamente fácil
para o mestre e a mestra saírem de
seus territórios atravessando
tanta
água e tanto asfalto, para estarem
conosco nesse lugar tão sem alma: em
salas retangulares, mesas e cadeiras
enfileiradas e duras, janelas fechadas,
exposição de argumentos de forma
unilateral, tempo cronometrado,
encontros semanais (e lá se vão 15
emanas de um semestre típico e 60
créditos), desencantos, projetos
competitivos e produtividade. Ainda
que a experiência tenha sido marcante
-
atestada nas avaliações dos/as
estudantes -
havia um cansaço do
mestre e da mestra que já vivem por
aqui há mais
de 70 anos.
Após avaliação do grupo de
professores/as e do mestre e da
mestra, em 2018, o módulo caiçara
para a disciplina realizou
Grande da Cajaíba em três dias. O
território nos convocou.
Na Praia Grande da Cajaíba, a
mata, o mar, o mangue,
águas doces são apropriadas e
produzidas
no comum
continuum
não homogêneo, não
geométrico. Sob a forma de
comum,
a comunidade se apropria,
transflui
e cria uma parte da natureza:
esta é uma maneira de existir das
comunida
des tradicionais na América
Latina que continua violentada pela sua
capacidade de inventar a vida. Talvez
essa seja uma dimensão do movimento
contracolonial mais potente que
sempre ressurge: a forma de habitar e
fazer a gestão dos territórios desafia,
onto
lógica e epistemologicamente, as
formas hegemônicas coloniais e
capitalistas de forjar tempos, espaços e
natureza.
A chegada à Praia Grande,
depois de quase uma hora e meia
417
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
atestada nas avaliações dos/as
havia um cansaço do
mestre e da mestra que vivem por
de 70 anos.
Após avaliação do grupo de
professores/as e do mestre e da
mestra, em 2018, o módulo caiçara
para a disciplina realizou
-se na Praia
Grande da Cajaíba em três dias. O
território nos convocou.
Na Praia Grande da Cajaíba, a
mata, o mar, o mangue,
a restinga e as
águas doces são apropriadas e
no comum
e conformam um
não homogêneo, não
geométrico. Sob a forma de
uso
a comunidade se apropria,
e cria uma parte da natureza:
esta é uma maneira de existir das
des tradicionais na América
Latina que continua violentada pela sua
capacidade de inventar a vida. Talvez
essa seja uma dimensão do movimento
contracolonial mais potente que
sempre ressurge: a forma de habitar e
fazer a gestão dos territórios desafia,
lógica e epistemologicamente, as
formas hegemônicas coloniais e
capitalistas de forjar tempos, espaços e
A chegada à Praia Grande,
depois de quase uma hora e meia
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
navegando pela Baía da Ilha Grande,
foi plena de experiências e
convivências. Não m
ais sentados/as
em roda em salas de aula,
professores/as, estudantes e
monitores/as ajudavam
mochilas na subida de trilhas,
montagem de barracas, travessias de
cachoeiras, preparação de comida,
ausência de luz, borrachudos e chuvas
noturnas. O prime
iro território vivido e
percebido, de forma quase
arrebatadora pelos/as estudantes, foi o
corpo, essa morada de saber orgânico
e de medos.
Nêgo Bispo (2015, 2020)
informa que as sociedades eurocristãs
colonialistas, em suas palavras, vivem
o assombro da co
smofobia: o medo da
natureza, do sagrado, do cosmos. O
medo é uma doença do colonizador
transmutada em controle de territórios
e de suas comunidades. Em oposição
à cosmofobia, nas sociedades
politeístas, observam-
se inúmeras
formas de compartilhamento com
cosmos configurando, como denomina
Nêgo Bispo, o saber orgânico.
Muitos/as estudantes se descobriram
em alguma medida cosmofóbicos, mas
ainda não imaginavam a dimensão da
cosmovisão caiçara. Quem tem medo
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
navegando pela Baía da Ilha Grande,
foi plena de experiências e
ais sentados/as
em roda em salas de aula,
professores/as, estudantes e
monitores/as ajudavam
-se com
mochilas na subida de trilhas,
montagem de barracas, travessias de
cachoeiras, preparação de comida,
ausência de luz, borrachudos e chuvas
iro território vivido e
percebido, de forma quase
arrebatadora pelos/as estudantes, foi o
corpo, essa morada de saber orgânico
Nêgo Bispo (2015, 2020)
informa que as sociedades eurocristãs
colonialistas, em suas palavras, vivem
smofobia: o medo da
natureza, do sagrado, do cosmos. O
medo é uma doença do colonizador
transmutada em controle de territórios
e de suas comunidades. Em oposição
à cosmofobia, nas sociedades
se inúmeras
formas de compartilhamento com
o
cosmos configurando, como denomina
Nêgo Bispo, o saber orgânico.
Muitos/as estudantes se descobriram
em alguma medida cosmofóbicos, mas
ainda não imaginavam a dimensão da
cosmovio caiçara. Quem tem medo
anda só, anda sem a proteção do
sagrado; em solid
ão subjetivamente
rompe alianças com outros humanos e
mais-que-humanes13
.
Logo no desembarque, o
estudantes encontraram o mestre e a
mestra em suas labutas. Conversavam
sem saber que aquelas pessoas
seriam nosso/a mestre/a, sem saber
que eram o/a grande me
caiçaras da Reserva da Juatinga.
Dona Dica, sentada no rancho, fazia
pastéis e Seu Altamiro, remendando
rede na praia, sentado na areia com
seus aviamentos, ocupava um lugar
caiçara secular e sagrado: à beira da
praia. Falava do mar e da mata
vento e do sol; da vida e da morte;
falava de seus ancestrais e do órgão
gestor da Unidade de Conservação
13
Dentre os/as autores/as advindos das
ciências humanas que se ocupam com as
mudanças climáticas, observamos o uso de
mais-que-
humanos, outros
outros contextos, o debate de gênero já
estende aos animais, daí nossa opção pela
neutralidade também aqui.
14
Não sendo foco deste artigo, há bibliografia
extensa sobre a chegada das Unidades de
Conservação em territórios tradicionais, como
em Cavalieri (
2003). A Praia Grande da
Cajaíba hoje está inserida em duas Unidades
de Conservação sobrepostas: APA Cairuçu e
Reserva Ecológica da Juatinga.
418
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
anda , anda sem a proteção do
ão subjetivamente
rompe alianças com outros humanos e
.
Logo no desembarque, o
s
estudantes encontraram o mestre e a
mestra em suas labutas. Conversavam
sem saber que aquelas pessoas
seriam nosso/a mestre/a, sem saber
que eram o/a grande me
stre e mestra
caiçaras da Reserva da Juatinga.
Dona Dica, sentada no rancho, fazia
pastéis e Seu Altamiro, remendando
rede na praia, sentado na areia com
seus aviamentos, ocupava um lugar
caiçara secular e sagrado: à beira da
praia. Falava do mar e da mata
; do
vento e do sol; da vida e da morte;
falava de seus ancestrais e do órgão
gestor da Unidade de Conservação
14.
Dentre os/as autores/as advindos das
ciências humanas que se ocupam com as
mudanças climáticas, observamos o uso de
humanos, outros
-que-humanos. Em
outros contextos, o debate de gênero já
estende aos animais, daí nossa opção pela
neutralidade também aqui.
Não sendo foco deste artigo, há bibliografia
extensa sobre a chegada das Unidades de
Conservação em territórios tradicionais, como
2003). A Praia Grande da
Cajaíba hoje está inserida em duas Unidades
de Conservação sobrepostas: APA Cairuçu e
Reserva Ecológica da Juatinga.
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
Nos primeiros momentos de
conversa, Seu Altamiro15
enunciou:
Seu Altamiro teve muita luta
por vocês. Muitos moradores
partiram daqui ou já
mo
rreram, até mesmo meus
irmão. Um não morreu porque
na Itaoca. Mas Seu
Altamiro taí lutando.
esse lugar aqui, gente, como
eu amo vocês também, né?
Porque muitos podem chegar
assim e dizer: mas Seu
Altamiro eu conheci o senhor
hoje. Mas eu,
eu c
meus amigos desde criança
(Transcrição de gravação feita
em novembro de 2018, grifos
nossos).
Essa dimensão do amor que
os/as mestres/as sentem por nós, à
primeira vista (e à longa vista, pois
nunca nos viram), expressa
vivamente no território.
ambiência e um mistério presentes ali.
Quando Seu Altamiro fala com seu
corpo-
território situado, chama, para a
conversa, a natureza e a
ancestralidade. Amorosidade,
recordemos, é o sentido e o caminho
de uma educação como prática de
liberdade, com
o afirmou o caboclo
15 Seu Altamiro refere-
se a si mesmo na
terceira pessoa do singular quando narra algo.
16 Rufino (2021), em Vende-de
manda, escreve
um capítulo chamado Exu e Paulo Freire. É
como um caboclo que o autor vai tratá
consonância com a Pedagogia das
Encruzilhadas.
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
Nos primeiros momentos de
enunciou:
Seu Altamiro teve muita luta
por vos. Muitos moradores
já partiram daqui ou
rreram, até mesmo meus
irmão. Um não morreu porque
tá aí na Itaoca. Mas Seu
Altamiro taí lutando.
Eu amo
esse lugar aqui, gente, como
eu amo vocês também, né?
Porque muitos podem chegar
assim e dizer: mas Seu
Altamiro eu conheci o senhor
eu c
onheço
meus amigos desde criança
(Transcrição de gravação feita
em novembro de 2018, grifos
Essa dimensão do amor que
os/as mestres/as sentem por nós, à
primeira vista (e à longa vista, pois
nunca nos viram), expressa
-se
vivamente no território.
uma
ambiência e um mistério presentes ali.
Quando Seu Altamiro fala com seu
território situado, chama, para a
conversa, a natureza e a
ancestralidade. Amorosidade,
recordemos, é o sentido e o caminho
de uma educação como prática de
o afirmou o ‘caboclo’
16
se a si mesmo na
terceira pessoa do singular quando narra algo.
manda, escreve
um capítulo chamado Exu e Paulo Freire. É
como um caboclo que o autor vai tratá
-lo em
consonância com a Pedagogia das
Paulo Freire (2020). Na Pedagogia do
Oprimido, emerge a miso histórica
do oprimido: ao libertar
opressor, liberta-
o de seu lugar de
opressor. Esta é uma das maiores
expressões de amorosidade freiriana:
conquistar a li
berdade e libertar o
opressor17
. Na fala de Altamiro, há
muitas camadas de significados, sendo
um deles o rompimento com a
linearidade do tempo: ele conhece
seus amigos desde criança, mesmo
que esses amigos apareçam
presencialmente somente hoje,
havendo am
or nessa relação. Quando
fala um dos/as mestres/as do
“Encontro de Saberes”, como Seu
Altamiro, é um educador popular que
se manifesta.
Tomando a confluência como
caminho, divulgamos
verbete -
a concepção de educação
envolvida na tarefa da desc
trazida por Rufino:
EDUCAÇÃO
monta, arrebata e alumbra os
seres e as coisas do mundo.
Fundamento assentado no
corpo, na palavra, na memória
e nos atos. Balaio de
experiências trançado em
afeto, caos, cisma, conflito,
17
É preciso muito amor para libertar o
opressor, é preciso uma pedagogia para dar
conta desse processo.
419
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
Paulo Freire (2020). Na Pedagogia do
Oprimido, emerge a missão histórica
do oprimido: ao libertar
-se do jugo do
o de seu lugar de
opressor. Esta é uma das maiores
expressões de amorosidade freiriana:
berdade e libertar o
. Na fala de Altamiro,
muitas camadas de significados, sendo
um deles o rompimento com a
linearidade do tempo: ele conhece
seus amigos desde criança, mesmo
que esses amigos apareçam
presencialmente somente hoje,
or nessa relação. Quando
fala um dos/as mestres/as do
Encontro de Saberes”, como Seu
Altamiro, é um educador popular que
Tomando a confluência como
caminho, divulgamos
- quase um
a concepção de educação
envolvida na tarefa da desc
olonização,
EDUCAÇÃO
radical vivo que
monta, arrebata e alumbra os
seres e as coisas do mundo.
Fundamento assentado no
corpo, na palavra, na memória
e nos atos. Balaio de
experiências trançado em
afeto, caos, cisma, conflito,
É preciso muito amor para libertar o
opressor, é preciso uma pedagogia para dar
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
beleza,
jogo, peleja e festa.
Seus fios são tudo aquilo que
nos atravessa e toca.
Encantamento de batalha e
cura que nos faz como seres
únicos de inscrições
intransferíveis e imensuráveis.
Repertório de práticas miúdas,
cotidianas e contínuas, que
serpenteiam no i
mprevivel e
roçam possibilidades para
plantar esperanças, amor e
liberdade (RUFINO, 2021, p.
5).
Como todo/a professor/a, os/as
mestres/as planejaram, em
interlocução com os/as professores/as
da Universidade, aulas, conversas
andantes, ‘fazeção’ de cois
caiçara, como pescar, roçar, farinhar,
porque aprender é mais fundamental
que ensinar. Dentre as atividades
planejadas com os/as mestres/as no
território, destacamos aqui a conversa
andante no quintal agroflorestal, a
pesca de arrasto com mestre
e a roça/casa de farinha com Dona
Dica.
Fazer, sentir, pensar: conversa
andante
Na conversa-
andante pelo
quintal agroflorestal, mestre Altamiro foi
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
jogo, peleja e festa.
Seus fios o tudo aquilo que
nos atravessa e toca.
Encantamento de batalha e
cura que nos faz como seres
únicos de inscrições
intransferíveis e imensuráveis.
Repertório de práticas miúdas,
cotidianas e contínuas, que
mprevisível e
roçam possibilidades para
plantar esperanças, amor e
liberdade (RUFINO, 2021, p.
Como todo/a professor/a, os/as
mestres/as planejaram, em
interlocução com os/as professores/as
da Universidade, aulas, conversas
-
andantes, fazeção de cois
as da vida
caiçara, como pescar, roçar, farinhar,
porque aprender é mais fundamental
que ensinar. Dentre as atividades
planejadas com os/as mestres/as no
território, destacamos aqui a conversa
-
andante no quintal agroflorestal, a
pesca de arrasto com mestre
Altamiro
e a roça/casa de farinha com Dona
Fazer, sentir, pensar: conversa
-
andante pelo
quintal agroflorestal, mestre Altamiro foi
nos mostrando todo tipo de planta que
ali foi semeada e cresce
Tudo planta que ele [Seu
Altamiro] faz é assim, desde a
época do a dele... é assim,
tudo misturado. A gente colhe
quase tudo num tempo só.
Fico muito feliz quando olho
assim para minhas plantas.
Quem tiver um pedacinho de
terra, planta gente. Quem não
tiver alguma semente, leva
semente. Aqui tá a riqueza de
Seu Altamiro, hein!
Essa é a plantação nova: tem
cacau, mandioca, milho,
abóbora
. Com certeza já vem
pepino... vem o milho
dando o milho e a mandioca
para fazer farinha. Com
certeza tem uma mandioca
doce no meio que nós
chamamos de aipim. vem a
batata doce no meio. Feijão
também junto. vem o
inhame também e a muda d
pau-
brasil, ele é brasileiro, não
é de outra nação).
Abacaxia tem muita mas ainda
não madura, dá antes do
Natal.
Plantação de palmito, olhe
quanto tem [mais de 5000 pés]
e as sementinhas naqueles
saquinhos. Tem a juçara, o
açaí e o pupunha, os t
tipos.
Tem muito pé de coco, pé de
fruta. Já viram cambu?
(Transcrição de gravação de
campo, novembro de 2018)
18 Nu
ma primeira contagem, chegamos em
mais de 40 espécies somente de cultivos
comestíveis. Na agroflorestal há tanto a
mandioca para se fazer a farinha que
acompanha o peixe, como a árvore guapiruvu
usada para fazer a canoa.
420
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
nos mostrando todo tipo de planta que
ali foi semeada e cresce
18.
Tudo planta que ele [Seu
Altamiro] faz é assim, desde a
época do a dele... é assim,
tudo misturado. A gente colhe
quase tudo num tempo só.
Fico muito feliz quando olho
assim para minhas plantas.
Quem tiver um pedacinho de
terra, planta gente. Quem não
tiver alguma semente, leva
semente. Aqui a riqueza de
Seu Altamiro, hein!
[...]
Essa é a plantação nova: tem
cacau, mandioca, milho,
. Com certeza já vem
pepino... vem o milho
dando o milho e a mandioca
para fazer farinha. Com
certeza já tem uma mandioca
doce aí no meio que nós
chamamos de aipim. vem a
batata doce no meio. Feijão
também tá junto. vem o
inhame também e a muda d
e
brasil, ele é brasileiro, não
é de outra nação).
[...]
Abacaxia tem muita mas ainda
não tá madura, antes do
Plantação de palmito, olhe
quanto tem [mais de 5000 pés]
e as sementinhas naqueles
saquinhos. Tem a juçara, o
açaí e o pupunha, os t
rês
Tem muito de coco, de
fruta. viram cambucá?
(Transcrição de gravação de
campo, novembro de 2018)
ma primeira contagem, chegamos em
mais de 40 espécies somente de cultivos
comestíveis. Na agroflorestal há tanto a
mandioca para se fazer a farinha que
acompanha o peixe, como a árvore guapiruvu
usada para fazer a canoa.
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
Territorializadas, as formas de
se viver em territórios tradicionais,
pautadas no ser e fazer, “no comum e
no cotidiano, inventam e recr
mundos19.
Cabe aqui uma digressão ou
uma transfluência. Em reunião do
grupo do “Encontro de Saberes”,
mediada pelo professor José Jorge de
Carvalho, em março de 2023, a mestra
Makota Kidoaile pronunciou: O mestre
é um transmissor de saber do
território”. Pelo chat,
a conversa
continuou: o corpo-
território do/a
mestre/a é um transmissor e cultivador
de mundos.
Os/as mestres/as não se
autodenominam assim. Eles/as o
denominados/as, reconhecidos/as por
suas comunidades. Na Praia Grande
da Cajaíba, todos
/as podem fazer
cestos, aviamentos para a casa de
farinha, tipitis, esteiras e peneiras, mas
uma pessoa (ou mais de uma)
aprendeu o processo inteiro: da
retirada dos cipós, sapês, taquaras
(deixando a muda crescer), às
maneiras de limpar, secar, desfiar e
tecer contando histórias e inventando
19
Também conhecem fins de mundos e
começos de mundo, mas o limite deste artigo,
por ora, não alcançaria.
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
Territorializadas, as formas de
se viver em territórios tradicionais,
pautadas no ser e fazer, no comum” e
no cotidiano, inventam e recr
iam
Cabe aqui uma digressão ou
uma transfluência. Em reunião do
grupo do Encontro de Saberes”,
mediada pelo professor José Jorge de
Carvalho, em março de 2023, a mestra
Makota Kidoaile pronunciou: “O mestre
é um transmissor de saber do
a conversa
território do/a
mestre/a é um transmissor e cultivador
Os/as mestres/as não se
autodenominam assim. Eles/as são
denominados/as, reconhecidos/as por
suas comunidades. Na Praia Grande
/as podem fazer
cestos, aviamentos para a casa de
farinha, tipitis, esteiras e peneiras, mas
uma pessoa (ou mais de uma)
aprendeu o processo inteiro: da
retirada dos cipós, sapês, taquaras
(deixando a muda crescer), às
maneiras de limpar, secar, desfiar e
tecer contando histórias e inventando
Também conhecem fins de mundos e
começos de mundo, mas o limite deste artigo,
novos padrões. Todos/as podem virar
carpinteiros/as, a arte de fazer canoas
vem sendo estudada como patrimônio
cultural a ser tombada pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN). Todos/as podem
caçar, pescar e fazer roça. Todos/as
podem fazer farinha. Todos/as sabem
embarrear
sua casa, alguns/mas
sabem fazer o telhado de sapê.
Quando dizemos todos/as, incluímos
as crianças que acompanham as
pessoas mais velhas. De alguma
maneira, o conhecimento q
disponível para todos/as foi apropriado
e recriado pelas/os mestras/es com
tanta maestria que passam a ser,
assim, reconhecidos/as pelas suas
comunidades e fora delas.
Quando acordam, na
comunidade, todos/as vão caçar os
quefazeres20
para fazer
vivendo no modo da natureza,
observando -
e narrando oralmente
os modos dos bichos, do mar e da
mata. As crianças, no dinamismo de
‘caçar’ o seu
quefazer
20
Novamente aqui um olhar freiriano para
os/as mestres/as. Os/As mestres/as produzem
conhecimento acerca do que fazem. Paulo
Freire se referia aos
quefa
professores/as da escola, aqui estendemos
para os quefazeres
da vida cotidiana dos/as
mestres/as da cultura e das crianças.
421
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
novos padrões. Todos/as podem virar
carpinteiros/as, a arte de fazer canoas
vem sendo estudada como patrimônio
cultural a ser tombada pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN). Todos/as podem
caçar, pescar e fazer roça. Todos/as
podem fazer farinha. Todos/as sabem
sua casa, alguns/mas
sabem fazer o telhado de sapê.
Quando dizemos todos/as, incluímos
as crianças que acompanham as
pessoas mais velhas. De alguma
maneira, o conhecimento q
ue estava
disponível para todos/as foi apropriado
e recriado pelas/os mestras/es com
tanta maestria que passam a ser,
assim, reconhecidos/as pelas suas
comunidades e fora delas.
Quando acordam, na
comunidade, todos/as vão ‘caçar’ os
para fazer
com liberdade,
vivendo no modo da natureza,
e narrando oralmente
os modos dos bichos, do mar e da
mata. As crianças, no dinamismo de
quefazer
, ganham o
Novamente aqui um olhar freiriano para
os/as mestres/as. Os/As mestres/as produzem
conhecimento acerca do que fazem. Paulo
quefa
zeres dos/as
professores/as da escola, aqui estendemos
da vida cotidiana dos/as
mestres/as da cultura e das crianças.
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
mundo: quintais-
terreiros, praia e
roças. Nas palavras de Seu Altamiro,
af
irmando sua presença no território:
Não quero essa vida [da
cidade] não. Aqui eu acordo na
hora que quero, durmo na hora
que quero, trabalho na hora
que quero. (...) Quero ficar
com minha memória mais
tranquila, mais sossegada,
olhando pra esta mata linda.
Isto é que a coisa mais
importante pra s, esse mar,
olha a água como é que está.
Isso é uma riqueza nossa. É
uma riqueza. Isso aí pra nós
está no coração. (...) Aqui é
uma praia!
(Transcrição de
gravação no campo de
novembro de 2018)
Não é o trabal
movimenta e sentido à vida ou,
materialisticamente, transforma a
natureza em cultura na cosmovio
caiçara. O que sentido à vida é a
própria vida de todos os seres
‘viventes’, em compartilhamento, como
dizia Seu Maneco da Praia Grande
Fazer
, sentir, pensar: arrasto de
praia
Uma segunda atividade a ser
destacada, ocorrida no território, foi a
pescaria de cerco, ou
21 Consultar Cavalieri (2003).
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
terreiros, praia e
roças. Nas palavras de Seu Altamiro,
irmando sua presença no território:
Não quero essa vida [da
cidade] não. Aqui eu acordo na
hora que quero, durmo na hora
que quero, trabalho na hora
que quero. (...) Quero ficar
com minha memória mais
tranquila, mais sossegada,
olhando pra esta mata linda.
Isto é que a coisa mais
importante pra nós, esse mar,
olha a água como é que está.
Isso é uma riqueza nossa. É
uma riqueza. Isso pra nós
está no coração. (...) Aqui é
(Transcrição de
gravação no campo de
novembro de 2018)
Não é o trabal
ho que
movimenta e dá sentido à vida ou,
materialisticamente, transforma a
natureza em cultura na cosmovisão
caiçara. O que dá sentido à vida é a
própria vida de todos os seres
viventes’, em compartilhamento, como
dizia Seu Maneco da Praia Grande
21.
, sentir, pensar: arrasto de
Uma segunda atividade a ser
destacada, ocorrida no território, foi a
pescaria de cerco, ou
arrasto de
praia22.
Seu Altamiro nos conta que
ela pode ocorrer bem cedo pela
manhã, no final de tarde ou quando
um cardume de pei
xe é avistado.
Indagado por estudantes como
se avista um cardume, Seu Altamiro, já
a caminho do Mirante do Espia, saindo
de seu terreiro-
quintal agroflorestal,
afirmou:
Esta pedra era pedra de espiar
cardumão de tainha, que meu
avô espiava a tainha e tinh
duas canoas lá no meio da
praia com rede embarcada
para cercar o cardumão de
tainha. Quando colocava o
dedo na boca e acenava a
camisa pra cercar o peixe,
você viu a escuridão do peixe
indo daqui e o saltio da tainha,
tinha peixão dessa marca, ele
mandav
a abrir a rede aqui.
Quando o cara cercava o
peixe, ele descia daqui. Então
a gente apelidou esta pedra de
Pedra do Espia de Tainha.
Agora chama Mirante, já
botaram outro nome.
(Transcrição de gravação no
campo de novembro de 2018)
Dona Silvana, antiga
da Praia Grande, mulher de Seu
Maneco supracitado, dizia que essa
época da tainha era a
e Seu Maneco, complementava:
em que os homens ainda entendiam a
22
Quando esta aula foi dada na Universidade,
os estudantes assistiram a um documentário
produzido pelo projeto de extensão Raízes e
Frutos da UFRJ.
422
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
Seu Altamiro nos conta que
ela pode ocorrer bem cedo pela
manhã, no final de tarde ou quando
xe é avistado.
Indagado por estudantes como
se avista um cardume, Seu Altamiro,
a caminho do Mirante do Espia, saindo
quintal agroflorestal,
Esta pedra era pedra de espiar
cardumão de tainha, que meu
a espiava a tainha e tinh
a
duas canoas no meio da
praia com rede embarcada
para cercar o cardumão de
tainha. Quando colocava o
dedo na boca e acenava a
camisa pra cercar o peixe,
vo viu a escuridão do peixe
indo daqui e o saltio da tainha,
tinha peio dessa marca, ele
a abrir a rede aqui.
Quando o cara cercava o
peixe, ele descia daqui. Então
a gente apelidou esta pedra de
Pedra do Espia de Tainha.
Agora chama Mirante,
botaram outro nome.
(Transcrição de gravação no
campo de novembro de 2018)
Dona Silvana, antiga
moradora
da Praia Grande, mulher de Seu
Maneco supracitado, dizia que essa
época da tainha era a
épa da fartura”
e Seu Maneco, complementava:
épa
em que os homens ainda entendiam a
Quando esta aula foi dada na Universidade,
os estudantes assistiram a um documentário
produzido pelo projeto de extensão Raízes e
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
fala dos bichos”.
(CAVALIERI, 1999).
O saber do território manifestado no
corpo das/os mestras/os prenuncia
muitas relações cosmológicas multi e
interespecíficas.
A rede que havia sido
remendada pela manhã, após o cerco
aos peixes que envolve duas canoas e
muita gente posicionada na praia para
puxá-
la, veio carregada de anchova
olhos de boi, corvinas e xereletes.
Reunimos os peixes suficientes para o
jantar, que se seguiu numa fogueira
enorme feita próxima à cozinha do
quintal-
terreiro com a participação
dos/as filhos/as de Seu Altamiro. A
puxada de rede envolveu todos/as
os/a
s filhos/as e netos/as do mestre;
eles/as se admiravam com o fato de o
pai/avô dar uma aula para
universitários/as e ser chamado de
mestre. Reside aqui algo central em
nossa observação e argumento:
quando a aula acontece no território
tradicional, ela não
cronológica para seu começo, meio e
fim. Estamos todos/as envolvidos/as,
juntando-
nos e nos misturando, às
vezes nos juntando, às vezes
sentindo no corpo e na alma
lembranças de aprendizagens
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
(CAVALIERI, 1999).
O saber do território manifestado no
corpo das/os mestras/os prenuncia
muitas relações cosmológicas multi e
A rede que havia sido
remendada pela manhã, após o cerco
aos peixes que envolve duas canoas e
muita gente posicionada na praia para
la, veio carregada de anchova
s,
olhos de boi, corvinas e xereletes.
Reunimos os peixes suficientes para o
jantar, que se seguiu numa fogueira
enorme feita próxima à cozinha do
terreiro com a participação
dos/as filhos/as de Seu Altamiro. A
puxada de rede envolveu todos/as
s filhos/as e netos/as do mestre;
eles/as se admiravam com o fato de o
pai/avô dar uma aula para
universitários/as e ser chamado de
mestre. Reside aqui algo central em
nossa observação e argumento:
quando a aula acontece no território
tradicional, ela não
tem hora
cronológica para seu começo, meio e
fim. Estamos todos/as envolvidos/as,
nos e nos misturando, às
vezes nos juntando, às vezes
sentindo no corpo e na alma
lembranças de aprendizagens
pretéritas23
. Não foram incomuns as
lembranças de
casa de avós e de
outras roças.
Os/as netos/as do mestre e da
mestra nos guiaram para as
cachoeiras. Os/As filhos/as, além da
pesca do arrasto de rede, ajudaram a
limpar o peixe (dito
escalar os peixes
e nos ofereceram um jantar fazendo a
fogueira conos
co, embrulhando os
peixes na bananeira, emprestando
utensílios de cozinha, contando
histórias, rindo, ouvindo. A extensão
feita com os territórios reverbera em
toda a comunidade.
Nos dias em que Dona Dica e
Seu Altamiro eram o mestre e a
mestra da discipli
na Encontro de
Saberes: Educação, Corpo e
Espiritualidade”, da UFF, ministrada no
território tradicional, não houve um
filho ou filha, neto ou neta, que
estivesse alienado/a das atividades
propostas. Eles/as também sabiam
ensinar porque são a geração
como afiança Nêgo Bispo (2015),
quando relata as conversas e os
conhecimentos compartilhados por
23 O juntar-
se sem se misturar é uma
referência, novamente, ao Nêgo Bispo,
supracitado, quando expõe o conceito de
confluência e transfluência.
423
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
. Não foram incomuns as
casa de avós e de
Os/as netos/as do mestre e da
mestra nos guiaram para as
cachoeiras. Os/As filhos/as, além da
pesca do arrasto de rede, ajudaram a
escalar os peixes
)
e nos ofereceram um jantar fazendo a
co, embrulhando os
peixes na bananeira, emprestando
utenlios de cozinha, contando
histórias, rindo, ouvindo. A extensão
feita com os territórios reverbera em
Nos dias em que Dona Dica e
Seu Altamiro eram o mestre e a
na “Encontro de
Saberes: Educação, Corpo e
Espiritualidade, da UFF, ministrada no
território tradicional, não houve um
filho ou filha, neto ou neta, que
estivesse alienado/a das atividades
propostas. Eles/as também sabiam
ensinar porque o a geração
-começo,
como afiança Nêgo Bispo (2015),
quando relata as conversas e os
conhecimentos compartilhados por
se sem se misturar é uma
referência, novamente, ao Nêgo Bispo,
supracitado, quando expõe o conceito de
confluência e transfluência.
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
mãe Joana e tio Norberto no Quilombo
Saco do Curtume. Começo
começo inscreve-
se nos corpos. Na
circularidade do tempo, o há morte;
no tempo circu
lar, quebram
hierarquias e as linearidades. Era um
neto de 5 anos de Seu Altamiro que
sabia nos ensinar a tirar o peixe da
rede, era uma neta de 8 anos de Dona
Dica que ensinava a cevar a
mandioca24
para fazer a farinha.
Fazer, sentir, pensar: roç
a
Outra atividade planejada para
os dias em que estávamos na Praia
Grande seria uma conversa com a
Mestra Dona Dica em sua casa de
farinha. Se fosse possível, faríamos
uma farinha de mandioca e
aprenderíamos a fazer balaio.
A casa de Dona Dica se localiz
no chamado ‘sertão’ da Praia Grande.
É a mais isolada. Atravessam
cursos água, sendo que um deles
com volume de água mais intenso, a
cachoeira do Monjolo, e caminha
cerca de 2 km. A travessia para a casa
de Dona Dica foi, em si, uma aula
junto com sua filha e neta. Ali havia
24
Para a farinha ficar pronta, a massa precisa
secar
na prensa dentro dos tapitis e isso leva
algumas horas.
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
mãe Joana e tio Norberto no Quilombo
Saco do Curtume. Começo
-meio-
se nos corpos. Na
circularidade do tempo, não morte;
lar, quebram
-se as
hierarquias e as linearidades. Era um
neto de 5 anos de Seu Altamiro que
sabia nos ensinar a tirar o peixe da
rede, era uma neta de 8 anos de Dona
Dica que ensinava a ‘cevar’ a
para fazer a farinha.
a
Outra atividade planejada para
os dias em que estávamos na Praia
Grande seria uma conversa com a
Mestra Dona Dica em sua casa de
farinha. Se fosse possível, faríamos
uma farinha de mandioca e
aprenderíamos a fazer balaio.
A casa de Dona Dica se localiz
a
no chamado sertão da Praia Grande.
É a mais isolada. Atravessam
-se três
cursos d´água, sendo que um deles
com volume de água mais intenso, a
cachoeira do Monjolo, e caminha
-se
cerca de 2 km. A travessia para a casa
de Dona Dica já foi, em si, uma aula
junto com sua filha e neta. Ali havia
Para a farinha ficar pronta, a massa precisa
na prensa dentro dos tapitis e isso leva
outro aprendizado, divisor de águas,
revelador das encruzilhadas e da
diversidade de formas de ensinar e
aprender que se refazem, apesar da
violência colonial. O conteúdo
inicialmente proposto perdeu o sentido
(nova do
bra em nossa razão
intransigente) na medida em que estar
com os/as companheiros/as, estar com
Dona Dica na trilha, ouvindo histórias
desde os tempos mais antigos (eles/as
se referem mesmo aos antigos’
quando contam algo), aprender as
artimanhas da grilage
que ela sofreu, tornaram
centralidade do momento. Com seu
facão na mão, Dona Dica caminhava
também em diálogo com a mata,
mostrando rastros de bichos, árvores
de frutas, insetos, clareiras,
silenciando para ouvir um pássaro
cortejar uma
fêmea, limpando o
caminho.
A aula se tornou um espaço de
estar junto reinventando (e
imaginando) seres, dando respostas
às perguntas, comprometendo
a vida. Era um corpo
epistêmico, ético que se movimentava,
anunciava-se com g
estos e palavras
ao percorrer a trilha de águas e mata,
tão cotidiana à própria Dona Dica. A
424
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
outro aprendizado, divisor de águas,
revelador das encruzilhadas e da
diversidade de formas de ensinar e
aprender que se refazem, apesar da
violência colonial. O conteúdo
inicialmente proposto perdeu o sentido
bra em nossa razão
intransigente) na medida em que estar
com os/as companheiros/as, estar com
Dona Dica na trilha, ouvindo histórias
desde os tempos mais antigos (eles/as
se referem mesmo ‘aos antigos’
quando contam algo), aprender as
artimanhas da grilage
m e ameaças
que ela já sofreu, tornaram
-se a
centralidade do momento. Com seu
facão na mão, Dona Dica caminhava
também em diálogo com a mata,
mostrando rastros de bichos, árvores
de frutas, insetos, clareiras,
silenciando para ouvir um pássaro
fêmea, limpando o
A aula se tornou um espaço de
estar junto reinventando (e
imaginando) seres, dando respostas
às perguntas, comprometendo
-se com
a vida. Era um corpo
-território político,
epistêmico, ético que se movimentava,
estos e palavras
ao percorrer a trilha de águas e mata,
tão cotidiana à própria Dona Dica. A
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
aula ocorreu no caminho e sua
culminância deu-
se no terreiro de
Dona Dica com água fresca e abacaxi.
A roça de mandioca e a casa de
farinha foram apresentadas e
pudemos fazer uma parte da
farinhada: arrancar a mandioca,
descascar, lavar, cevar, colocar no
tipiti e na prensa. Na casa de farinha, o
encantamento estava dado, todos/as
atentos/as aos gestos e palavras de
Dona Dica, uma senhora íntegra,
corajosa, fazedo
ra de casa, de balaio,
de teto de sapê, de roça, de farinha,
de remédios e de histórias. Dona Dica
é fazedora de um modo de vida e de
um território.
Para Rufino, encantar
comunica-
se com canto que enfeitiça e
cria outros sentidos para o mundo.
O encantame
nto como uma
capacidade de transitar nas
inúmeras voltas do tempo,
invocar espiritualidades de
batalha e de cura, primar por
uma política e educação de
base comunitária entre todos
os seres e ancestrais,
inscrever o cotidiano como rito
de leitura e escrita
diferentes sistemas poéticos e
primar pela inteligibilidade dos
ciclos é luta frente ao
paradigma de desencanto
instalado aqui. Ou seja, o
encante é fundamento político
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
aula ocorreu no caminho e sua
se no terreiro de
Dona Dica com água fresca e abacaxi.
A roça de mandioca e a casa de
farinha foram apresentadas e
pudemos fazer uma parte da
farinhada: arrancar a mandioca,
descascar, lavar, cevar, colocar no
tipiti e na prensa. Na casa de farinha, o
encantamento estava dado, todos/as
atentos/as aos gestos e palavras de
Dona Dica, uma senhora íntegra,
ra de casa, de balaio,
de teto de sapê, de roça, de farinha,
de remédios e de histórias. Dona Dica
é fazedora de um modo de vida e de
Para Rufino, encantar
se com canto que enfeitiça e
cria outros sentidos para o mundo.
nto como uma
capacidade de transitar nas
inúmeras voltas do tempo,
invocar espiritualidades de
batalha e de cura, primar por
uma política e educação de
base comunitária entre todos
os seres e ancestrais,
inscrever o cotidiano como rito
de leitura e escrita
em
diferentes sistemas poéticos e
primar pela inteligibilidade dos
ciclos é luta frente ao
paradigma de desencanto
instalado aqui. Ou seja, o
encante é fundamento político
que confronta as limitações da
chamada consciência das
mentalidades ocidentalizadas
(RUFINO, 2020, s/p).
“O território educa, assevera
Laura dos Santos, liderança
comunitária, educadora e jongueira do
Quilombo do Campinho da
Independência em Paraty. Se tomamos
essa premissa, nada mais lindo que
conhecer quem educou e educa os
mestres.
Segundo Laura,
Onde quer que se adentre,
estaremos sobre solo fértil,
vivo e passível de decifração.
Assim é o território. Pronto a
nos ensinar, se assim nos
propusermos. Ao
estabelecermos contato com a
natureza, estaremos sempre
aprendendo. Em contato com
outra pessoa, estaremos
sempre aprendendo por meio
da troca e recebendo novos
aprendizados. Somos todos
educadores, uns educando os
outros, mediando o
conhecimento. Somos a
memória de nossos ancestrais.
Pela memória dos Mestres ou
Griôs, como se diz no
Qu
ilombo do Campinho, por
meio das histórias e novas
práticas, a vida se refaz,
novamente, nas novas
gerações. É preciso tempo. O
território é um lugar sem
pressa, onde a firmeza
comunga com a mansidão dos
Mestres Griôs. Sua fala
425
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
que confronta as limitações da
chamada consciência das
mentalidades ocidentalizadas
(RUFINO, 2020, s/p).
O território educa”, assevera
Laura dos Santos, liderança
comunitária, educadora e jongueira do
Quilombo do Campinho da
Independência em Paraty. Se tomamos
essa premissa, nada mais lindo que
conhecer quem educou e educa os
Segundo Laura,
Onde quer que se adentre,
estaremos sobre solo fértil,
vivo e passível de decifração.
Assim é o território. Pronto a
nos ensinar, se assim nos
propusermos. Ao
estabelecermos contato com a
natureza, estaremos sempre
aprendendo. Em contato com
outra pessoa, estaremos
sempre aprendendo por meio
da troca e recebendo novos
aprendizados. Somos todos
educadores, uns educando os
outros, mediando o
conhecimento. Somos a
memória de nossos ancestrais.
Pela memória dos Mestres ou
Griôs, como se diz no
ilombo do Campinho, por
meio das histórias e novas
práticas, a vida se refaz,
novamente, nas novas
gerações. É preciso tempo. O
território é um lugar sem
pressa, onde a firmeza
comunga com a mansidão dos
Mestres Griôs. Sua fala
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
sempre remete a outro tempo,
que nada impede que se repita
para o novo, àquele que se
coloca como aprendiz
(SANTOS, 2022, p. 233
O “Encontro de Saberes”,
situado no território do mestra e da
mestra, enlaçando a comunidade do
território e a da Academia, é desafiado
por pedagogi
as outras que se fundam
nos terreiros e nas encruzilhadas
partir do vivido na Praia Grande
aqui relatado -
, inferimos algumas
prerrogativas da pedagogia do
território: importa o fazer tanto quanto
o refletir sobre ele; a ancestralidade é
mestra e
multiespecífica (não é
concernente apenas à humanidade);
tal como enunciado por Freire, há um
transbordamento de amor; pelo
território o processo de educar (e
educar-
se) é comum e contínuo; as
lutas pertencem a todos/as; por meio
da memória dos/as antepass
as histórias vivificam o território. Por
fim, a pedagogia do território pratica
saberes que transitam entre a cura e a
ciência26
, saberes que inventam
25
Rosângela Tugny (2020) trata de educação
e território ao abordar a implantação do
encontro de saberes na UFSB. Essa obra é
referência no tema.
26
Inspiração vinda de bell hooks (2017).
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
sempre remete a outro tempo,
que nada impede que se repita
para o novo, àquele que se
coloca como aprendiz
(SANTOS, 2022, p. 233
-234).
O Encontro de Saberes”,
situado no território do mestra e da
mestra, enlaçando a comunidade do
território e a da Academia, é desafiado
as outras que se fundam
nos terreiros e nas encruzilhadas
25. A
partir do vivido na Praia Grande
- e
, inferimos algumas
prerrogativas da pedagogia do
território: importa o fazer tanto quanto
o refletir sobre ele; a ancestralidade é
multiespefica (não é
concernente apenas à humanidade);
tal como enunciado por Freire, um
transbordamento de amor; pelo
território o processo de educar (e
se) é comum e contínuo; as
lutas pertencem a todos/as; por meio
da memória dos/as antepass
ados/as,
as histórias vivificam o território. Por
fim, a pedagogia do território pratica
saberes que transitam entre a cura e a
, saberes que inventam
Rosângela Tugny (2020) trata de educação
e território ao abordar a implantação do
encontro de saberes na UFSB. Essa obra é
Inspiração vinda de bell hooks (2017).
mundos em meio ao cenário de caos
em que vivemos.
Começo do começo
Ao longo do artigo, proposto
três seções que se articulam por meio
dos conceitos-
germinantes, vimos
afirmando que o Encontro de
Saberes” seja uma exteno às
avessas anunciando um ensino
contracolonial (ou des/decolonial) no
qual conhecimentos tradicionais
populares contribuam par
fissuras na instituição tão marcada
pela colonialidade do saber. Mas não
bastaria ser uma exteno às avessas.
O “Encontro de Saberes ocorre na
UFF e demais instituições de ensino
superior provocando as atividades de
ensino, reconhecendo os/a
mestres/as como professores/as,
considerando-
os/as professores/as
das disciplinas.
A virada
permanecendo com a inspiração da
pedagogia das encruzilhadas ou com a
ciência encantada das macumbas
proposta aqui é que o Encontro de
Saberes” ocorra como atividade de
extensão, lembrando que, a partir da
Resolução CNE 07 de 2018, a
extensão passa a estar mais próxima
426
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
mundos em meio ao cenário de caos
Ao longo do artigo, proposto
em
três seções que se articulam por meio
germinantes, vimos
afirmando que o “Encontro de
Saberes” seja uma extensão às
avessas anunciando um ensino
contracolonial (ou des/decolonial) no
qual conhecimentos tradicionais
populares contribuam par
a alargar as
fissuras na instituição o marcada
pela colonialidade do saber. Mas não
bastaria ser uma extensão às avessas.
O Encontro de Saberes” ocorre na
UFF e demais instituições de ensino
superior provocando as atividades de
ensino, reconhecendo os/a
s
mestres/as como professores/as,
os/as professores/as
A virada
ou gira
permanecendo com a inspiração da
pedagogia das encruzilhadas ou com a
ciência encantada das macumbas
proposta aqui é que o “Encontro de
Saberes” ocorra como atividade de
exteno, lembrando que, a partir da
Resolução CNE 07 de 2018, a
exteno passa a estar mais próxima
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
do ensino. Reconhecemos que há
inúmeros sentidos disputados para o
fazer extensionista e aqui
reivindicamos que ele ocupe a
encruzilhada. Não basta entrar ou sair
(o sentido da flecha agora não
importa) dos muros da inst
colonizada e colonialista, não basta
vincular-
se à concepção de
comunicação tratada por Paulo Freire
ainda que isso já seria
revolucionário. Habitar a encruzilhada
é admitir estar nos territórios com toda
a comunidade e permitir
interpela
do por ontologias e
epistemologias diversas.
Na encruzilhada, há o
encantamento que arrebata os corpos
às aprendizagens junto
aos/àsmestres/as. Se o território
educa’, como defende e vive Laura
dos Santos, é com ele que vamos
aprender de um modo cotidiano
ancestral. Rufino (2020) entende, em
confluência com Nêgo Bispo (2015),
que o assombro colonial, promotor da
morte, que tanto castiga milhares de
vidas, encontra um adverrio que
brinca e cospe o marafo no chão
transladando conhecimentos, seja na
trave
ssia do Atlântico, seja no
reconhecimento da ciência dos povos
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O Encontro de Saberes na encruzilhada da extensão:
uma política com
Revista Latino
-Americana de
, p.
403-429, set. 2023. www.periodicos.uff.br/pragmatizes -
(Dossiê "
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
do ensino. Reconhecemos que
inúmeros sentidos disputados para o
fazer extensionista e aqui
reivindicamos que ele ocupe a
encruzilhada. Não basta entrar ou sair
(o sentido da flecha agora não
importa) dos muros da inst
ituição
colonizada e colonialista, não basta
se à concepção de
comunicação tratada por Paulo Freire
ainda que isso seria
revolucionário. Habitar a encruzilhada
é admitir estar nos territórios com toda
a comunidade e permitir
-se ser
do por ontologias e
Na encruzilhada, o
encantamento que arrebata os corpos
às aprendizagens junto
aos/àsmestres/as. Se o território
educa, como defende e vive Laura
dos Santos, é com ele que vamos
aprender de um modo cotidiano
e
ancestral. Rufino (2020) entende, em
confluência com Nêgo Bispo (2015),
que o assombro colonial, promotor da
morte, que tanto castiga milhares de
vidas, encontra um adversário que
brinca e cospe o marafo no chão
transladando conhecimentos, seja na
ssia do Atlântico, seja no
reconhecimento da ciência dos povos
chamados originários e das
comunidades tradicionais.
O encantamento como uma
capacidade de transitar nas
inúmeras voltas do tempo,
invocar espiritualidades de
batalha e de cura, primar por
uma
política e educação de
base comunitária entre todos
os seres e ancestrais,
inscrever o cotidiano como rito
de leitura e escrita em
diferentes sistemas poéticos e
primar pela inteligibilidade dos
ciclos é luta frente ao
paradigma de desencanto
instalado aqu
encante é fundamento político
que confronta as limitações da
chamada consciência das
mentalidades ocidentalizadas
(RUFINO, 2020, s/p).
Que os/as mestres/as, com toda
amorosidade, sigam nos ensinando
em presença de seus territórios, de
suas c
omunidades e de todas as
relações multiespeficas e
pluriepistêmicas que povoam o
cosmos.
Referências
BRASIL.
Plano Nacional de Educação
(PNE 2014-
2024). Disponível em:
https://pne.mec.gov.br/
mar. 2022
BRASIL.
Resolução CNE/CES nº07 de
18 de dezembro de 2018
em:
https://normativasconselhos.mec.g
ov.br/normativa/view/CNE_RES_CNE
CESN72018.pdf
. Acesso em: 09 mar.
2022.
427
ISSN 2237-1508
Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
o ensino superior")
chamados originários e das
comunidades tradicionais.
O encantamento como uma
capacidade de transitar nas
inúmeras voltas do tempo,
invocar espiritualidades de
batalha e de cura, primar por
política e educação de
base comunitária entre todos
os seres e ancestrais,
inscrever o cotidiano como rito
de leitura e escrita em
diferentes sistemas poéticos e
primar pela inteligibilidade dos
ciclos é luta frente ao
paradigma de desencanto
instalado aqu
i. Ou seja, o
encante é fundamento político
que confronta as limitações da
chamada consciência das
mentalidades ocidentalizadas
(RUFINO, 2020, s/p).
Que os/as mestres/as, com toda
amorosidade, sigam nos ensinando
em presença de seus territórios, de
omunidades e de todas as
relações multiespecíficas e
pluriepistêmicas que povoam o
Plano Nacional de Educação
2024). Disponível em:
https://pne.mec.gov.br/
Acesso em: 09
Resolução CNE/CES nº07 de
18 de dezembro de 2018
. Disponível
https://normativasconselhos.mec.g
ov.br/normativa/view/CNE_RES_CNE
. Acesso em: 09 mar.
CAVALIERI, Lúcia; SALGADO, Flá
via Salazar; ALVAREZ, Johnny Menezes.
O “Encontro de Saberes” na encruzilhada da extensão:
a pedagogia dos territórios. PragMATIZES -
Revista Latino
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 13, n. 25
, p.
CARVALHO, José Jorge de
de Saberes
bases para um diálogo
interepistêmico.
Brasília: INCTI/ CNPq/
UnB, 2015.
CARVALHO, José Jorge de. O
confinamento racial do mundo
acadêmico brasileiro.
Revista USP
São Paulo, n. 68, 2005-
2006.
CARVALHO, José Jorge de; FLÓREZ
FLÓREZ
, Juliana. Encontro de
Saberes: Proyeto para Decolonizar el
Conocimiento Universitário
Eurocêntrico.
Nomadas 41
Universidad Central, Colombia, 2014.
CASTRO-
GÓMEZ, Santiago.
Decolonizar la Universidade: la hybris
del punto cero y el diálogo de saberes.
In:
PALEMO, Zulma
Des/Decolonizar la Universidade.
Buenos Aires: Ediciones Del Signo,
2015.
CAVALIERI, Lucia.
A Comunidade
caiçara no processo de reclassificação
da Reserva Ecológica da Juatinga
Dissertação [
Mestrado em Geografia
Universidade de São
Paulo, 2003.
CAVALIERI, Lucia.
Os caiçaras da
Juatinga
: conflito, cultura e sonhos
Monografia [
TCC em Geografia
Universidade de São Paulo, 1999.
CAVALIERI, Lucia; SOUZA, Dafne
ROZENCWAIG Faria;
MOREL, Ana.
Paula Massadar. Proposições
cosmopolíticas par
a a educação
ambiental: contribuições de Nêgo
Bispo contra a cosmofobia. In:
da ANPED (GT 22)
edição
2021.
FERNANDES, Florestan.
Fechado
Quatro Ensaios sobre o
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uma política com
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Imagens reflexas sobre os Encontros de Saberes n
CARVALHO, José Jorge de
. Encontro
bases para um diálogo
Bralia: INCTI/ CNPq/
CARVALHO, Jo Jorge de. O
confinamento racial do mundo
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2006.
CARVALHO, José Jorge de; FLÓREZ
, Juliana. Encontro de
Saberes: Proyeto para Decolonizar el
Conocimiento Universitário
Nomadas 41
,
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GÓMEZ, Santiago.
Decolonizar la Universidade: la hybris
del punto cero y el diálogo de saberes.
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