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PEREGRINO, Miriane. A Rua como Palco de Cultura Viva: Entrevista com
Alexandre Santini. PragMATIZES - Revista Latino-Americana de Estudos
em Cultura, Niterói/RJ, Ano 14, n. 26, p. 203-211, mar. 2024.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Cultura Viva: do Programa à Lei – questões estruturantes no
Brasil e demais políticas de Cultura Viva Comunitária")
A Rua Como Palco de Cultura Viva: Entrevista com Alexandre Santini
Miriane Peregrino1
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v14i26.59704
Resumo: Entrevista com o gestor cultural, dramaturgo e pesquisador, Alexandre Santini, realizada, de
forma remota, no âmbito do projeto “Performances em falares portugueses”. O presente texto apresenta
a relação do entrevistado com o teatro de rua, discutindo o conceito de cultura viva e o contexto da
produção cultural durante a pandemia de 2020.
Palavras-chave: Cultura viva; Arte pública; Tá na rua; Teatro; Pandemia.
La Calle como Escenario de la Cultura Viva: Entrevista con Alexandre Santini
Resumen: Entrevista con Alexandre Santini, gestor cultural, dramaturgo e investigador, realizada a
distancia como parte del proyecto " Performances en lengua potuguesa". Se presenta la relación del
entrevistado con el teatro de calle y se debate el concepto de cultura viva y el contexto de la producción
cultural durante la pandemia de 2020.
Palabras clave: Cultura viva; Arte público; Tá na rua; Teatro; Pandemia.
The Street as a Stage of Living Culture: Interview with Alexandre Santini
Abstract: Interview with the cultural manager, play wright and researcher, Alexandre Santini, carried
out, remotely, within the scope of the project "Performances in Portuguese speaks". This paper
presentes the interviewed's relationship with street theater, discussing the concept of living culture and
the contexto of cultural production during the 2020 pandemic.
Keywords: Living culture; Publicart; It's on the street; Theatre; Pandemic.
1 Miriane Peregrino. Doutora em Letras pela UFRJ. Jovem Pesquisadora Fluminense da
FAPERJ/UFRJ. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: miriane.peregrino@gmail.com
- https://orcid.org/0000-0002-4410-347X
Recebido em 27/08/2023, aceito para publicação em 28/03/2024.
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“Performances em falares portugueses” com Alexandre Santini (Brasil)
Alexandre Santini é formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO, com mestrado em
Cultura e Territorialidades pela UFF. Foi diretor de Cidadania e Diversidade Cultural
no Ministério da Cultura (2015/2016), diretor do Teatro Popular Oscar Niemeyer
(2017/2021) e Secretário das Culturas de Niterói (2022-2023). Santini é autor do livro
“Cultura Viva Comunitária: Políticas Culturais no Brasil e na América Latina”. É
também fundador e docente da Escola de Políticas Culturais. Contribuiu ativamente
na formulação das Leis Cultura Viva e Aldir Blanc 1 e 2. Professor convidado em
programas de pós-graduação da FLACSO (Argentina) e da Universidade Andina
Simón Bolívar (Equador), participou, como palestrante, conferencista e artista, de
encontros, seminários e congressos no Chile, México, Nicarágua, Costa Rica,
Portugal, França, Holanda, Reino Unido, entre outros. Atualmente é presidente da
Fundação Casa de Rui Barbosa.
MP: Bom dia! Aqui é Miriane Peregrino e está no ar o Cabe Mais 1, o podcast do
Jornal Literatura Comunica. E hoje nós iniciamos a série “Performance em falares
portugueses”, onde discutiremos as múltiplas formas de se fazer e pensar a arte da
palavra em Países de Língua Portuguesa. Essa série de Podcast também é uma
maneira de divulgação científica da minha pesquisa acadêmica sobre arte
performativa nessas primeiras décadas do século XXI. Nosso primeiro Episódio, A rua
como palco de cultura viva, tem como convidado Alexandre Santini, diretor do Teatro
Popular Oscar Niemeyer, em Niterói, estado do Rio de Janeiro, Brasil. (…) Alexandre
2 A entrevista aqui transcrita faz parte do projeto “Performances em falares portugueses” que consiste
numa série de entrevistas iniciada em 2021 e fez parte da pesquisa de pós-doutorado desenvolvida
entre 2020 e 2021 no Portugiesisch-Brasilianisches Institut da Universität ZuKöln, Alemanha. Além de
Santini, também foram entrevistados Alvim Cossa (Moçambique) e Elisângela Rita (Angola). No
formato áudio, as entrevistas são divulgadas no Podcast Cabe Mais 1:
https://www.audacy.com/podcast/podcast-cabe-mais1-c93e4/episodes . A entrevista com Alexandre
Santini, em áudio, está no EP 08 que foi ao ar em janeiro de 2021. A presente transcrição foi
realizada por Vitor Manoel Fortunato dos Santos, graduando em Letras pela UFRJ e bolsista de
iniciação científica no projeto “A expansão dos campeonatos de poetry slam em países de língua
portuguesa” que coordeno no âmbito do Programa de Apoio ao Jovem Pesquisador Fluminense da
FAPERJ (E_40/2021).
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Santini, seja muito bem-vindo! É um prazer ter você aqui, nesse podcast, com a gente.
E muito obrigada, mais uma vez, por ter aceito o convite. Gostaria de começar
perguntando como foi o seu encontro com o teatro, mais especificamente, com o teatro
de rua e com o grupo Tá na rua.
Alexandre Santini: Bom, Miriane, primeiro eu fico muito feliz de te reencontrar e ver
você nesse momento, nessa pesquisa, tendo feito essa trajetória, né? É muito bacana,
acho que tem muito a ver com o que a gente também viveu e construiu atrás, desde
o na rua, o Cultura Viva, tudo isso que de certa maneira permeou a minha trajetória
até aqui e, em grande medida, vejo que a sua também. Então, isso é muito bacana,
a gente poder compartilhar essas experiências a partir dessa perspectiva comum. É…
e o meu encontro com teatro, ele se deu antes do… propriamente da entrada do
na rua. Eu cheguei no grupo em dezembro de 2001, mas antes disso a minha trajetória
sempre tinha sido muito pautada pelo teatro, desde muito cedo, e também pela
questão política, desde muito cedo. Eu venho de uma família politizada. Eu, muito
cedo, comecei a me envolver também com movimento estudantil, desde Grêmio,
entidades estudantis… Então foi nessa construção também, sempre entre a política e
o teatro, assim, que eu fui construindo a minha vida. E aí, é, eu fui fazer faculdade na
UNIRIO, de Artes Cênicas, mas eu não me encontrava muito ali naquela formação de
teatro muito voltada pro teatro realista, pra uma certa profissionalização mais no
campo do teatro comercial e tudo. Não era muito o que eu buscava, o que eu gostava,
com o teatro, mas… E comecei a fazer também, aí, umas experiências de
performance, arte pública, na própria UNIRIO também, em alguns festivais que eu
participei no México, trabalhando com a questão dos desaparecidos políticos da
América Latina. Mas me faltava uma certa linguagem mesmo, quer dizer, como fazer.
Ainda era uma experiência muito, assim, que a gente fazia de forma empírica, mas
sem uma formação específica pra esse trabalho de rua, da ocupação cultural dos
espaços públicos. E a chegada ao na rua que, em princípio, se deu como ator,
como brincante, ali, daquele teatro de rua, daquelas manifestações sob a liderança,
ali, do Amir [Haddad], mas certamente o na rua me ensinou muito mais do que o
teatro ou a partir do teatro que se ensina ali. A gente pôde olhar pra outras questões
do mundo. Eu acho que o Amir, o na rua, tem muito essa característica também
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porque, a partir do teatro, observando as relações com a cidade, com a sociedade, de
um modo geral, com as questões políticas da atualidade e tal… Então a gente, eu
pude, no na rua, de certa forma, exercitar, todo esse trabalho de atuação pública
no sentido mais amplo mesmo. Tanto a dimensão política, ali, da constituição da
política pública, das lutas pela própria manutenção, ali, do espaço do na rua. A
questão, depois veio a lei das Artes públicas. Quando você olha a trajetória, você
percebe que também, a partir dali, do na rua se criou e se mantém toda uma
articulação, todo um movimento. Então, isso aí, isso me influenciou decisivamente.
Inclusive, a opção por ir pro caminho mais da gestão cultural, acabou acontecendo no
próprio Tá na rua, com o Pontos de Cultura, que foi esse projeto que você conheceu,
participou… Vivenciamos porque o Cultura Viva abriu, descortinou também pra
mim, um outro caminho, novo e que… do qual eu ainda sigo, que é pensar as políticas
culturais, as políticas públicas de cultura, essa relação também com a América Latina.
Tudo isso que foi se construindo aí nos últimos anos, e que ainda se mantém apesar
do momento difícil que a gente vive no Brasil.
MP: Santini, eu estava aqui te escutando e passou um filme na minha cabeça. Eu
lembro que antes de ser Agente Cultura Viva, no na rua, eu e um grupo de
colegas da faculdade, nós fomos assistir o “Dar o Dói, o que Dói é Resistir”, que
vocês encenavam no Largo da Carioca, toda sexta-feira. Isso lá pra 2005, 2004, mais
ou menos. E foi um espetáculo que eu assisti, até participei algumas vezes também,
que me marcou muito na época, Era uma reelaboração da história do Brasil, da
ditadura militar na rua, né? Era muito impressionante. E, de lá pra cá, apesar desses
avanços que a gente teve, aí, na política, a gente também caiu num grande
negacionismo histórico, num conservadorismo, aí, da extrema direita. É um salto muito
complexo, difícil de entender, de digerir, mas, é… voltando aqui ao nosso tema, eu
gostaria também que você falasse um pouco sobre o seu livro, "Cultura Viva
Comunitária: Políticas Culturais no Brasil e na América Latina", que você publicou pela
ANF Produções, em 2016. Eu sei que esse livro, ele nasceu da sua atuação como
gestor cultural e da sua dissertação de mestrado na UFF, mas eu queria de saber
como você trabalha esse conceito e quais são os pontos de aproximação ou de
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diferenças aí entre a Cultura Viva Comunitária no Brasil e em outros países, que você
pesquisou, trabalhou, enfim.
Alexandre Santini: Você se refere, aí, ao espetáculo “Dar não Dói, o que Dói é
Resistir”, que a gente fez no na rua, de 2003 a 2010, mais ou menos, porque depois
ele foi sendo adaptado de outras formas. E era interessante porque era uma
abordagem parecida com a do teatro de revista, que é contando episódios históricos,
de uma forma, evidentemente, irreverente, bem-humorada, como é próprio do teatro
de rua. Chegamos a levar esse espetáculo pra França, enfim, pra várias praças do
Brasil também. E era de fato um momento aonde o Brasil estava, vamos dizer assim,
poderíamos dizer que, naquele período estávamos vivendo o governo Lula, a gestão
do Gilberto Gil no Ministério da Cultura, o início ali também do Cultura Viva, dos Pontos
de Cultura, né? Então a gente podia falar que havia um clima de reencontro do Brasil
consigo mesmo, algo muito diferente do que a gente experimenta nos dias de hoje
[2021]. E, nesse contexto, foram produzidas políticas culturais emancipatórias, dentre
elas, o Cultura Viva, os Pontos de Cultura, particularmente com o qual, a partir dali,
daquele momento ali do na rua, fui tendo uma relação, uma participação muito
intensa, chegando mesmo a participar da gestão do programa, em alguns momentos.
A aproximação com a América Latina, ela se deu inicialmente pelos próprios agentes
culturais, grupos, organizações culturais comunitárias de outros países que
começaram a conhecer e a entender que aquela política pública poderia ser efetiva
também nos seus contextos e realidades nacionais. Teve um momento importante
disso que foi o Fórum Social Mundial, em 2009, realizado em Belém, onde vários
grupos de países como Argentina, Colômbia, Peru e tal tomam contato com a
experiência dos Pontos de Cultura de uma forma mais sistematizada. Teve um
seminário, um debate sobre esse tema [no Fórum]. E você começa a ter
movimentações pela sociedade civil e, depois, governos fazendo, criando políticas.
Interessante essa mudança de status, do conceito, porque, na América Latina, se
incorporou esse nome “Cultura Viva Comunitária”, se incorporou essa dimensão aí do
“comunitário” porque, de fato, havia, antes mesmo dos Pontos de Cultura, de isso
surgir como política pública no Brasil, havia esse conceito da Cultura Comunitária
bastante desenvolvido na América Latina. O teatro comunitário… existe uma rede
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latino-americana de teatro comunitário. O conceito de Cultura Comunitária, ele é
mais… ele vem das Comunidades Eclesiais de Base (CEB), em alguns países como
na Colômbia, na América Central, né? Então havia esse conceito de Cultura
Comunitária desenvolvido e a questão da Cultura Viva Comunitária foi um conceito
que acabou unificando. É o que eu chamo de um repertório comum pra pensar as
políticas culturais na América Latina, e que é o que eu trato no livro basicamente,
reconstituindo uma linha do tempo desse processo no Brasil e, também, como se deu
isso na América Latina. O livro aborda de forma mais detida esse processo aí,
histórico, essa linha de tempo que foi sendo construída. E acho que hoje, quer dizer,
existe, de fato, na América Latina, uma compreensão comum, a vários países. Hoje
existe um programa intergovernamental que integra mais de 11 países também,
que é o IberCultura Viva, um programa da SEGIB - OEI, Organização dos Estados
Ibero-Americanos, Secretaria-Geral Ibero-Americana. Então, acho que, nesse
sentido, aquilo que foi plantado lá atrás deu frutos, ainda que no Brasil a gente esteja
vivendo um contexto de retrocesso [2021], muito grande, em vários sentidos, na
questão democrática, mas também, particularmente, na questão das políticas
culturais.
MP: Alexandre, nós tivemos, aí, uma grande interrupção da arte na rua ao longo desse
último ano de 2020 por conta do Corona, mas muito já se produziu e muito ainda está
pra ser produzido nas ruas. E você, que vive e sente a rua como um palco para as
artes, também para as artes políticas... Qual a importância dessa ocupação das ruas
pra você, não pelo teatro, mas também pela música, pelos slams? Gostaria que
você falasse um pouco disso, da importância da ocupação da rua pela arte.
Alexandre Santini: Então, eu acho que a arte de rua, ela foi afetada como toda a
manifestação artística, todo o setor cultural foi afetado pela pandemia, né? Não é algo
específico em relação a arte de rua. Afeta os teatros, os cinemas, afeta a indústria
cultural, afeta tudo. Mas, evidentemente que a arte de rua fica prejudicada também
nesse contexto. Ao mesmo tempo, acho que o espaço público, no sentido mais geral
(aí, não estamos falando especificamente das artes performativas, mas também), ele
permite possibilidades de utilização artística dele pra além de outras possibilidades de
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utilização, que os espaços, teatros, galerias, cinemas etc. e tal, não têm. Eu estou
vendo, por exemplo, um fortalecimento ou uma expansão do muralismo, por exemplo.
No caso, aqui, no Brasil, tenho percebido que os recursos, que seriam aplicados em
artes performativas ou em eventos, estão sendo, em alguns casos, repassados pra
experiências de pinturas gigantes em fachadas de prédio. Acho que tem um espaço
aí pra pensar intervenções no espaço público, instalações. Coisas que dialoguem ou
que interpelem as pessoas na rua, até sobre a situação mesmo real, de uma forma
que mantém a distância, que não gere aglomeração. Acho que essas coisas que estão
sendo feitas, por exemplo, nas varandas, nas casas, nas janelas das casas… isso
tudo é arte pública. De uma certa forma também é a intervenção artística cultural no
espaço público… Acho que isso também, é… tem uma coisa que essa pandemia
do coronavírus também nos deve ter resgatado, de alguma forma, ou deveria nos
resgatar, de alguma forma, é o sentido de coletividade, de que somos todo mundo
parte da mesma humanidade, nós estamos na mesma viagem, nesse tempo histórico.
Então, se a gente perceber, eu acho que esses movimentos que desencadeiam ações
numa lógica de rede e que estão acontecendo de uma forma ou de outra em todo o
mundo, eles são bastante interessantes também do ponto de vista de se pensar uma
arte dos espaços públicos. E não estou me referindo especificamente a teatro ou
slam ou qualquer coisa, estou falando de como, artisticamente e culturalmente, você
consegue interferir no cotidiano através de uma coisa que rompa com o meramente
normal ali, quando você rompe ali aquele cotidiano de alguma forma.
MP: Alexandre, eu estou muito feliz em te ouvir. Estou muito feliz que você topou
participar e eu acho que a gente pode terminar essa conversa falando um pouco sobre
o Teatro Popular Oscar Niemeyer. Eu tenho um carinho muito grande por esse teatro.
Ele fez parte do meu cotidiano durante muitos anos ali, porque eu morei justamente
na rua São João, bem em frente, né? A minha janela era bem em frente ao terminal
João Goulart, e também, logicamente, em frente ali ao Teatro Popular Oscar
Niemeyer. Era uma paisagem que fazia parte do meu cotidiano e o teatro, ele traz um
movimento, ele tem uma beleza do movimento ali já na imagem daquela bailarina que
ilustram os azulejos do teatro, também naquele painel gigante que tem na entrada, o
pátio do teatro, que é gigante. Vocês realizam muitas atividades ali no pátio também.
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E o teatro também tem um palco reversível, que dá pra movimentar pra área externa,
não é isso? Ele vira, se eu não me engano, pra área externa. Fora isso, o próprio
teatro carrega “popular” no nome, então eu queria que você falasse um pouco pra
gente sobre o teatro de rua a partir do Teatro Oscar Niemeyer. Será que é possível a
gente dizer que o Teatro Popular Oscar Niemeyer é um teatro de rua? Obviamente
que ele não é, mas ele é voltado pra rua, o que você acha?
Alexandre Santini: Olha, realmente, ter tido a oportunidade, nesses quatro anos, de
dirigir o Teatro Popular Oscar Niemeyer, pra mim, foi muito significativo e eu tenho
uma memória muito bonita porque eu estudava… Quando era estudante secundarista,
eu estudei no Pedro II, no ensino médio, e eu morava em Niterói. Minha mãe, né,
sempre morou em Niterói. Eu ficava entre a casa dela, em Niterói, e a do meu pai, no
Rio. Então eu vi aquele teatro sendo erguido. Isso era final da década de 90, começo
dos anos 2000… não, final da década de 90. [Eu] era secundarista ainda, 96/97… Eu
via ele sendo erguido, as fundações e tal, foi uma construção também que demorou
bastante tempo… e o próprio funcionamento dele a pleno, acabou vindo a
acontecer poucos anos atrás… Mas é justamente pelas características que ele tem,
quer dizer, que ele traz a rua pra dentro do teatro de uma certa forma, né? O próprio
teatro enquanto espaço de circulação. Então é… ele tem aquele foyer inferior, foyer
superior… a sala de espetáculo, ela tem um janelão, quer dizer, ela é aberta. A ideia
de um teatro, realmente, é voltado pra fora. E acho que isso tem tudo a ver com a
vocação que a gente procurou dar ao teatro, na gestão dele mesmo, no que a
gente pensou a curadoria e tal. Inclusive, tive a oportunidade também de a gente fazer
uma homenagem ao Amir Haddad, ao na rua, no Festival Niterói em Cena, que
aconteceu no ano passado, 2019. E, justamente, obviamente, ele utilizou aquela porta
do teatro aberta pra, em duas ocasiões, tanto usando a praça, ali chamada Praça do
Povo que é pra onde se abre o palco ali, como área cênica, como também no momento
que fez o espetáculo dentro dum palco, utilizou com a porta reversível ali aberta. Então
o teatro, ele tem essa característica. Eu tenho pensado e tenho falado muito também
agora nesse momento (saiu até uma matéria recentemente no Segundo Caderno do
Globo) sobre como que aquele teatro pode ser interessante como lugar pra se pensar
a retomada das atividades culturais no pós-pandemia. De fato, a gente teve agora
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algumas experiências de fazer, retomar a programação, no mês de novembro, com
presença de público, com 30%, uma presença muito limitada de público, mas o teatro,
ele é absolutamente adequado, na medida em que existe uma amplitude de áreas
externas com circulação, com ventilação, que permite que, evidentemente com todos
os protocolos e cuidados, com máscaras e tal, você consiga ter pessoas ali, sem
aglomerações. De qualquer forma, eu acho que ele é um teatro pensado mesmo pra
essa abertura, e a gente procurou trabalhar a nossa concepção de programação, de
curadoria, de ação no teatro, tendo em mente essa dimensão, também da arquitetura
de um teatro, pensando mesmo que seria um teatro popular. Então, do ponto de vista,
é de explorar bastante, na programação, as áreas externas e o entorno. Uma série de
iniciativas que foram feitas ao longo desse período de quatro anos que a gente estava
à frente do teatro, que levou em consideração talvez toda essa trajetória aí que você
conhece… do na rua, dos Pontos de Cultura, do Cultura Viva no Brasil, na América
Latina. De certa forma, isso também permeou a nossa gestão e a nossa atuação
no teatro. Tá bom? Acho que por aí a gente vai bem. Obrigado!
MP: Eu que te agradeço, Santini. Foi muito bom te escutar, ter esse momento de
partilha com você, depois de tanto tempo, né? A gente se conheceu no Tá na rua, há
15 anos atrás, como você disse, eu fui Agente Cultura Viva lá e depois, realmente, eu
mergulhei na literatura e só recentemente eu tenho revisitado o teatro, agora com um
olhar mais interdisciplinar, por conta dessa pesquisa sobre artes performativas. (…)
Esse episódio, ele teve apresentação e pesquisa minhas, edição e mixagem de
Thiago Kobe, design do Anísio Borba. A gente escutou, na abertura, "Carioca bags",
de Thiago Kobe com participação da Marcela Velon, e a gente fecha, agora, com
"Café" da banda El Efecto. Até a próxima, gente!