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GANDARILLA SALGADO, José Guadalupe; ALBANO, Sebastião Guilherme
(tradutor). Da crítica do desenvolvimento à crítica da modernidade.
Pensamento latino-americano e criação de alternativas de
desenvolvimento. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 262-277, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Fluxo contínuo)
Da crítica do desenvolvimento à crítica da modernidade. Pensamento latino-
americano e criação de alternativas de desenvolvimento1
José Guadalupe Gandarilla Salgado2
Tradução por: Sebastião Guilherme Albano3
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v14i26.59246
“El capitalismo ha conseguido siempre en el
pasado superar sus crisis recurrentes, pero
dejando siempre la tierra abonada para que
emerjan otras n peores. Sean cuales hayan
sido los medios empleados para limitar o
corregir el daño provocado, millones de
personas han sufrido las consecuencias nocivas
tanto de la enfermedad como de en su
tratamiento”
Ellen Meiksins Wood
Resumo: A crítica à noção de desenvolvimento pode ser arredondada quando os pensamentos
periféricos, ou com a capacidade de incorporá-lo como uma exterioridade, lograram revelar os segredos
(espaciais) da lógica global do capital. Das primeiras formulações entre os anos 1950 e 1970 até as
posteriores houve um salto qualitativo com um discurso capaz de explicar tanto as críticas do
desenvolvimento da técnica, como do determinismo e do progresso; também passou da crítica do
capitalismo à modernidade/pós-modernidade, das tecno-ciências e da complexidade. O que de
permeio neste avanço explicativo (localização da agência enunciativa de “dentro” do desenvolvimento
para “fora” da modernidade, é um interregno de hegemonia neoliberal que agora figura como uma crise
na dominação que se posicionou como cataclismo e catástrofe (os macro incêndios regionais em várias
esquinas do mundo e a crise pandêmica global são apenas sintomas em série).Talvez hoje estejamos
diante de uma das principais características do início do século XXI devido à inédita persistência das
1 Tradução do texto de José Guadalupe Gandarilla Salgado, intitulado “De la crítica del desarrollo a la
crítica de la modernidad. Pensamiento latinoamericano y creación de alternativas”.
2 José Guadalupe Gandarilla Salgado. Doctor en Filosofía Política, por la Universidad Autónoma
Matropolitana/UAM – Iztapalapa, México. Investigador Titular C, Definitivo, del Centro de
Investigaciones Interdisciplinarias en Ciencias y Humanidades. Recientemente ha sido electo como
integrante, por México, del Comité Directivo de CLACSO. E-mail: joseg@unam.mx -
https://orcid.org/0000-0001-5241-6276 .
3 Sebastião Guilherme Albano. Doutor em Comunicação pela Universidade de Brasília. Professor
adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Brasil. E-mail:
albanoppgen@gmail.com - https://orcid.org/0000-0001-6059-7409
Recebido em 11/07/2023, aceito para publicação em 22/09/2023.
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GANDARILLA SALGADO, José Guadalupe; ALBANO, Sebastião Guilherme
(tradutor). Da crítica do desenvolvimento à crítica da modernidade.
Pensamento latino-americano e criação de alternativas de
desenvolvimento. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 262-277, mar. 2024.
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(Fluxo contínuo)
transformações climáticas, da biodiversidade ecológica do mundo que acompanha o ansiado
crescimento dos índices de lucro econômico no quadro da acumulação global do neoliberalismo. A
tendência a buscar na temporalização econômica a criação de espaço (s) se torna um vetor indicativo
e orientador, sempre que os limites físico-materiais, geográficos, possam se precipitar como marco
definidor ou mesmo bloquear a acumulação mesma. Se não encontrar alternativas a esses dilemas
estaremos em perigo iminente de que a crise do capitalismo se modifique (e perversamente procure
suas soluções) na crise da humanidade.
Palavras-chave: Crítica, Pensamento, América Latina.
De la crítica del desarrollo a la crítica de la modernidad. Pensamiento latinoamericano y creación
de alternativas.
Resumen: La crítica a la noción de desarrollo se pudo redondear en el momento en que diversos
pensamientos periféricos, o que tuvieron la capacidad de incorporar esa exterioridad, fueron capaces
de revelar los secretos (espaciales) de la lógica global del capital. De aquellas formulaciones, de las
dos décadas siguientes al corte del médio siglo XX, se ha logrado pasar a un discurso que ha sido
capaz de dar un salto explicativo de la crítica del desarrollo a la crítica de la técnica, el determinismo y
el progreso; y de la crítica del capitalismo a la crítica de la modernidad/posmodernidad, las
tecnociencias y la complejidad. Lo que se encuentra en el medio de ese salto explicativo (ubicación de
la agencia enunciativa desde un “adentro” del desarrollo hacia un “afuera” de la modernidad) es un
intervalo de hegemonía neoliberal, que ahora se extiende como interregno de crisis de la dominación
neoliberal misma, lo que ha puesto al mundo enterro en condición de cataclismo y catástrofe (los macro
incêndios regionales en varias esquinas del mundo, y la crisis pandémica global, no son sino síntomas
escalonados). Hoy, quizás estemos en presencia del inicio histórico del siglo XXI, toda vez que los
tiempos climáticos, biodiversos y ecológicos del mundo no parecen resistir la aceleración que
acompaña al ansiado crecimiento de las tasas de ganancia económica en el marco de la acumulación
mundial propiciada por el neoliberalismo. La tendencia a buscar en el desbocamiento de la temporalidad
económica la creación de espacio(s), se vuelca como vector indicativo y orientador, toda vez que los
límites físico-materiales, geográficos, pueden precipitarse como el limite definitorio o el bloqueo
paralizante de la acumulación misma. De no encontrar alternativas a estos dilemas estamos en el
peligro inminente de que la crisis del capitalismo se transmute (y así, perversamente, busque sus
soluciones) em crisis de la humanidad. El pensamiento, la teoría social y la filosofía que se hace desde
América Latina tiene mucho que aportar a una genuína comprensión de estos aspectos, pero más
relevante aún al señalamiento de los rumbos alternativos.
Palabras clave: Crítica, Pensamiento,, América Latina.
From the critique of development to the critique of modernity. Latin American thought and
creation of alternatives.
Abstract: The critique of the notion of development could be rounded off at the moment when various
peripheral thoughts, or those that had the capacity to incorporate that exteriority, were capable of
revealing the (spatial) secrets of the global logic of capital. From those formulations, from the two
decades following the cutoff of the mid-20th century, it has been possible to move on to a discourse that
has been capable of making an explanatory leap from the critique of development to the critique of
technique, determinism and progress; and from the critique of capitalism to the critique of
modernity/postmodernity, technosciences and complexity. What is found in the middle of this
explanatory leap (location of the enunciative agency from an "inside" of development to an "outside" of
modernity) is an interval of neoliberal hegemony, which now extends as an interregnum of crisis of the
neoliberal domination itself, which has put the entire world in a condition of cataclysm and catastrophe
(the regional macro fires in various corners of the world, and the global pandemic crisis, are but
staggering symptoms). Today, perhaps we are in the presence of the historic beginning of the 21st
century, since the climatic, biodiverse and ecological times of the world do not seem to resist the
acceleration that accompanies the long-awaited growth of economic profit rates within the framework of
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(Fluxo contínuo)
global accumulation promoted by neoliberalism. The tendency to search for the creation of space(s) in
the runaway economic temporality, turns as an indicative and guiding vector, since the physical-material,
geographical limits can precipitate as the defining limit or the paralyzing blockade of the accumulation
itself. If we do not find alternatives to these dilemmas, we are in imminent danger of the crisis of
capitalism becoming transmuted (and thus perversely looking for its solutions) into a crisis of humanity.
Thought, social theory and philosophy from Latin America have much to contribute to a genuine
understanding of these aspects, but even more relevant to pointing out alternative directions.
Keywords: Criticism, Thought, Latin America.
Da crítica do desenvolvimento à crítica da modernidade. Pensamento latino-
americano e criação de alternativas de desenvolvimento
Introdução histórica
Dois fatos concorreram para o
rompimento da lógica do sistema quase
ao mesmo tempo. Refiro-me ao 11 de
setembro de 1973 (Santiago de Chile,
golpe de Estado e bombardeio sobre o
Palacio de La Moneda) e, cerca de três
décadas à frente, 11 de setembro de
2001 (Nova York, atentado no centro
financeiro do mundo, queda da Torres
gêmeas). Pode-se afirmar que esses
dois eventos foram pontos de inflexão
para duas conjunturas do concerto
mundial.
Com efeito, o primeiro caso
poderia ser apontado como o ponto de
partida do projeto global de imposição
do neoliberalismo, devendo-se a um
processo que medrava muito tempo.
O que ocorreu no Chile foi uma reação
(da parte dos atores significativos dos
sistemas globais de poder) à possível
aquisição de consciência crítica das
condições de avanço do denominado
desenvolvimento econômico (que para
nossa região latino-americana foi
operada por intermédio da Aliança para
o Progresso, instrumento ativado pelos
temores norte-americanos de que os
valores da Revolução cubana de 1959
se espraiassem a outras nações), o
esclarecimento das razões do
subdesenvolvimento e suas razões
históricas, socioeconômicas culturais
da dependência da América e do
Caribe. Devido ao diagnóstico dos
cientistas sociais acerca dos
obstáculos ao desenvolvimento ou das
razões explicativas do drama latino-
americano, todas vinculadas com a
persistência das condições históricas
herdadas pelas imposições das
relações coloniais, cujos núcleos
articuladores estavam embasados na
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(Fluxo contínuo)
transferência de riqueza aos centros
metropolitanos e à perpetuação do
trabalho forçado, da escravidão, do
racismo e da exclusão de populações
(uma obra publicada quase meio
século aventou magistralmente tal
diagnóstico (Las venas abiertas de
América Latina, do uruguaio Eduardo
Galeano). Diante da tentativa de se
obter condições para a autonomia, a
autodeterminação e a libertação
nacional a resposta do imperialismo
norte-americano mostrou-se
implacável, com a imposição de
ditaduras de segurança nacional e a
instrumentalização(desde a Comissão
Trilateral) de uma democracia
amordaçada que afiançaria as políticas
de governabilidade, juntamente aos
grilhões impostos ou auto impostos do
endividamento externo, criara as
condições para que, nos anos 1980 do
século passado, experimentássemos
uma “década perdida” na região; a
partir daí os países latino-americanos e
do Caribe, com tão estreitas margens
de negociação aceitaram qualquer
coisa e a imposição de todo tipo de
reformas (neoliberais, de primeira ou
segunda geração, neocoloniais, da vida
inteira). Era uma história conhecida.
Ao longo de suas constituições nossos
países sempre encontraram
dificuldades para se separar das
supracitadas condições coloniais
começando quando o fizeram mediante
processos de longo alcance e de
espectro amplo, ao início do século XIX
na revolta do Haiti (1791-1804) até as
revoluções hispano-americanas contra
o domínio colonial da Espanha (1808-
1830) e que, neste caso, prolongaram-
se até a guerra entre Cuba, Espanha e
os Estados Unidos, quando houve
agressão militar sem precedentes. Sem
antever o assédio externo o
imperialismo foi suplantado por criollos
e favoráveis ao império e seus
processos de conformação de exíguas
repúblicas latino-americanas aos que
deram razão para descrever a
arquitetura das relações de construção
social de uma ordem (de incompleta e
simulada democracia e excessiva
teatralização de seus rituais) sem que
vingassem condições de colonialismo
político (insustentável na conjuntura
atual), mas da “colonização do poder”,
entramado propício para que
mediadores e não intervencionistas
mantivessem as lógicas racistas de
dominação que transcrevem códigos
de domínio socioeconômico e cultural.
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Daí privilegiarmos argumentos
alternativos de descolonização do
conhecimento.
Com relação ao chamado
segundo onze de setembro (a tão
comentada destruição das torres
gêmeas por aviões de passageiros
operados como máquinas contra
instituições financeiras hegemônicas),
observou-se uma reação ao
colonialismo e ao imperialismo que os
Estados Unidos praticavam na Ásia
Central e em certos países árabes
produtores de petróleo logo da queda
do muro de Berlim(1989),os dirigentes
norte-americanos, a nação/império,
unilateralmente decidiram desarticular
todo o espaço vital soviético (1991). O
evento de Manhattan foi prenunciado
dez anos antes, por exemplo, com o
assassinato dos jesuítas em El
Salvador e a guerra do Golfo, mais
precisamente com a “Tormenta do
deserto”. O atentado ao World Trade
Centero freou o ânimo imperial, mas
reativou de imediato o discurso
“antiterrorista” que justificava a
agressão ao Iraque e ainda ampliava
movimentos bélicos no território do
Afeganistão (cuja invasão prolongou-se
por mais de um decênio, entre 2003 e
2014), enquadrando essa configuração
geopolítica para ensaiar um rol de
métodos de extermínio para liquidar o
“eixo do mal”, guia para ações em
outros rincões do planeta em que
houvesse oposição às políticas
estadunidenses: apreciou-se a
potencialização da tecnociência para
tornar mais eficiente os alvos letais,
uma amplificação “racional” e planejada
para que o dano se concentrasse nos
estados antes soberanos e depois
reduzidos à condição de teatro de ação
de apropriação colonial. O feito dos
Estados Unidos no Oriente Médio foi
replicado inclusive por Israel na
Palestina e a pela Organização das
Nações Unidas (ONU) no Haiti.
A partir da guerra do Vietnam a
potência agressora não se permitia
equívocos; caso os houvesse, com
soldados americanos ou israelenses
abatidos, seria retrucado com violência
mortal do lado contrário com centenas
de vítimas. As incursões militares foram
acompanhadas pela televisão,
desenhadas nos computadores como
um jogo de guerra, as redes noticiosas
transmitiam em tempo real as baixas do
adversário, vaticinavam tendências e
calculavam os danos com o que
enalteciam o interesse nacional norte-
americano (ou reafirmavam o sionismo
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(Fluxo contínuo)
distanciando-o dos valores
civilizadores); em pouco tempo esses
expedientes foram atualizados. Os
mecanismos de contrainsurgência se
revelaram ainda mais efetivos,
aperfeiçoando as ofensivas por
intermédio de drones e com ataques
militares cirúrgicos. O supostos “novos
agressores” para a doutrina da “guerra
preventiva” (nada mais que um
“humanismo militar”, ensaiado na
guerra dos Bálcãs) substituíram a
encarnação clássica do “inimigo
comunista” por um enxame de novas
representações do que na verdade se
interiorizou nos países do norte como
islamofobia ou, em certos países, como
remoçadas respostas fascistas ante
todo tipo de estrangeiros, deslocados,
refugiados ou migrantes (basta
observar o nativismo xenófobo, ou o
tratamento que a diáspora africana
merece por parte dos europeus ou os
hispanos por parte dos norte-
americanos). Com o ataque de 11 de
setembro o congresso dos Estados
Unidos aprovou a Lei Patriótica (USA
Patriotic Act), cujo espírito perdurou até
a subscrição do acordo trinacional com
o qual iniciaram a política do ASPAN
(Aliança para a Segurança e a
Prosperidade da América do Norte),
instrumentos que renovaram toda a
política de segurança nacional dos
Estados Unidos e a partir de então
qualquer pessoa, grupos
(narcotraficantes, terroristas,
fundamentalistas, populistas etc.)
poderia ser classificada de inimigo,
suscetível de extradição sem
obediência aos protocolos
internacionais, e todo espaço nacional
poderia ser alvo de “ataques
preventivos”. O subtexto apontava para
uma escalada da divisão global Norte-
Sul e a ativação do marco jurídico
transnacional que resultava favorável
ao capital corporativo multinacional.
Portanto, contrário ao discurso da
globalização, a desigualdade não foi
remediada, mas de acordo com
estudos, encontrou novas lógicas para
se enraizar mais profundamente em
determinadas regiões (PIKETTY,
2014). No mundo ocidental polarizou-
se ainda mais as diferenças de
ingresso e riqueza, entre os núcleos
econômicos subordinantes (zona do
Atlântico Norte) e as partes
subordinadas (África, parte da Ásia,
América Latina e Caribe); enquanto
isso, no Oriente a chamada
globalização ganhou outros contornos,
maior grau de dinamismo econômico
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GANDARILLA SALGADO, José Guadalupe; ALBANO, Sebastião Guilherme
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desenvolvimento. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 262-277, mar. 2024.
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(Fluxo contínuo)
entre as partes desenvolvidas e suas
zonas de influências alcançando um
efeito de maior distribuição da riqueza,
com o qual houve tendência a arrefecer
a polarização econômica. O corolário
tanto no Oriente e no Ocidente foi o
enorme custo ambiental do
desenvolvimento econômico industrial
e a relocalização geográfica que
demandou o avanço das tecnologias
informacionais (e os novos materiais
que essas demandaram); e no caso da
China parte do crescimento econômico
se deveu à deterioração ecológica das
zonas em que se instalaram grandes
empresas multinacionais a fim de
estabelecer uma política de salários
mais baixos, e pessoal de alta
qualificação e competitivo.
De outro ângulo podemos
apreciar um efeito diverso da revolução
tecnológica em curso ao passo que a
revolução industrial do século XIX
favoreceu o enriquecimento do
Ocidente. a revolução
eletro-informática, das novas
tecnologias da informação e a
comunicação operou uma
convergência rentista em
amplas zonas do planeta por
meio do enriquecimento da
Ásia (MILANOVIC, 2020, p.
22).
4 Tal fue también, en cierto modo, la sospecha en el
último libro de Giovanni Arrighi (2007).
Um resultado ainda mais
interessante desses estudos,
paradoxalmente, nos sugere que tais
tendências de redução da
desigualdade global (entre Oriente e
Ocidente, recordemos), assinalam que
la ascensión de Asia a
diferencia de la ascensión del
capitalismo a la supremacía
global, tiene un precedente
histórico e nel sentido de que
vuelve a situar la distribución
de la actividad económica de
Eurasia más o menos en una
posición que se daba antes de
la Revolución industrial”
(MILANOVIC, 2020, p. 15).
Constata-se então a hipótese de
André Gunder Frank (2008, 2015) ao
detectar tal condição planetária
sintetizada na alegoria cunhada no
termo Re-Orient cuja perspectiva
desalentadora sugere que o regime
capitalista seria o único4com a
consigna “el lucro no sólo es
respetable, sino que es el objetivo más
importante de la vida del individuo”
(MILANOVIC, 2020, p. 9). Ainda com as
respectivas diferenças todos
ganharíamos significado pela
predominância do capital: “vivimos en
un mundo en el que todas las personas
siguen las mismas reglas y entienden el
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(Fluxo contínuo)
mismo lenguaje de la obtención de
beneficios” (MILANOVIC, 2020, p. 10)
Mas a vitória global do capitalismo se
desdobra em duas frentes, um projeto
meritocrático liberal descentralizado, no
Ocidente, e o capitalismo político e
autoritário, típico do Estado em países
como a Rússia e a China; destarte
Branko Milanovic, em sua análise
weberiana concluía que “es bastante
improbable que, suceda lo que suceda
en la competición entre capitalismo
liberal y capitalismo político, un solo
sistema acabe dominando todo el
planeta” (MILANOVIC, 2020, p. 14).
Sem ser explícito uma tal inclinação
pela multipolaridade teria um efeito
secundário no
el reequilibrio económico del
mundo no es sólo geográfico;
es también político [con lo
cual se estaría]… poniendo fin
a la superioridad militar, política
y económica de Occidente, una
superioridad que ha sido dada
por descontada durante los dos
últimos siglos” (Milanovic,
2020, p. 17).
Em resumo, como disse
recentemente um filósofo ao analisar a
atualidade sob categorias da tragédia
ética “los imperios saben que su
apogeo ha terminado y vivimos en un
estado de guerra constante”
(CRITCHLEY, 2020, p. 14). Nos
bastidores dessa guerra incessante
situa-se na insolúvel crise da
justaposição das esferas do
capitalismo, um conflito que o sistema
econômico arrasta por meio século,
entre o “neo-liberalismo de paz” e “neo-
liberalismo de guerra” acirrando as
rusgas do capital contra o trabalho, do
Norte contra o Sul, do Ocidente contra
o Oriente, aprofundando contradições
vivas e atuantes. Ainda nos
encontramos nesta fase.
Estas duas grandes tendências
que remarcamos confluem em que: “el
dominio único que ejerce nel
capitalismo y el renacimiento
económico de Asia constituy em
desarrollos muy notables, que quizá
estén relacionados” (MILANOVIC,
2020, p. 7). Portanto não apenas
encontraríamos razões para
reconsiderar as teses hegelianas da
história universal, avançando em
direção à descolonização das
economias materiais da periferia
capitalista para explorar em chave
transnacional e altamente conflitivas,
as exigências de avançar com a
desocidentalização do mundo, e talvez
recuperar e combinar (atualizar e
completar) as velhas propostas de
Samir Amin quando se pronunciava por
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uma política da “desconexão” (Amin,
1989), com a mais recentes propostas
de Enrique Dussel e suas propostas de
transmodernidade (DUSSEL, 2015).
Ameaças reais (sobre o entorno e os
seres humanos) em tempos de
guerra permanente ou o porquê de
uma guerra permanente ou da crítica
da modernidade.
Em trabalhos esparsos mas
referenciais da dimensão ou lastro da
crise do capitalismo como em episódios
como a crise financeira, imobiliária e da
dívida em 2008 e suas sequelas; dois
dos nosso mais importantes
pensadores sociais, Pablo González
Casanova e Franz Hinkelammert
apontaram o significado da época que
se abre com esse dado. Para ambos
não mais se trata de um choque
econômico qualquer ou uma catástrofe
cíclica do neoliberalismo, em um
momento de explícita ameaça à
sobrevivência da humanidade. Esses
artigos curiosamente publicados em
2020, o ano da peste, aparecem
também como reflexões premonitórias
para o que o mundo da
ultramodernidade nos tinha reservado
(pandemia e pós-pandemia), e
aventuram algumas linhas sobre o perfil
que as alternativas assumem no
contexto na qual estamos submersos,
nos dão uma perspectiva que
dimensiona o que se tornou o
emergente “capitalismo pandêmico”.
Com relação ao ensaio de
González Casanova sobressai, em
primeiro lugar, seu objetivo de oferecer
uma aproximação crítica não apenas
“para quiene sy a están convencidos,
sino para quienes, teniendo
lacapacidad de decidir, no tienen
lacapacidad de percibir y resolver
problemas que amenazan su propia
vida y la de la especie humana”
(GONZÁLEZ CASANOVA, 2019, p.
21), exerce, devido a que as pessoas
envolvidas com o poder, genuínas
“personificações do capital” (como
disse Marx), uma completa
desresponsabilização por seus atos e
desproporção de sus consequências,
ainda mais por redesenhar e inviabilizar
sua participação, ao encobrir como
uma mera função dentro de um marco
institucional ou esquema
organizacional que, além de tudo, elide
toda punição dentro de uma ordem
jurídica, posto que, no mundo
contemporâneo, os grandes complexos
de organização do capitalismo soem
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(Fluxo contínuo)
obter ainda mais poder que os Estado
que os disciplinam. Portanto, a tese
mais influente do sociólogo mexicano é
simples, mas rigorosa:
las decisiones de quienes
están a la cabeza del ‘modo de
dominación y acumulación
capitalista’ conducen a una
situación en que llega a ser
imposible la supervivencia
humana (GONZÁLEZ
CASANOVA, 2019, p. 21).
Nessa mesma tese pode ser
anunciada ao se vincular com outros
elementos:
es imposible la supervivencia
humana de continuar
dominando el capitalismo y su
lógica suprema: la
maximización de utilidades y la
defensa de los valores e
intereses de las fuerzas
dominantes (GONZÁLEZ
CASANOVA, 2019, 23).
Desde logo uma tese dessa
natureza será desqualificada de
diversas maneiras por intermédio da
razão ou desconfirmada
empiricamente. Acerca do primeiro
caso, os grupos de poder se munem de
um exército do “saber especializado”
para desprestigiar racionalmente, por
exemplo, neguem as tendências de
colapso climático (ORESKESE
CONWAY, 2018); de outro lado, com a
estratégia de não confirmar a influente
tese para desconectar as causas dos
efeitos (dois exemplos: a relação do
consumo de transgênicos com a
enfermidade do câncer ou outros
padecimentos; o uso de aditivos
químicos (glifosato) na agroindústria e
na proliferação de males tanto para os
produtores como para a recuperação
dos solos e o declínio da diversidade de
cultivos) ou reduzir a magnitude das
consequências da crise do
capitaloceno. Não haveria necessidade
de recorrer aos artíficios negacionistas
anteriores, pois a lógica do sistema se
impõe por sua normalização,
interiorização de seus princípios no
cidadão corrente, daí que se afirme,
junto com Fredric Jameson, que resulta
“más fácil imaginar el findel mundo que
el fin del capitalismo” (JAMESON,
2003,. p. 103), o que não exprime mais
que um conformismo, o hábito
“realismo capitalista”, isto é,
lai de a muy difundida de que el
capitalismo no solo es el único
sistema económico viable, sino
que es imposible incluso
imaginarle una alternativa
(FISHER, 2016, p. 22).
O que desejamos indicar é o
seguinte: não deveria nos resultar
surpreendente que o “homem de
empresa” se submeta ao princípio de
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(tradutor). Da crítica do desenvolvimento à crítica da modernidade.
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em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 262-277, mar. 2024.
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cálculo ou diante do raciocínio de
custo-benefício, não seria impor uma
lógica quantitativa sobre a qualitativa (a
do lucro por cima da vida humana e não
humana na terra); o traço perverso do
sistema transforma a “metafísica do
empresário” em procedimento
cotidiano: qualquer pessoa que
mantenha tacitamente a possibilidade
de intervir “livremente” sobre o mundo
da vida (glorificando a não
intencionalidade da ação) aprovaria a
reprodução do mecanismo sistêmico.
Com esse argumento não um
passo do macro (o mundo competitivo
do empresário e a “grande corporação”)
ao micro (o sujeito proprietário privado
que, para sobreviver, produz e
consome), em que o hiato se projeta
como “una crisis de la razón
instrumental o una esquizofrenia que
nos están llevando a la destrucción del
mundo” (GONZÁLEZ CASANOVA,
2019, p. 25), encontrar saída para a
encruzilhada es comprometendo
tanto forças macro, que caminham para
autodestruição, como micros (até os
que empurram a articulação de
movimentos) que lutam por construir de
outro modo o mundo, e acreditam que
isso seja factível. A proposição que
finaliza o artigo do sociólogo mexicano
que vai ao encontro desses
contingentes e detecta um novo
horizonte (distópico) que se abriu com
o capitalismo ostensivo que estabelece
indefinições (como corresponde a todo
um sistema complexo) tanto nos
objetivos como nas estratégias em
meio às urgências (entrópicas) do
presente. Donde se conclui:
Hoy, en las alternativas y
decisiones no sólo se plantea
impedir la autodestrucción de
quienes en sus esfuerzos por
defender al sistema están en
realidad llevando a la
destrucción del mundo, sino
también la construcción del
camino a una democracia, una
liberación y un socialismo
redefinidos. (GONZÁLEZ
CASANOVA, 2019, p. 34).
A partir daí confluímos com as
observações de Franz Hinkelammert
(2020) e que parece nos iluminar um
ângulo igualmente pertinente. O
dramático do assunto é talvez não ser
suficiente observar sob novas
perspectivas a dialética do
esclarecimento e a correlata destruição
e autodestruição atribuíveis à
decolagem progressiva da “razão
instrumental”, ou sinalizar os esforços
progressivos (legítimos) para redefinir
os esquemas das lutas anteriores;
talvez seja necessário dar um passo
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mesmo dentro do horizonte crítico,
dirigi-la do capitalismo a seu núcleo
fundante, a modernidade. Esse
deslocamento cognitivo parece relevar
que o fundo desta não es na razão
instrumental, mas no complexo mais
inalcançável e invisível e pode ser
acessível como capas da realidade
onde despontam a razão mítica que a
anima: o verdadeiro fundamento da
modernidade, e que pareceria
assegurar seu eterno predomínio. Para
Hinkelammert uma genuína crítica (da
modernidade e de sua labiríntica
disposição) exige mudar os termos da
discussão, recompor o repertório de
categorias com as que até hoje
trabalhamos nas teorizações críticas, e
os marcos epistêmicos das categoriais
contemporâneas. Para Hinkelammert
reconstituir esse discurso significou
uma série de deslocamentos para
assinalar os limites da razão
instrumental das virtudes de uma
racionalidade produtiva (da vida) para
desviar dos limites da economia
(HINKELAMMERT; MORA, 2001);
ademais, nossa atenção deveria ser
redirigida não apenas o
desenraizamento das questões que
envolvem a causalidade meio-fim como
base da razão instrumental mas
aprofundar na crítica da razão mítica
(as imagens transcendentais geradas
pela modernidade), por intermédio da
inclusão dos disjuntiva vida-morte
como o verdadeiro pano de fundo para
uma filosofia e uma ética plenamente
emancipadora. Apenas com o segundo
deslocamento advertimos algo de
relevante, a modernidade se edifica
quando se segue uma racionalidade
irracional: o que pensamos como
exercício da nossa libertação não foi
mais que o sentimento do outro e da
alteridade em si, a imposição da
escravidão, o despojamento, a
destruição do meio ambiente.
Hinkelammert conclui:
concebir la auto-realización del
ser humano como una relación
de dominación: me realizo al
dominarte: Yo soy, si no
eres. La prueba más
convincente de la libertad es en
consecuencia, mostrar que uno
tiene un esclavo. Tengo
esclavos, por tanto soy libre.
(HINKELAMMERT, 2020, p.
37)
Ocorre que de fato, literalmente,
os teóricos da tolerância, os fundadores
do liberalismo, eram proprietários de
escravos (LOSURDO, 2007), não
podiam se aventurar em uma crítica
que fosse nessa direção, de uma
dissolução da estrutura de poder que
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edificou a modernidade a partir de suas
bases mais obscuras: a colonização, o
racismo, a escravidão e o descaso com
a questão feminina; idêntica relação de
domínio e devastação que operaram
(os “novos senhores” do moderno-
colonial-capitalista) com a insolente
ideia de uma natureza barata e
inesgotável (MOORE, 2020).
Portanto, para Hinkelammert,
encontrar saída ao crescente labirinto
da modernidade deveria ser
considerado a partir de uma genuína
racionalidade emancipadora, tal como
«Eu sou, se você é»:
ahora la prueba de la libertad
es la prueba de haberse
liberado de su esclavitud o
liberado a sus esclavos. El
criterio de racionalidad liberada
dice ‘yo soy, si eres’, el
criterio de racionalidad
irracional dice “yo soy, si te
derrot”. (HINKELAMMERT,
2020, p. 38)
Hinkelammert aposta em outros
princípios éticos, que se mantêm
resguardados fora de certos complexos
civilizadores, que o se submetem
plenamente ao império do sistema
mundo-moderno colonial, e que
igualmente se apresentam na noção
africana de muntu e da espiritualidade
ubuntu, que no perspectivismo
amazônico e as ontologias de relação
própria dos povos originários da Nossa
América, que no humanismo semita e a
ética heteronômica das religiosidades
hebraicas (RABINOVICH, 2018), e que
nosso autor, retomando uma
argumentação do sul-africano
Desmond Tutu, propõe apresentar nos
termos de uma insurgência espiritual
que remova a subjetividade (egoísta e
utilitária)onde encarna essa ilusão
ocidental (do Homo œconomicus) que
pretende impor-se como natureza
humana universal (SAHLINS, 2011), e
que se transfere (como diría Gramsci)
aos grandes sistemas filosóficos, às
cosmovisões ou elencos de categorias
da ciência e da prática dos modernos,
mundanidade que atravessa cada
instância ou campo prático (Dussel
dixit) para uma versão do que é
transcendental, dos novos deuses e
fetiches e fetiches (as noções do
progresso, a técnica ou o mercado
etc.). Hinkelammert o nos propõe
uma volta ao antigo, nem um
retrocesso impossível ao passado, mas
um novo relacionamento com o outro e
com a alteridade a partir de outros
princípios éticos que se enuncia “Eu
sou, se você é” (viável também para
romper a estrutura patriarcal do modo
de ser moderno), e que ele acredita
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estar embasada na disjuntiva vida-
morte que se conhece pela consigna
“de um mundo onde caibam muitos
mundos” e assim se integre em uma
emergente “espiritualidade de ação”, do
humanismo da práxis.
Conclusão
no prefácio de sua obra
escrita com Henry Mora (Hacia una
economía para la vida. Preludio a una
segunda crítica de la economía
política), Franz Hinkelammert detectou
que nas últimas cadas do século XX
irrompeu dramaticamente o tema do
presente e do porvir da humanidade,
pois os antes considerados «problemas
modernos» “se fueron transformando
em verdaderas amenazas globales
sobre la existencia de la vida en el
planeta y las obrevivencia de los seres
humanos” (HINKELAMMERT; MORA,
2014, p. 11). No mesmo prefácio os
autores idearam uma imagem dos
extremos que pareciam não se tocar
mas iam em direção oposta,
premonitória de uma situação que pôde
e pode acontecer ao longo da
pandemia global em que ainda nos
encontramos. Assim o prefiguravam: “el
sistema no puede seguir creciendo sin
provocar una crisis ecológica de
dimensiones apocalípticas, pero
tampoco puede decrecer sin originar
una crisis económica y social de
enormes proporciones”
(HINKELAMMERT; MORA, 2014, p.
12). Assim concorreram os fatos:
rendição ao fetiche do crescimento e a
consequente crise ecológico-climática
com a devastação de vastas áreas
silvestres e resultados desastrosos
como o ciclo que até agora não parece
haver concluído com as novas
variantes de vírus e suas enfermidades
zoonóticas associadas (a Covid-19 e
suas variantes e a quase certeza de
que haverá novas formas da gripe
aviária); por outro lado, eis uma
articulação inusitada nesta situação
inusitada em curso, como corolário da
proporção alcançada pelo fenômeno
(sua literal planetarização) se
implemento uma disposição ou
declaração (entre outras, mas em
alguns lugares é quase única) de que
tempos essas calamidades
irrompem na humanidade, medida
instrumentada como paliativo ao
aumento progressivo dos contágios: o
confinamento (estrito, relaxado,
obrigatório ou persuasivo). A economia
mundial teve de diminuir o ritmo e
experimentar processos automáticos e
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involuntários (mais que publicamente
orientados ou geridos ou autogeridos)
de uma certa experiência com o
“declínio”. O que aconteceu durante a
pandemia não foi uma prometida
redução (salvo uma certa temporada da
suavização dos impactos ambientais da
atividade econômica e uma mudança
favorável nas paisagens, ou ao retorno
da fauna que se considerava extinta ou
pôde caminhar livremente distante do
assédio humano, em momentos de
desolação citadina), ao ser
primordialmente o resultado de uma
agudização do quadro recessivo com
que eram afetados diversos setores e
ramos da economia.
O domínio indisputado da
modernidade madura, que começou
historicamente no século XIX,
fundamentou uma expressão do
Ocidente como colosso indisputado
que se muniu com peças integradas na
projeção de processos de totalização
em cada um dos campos práticos nos
quais foi-se impondo uma determinada
univocidade ou monocultura (como
prefere Boaventura de Sousa Santos).
A economia capitalista e o maquinismo
industrial, a política sob a geocultura do
liberalismo e sua democracia
representativa e instrumental, na
questão de gênero com o predomínio
do patriarcado e sua cultura do corpo
sexuado, no tratamento com a
alteridade, sob o racismo persistente,
de relação avassaladora com a
natureza por uma hybris extrativista na
era do capital fóssil (como
argumentaram Andreas Malm e Jason
W. Moore), de relação entre culturas
com um horizonte limitado que não
propicia o reconhecimento das
diferenças e as sacrifica por uma
homogeneização dos códigos do
Atlântico norte. A modernidade madura
é a configuração civilizadora dessa
dialética totalizadora e progressiva,
uma totalidade irrefreável de
totalidades, de inteira desmesura cujo
resultado não poderia ser outro que a
multidimensionalidade de uma crise
civilizadora, uma verdadeira ameaça
para a humanidade em seu conjunto e
para a vida da terra.
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