Yemanjá, isso é um espírito
ruim''. É óbvio que isso para
uma criança de oito anos, de
sete anos, para um
adolescente, isso é muito
pesado. Isso foi pesado para
mim, que já era uma mulher
madura, mãe de filho. E isso
na cognição para a criança,
para a emoção da criança, é
muito difícil. Eu costumo dizer
que isso, para mim, é uma
experiência de estupro. Eu
nunca passei pela experiência
de estupro em si, mas a
violência contra você é como
se você estivesse sendo
estuprada, de uma forma
como se o seu corpo, como se
a sua existência, que é sua
humanidade, ela
absolutamente não vale de
nada.
Paula: E, para o Candomblé,
qual a importância dos erês?
Mãe Rosiane: Olha, depende,
você vai me perguntar se
referindo aos erês crianças, do
Ayê, ou você está se referindo
às crianças do Orun?
Paula: As crianças do Orun.
Mãe Rosiane: Os erês são a
beleza e a inocência que todos
nós temos e acho que uma
das coisas mais bonitas do
candomblé é esse culto à
inocência, é esse culto ao que
há de mais belo, de mais
sagrado, que é o culto à nossa
criança interior, essa criança
ancestral que nós possuímos
em essência. Eu acho que
quando a gente cultua erê, as
crianças do Orun, a gente está
cultuando a nossa. Do ponto
de vista filosófico, vão ter aí
duas vertentes da filosofia;
uma que diz que os homens
são essencialmente maus e
outra corrente que diz que os
homens são essencialmente
bons. Eu acho que o
candomblé tem essa coisa de
você cultuar e de você achar
que as pessoas são
essencialmente boas e isso
significa cultuar a criança
interior, cultuar essa bondade,
essa inocência, essa beleza,
esse nonsense.
Os erês têm uma coisa do
nonsense, de brincar, de não
levar as coisas a sério (muitas
aspas!), de ser sempre uma
brincadeira. Porque na
verdade a gente chega numa
idade da vida, numa fase da
vida que a gente entende que
é realmente uma grande
brincadeira. Eu gosto de uma
frase que diz que nós, seres
humanos, somos a lontra do
universo, que a gente brinca o
tempo inteiro. Claro que isso é
uma forma muito Poliana,
muito otimista de olhar o
mundo, olhar as pessoas, mas
eu acho que o culto ao erê tem
a ver com isso, de nos lembrar
o tempo inteiro que nós somos
seres que viemos aqui para
brincar, para nos amar, para
termos essa leveza e essa
inocência que os erês trazem
para gente.
Agora, quando a gente está se
referindo aos erês do Aye, as
criancinhas, as crianças
mesmo, os nossos filhos, as
pessoas pequenas, são a
nossa continuidade, eles serão
a gente daqui a pouco, no
futuro. E os terreiros têm uma
forma muito bonita de lidar
com isso, porque você vai ver
que crianças e idosos se
juntam na sua grande
sabedoria e são a nossa
continuidade.