303
KUSPIOSZ, Douglas Meurer. A metrópole da ilusão: o teatro social de
Uberaba de 1940 [Resenha de: A metrópole imaginária, de André
Azevedo da Fonseca]. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 303-306, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Resenha)
A metrópole da ilusão: o teatro social da Uberaba de 1940
Douglas Meurer Kuspiosz1
Resenha de: FONSECA, André Azevedo da. A metrópole imaginária. Curitiba: Ed.
UFPR, 2020.
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v14i26.59293
Em A Metrópole Imaginária, o historiador And Azevedo da Fonseca
apresenta uma complexa discussão sobre o imaginário local da cidade de Uberaba
(MG) entre os anos de 1940 e 1950, partindo da percepção de que a imprensa atuou
como como principal difusor dos ideários de civilização formulados pelas oligarquias
locais.
Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Fonseca
atualmente é professor associado no Departamento de Comunicação da Universidade
Estadual de Londrina (UEL). A Metrópole Imaginária é um dos resultados do seu
processo de doutoramento.
1 Douglas Meurer Kuspiosz. Mestrando em Comunicação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Paraná,
Brasil. E-mail: douglas.meurer@uel.br - https://orcid.org/0000-0001-9181-9035
Recebido em 21/07/2023, aceito para publicação em 01/10/2023.
304
KUSPIOSZ, Douglas Meurer. A metrópole da ilusão: o teatro social de
Uberaba de 1940 [Resenha de: A metrópole imaginária, de André
Azevedo da Fonseca]. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 303-306, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Resenha)
Dividido em quatro capítulos, o livro realiza uma análise dos processos sociais
de encenação social das elites do interior de Minas Gerais na primeira metade do
século XX. Para isso, emprega como fontes as colunas sociais da imprensa da época,
observando a manipulação das regras de etiqueta como forma de distinção e de
violência simbólica contra quem ameaçava o imaginário da modernidade.
Em uma crítica à perspectiva memorialista da produção histórica financiada
pelos poderes públicos locais, Fonseca atualiza a história da cidade e aponta os
fatores que a levaram ao apogeu e à decadência econômica, quando os coronéis
foram acionados para disciplinar os trabalhadores locais e criminalizar a “vadiagem”.
Contudo, na década de 1930, no contexto da criação de um novo imaginário de
modernização, civilização e cultura nos termos do Estado Novo, o controle e a
disciplina pela violência dos coronéis deu lugar a um controle social mais sutil,
empreendo pela teatralização da vida social.
O livro apresenta as várias artimanhas utilizadas pela elite uberabense para
manter a aura de superioridade e sustentar seu poder simbólico. Um desses pontos
era a encenação do próprio requinte, em contraste com a estrutura urbana precária
da cidade. Fonseca lança mão do conceito de “teatrocracia” de Georges Balandier
para mostrar como, a partir dos imaginários sociais, a coletividade constrói uma
representação de si. A partir dessa perspectiva, ele observou que, na cada de 1940,
a imprensa de Uberaba servia, acima de tudo, para estabelecer um palco para a elite
local. Se por um lado a cidade era caracterizada pela pobreza generalizada, por outro
impunha-se a narrativa, através dos jornais, de uma terra próspera e civilizada,
povoada por uma elite instruída e avançada. Assim, o jornal Lavoura e Comércio teve
papel fundamental na construção da imagem da elite distinta e elegante da cidade
empobrecida. Fonseca destaca que as melhorias urbanas da época contribuíram para
sustentar esse imaginário. Mas a realidade concreta do município era diferente da
fantasia encenada nas páginas de jornais.
Entre as táticas adotadas por esses atores sociais está o que o historiador
chama de “circuitos de amabilidade”. Em suma, esses uberabenses tidos como
distintos trocavam elogios efusivos entre si. Um exemplo trazido no livro é o caso do
diretor do departamento de eletricidade da época: se por um lado o serviço era
reconhecidamente ruim, por outro esse personagem era descrito como “ilustrado”,
305
KUSPIOSZ, Douglas Meurer. A metrópole da ilusão: o teatro social de
Uberaba de 1940 [Resenha de: A metrópole imaginária, de André
Azevedo da Fonseca]. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 303-306, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Resenha)
“idôneo” e “culto” nas páginas dos jornais. Outra forma de distinção era fazer parte de
clubes e associações, que inflacionavam a importância social dos personagens e
garantiam elogios superlativos na imprensa. Mais além, a obra destaca os louvores
circulares entre esses atores sociais que se adulavam e, naturalmente, esperavam
reciprocidade dos pares: aos jornais cabia moldar a reputação dessas elites.
O historiador aponta como a elite uberabense portava-se de formas distintas
para obter poder; uma das formas eram as ações caridosas voltadas às crianças de
rua e às classes marginalizadas, encenando uma imagem piedosa e misericordiosa.
Mas, ao mesmo tempo, a imprensa criava uma representação assustadora das
crianças em situação de rua e dos mendigos leprosos, descrevendo-os como criaturas
ameaçadoras. Já as elites agrárias tinham, por um lado, fortuna e poder; e, por outro,
a presença na imprensa para firmar uma certa mitologia no imaginário social.
Nos anos 1940, os grupos de status locais se empenhavam não apenas para
garantir consideração pública, mas para convencer a cidade de que as lideranças
deveriam ser veneradas e cultuadas. Nesse sentido, o domínio de regras de etiqueta
era fundamental para o exercício do controle social por meio de violência simbólica.
Assim, a elite uberabense, que buscava se associar à ideia de caridade, mantinha
mecanismos repressivos para civilizar o município pela força. Naturalmente, as
violências mais eficazes eram conduzidas de forma polida e refinada.
Um dos problemas sociais mencionados pelos jornais da época, aponta
Fonseca, dizia respeito aos mendigos leprosos, que com o tempo criaram um
paradoxo moral naquela sociedade: enquanto eram um público-alvo para a
publicidade caridosa daqueles atores sociais, por outro ameaçavam a cidade devido
à possibilidade de contágio involuntário. Para justificar a repressão e o expurgo
dessas pessoas, a imprensa disseminou uma representação social que as associava
a criaturas monstruosas e subumanas. Depois de um longo processo de
estigmatização, as pessoas portadoras da doença foram presas em leprosários e
banidas do convívio social.
Outro aspecto abordado é o exagero em relação ao protagonismo da cidade.
Esse ufanismo, sempre projetando o potencial uberabense para o futuro, marcou os
discursos das elites locais. Essa teatralização, pontua Fonseca, era plenamente
306
KUSPIOSZ, Douglas Meurer. A metrópole da ilusão: o teatro social de
Uberaba de 1940 [Resenha de: A metrópole imaginária, de André
Azevedo da Fonseca]. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de
Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 303-306, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Resenha)
consciente por parte das elites locais - elas aceitam essas aparências e deixam-se
enganar por elas, pois essas pessoas se beneficiavam com a fabulação.
O último capítulo do livro, Cinderela ou cidadã, narra o alvoroço social que
marcou a visita da Miss Brasil Jussara Márquez, a “Cinderela do Sertão”, a Uberaba.
No início de 1950, as elites da metrópole imaginária viram uma oportunidade de ouro
para se associar à imagem da celebridade. Os jornais destacaram várias edições para
notificar a visita de Jussara - frustrada em várias ocasiões. Fonseca ressalta a forma
como políticos tentavam se apropriar da mitologia de Márquez para fins eleitorais.
Segundo o historiador, essa excitação com a presença dessa celebridade evidencia a
carência de símbolos daquela magnitude na cidade. Essa ansiedade também
denunciava uma intenção política manifestada no campo das relações sociais: no
teatro social de Uberaba, cultuar a visita da miss era evidenciar a própria cidade.
Atualmente, Uberaba é o maior de Minas Gerais. Os palacetes dos
pecuaristas, que monumentalizaram um ideal de prestígio no passado, foram quase
todos desconfigurados. Outros símbolos do imaginário metropolitano também ruíram
com o tempo. E a cidade cresce como qualquer outra, sem muita organização. Nesse
contexto, o livro A Metrópole Imaginária oferece uma contribuição interessante, nos
campos da História e da Comunicação, sobre as estratégias de teatralização social
mobilizadas por elites interioranas para impor um determinado imaginário coletivo de
progresso. Nessa leitura, colunas sociais deixam de ser interpretadas como um
maneirismo inofensivo, pois se revelam como espaços eminentemente políticos, onde
personagens disputam distinção social. A perspectiva teórica e metodológica da
imaginação social pode contribuir para outras pesquisas no campo da historiografia e
da comunicação.